Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA POTT | ||
Descritores: | ASSÉDIO SEXUAL DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Assédio sexual cometido por um trabalhador em relação a três colegas de trabalho – Artigos 29.º n.ºs 1 e 3, 127.º n.º 1 – k) e l) e 128.º n.º 1 – a) do Código do Trabalho – Intenção de praticar os actos de carácter sexual – Desnecessidade de se provar a intenção de produzir os efeitos previstos no artigo 29.º n.º 2 do Código do Trabalho – Despedimento sem indemnização ou compensação – Elementos da justa causa de despedimento – Artigos 328.º, 330.º e 351.º do Código do Trabalho – Direito à segurança no emprego, direito ao trabalho, não discriminação em função do sexo e organização do trabalho em condições socialmente dignificantes – Artigos 53.º, 58.º n.º 2 – b) e 59.º n.º 1 – b) da Constituição da República Portuguesa | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa Sentença recorrida 1. Na presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, intentada pelo autor/recorrente, contra a ré/recorrida, por sentença de 15.11.2024 (referência citius 15334968), o 1.º Juízo do Trabalho de Sintra, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão: “III – DECISÃO: Face ao exposto julga-se a acção improcedente, declarando-se lícito o despedimento do Trabalhador e, consequentemente, absolve-se a Entidade Empregadora dos pedidos contra esta formulados. Valor da acção: € 5.000,01 (cfr. art. 98.º-P n.º 2 do CPT). Custas pelo Autor (cfr. art. 527.º n.º 1 do CPC).” Alegações do recorrente 2. Inconformado com a sentença mencionada no parágrafo anterior, o recorrente (trabalhador), dela veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 26963161 de 17.12.2024), formulando o seguinte pedido: “(...) deve a Sentença Judicial recorrida ser revogada concluindo-se pela ilicitude do despedimento decretado com todas as suas consequências e implicações legais solicitadas na Petição Inicial pelo aqui Autor, mormente a sua reintegração laboral, atentas as razões supra explanadas”. 3. Nas suas alegações vertidas nas conclusões, o recorrente impugna a decisão recorrida com base nos argumentos que o Tribunal a seguir sintetiza: • Os factos provados H a DD e HH a KK são insuficientes para preencher a justa causa de despedimento, uma vez que não existe impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral; • O recorrente tem 6 anos de antiguidade sem antecedentes disciplinares e provou-se que tem um filho menor; • À luz do disposto nos artigos 251º nº 3, 328º, 330º e 351.º do Código de Trabalho (CT) devia ter sido aplicada outra sanção disciplinar menos grave do que o despedimento; • Para que exista assédio sexual nos termos previstos no artigo 29.º n.º 3 do CT é necessário o dolo, que inclui a intenção de produzir os efeitos previstos no n.º 2 desse preceito, o que não se provou; • A sentença recorrida infringe os artigos 330º nº 1, 351º nº 3 e 381º alínea b) do CT. Contra-alegações da recorrida 4. A recorrida (empregadora) contra-alegou (cf. referência citius 27044313 de 6.1.2025), pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese: • O comportamento do recorrente, apreciado à luz dos critérios previstos no artigo 487.º n.º 2 do Código Civil (CC), foi culposo, constituiu uma violação grave e intolerável dos deveres de respeito, probidade e urbanidade; • O recorrente violou os deveres impostos ao trabalhador pelo artigo 128.º - a), c) e h) do CT; • Isso torna praticamente impossível a manutenção do contrato de trabalho; • A recorrida/empregadora não pode compactuar com o assédio sexual cometido pelo trabalhador/recorrente contra outras trabalhadoras da empresa. Parecer do Ministério Público 5. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 23252605 de 9.6.2025), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnado pela improcedência do recurso e defendendo, em síntese, que: • Resulta dos factos provados, não impugnados no presente recurso, que o comportamento do recorrente se enquadra na prática de assédio sexual e foi culposo e grave; • Existe nexo causal entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho; • Do elenco das sanções disciplinares previstas no artigo 328.º do CT, o despedimento é a sanção adequada e proporcional à gravidade do comportamento em causa. Delimitação do âmbito do recurso 6. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, suscitadas pelo recorrente e vertidas nas conclusões: A. A intenção de produzir um determinado resultado como pressuposto do assédio sexual B. Inexistência de justa causa de despedimento Factos 7. Os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração/alíneas, pelas quais foram designados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões. 8. Factos provados Por acordo e por documentos: 1. A Ré é uma sociedade comercial que, na prossecução do seu escopo social, se dedica ao comércio a retalho de artigos de desporto, de campismo e lazer, em estabelecimentos especializados. 2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré mediante contrato de trabalho realizado a 13 de Dezembro de 2017, detendo, no momento do seu despedimento, a categoria profissional de operador de loja, exercendo as suas funções na secção de calçado. 3. O contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré cessou em virtude da produção dos efeitos da decisão por despedimento com justa causa. 4. O processo disciplinar resultou da participação disciplinar apresentada no dia 21 de Agosto de 2023. 5. A Ré entendeu que a presença do Autor no local de trabalho era insustentável para o bom funcionamento da loja, bem como para o normal andamento do processo disciplinar. 6. No dia 06 de Setembro de 2023, o Autor foi notificado da sua suspensão da prestação de trabalho, sem perda de retribuição. 7. Foi levado a cabo um inquérito disciplinar. 8. Quanto à prova testemunhal, foram inquiridas, no dia 11 de Setembro de 2023, as seguintes testemunhas: a) BB; b) CC; c) DD; d) EE; e) FF; 9. No mesmo dia, 11 de Setembro de 2023, foi, ainda, inquirido o Autor. 10. Foi remetida nota de culpa ao Autor, onde se articularam os factos que lhe eram imputados, concedendo-se o prazo de 10 dias para que o mesmo apresentasse a sua defesa. 11. O Autor exerceu o seu direito de consultar o procedimento disciplinar. 12. Após receção da nota de culpa, no dia 10 de Outubro de 2023, e consulta do procedimento disciplinar, o Autor remeteu resposta à nota de culpa. 13. A resposta à nota de culpa foi rececionada no dia 25 de Outubro de 2023. 14. Para prova dos factos alegados na respetiva resposta, o Autor requereu a inquirição das seguintes testemunhas: - DD; - BB; - CC; - FF; - GG; - HH; - II; - JJ; - KK; - LL; - MM; - NN; 15. Na sequência da resposta apresentada, foi promovida a inquirição das testemunhas indicadas pelo Autor, tendo-se limitado a inquirição a 10 das 12 testemunhas indicadas. 