Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
78/21.3T9ALM.L1-9
Relator: ROSA MARIA CARDOSO SARAIVA
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
ACTA
RASURA OU ELIMINAÇÃO DE DECLARAÇÃO
INSTIGAÇÃO
CO-AUTORIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I. O artigo 63º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, estatui sobre os elementos que devem constar de uma acta das sociedades comerciais, referindo, na sua alínea h, que a mesma deve conter as declarações dos sócios se estes o requererem – ou seja, a lei faculta aos sócios fazerem exarar na acta as suas posições sobre a assembleia, designadamente subscrevendo “protestos”, que desde que efectuados passam a integral o registo da reunião societária.
II. Por isso, rasurar com corrector determinados segmentos das declarações que sócios intervenientes na assembleia entenderam efectuar torna o autor de tais actos incurso na prática do crime de danificação de documentos, p. e p. pelo artigo 259º, n.º 1, do CP, dado que tal espécie de conduta atenta contra a faculdade probatória conferida pelo documento, quando praticada com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.
III. Com efeito, a eliminação de partes do documento, apesar de não ser equiparável à eliminação do mesmo, afecta o respectivo valor probatório.
IV. É punido como autor, na modalidade da instigação, aquele que dolosamente determinar outrem à prática de um facto, desde que este seja executado ou tal execução se inicie; o instigador criou no terceiro a ideia de cometer um tipo de ilícito, mas é este quem livremente decide perpetrar tal acção.
V. É nessa modalidade de coautoria, decorrente do artigo 26º do CP, in fine, que deve integrar-se a conduta daquele arguido que – apesar de ausente do local da prática dos factos – expressamente instruiu a coarguida para eliminar o protesto que havia sido registado, o que esta, conscientemente, fez.
(Sumário da responsabilidade da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório:
No âmbito destes autos, foi proferida decisão instrutória, em 06/05/2024, que concluiu pela não pronúncia dos arguidos AA e BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de danificação de documentos, p. e p. pelo art.º 259º, 1 do CPenal
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Inconformada, veio a assistente ZZZZ – Sociedade Imobiliária, SA interpor recurso desta decisão, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
“Conclusões:
1. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, os arguidos deveriam ter sido pronunciados para serem submetidos a julgamento pelo crime de danificação de documento, previsto no artigo 259.º do CP.
2. Mas mesmo que assim não se entenda, poderiam e deveriam, após proceder-se a uma alteração da qualificação jurídica em sede de instrução, nos termos do artigo 303.º, n.º 1, ex vi do n.º 5 do CPP, ser pronunciados por um crime de dano, previsto no artigo 212.º do CP.
3. Já que, quer num quer noutro caso resultaram suficientemente indiciados em inquérito os factos, objectivos e subjectivos, que permitem qualificar a conduta dos arguidos como criminosa, tendo sido violados um dos dois bens jurídicos protegidos pelos respectivos tipos (faculdade probatória e propriedade).
4. De facto, o acto de deliberadamente se ter apagado com corrector a redacção de um termo de protesto redigido numa acta de uma assembleia de uma sociedade, de molde a evitar que este pudesse servir de prova documental contra o agente, preenche, senão desde logo o primeiro, pelo menos o segundo daqueles tipos objectivos de ilícito, não se podendo concordar com o Tribunal recorrido quando refere que tal acta, num e noutro caso, pese embora tal rasura, não foi destruída ou sequer danificada, e que portanto se mantém intocada quer na sua integralidade quer na sua função.
5. Foram violados com a decisão em apreço, o artigo 286.º, n.º 1 e 308.º n.º 1 do CPP.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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O MP apresentou resposta, pugnando pela manutenção do decidido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
“III. DAS CONCLUSÓES.