16. No dia 26 de Outubro de 2023, foi notificada a mandatária do Autor da diligência de inquirição das testemunhas indicadas pelo Autor. 17. No mesmo dia, foi ainda comunicado à mandatária, à data, do Autor, que o mesmo deveria assegurar a comparência das testemunhas indicadas na hora e local da realização da diligência. 18. Adicionalmente, foi agendado o dia 03 de Novembro de 2023, pelas 08h30, na sede da Ré, para audição das testemunhas a apresentar pelo Autor, sobre os factos indicados no requerimento probatório. 19. No dia 03 de Novembro de 2023 compareceram, à hora e no local designado, as seguintes testemunhas: - NN; - LL; - A testemunha KK compareceu e foi ouvida por videoconferência. 20. As declarações das testemunhas supra indicadas foram prestadas na presença dos dois mandatários, à data, do Autor. 21. Mais nenhuma testemunha indicada pelo arguido compareceu fisicamente ou através de qualquer outro meio, na diligência. 22. Face à impossibilidade da testemunha JJ de estar presente na data marcada para a inquirição, quer presencialmente, quer por outro meio, foi requerido pelos mandatários do Trabalhador que a mesma pudesse ser ouvida em data a designar. 23. Para este efeito, no dia 16 de Novembro de 2023, notificou os mandatários do Trabalhador de que iria ouvir a testemunha JJ, no dia 20 de Novembro de 2023, pelas 08h30. 24. A Ré, na notificação enviada, indicou ainda como datas alternativas o dia 21 e 22 de Novembro de 2023, para a inquirição da testemunha. 25. No dia 21 d[e] Novembro de 2023, o Trabalhador prescindiu da audição da testemunha através dos seus mandatários. 26. Nessa medida, no mesmo dia, 22 de Novembro de 2023, por despacho, a Ré deu como encerradas as diligências probatórias. Da prova produzida em audiência de julgamento: A. A Ré é uma sociedade comercial que, na prossecução do seu escopo social se dedica ao comércio a retalho de artigos de desporto, de campismo e laser, em estabelecimentos especializados. B. O Autor foi admitido ao serviço da Ré mediante contrato de trabalho realizado em 13 de Dezembro de 2017, detendo atualmente a categoria de Operador de loja, na secção de calçado. C. O Autor exercia as suas funções no estabelecimento da Ré, na ..., sita em Avenida 3 e doravante designada apenas por loja. D. O Autor era operador de loja na Loja do Centro Comercial … desde 01 de Agosto de 2021. E. As funções do Autor consistiam em atendimento ao público, organização e arrumação do stock disponível em armazém. F. Para este efeito, o Autor tinha de trabalhar em equipa com diversos colegas de trabalho, partilhando o mesmo local de trabalho e instalações da loja. G. A trabalhadora DD é trabalhadora da arguente desde o dia 19 de Setembro de 2022. H. A trabalhadora DD era colega de trabalho do Autor. I. O Autor começou com brincadeiras, agarrando-a e tocando-lhe sem que esta desse permissão, e, mais uma vez, introduzindo e conduzindo sempre a conversa, para o lado sexual. J. Ao início esta trabalhadora ignorou as tentativas do Autor, mas as conversas foram escalando ao longo do tempo. K. O Autor continuou a tentar introduzir conversas de teor sexual, fazendo, por várias vezes, referência à diferença de idades entre ambos – à data a DD tinha 18 anos e o Autor, mais de 35. L. Numa dessas vezes em que o Autor saiu pela zona de têxtil, a trabalhadora estava no provador, e o Autor aproximou-se e sussurrou-lhe “tu dás-me tesão”. M. Esta situação ocorreu em 2023. N. Em data não concretamente apurada, mas em 2023, quando a trabalhadora se encontrava na sala de pausa, o Autor entrou, baixou as calças, expondo a genitália, enquanto se ria. O. Em ocasião distinta, também quando a trabalhadora se encontrava na sala de pausa, o Autor aproximou-se dela, por trás, encostou-se, agarrou-a e mordeu-lhe o braço, mesmo após a DD ter pedido, várias vezes, para o Autor parar. P. Em data não concretamente apurada, mas em 2023, a trabalhadora estava a almoçar frango assado, na sala de pausa, e estava a comer com as mãos. Q. O Autor entrou, encostou-se a ela e lambeu-lhe os dedos. R. A trabalhadora BB é trabalhadora da empresa desde 1 de Junho de 2023. S. À semelhança do sucedido com a DD, desde que começou a trabalhar na... que o Autor começou a tentar meter conversa. T. Por várias vezes, agarrou-a e “roçou-se” na trabalhadora. U. A trabalhadora encontrava-se na sala de pausa com mais um colega e a sua chefe de secção – OO. V. Os restantes colegas saíram e foi nesse momento que apareceu o Autor, que se aproximou da trabalhadora por trás, e agarrou-a. W. A trabalhadora pediu ao Autor que a largasse, mas ele, ignorando os pedidos, continuou a agarrá-la, até que a trabalhadora começou a gritar. X. Ouvindo os gritos da trabalhadora, a chefe de secção que, reentrou na sala de pausa e tentou separar o Autor da trabalhadora. Y. A trabalhadora CC, é trabalhadora da empresa desde 02 de Agosto de 2021 exercendo, atualmente, funções de senior sales. Z. Em data não concretamente apurada, mas em 2023, a trabalhadora CC encontrava-se na sala de pausa, a gravar um vídeo para o tik tok. AA. O Autor entrou e baixou as calças, expondo parcialmente a genitália. BB. O momento relatado ficou gravado em vídeo. CC. No vídeo o Autor baixa parcialmente as calças, expondo parte da genitália. DD. O Autor sabia que estava a ser filmado quando estava a ser realizado o vídeo pela CC. EE. Após suspensão do Autor, e no seguimento das diligências instrutórias levadas a cabo pela aqui Ré, entre os dias 11 e 15 de setembro de 2023, o Autor enviou mensagens via whatsapp à trabalhadora CC, com o seguinte teor: “Eu não quero ganhar nada nada em bater de frente! A própria advogada disse que que se as denúncias forem retiradas não há caso!”. “Eu sei que a... quer queimar me á força toda e possivelmente fez a cabeça a elas para dizer A ou B e estão a fazer o mesmo a vocês… querem que vocês pensem que não há outra maneira senão eu despedir me, mas há! Porque até agora foram denunciadas sem provas… se as meninas disserem que foi apenas porque chatearam se comigo do gênero algo pessoal eles não podem acusar-me de nada.”. “As coisas que elas disseram foram graves! Elas não sabem as consequências do que disseram… e sei muito bem que disseram coisas de raiva e chateadas, mas isto não é uma novela e aqui as coisas podem ter rumos muito graves!” “Elas podem retirar as denuncias e simplesmente falar comigo que eu peço desculpa a elas e não as chateio mais juro pela minha filha!”. “Isto é a minha vida toda a ser desperdiçada por algo pessoal e sem necessidade. Se elas retirarem as queixas eles não vão poder fazer nada! Vão tentar pressionar elas para manterem e que se retirarem podem ser punidas, mas não podem fazer nada... basta elas falarem com algum advogado que vão ficar a saber disso! Houve casos na ... de denuncias sobre um gerente que batia e abusava psicologicamente de funcionarias e a ... não fez nada a ele... abafaram tudo e ainda retiraram uma faz vítimas da loja e meteram na nossa “Por favor, CC, elas apenas que retirem as queixas que eu peço desculpa, o que elas quiserem mas por favor que não estraguem a vida de alguém que tem filhos para criar e casa para sustentar por cenas que não fiz com malicia e que podiam ter vindo falar comigo que eu pedia desculpa e não brincava mais com elas!”. FF. Após todas estas mensagem, a trabalhadora respondeu: “Eu não sei o que te dizer, eu quero ajudar, mas sinceramente não sei como, não se trata só de pedir que sejam, retiradas as queixas, vai para além disso. Não queres tentar falar com o PP?. (fazendo alusão ao gerente de loja, PP). GG. O Autor respondeu: “Apela só a elas ao bom senso de retirarem as queixas por favor, o resto eu trato com a ...”. (referindo-se ao PP, gerente de loja) “Já falei no dia que estive aí, pedi-lhe a mesma coisa mas duvido que ele vá fazer!”. “Eu não estou a pedir que vocês metam o vosso trabalho em causa! Apenas tu como tens mais confiança com elas, que fales com elas todas… fazer um grupo no WhatsApp com as meninas todas e expor o perigo desta situação caso avance e que independentemente de quem tenha sido peço desculpas de coração!”. “Elas têm que ter noção que indo a tribunal e elas forem chamadas terão que comprovar que foram realmente agredidas sexualmente por mim e sabendo que as brincadeiras foram consentidas por elas desde início havendo testemunhas que viram que sim elas podem queimar sem necessidade! Basta retirarem as queixas justificando que não tinham noção da repercussão que teriam na minha vida pessoal e que a intenção era apenas que eu não brincasse mais com elas. Tudo se resolve da melhor maneira acredita!”. HH. O Autor agiu de modo livre, intencional e plenamente ciente da ilicitude das suas ações quando se dirigia às trabalhadoras DD, BB e CC, proferindo comentários de teor sexual e perpetuando atitudes de cariz sexual. II. Os comportamentos e comentários supramencionados de teor sexual levados a cabo pelo arguido, importunaram e constrangeram as sobreditas trabalhadoras. JJ. Desde o início da actividade laboral do aqui Autor e durante seus 6 anos ao serviço da Ré nunca o seu comportamento foi objeto de qualquer queixa ou sanção disciplinar, ou sequer de reparo por parte dos colegas ou superiores hierárquicos. KK. O aqui Autor, é pai de um filho menor, era trabalhador efectivo da Ré. 9. Factos não provados 1. A Ré tem uma política de combate ao assédio moral e sexual afixada no local de trabalho. 2. Em data não concretamente apurada, mas em 2023, o Autor disse à trabalhadora “se quiseres, eu quero”, fazendo referência a relações sexuais. 3. Noutra ocasião, também em data não apurada, mas ocorrida em 2023, o Autor comentou com esta trabalhadora “esta empresa está sempre a contratar meninas novas, não sei o que se está a passar”. 4. Em ocasião distinta o Autor, na presença da trabalhadora, perguntou a uma colega de trabalho, QQ, onde é que ela tinha piercings, insinuando que a colega poderia ter piercings na zona íntima, deixando-a, visivelmente desconfortável. 5. Quando o arguido tem de ir buscar pedidos ao armazém, propositadamente, em vez de sair pela porta de saída do armazém, dá a volta e sai pelo provador (pela zona têxtil), onde tem mais colegas do sexo feminino. 6. Enquanto, contra a sua vontade, se encostava à trabalhadora e fazia movimentos de cariz sexual. 7. A trabalhadora pediu ao Autor que se afastasse, e o Autor retorquiu “até parece que não gostaste, que não fazes isto com o teu namorado”. 8. A situação incomodou de tal forma a trabalhadora que esta ameaçou demitir-se. 9. O Autor iniciou conversas de teor sexual com a BB, perguntando-lhe o que é que ela gostava de fazer com o namorado, fazendo alusão à vida sexual da trabalhadora. 10. O facto indicado em U supra ocorreu em Agosto de 2023. 11. As atitudes do Autor deixaram a BB extremamente desconfortável e que, após estes acontecimentos deixou de falar com o Autor, mas que, mesmo assim, o Autor, em tom jocoso lhe dizia “estás amuada, és um bebezinho”. 12. Em data não concretamente apurada, mas no decorrer de 2023, o Autor dirigiu-se à trabalhadora CC e disse “eu ando sempre sem boxers, queres ver?” 13. E, em ato corrido, baixou as calças, expondo a genitália. 14. No jantar de Natal da empresa, ocorrido no dia 05.12.2022, em momento de descontração, enquanto todos estavam a dançar, o Autor agarrou CC e iniciou movimentos de cariz sexual, apesar de a trabalhadora lhe ter pedido que parasse. 15. O Autor padece já alguns anos de uma hérnia na coluna vertebral que lhe tem diminuído a capacidade de trabalho, tendo já estado de baixa médica e faltado justificadamente ao trabalho, o que é do desagrado da Ré. 16. A Ré pretende obter a dispensa de um trabalhador que começa a apresentar limitações físicas ao trabalho em causa. Quadro legal relevante 10. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte: Constituição da República Portuguesa ou CRP ARTIGO 17.º (Regime dos direitos, liberdades e garantias) O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga. ARTIGO 18.º (Força jurídica) 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. ARTIGO 53.º (Segurança no emprego) É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Artigo 58.º (Direito ao trabalho) 1. Todos têm direito ao trabalho. 2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) A execução de políticas de pleno emprego; b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais; c) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores. Artigo 59.º (Direitos dos trabalhadores) 1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar; c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde; d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas; e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego; f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional. 2. Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente: a) O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento; b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho; c) A especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas; d) O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais; e) A protecção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes; f) A protecção das condições de trabalho dos trabalhadores-estudantes. 3. Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei. Código do Trabalho ou CT Artigo 29.º Assédio 1 - É proibida a prática de assédio. 2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. 