l- A recorrente veio interpor recurso da decisão proferida pela Meritíssima Juiz de Instrução, através da qual não pronunciou os arguidos AA e BB, pela prática de um crime de danificação ou subtração de documento ou notação técnica, p. e p., pelo art.º 259 nº l do Código Penal (CP), ou no limite, pela prática de um crime de dano, p. e p., pelo art.º 212 nº 1 do mesmo diploma legal;
2- Para tanto vem alegar, em síntese, que os autos contêm elementos que indiciam a prática pelos arguidos do referido crime, uma vez que o ato de deliberadamente se ter apagado com corretor a redação de um termo de protesto redigido numa ata de uma assembleia de uma sociedade, de molde a evitar que este pudesse servir de prova documental contra o agente, preenche a prática do mesmo;
3- No entanto, caso assim não se entendesse, no limite tal conduta integra a prática do crime de dano, p. e p., pelo art.º 212 do CP, pelo que a Meritíssima Juiz de Instrução, ao proferir despacho de não pronúncia, fez uma incorreta avaliação dos factos e dos meios de prova;
4- O crime previsto no art.º 259 do CP visa proteger a integridade e a disponibilidade de meios de prova, o que significa que o bem jurídico que se visa proteger não é a segurança no tráfico jurídico-probatório em geral, mas sim a faculdade probatória enquanto bem jurídico individual e disponível que a titularidade do documento confere;
5- O tipo legal integra diversas modalidades de conduta: destruição; danificação; inutilização; desaparecimento; dissimulação; subtração;
6- Comum a todas elas é a intenção com que o agente atua, ou seja, tratando-se de um crime intencional, o agente deve atuar com uma específica intenção: intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo;
7- Em causa nos presentes autos está a circunstância de o teor da ata não refletir o ocorrido na assembleia geral em que participaram os representantes da recorrente, motivo pelo qual decidiram lavrar um protesto no respetivo livro de atas, protesto este que foi apagado com corretor pela arguida, a mando do arguido;
8- No entanto, tal como explanado na decisão de não pronúncia agora alvo de recurso, entende-se que a circunstância de parte desse protesto ter sido apagado com corretor não coloca em causa a faculdade probatória de tal documento, porquanto o conteúdo da ata subsiste, e a sua não correspondência com o efetivamente ocorrido na assembleia geral, também;
9- A faculdade probatória do documento, no sentido da sua utilização enquanto meio de prova, mantém-se;
l0 - A eliminação do protesto lavrado não retira à ata a sua utilidade e funções probatórias, porquanto a matéria controvertida e que a recorrente pretendia impugnar com o referido protesto, permanece plasmado em tal documento (ata), podendo, pois, continuar a ser utilizado como meio de prova, nomeadamente, no âmbito de uma ação de impugnação de deliberação social ou de falsidade da ata;
11- Em nosso entender, a recorrente não fica, pois, privada da capacidade de utilização da ata como meio de prova;
12- Já no que concerne ao crime de dano, não existe dano se não se atingir de algum modo a integridade física da coisa, mesmo que seja apenas na sua forma exterior;
13- Significa isso que não será dano, qualquer tratamento arbitrário de uma coisa que não contenda com a sua identidade física;
14- Assim, caem fora da área de tutela do crime de dano, por um lado, as ações que prejudicando a utilização da coisa pelo proprietário ou possuidor não atingem, em qualquer caso, a sua integridade física, por outro lado, as ações que, atingindo a integridade física da coisa, não põem em causa a sua função, isto é, não afastam nem reduzem a utilizabilidade que lhe foi destinada;
15- In casu, a rasura efetuada na ata não atinge, em nosso entender, a integridade física da mesma;
16- Em face do exposto deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão de não pronúncia.”
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Uma vez remetido a este Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso nos seguintes termos (transcrição parcial):
“Tendemos a concordar com a recorrente.
Por razões que muito simplesmente apresentaremos:
No despacho de não pronuncia efetua-se uma remissão para o requerimento de abertura de instrução no que à factualidade em causa respeita:
“Aqui chegados, e sopesando os elementos de prova referidos bem como os conceitos de direito que supra expusemos, cumpre, pois, determinar se a prova produzida em sede de inquérito e de instrução é bastante para concluirmos pela existência de indícios suficientes da prática, pelos arguidos, dos crimes que lhes são imputados pela assistente ou, ao invés, se será de manter a decisão do Ministério Público de arquivar os autos.”