3 - Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior. 4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior. 5 - A prática de assédio constitui contraordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei. 6 - O denunciante e as testemunhas por si indicadas não podem ser sancionados disciplinarmente, a menos que atuem com dolo, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo, judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio até decisão final, transitada em julgado, sem prejuízo do exercício do direito ao contraditório. Artigo 127.º Deveres do empregador 1 - O empregador deve, nomeadamente: a) Respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade, afastando quaisquer atos que possam afetar a dignidade do trabalhador, que sejam discriminatórios, lesivos, intimidatórios, hostis ou humilhantes para o trabalhador, nomeadamente assédio; b) Pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho; c) Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral; d) Contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação; e) Respeitar a autonomia técnica do trabalhador que exerça actividade cuja regulamentação ou deontologia profissional a exija; f) Possibilitar o exercício de cargos em estruturas representativas dos trabalhadores; g) Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, devendo indemnizá-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho; h) Adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho; i) Fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença; j) Manter actualizado, em cada estabelecimento, o registo dos trabalhadores com indicação de nome, datas de nascimento e admissão, modalidade de contrato, categoria, promoções, retribuições, datas de início e termo das férias e faltas que impliquem perda da retribuição ou diminuição de dias de férias. k) Adotar códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores; l) Instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho. 2 - Na organização da actividade, o empregador deve observar o princípio geral da adaptação do trabalho à pessoa, com vista nomeadamente a atenuar o trabalho monótono ou cadenciado em função do tipo de actividade, e as exigências em matéria de segurança e saúde, designadamente no que se refere a pausas durante o tempo de trabalho. 3 - O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da actividade profissional com a vida familiar e pessoal. 4 - O empregador deve afixar nas instalações da empresa toda a informação sobre a legislação referente ao direito de parentalidade ou, se for elaborado regulamento interno a que alude o artigo 99.º, consagrar no mesmo toda essa legislação. 5 - (Revogado.) 6 - (Revogado.) 7 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nas alíneas k) e l) do n.º 1 e contraordenação leve a violação do disposto na alínea j) do n.º 1 e no n.º 4. Artigo 128.º Deveres do trabalhador 1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade; c) Realizar o trabalho com zelo e diligência; d) Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador; e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias; f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios; g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador; h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa; i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim; j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos. Artigo 328.º Sanções disciplinares 1 - No exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções: a) Repreensão; b) Repreensão registada; c) Sanção pecuniária; d) Perda de dias de férias; e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade; f) Despedimento sem indemnização ou compensação. 2 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras sanções disciplinares, desde que não prejudiquem os direitos e garantias do trabalhador. 3 - A aplicação das sanções deve respeitar os seguintes limites: a) As sanções pecuniárias aplicadas a trabalhador por infracções praticadas no mesmo dia não podem exceder um terço da retribuição diária e, em cada ano civil, a retribuição correspondente a 30 dias; b) A perda de dias de férias não pode pôr em causa o gozo de 20 dias úteis; c) A suspensão do trabalho não pode exceder 30 dias por cada infracção e, em cada ano civil, o total de 90 dias. 4 - Sempre que o justifiquem as especiais condições de trabalho, os limites estabelecidos nas alíneas a) e c) do número anterior podem ser elevados até ao dobro por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. 5 - A sanção pode ser agravada pela sua divulgação no âmbito da empresa. 6 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 3 ou 4. Artigo 329.º Procedimento disciplinar e prescrição 1 - O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime. 2 - O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção. 3 - O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final. 4 - O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele. 5 - Iniciado o procedimento disciplinar, o empregador pode suspender o trabalhador se a presença deste se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição. 6 - A sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador. 7 - Sem prejuízo do correspondente direito de acção judicial, o trabalhador pode reclamar para o escalão hierarquicamente superior ao que aplicou a sanção, ou recorrer a processo de resolução de litígio quando previsto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou na lei. 8 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 6. Artigo 330.º Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar 1 - A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção. 2 - A aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade. 3 - O empregador deve entregar ao serviço responsável pela gestão financeira do orçamento da segurança social o montante de sanção pecuniária aplicada. 4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 2 ou 3. Artigo 351.º Noção de justa causa de despedimento 1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa; c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa; d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto; e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa; f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas; g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco; h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho; i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes; j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior; l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa; m) Reduções anormais de produtividade. 3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Artigo 381.º Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito: a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente; c) Se não for precedido do respectivo procedimento; d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta 11. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos, mencionados na fundamentação: Doutrina • António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina • Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, Gestlegal • Jorge Leite, Direito do Trabalho, Lições Policopiadas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra • Salvador da Costa, As Custas Processuais, 9.ª Edição, Almedina Jurisprudência • Acórdão do Tribunal de Justiça da União europeia, C-343/23 P, disponível em curia.eu • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 299/14.5T8VLG.P1.S1, disponível em dgsi.pt • Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 36/14.4T8VRL.G1, disponível em dgsi.pt Apreciação do recurso A. A intenção de produzir um determinado resultado como pressuposto do assédio sexual 12. Na óptica do recorrente os factos provados são insuficientes para preencher a noção de assédio sexual porque tal noção exige a prova de que o recorrente agiu com a intenção de perturbar, constranger, afectar a dignidade ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, intenção essa que não se provou. 13. Para resolver o problema mencionado no parágrafo anterior, o Tribunal analisará a seguir a noção de assédio sexual para depois verificar se os contornos fácticos apurados se enquadram nessa noção e se a intenção deve ou não abranger os efeitos previstos no artigo 29.º n.º 2 do CT. 14. Assim, o artigo 29.º do CT consagra três modalidades de assédio: o assédio moral discriminatório (cf. artigo 29.º n.º 2 primeira parte do CT); o assédio moral não discriminatório (cf. artigo 29.º n.º 2 do CT); e o assédio sexual (cf. artigo 29.º n.º 3 do CT). Dessas três modalidades, a que está aqui em causa é o assédio sexual. 15. O assédio sexual é, assim, uma modalidade específica de assédio, definida no artigo 29.º n.º 3 do CT como um comportamento indesejado, de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou efeito de perturbar, constranger, afectar a dignidade ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. 16. Para que exista assédio sexual, nos termos previstos no artigo 29.º n.º 3 do CT, basta um só acto, não sendo necessária uma conduta reiterada como acontece nas outras modalidades de assédio previstas no artigo 29.º n.º 2 do CT, que exigem um comportamento reiterado (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina, página 318). 17. No assédio sexual, o que tem carácter tipicamente sexual é o objectivo final, ou seja, que a vítima aceda ao relacionamento desejado pelo assediante. Desse ponto de vista, o assédio sexual tanto poderá ser exercido por meio de comportamentos que não são de carácter sexual como por meio de comportamentos de carácter sexual (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina, página 318). 18. Quando os comportamentos são de carácter sexual, como sucede no presente caso, eles são susceptíveis de, simultaneamente, preencher o crime de importunação sexual previsto no artigo 170.º do Código Penal, que prevê que: “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 19. No plano disciplinar, único que é objecto de apreciação no presente recurso, a infracção disciplinar em causa, resulta da violação, pelo recorrente, da proibição de assédio consagrada no artigo 29.º n.ºs 1 e 3 do CT e do dever que para ele emerge do contrato de trabalho, nos termos previstos no artigo 128.º n.º 1 – a) do CT, de respeitar e tratar as companheiras de trabalho com probidade e urbanidade. 20. Dito isto, provou-se que o recorrente praticou os seguintes actos/teve os seguintes comportamentos, relativamente a cada uma das colegas de trabalho indicadas infra: • O recorrente praticou um só acto de cariz sexual, exibicionista (exibiu os órgãos genitais) perante a colega de trabalho CC; provou-se que posteriormente o recorrente trocou mensagens com a trabalhadora CC pedindo-lhe que intercedesse a seu favor, ao que essa trabalhadora respondeu, além do mais, que “(...) não se trata só de pedir que sejam retiradas as queixas, vai para além disso (...)” (cf. factos provados EE a GG); adicionalmente, do facto provado II resulta que o acto exibicionista do recorrente importunou e constrangeu a trabalhadora CC; pelo que o Tribunal presume de tais contornos fácticos (cf. artigo 351.º do CC), que o comportamento do recorrente, aqui em crise, não foi desejado pela colega CC; • O recorrente praticou actos reiterados de cariz sexual relativamente à colega de trabalho BB (agarrou-a e roçou-a várias vezes, como resulta dos factos provados R a X); tais actos foram indesejados como resulta dos factos provados W e X e se presume do facto provado II; • O recorrente praticou actos reiterados de cariz sexual relativamente à colega de trabalho DD (sussurrou-lhe “tu dás-me tesão”, mordeu-lhe o braço, lambeu-lhe os dedos, exibiu-lhe os órgãos genitais, como resulta dos factos provados G a Q); tais actos foram indesejados, como resulta do facto provado O e se presume do facto provado II. 21. Adicionalmente, provou-se que os actos e/ou comportamentos descritos no parágrafo anterior, além de terem carácter sexual e de serem indesejados como já foi mencionado, tiveram por efeitos importunar e constranger as trabalhadoras em questão (cf. facto provado II), efeitos esses que estão previstos no artigo 29.º n.º 2 do CT, para o qual remete o n.º 3 do mesmo preceito legal. 22. Enfim, provou-se que o recorrente agiu de modo livre, intencional e plenamente ciente da ilicitude das suas acções (cf. facto provado HH). Ou seja, provou-se a intenção do recorrente praticar os actos e condutas mencionados no parágrafo anterior e, por isso, o dolo intencional ou dolo directo. 23. É nesse contexto que o recorrente defende que, para que se verifique a violação da proibição de assédio constante do artigo 29.º nºs 1 e 3 do CT não basta a prática intencional das condutas de carácter sexual acima enunciadas, acrescidas da prova objectiva de que produziram os efeitos de importunar e constranger cada uma das três trabalhadoras (cf. facto provado II), mas é necessário provar, adicionalmente, que tais condutas foram levadas a cabo com a intenção de produzir esses efeitos. 24. A questão suscitada pelo recorrente será aqui resolvida mediante aplicação analógica dos princípios de direito penal ao direito disciplinar do trabalho, solução que já foi acolhida pela jurisprudência nacional em casos omissos (cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 36/14.4T8VRL.G1, ponto 4 do sumário) e com recurso à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça da União Europeia que a seguir será citada. 25. Assim, o que o recorrente parece defender é que, à semelhança do que sucede nos crimes de intenção ou de resultado cortado (eg. contrafacção de moeda prevista no artigo 262.º do Código Penal), também o artigo 29.º n.