A assistente no requerimento de abertura de instrução por respeito ao disposto no artigo 287 n.º 2 do CPP efectua a narração dos factos que entende resultarem da prova efectuada imputados aos arguidos, bem como, a indicação das disposições legais aplicáveis como se pode ler no mesmo:
“Considerados pois todos estes indícios (leia-se confissão?), e o mais que resultar da presente instrução, tudo apontou e deverá apontar no sentido de uma provável condenação dos arguidos AA, titular do NIF ..., residente na ..., Advogado, portador da CP ..., com domicílio profissional na ... e de BB, titular do cartão de cidadão n.º ..., advogada, portadora da CP n.º ..., com domicílio profissional igualmente na ... (ambos mais bem identificados nos autos), pelo que deverão estes ser pronunciados para ser julgados em processo comum e em tribunal singular, pela seguinte factualidade:
1. Os arguidos eram, à data da prática dos factos que se seguirão, advogados da sociedade por quotas de nome "PPP", com o NUIPC ... (doravante "PPP").
2. Ambos tinham domicílio profissional no escritório do arguido.
3. A assistente é por sua vez sócia da dita sociedade "PPP", detendo nela uma quota no valor nominal de € 7 182,69 (vide certidão permanente conforme código de acesso à certidão permanente online 6274-5706-7122).
4. Tal sociedade tem a sua sede na ....
5. No dia 4 de Julho de 2020, após convocatória foi realizada uma assembleia geral na sede da "PPP", na qual estavam presentes, além dos demais, o arguido AA, e as testemunhas CC e DD (que devidamente acompanhados das suas advogadas, nela participaram na qualidade de administradores da sociedade ora queixosa).
6. Encontrava-se igualmente presente EE em representação das quotas que eram pertença do falecido sócio maioritário FF, já que vinha proposta a sua nomeação para gerente da sociedade "PPP" na dita convocatória.
7. Sendo, portanto a este a quem caberia a presidência da mesa da assembleia, nos termos do artigo 248.º, n.º 4 do CSC e do pacto societário.
8. Não obstante, foi o arguido AA a tomar a palavra para abrir os trabalhos, dando assim nota aos presentes de estar a presidir à Assembleia.
9. Atenta tal postura, a assistente, por via do seu administrador CC, solicitou a palavra para pedir esclarecimentos sobre quem se encontrava, de facto, a presidir àquela assembleia.
10. Dado que o arguido era conhecido dos presentes como mandatário da "PPP" e não de EE.
11. Apesar de tal interpelação, ao contrário do que veio vertido em acta, tal questão nunca foi respondida por quem quer que fosse.
12. Tendo o arguido continuado a usar da palavra e dado continuidade à ordem de trabalhos constante da convocatória.
13. Os trabalhos da assembleia continuaram no rumo pretendido, tendo sido presididos pelo arguido até esta ser (pelo advogado aqui arguido) dada por finda, com alguns protestos e pedidos de esclarecimento de permeio por parte dos administradores da assistente.
14. Por falta de logística, mormente de uma impressora que permitisse imprimir a acta no momento, ficou esta de ser posteriormente redigida e impressa para ser assinada pelos presentes.
15. Ora a sociedade acabou efectivamente informada, por via das suas advogadas, que a versão final de tal acta já estaria disponível na recepção do domicílio profissional do arguido para ser assinada.
16. E assim, os administradores da assistente, CC e DD deslocaram-se ao escritório dos arguidos, sito na ..., no dia 24 de Julho de 2020, pelas 17h00.
17. O arguido AA não se encontrava, todavia, presente em tais instalações.
18. Depois de várias insistências e de um longo e inexplicável compasso de espera de cerca de uma hora na entrega da acta (pois que supostamente já estaria pronta e disponível para ser assinada) foi-lhes finalmente facultada a Acta n.º 1 de 2020 para ser assinada, composta de fls. 6 a 11 do original do livro de actas, já rubricado no canto superior direito com duas rubricas de gerentes da "PPP".
19. Tendo sido convidados pela arguida BB, presente no local, a adentrarem numa sala de reuniões para procederem à sua assinatura.
20. Como procedessem previamente à integral leitura da mesma antes de a assinarem, os administradores da assistente não se conformaram com o seu conteúdo, entendendo que tal documento não reflectia com total veracidade, por vezes mesmo ocultando, o que efectivamente havia sucedido na assembleia do dia 4 de Julho.