ºs 1 e 3 do CT requer que, além do dolo do tipo, ou seja, além da intenção de levar a cabo a conduta, se prove que o recorrente agiu com a intenção de causar um determinado resultado (intenção de causar algum dos efeitos previstos em alternativa no n.º 2 do artigo 29.º do CT). 26. Recorrendo ao raciocínio do direito penal, aplicado com as necessárias adaptações à infracção disciplinar, trata-se de saber se estamos perante uma infracção em que a intenção é apenas uma das formas do elemento volitivo do dolo e, portanto, não assume nenhuma autonomia, esgotando-se no dolo do tipo. 27. Ou se, diversamente, o tipo de infracção aqui em causa, previsto no artigo 29.º do CT, é construído de tal forma que a intenção surge como uma exigência subjectiva que concorre com o dolo do tipo, adicionando-se a ele e autonomizando-se dele (cf. sobre esta distinção nos tipos penais, Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª Edição, Gestlegal, páginas 443 e 444). Pois nesse caso, a intenção de produzir o resultado previsto no artigo 29.º n.º 2 do CT seria uma exigência subjectiva adicional, que concorreria com o dolo do tipo (a intenção de realizar a conduta), autonomizando-se dele e tendo por objecto uma factualidade que não pertence ao tipo objectivo de ilícito. 28. A resposta que o Tribunal da Relação dá a esta questão é a seguinte: o artigo 29.º n.º 3 do CT não está construído de forma a prever uma exigência adicional que consista na intenção de produzir um determinado resultado. Com efeito, a letra do artigo 29.º n.º 3 do CT, “com o objectivo ou o efeito referido no número anterior”, basta-se com a produção, no imediato, dos efeitos elencados no artigo 29.º n.º 2 do CT, para o qual remete o n.º 3 desse preceito, dispensando a prova da intenção de produzir tais efeitos. A razão de ser dessa opção do legislador reside na dificuldade da prova da intenção subjacente aos comportamentos em causa (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina, página 316). 29. Assim, contrariamente ao que defende o recorrente, para existir dolo basta a prática intencional da conduta de carácter sexual e a prova de que essa conduta produziu, ainda que não intencionalmente, algum dos efeitos previstos em alternativa no artigo 29.º n.º 2 do CT. 30. A esse propósito, como já foi explicado supra, resulta dos factos provados HH e II que o recorrente agiu intencionalmente (com dolo intencional, dolo directo ou dolo do tipo) e que, objectivamente, a sua conduta produziu alguns dos efeitos enunciados no artigo 29.º n.º 2 do CT. 31. A dispensa da prova da intenção de produzir um determinado resultado, para que se verifique o assédio, não significa que o Tribunal prescinda da intenção. 32. O que sucede é que, contrariamente ao que defende o recorrente, para que exista assédio sexual basta que se prove, como se provou, a prática voluntária de actos de carácter sexual e que deles resultou algum dos efeitos previstos, em alternativa, no artigo 29.º n.º 2 do CT, não sendo necessário que a intenção do recorrente abranja a produção de tais efeitos. 33. De acordo com a doutrina, a noção de assédio sexual prevista no artigo 29.º n.º 3 do CT é subsidiária da noção geral de assédio prevista no nº 2 desse preceito legal (cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina, página 317). Pelo que, afigura-se que é igualmente válido para solucionar a questão agora em análise, o raciocínio constante da seguinte jurisprudência: “V - De acordo com o disposto no art. 29.º, n.º 1, do CT, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”. VI - Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.” cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 299/14.5T8VLG.P1.S1 pontos V e VI do sumário. “23. Não é necessário demonstrar que o comportamento físico, a linguagem falada ou escrita, os gestos ou outros atos em causa foram praticados com a intenção de lesar a personalidade, a dignidade ou a integridade física ou psíquica de uma pessoa. Pode existir assédio moral sem que seja demonstrada a existência de uma intenção por parte do assediante, através da sua conduta, de desacreditar a vítima ou de prejudicar deliberadamente as suas condições de trabalho. Basta que essa conduta, desde que seja intencional, tenha conduzido objetivamente a essas consequências [...].” – cf. acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, C-343/23 P, parágrafo 23, que interpreta a noção de assédio em contexto laboral, constante do artigo 12.º A- n.º 3 do Regulamento N.º 31 (CEE) 11º (CEEA) que estabelece o Estatuto dos Funcionários e o regime aplicável aos outros agentes da Comunidade Económica Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica. 34. Da jurisprudência acima citada resulta que uma coisa é a vontade de realizar os actos proibidos pelo artigo 29.º n.ºs 1 e 3 do CT, outra coisa, diversa, é a intenção de produzir um determinado resultado, previsto no artigo 29.º n.º 2 do CT. Tendo em conta o modo como está construído o artigo 29.º do CT, não é necessário, para que exista assédio, que a intenção do agente abranja um determinado resultado, bastando que ele se verifique objectivamente. 35. Nesse sentido, o Tribunal cita ainda a seguinte doutrina (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina, página 317). “Por outras palavras: o que decorre da lei é que, se os “efeitos imediatos” se verificam e é possível estabelecer uma relação causal (porventura não intencional) entre eles e uma série de comportamentos de alguém – empregador, chefia, colegas de trabalho da vítima –, fica estabelecida a ocorrência de assédio”. 36. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação do recorrente. B. Pressupostos da justa causa de despedimento 37. O segundo problema que o recorrente coloca ao Tribunal prende-se com a questão de saber se se verificam os pressupostos da justa causa de despedimento. O recorrente defende que a sanção de despedimento é desproporcional e não existe impossibilidade prática de subsistência do contrato de trabalho, quer porque não existiu dolo, quer porque deve ser levado em conta, na escolha da sanção, que o recorrente tem uma antiguidade na empresa de 6 anos, não tem antecedentes disciplinares, tem um filho menor de idade e a empresa (empregadora) tem outras lojas além daquela onde trabalhavam o recorrente e as restantes trabalhadoras, na data dos factos. Segundo o Tribunal julga perceber, este último segmento da argumentação do recorrente coloca a questão de saber se é exigível à recorrida que, para manter o contrato de trabalho com o recorrente, lhe atribua um local de trabalho noutra das suas lojas, onde não estejam as trabalhadoras que foram alvo dos comportamentos aqui censurados ao recorrente. 38. Para resolver esta questão o Tribunal começa por recordar que entre o recorrente, como trabalhador, e a recorrida, como empregadora, foi celebrado um contrato de trabalho em 13.12.2017 (cf. artigo 11-º do CT); o recorrente tinha a categoria profissional de operador de loja; o seu posto de trabalho, desde 1.8.2021 era numa loja da recorrida, situada na ...; a recorrida tem várias lojas; o contrato de trabalho durou cerca de 6 anos, tendo terminado por despedimento com justa causa por iniciativa da empregadora, devido ao assédio sexual praticado pelo recorrente contra três colegas de trabalho que desempenham actividade na mesma loja onde trabalhava o recorrente; o recorrente tem um filho menor de idade e não tem antecedentes disciplinares (cf. factos provados 1 a 4, 26, A a DD, JJ e KK). 39. No procedimento disciplinar instaurado contra o recorrente, a recorrida decidiu aplicar-lhe a sanção disciplinar mais grave prevista no artigo 328.º do CT, que é o despedimento sem indemnização ou compensação. O Tribunal a quo declarou lícito esse despedimento. O recorrente discorda dessa decisão, sendo essa a questão que agora importa apreciar. 40. A justa causa de despedimento está prevista no artigo 351.º n.º 1 do CT como uma cláusula geral cujo objectivo é tornar adequada a sanção aplicada ao ilícito legal e/ou contratual, cometido pelo trabalhador. No caso em análise, o comportamento do recorrente constitui um ilícito legal (cf. artigo 29.º n.º 1 e 3 do CT) e contratual (cf. artigo 128.º n.º 1 – a) do CT). 41. O assédio sexual acima analisado na questão A assumiu a forma de assédio horizontal, uma vez que foi praticado por um trabalhador, o recorrente, contra outras trabalhadoras, as três colegas de trabalho do recorrente acima indicadas. 42. Numa situação de assédio horizontal como essa, recai sobre a empregadora, recorrida, o dever de instaurar procedimento disciplinar contra o recorrente, como sucedeu – cf. artigo 127.º n.º 1 – l) do CT. 43. Dito isto, à luz do disposto no artigo 351.º do CT a justa causa é integrada pelos elementos seguintes: (i) o comportamento culposo do trabalhador, que é o elemento subjectivo; (ii) a gravidade do comportamento e a gravidade das consequências desse comportamento, que é o elemento objectivo; (iii) a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho ou seja, que nenhuma outra sanção (de entre as previstas no artigo 328.º do CT), seja adequada a sanar a crise contratual provocada pelo comportamento culposo do trabalhador; (iv) a actualidade do comportamento (isto é, entre a data da verificação ou do conhecimento da falta e a da reacção disciplinar, não pode decorrer um lapso de tempo superior aos limites previstos nos artigos 329.º e 352.º do CT, uma vez que, excedidos esses limites, que não estão em causa no presente recurso, a lei presume que o comportamento culposo não tornou, ou deixou de ser considerado como tornando, impossível a subsistência da relação de trabalho) – cf. sobre estes quatro elementos da justa causa de despedimento, Jorge Leite, Direito do Trabalho, Lições Policopiadas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, páginas 358 a 361. 44. Adicionalmente, o artigo 351.º n.º 2 do CT contém exemplos que tipificam um dos elementos da justa causa, o comportamento do trabalhador ou elemento subjectivo. Convém sublinhar que, por um lado, a enumeração constante do artigo 351.º n.º 2 do CT é puramente exemplifica e, por outro lado, o preenchimento de um dos tipos constantes dessa lista não é suficiente para que se considere verificada a justa causa de despedimento (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina, página 731). 45. Para proceder à valoração disciplinar da conduta do recorrente importa levar em conta o elenco das sanções previstas no artigo 328.º n.º 1 do CT, de entre as quais, o despedimento é a sanção mais grave e a única não conservatória do vínculo laboral. Na escolha de uma dessas sanções, a empregadora (recorrida) deve observar o princípio da proporcionalidade da sanção à gravidade da infracção, consagrado no artigo 330.º do CT. 46. Em particular, no que respeita à sanção de despedimento aqui posta em causa, o artigo 351.º n.º 3 do CT concretiza o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 330.º do CT, estabelecendo que na apreciação da infracção disciplinar devem ser tidos em conta os seguintes elementos, no âmbito da empresa: (i) o grau de lesão dos interesses do empregador, (ii) as suas relações com o trabalhador, (iii) as relações entre o trabalhador e os colegas, (iv) e as demais circunstâncias relevantes no caso. Pelo que, na medida em que estejam disponíveis nos autos, tais elementos serão levados em conta na apreciação que se segue. 47. Por último, para saber se existiu justa causa de despedimento, o Tribunal pondera os seguintes preceitos da Constituição da República Portuguesa (CRP): o artigo 53.º (direito à segurança no emprego de que goza o recorrente); o artigo 58.º n.º 2 – b) (direito ao trabalho de que gozam as trabalhadoras alvo de assédio sexual, que envolve o dever do Estado promover condições de acesso ao emprego sem discriminação em função do sexo); artigo 59.º n.º 1 – b) (direito das trabalhadoras que foram alvo de assédio sexual à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes). 48. Dentro do quadro constitucional e legal acima mencionado, levando em conta a graduação das sanções disciplinares disponíveis e a objectivação imposta pelo princípio da proporcionalidade, cabe ao Tribunal controlar a posteriori, através de sinais externos ou elementos indiciários fornecidos pela situação concreta, a valoração feita pela empregadora (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina, página 731). 49. Feito este enquadramento, o recorrente discorda da existência de justa causa de despedimento alegando que não existiu assédio sexual (horizontal) previsto no artigo 29.º n.ºs 1 e 3 do CT e que a existir, esse assédio não foi doloso por não ter havido, da sua parte, intenção de provocar os efeitos previstos no artigo 29.º n.º 2 do CT; na óptica do recorrente é possível manter o seu contrato de trabalho, porque, ponderada a sua antiguidade (cerca de seis anos), a sua situação familiar (com um filho menor), a falta de antecedentes disciplinares e a circunstância de a empregadora ter outras lojas (o que lhe permite colocar o recorrente e as três colegas de trabalho, alvo da sua conduta, em locais de trabalho diferentes), a sanção de despedimento é desproporcional à gravidade da conduta e às suas consequências. 50. Pelos motivos acima explicados na análise da questão A, o Tribunal julga que existiu assédio sexual, praticado pelo recorrente com dolo directo e que os comportamentos de carácter sexual censurados ao recorrente atingiram três trabalhadoras, suas colegas de trabalho. Tal como já foi explicado no parágrafo 41 trata-se de assédio sexual horizontal. 51. Em particular, a conduta do recorrente atentou contra a liberdade sexual de cada uma das três colegas de trabalho uma vez que os actos apurados, tendo carácter sexual, são susceptíveis de integrar a prática de três crimes de importunação sexual (cf. artigo 170.º do Código Penal). Verifica-se um indício do comportamento culposo do trabalhador, na medida em que a situação se enquadra nos exemplos tipificados no artigo 351.º n.º 2 – b) e i) do CT. Se por si só esse indício pode não ser suficientes para que se verifique o elemento subjectivo, o certo é que no caso em análise, a esse indício acresce a prova efectiva do dolo directo (cf. facto provado HH). Pelo que, está preenchido o elemento subjectivo da justa causa de despedimento, acima enunciado no ponto (i) do parágrafo 43. 52. O facto de o assédio sexual ter sido praticado em relação a três colegas de trabalho que desempenham actividade na mesma loja onde o recorrente também tinha o seu local de trabalho, contrangendo e importunando essas três trabalhadoras (cf. facto provado II) aumenta a gravidade da conduta aqui em causa e das suas consequências. Pelo que, verifica-se o elemento objectivo da justa causa de despedimento, acima enunciado no ponto (ii) do parágrafo 43, que consiste na gravidade da conduta do recorrente. 53. No âmbito dos direitos dos trabalhadores constitucionalmente protegidos, acima enunciados no parágrafo 47, afigura-se que o assédio sexual aqui em causa, cometido por um homem contra três mulheres, no local de trabalho, denota uma prática discriminatória em função do sexo, que o Estado tem o dever de impedir (cf. artigos 58.º n.º 2 – b) e 59.º n.º 1 – b) da CRP) e a empregadora tem o dever de prevenir e combater (cf. artigo 127.º n.º 1 – k) e l) do CT). Esse contexto, a que acrescem a pluralidade das vítimas, a natureza exibicionista de alguns dos actos sexuais praticados e os respectivos efeitos nas vítimas, que se sentiram importunadas e constrangidas, tornam inexigível que a empregadora mantenha o vínculo laboral, ainda que mediante alteração do local de trabalho do recorrente para uma loja diferente daquela onde trabalham as colegas de trabalho em causa. 54. Em tais circunstâncias, um empregador razoável que se depare com a conduta do recorrente e os seus efeitos, deve não só instaurar procedimento disciplinar (cf. artigo 127.º n.º 1 – l) do CT) como, depois de apurar a veracidade dos factos, aplicar a sanção de despedimento. Isso porque a gravidade da conduta do recorrente acima analisada, a pluralidade das trabalhadoras que dela foram alvo e o dever legalmente imposto à empregadora de combater o assédio (cf. artigo 127.º n.º 1 – k) do CT), tornam inexigível à empregadora que aplique uma sanção disciplinar que conserve o contrato de trabalho. Com efeito, ainda que o trabalhador tenha seis anos de antiguidade, não tenha antecedentes disciplinares e tenha um filho menor, foi ele mesmo quem, com a sua conduta intencional e grave, desconsiderou a segurança do seu emprego e os direitos e interesses constitucionalmente protegidos das suas colegas de trabalho. Pelo que, verifica-se o elemento da justa causa de despedimento acima enunciado no ponto (iii) do parágrafo 43, a saber, a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho provocada pelo comportamento do trabalhador. 55. Em tais circunstâncias, tendo em conta que ao direito à segurança no emprego previsto no artigo 53.º da CRP, se aplica o regime dos direitos liberdade e garantias pessoais por força do artigo 17.º da CRP, o Tribunal julga que, pelas razões acima indicadas, o despedimento sem indemnização ou compensação previsto no artigo 328.º n.º 1 – f) do CT é uma restrição ao direito à segurança no emprego justificada, adequada e proporcional à defesa de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos pelos artigos 58.º n.º 2 – b) e 59.º n.º 1 – b) da CRP, das trabalhadoras que foram alvo de assédio sexual. Pelo que, afigura-se que a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação não infringe o disposto no artigo 381.º - b) do CT e respeita o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18.º n.º 2 da CRP, 330.º e 351.º n.º 3 do CT. 56. Em conclusão, no que respeita à verificação de justa causa de despedimento, não está em crise e é pacifica, a actualidade do comportamento do recorrente enquanto elemento da justa causa. No mais, pelas razões acima explicadas, verificam-se os restantes elementos da justa causa de despedimento, previstos no artigo 351.º do CT, a saber: o comportamento culposo do recorrente (elemento subjectivo), a gravidade desse comportamento e das suas consequências (elemento objectivo) e a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral provocada pelo comportamento do trabalhador. 57. Motivos pelos quais improcede este segmento da argumentação do recorrente, improcede o recurso e mantém-se a sentença recorrida. Em síntese 58. Para que exista assédio sexual nos termos previstos no artigo 29.º n.º 3 do CT basta que se prove, como se provou, a prática de actos de carácter sexual, a intenção do recorrente praticar esses actos e que da sua conduta resultou algum dos efeitos previstos em alternativa no artigo 29.º n.º 2 do CT, não sendo necessário que a intenção do recorrente abranja a produção de tais efeitos. 59. No que respeita à verificação de justa causa de despedimento, não está em crise e é pacifica, a actualidade do comportamento do recorrente enquanto elemento da justa causa. No mais, verificam-se os restantes elementos da justa causa, previstos no artigo 351.º do CT, a saber: o comportamento culposo do recorrente (elemento subjectivo), a gravidade desse comportamento e das suas consequências (elemento objectivo) e a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral provocada pela conduta do trabalhador. 60. Motivos pelos quais improcede o recurso e mantém-se a sentença recorrida. Custas 61. A responsabilidade pelas custas do recurso recaiu inteiramente sobre o recorrente que nele ficou totalmente vencido – cf. artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigos 1.º n.º 2 – a) e 87.º n.º 1 do CPT. 62. O recorrente/vencido no recurso, beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de custas (cf. referência citius 27580480 de 24.3.2025), pelo que não é condenado no pagamento das custas do recurso (cf. Salvador da Costa, As Custas Processuais, 9.ª Edição, Almedina, página 9). Isso, sem prejuízo de o reembolso das taxas de justiça pagas pela recorrida/vencedora, ser suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. – cf. artigo 26.º n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais (RCP). Decisão Acordam os Juízes desta secção em: I. Julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida. II. Não condenar o recorrente nas custas do recurso, pelas quais é o único responsável, sem prejuízo do disposto no artigo 26.º n.º 6 do RCP. Lisboa, 24 de Setembro de 2025 Paula Pott Manuela Fialho Leopoldo Soares |