21. Referindo por isso que se recusavam a assinar tal acta sem que antes lavrassem as suas ressalvas, por via de um formal protesto.
22. E como pretendessem começar a escrevê-lo pelo próprio punho, foi-lhes de imediato referido, por parte da arguida BB, que aquela era a versão final e que não poderiam acrescentar mais nada àquele documento.
23. Após uma acesa troca de argumentos e da insistência por parte dos administradores da assistente em lavrar tal protesto, levaram o seu propósito avante, com a aparente conformação da participada.
24. Como a folha 11 acabasse por se revelar insuficiente, solicitaram de imediato a folha seguinte para a continuação do seu texto.
25. Folha essa que só lhes foi entregue depois nova e inexplicável tardança.
26. Enquanto finalmente continuavam o seu protesto, a arguida BB ausentou-se da dita sala de reuniões, tendo regressado apenas breves momentos depois dizendo categoricamente que os administradores da assistente não poderiam continuar a escrever tal texto.
27. Tendo inclusivamente tentado retirar-lhes a folha onde já se encontravam a escrever.
28. Todavia, já contra a vontade da arguida, acabaram uma vez mais por conseguir levar avante a sua pretensão, continuando a redacção.
29. E assim os administradores da assistente lograram terminar o seu protesto, ocupando a metade inferior da folha 11, a totalidade da folha 12 e ainda a totalidade da folha 13 do livro de actas, assinando no final.
30. Tendo sido escrito o seguinte texto, que transcrevemos para melhor leitura e compreensão (já com a separação do texto pelas respectivas folhas):
Folha 11:
"Os representantes da ZZZZ, vão assinar a presente acta em desacordo com parte significativa da redacção da mesma, por não corresponder à verdade do que se passou na assembleia.
Apesar da redacção inicial nos ter sido facultada através dos nossos advogados, e termos feito a nossas sugestões de correcção, as mesmas não foram na totalidade aceites.
Nestas circunstâncias vemo-nos forçados a fazer as declarações seguintes para reposição da verdade do ocorrido na assembleia, e que são:
1- Importa antes de tudo afirmar que os trabalhos da assembleia foram abertos e presididos pelo Sr. Dr. AA que indicou as presenças e a qualidades dos mesmos, tendo sido interrompido pelo Eng. CC, representante da ZZZZ, que questionou, quem é que está a presidir à assembleia?
À pergunta ninguém objectivamente respondeu. Na sequência da ausência de resposta e ao verificarem o prosseguimento dos trabalhos conduzidos pela mesma pessoa, o Dr. AA, o representante da ZZZZ acrescentou; fica aqui a observação
Folha 12:
para que conste na acta, que os trabalhos estão a ser conduzidos pelo Dr. AA. Portanto é falso que a assembleia tenha sido presidida nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 268.º do CSC pelo representante das quotas do falecido sócio FF. Este Senhor EE esteve presente, de facto, mas não abriu a boca para se pronunciar sobre qualquer andamento dos trabalhos.
Mais se clarifica que todas as referências da ata à Presidência da assembleia se devem entender como à presidência do Sr. Doutor AA.
2 - No ponto prévio, e na intervenção da Dra. DD, importa precisar que foram referidas as acções para impugnar as nomeações da gerência anteriores, e como tal a ZZZZ não considerava legal a convocatória, mas que apesar disso a ZZZZ estava presente, não querendo paralisar a atividade da PPP e para avaliar as contas, suas deliberações e participar na eleição de um novo gerente para a PPP.
Logo de seguida reforçando o que disse a Dra. DD o Eng. CC propôs que a assembleia funcionasse como Assembleia Universal, já que estava todo o capital da sociedade representado, tendo à proposta respondido o Dr. AA, sem nenhuma consulta a quem quer que fosse, afirmando que a convocatória não enfermava de nenhuma irregularidade.
3. No Ponto um da ordem de trabalhos, o Eng. CC questionou o facto do valor de 192.500,00 euros, do acordo celebrado entre a PPP e o Sr. JJ não estar lançado na contabilidade, importando aqui
Folha 13:
ressalvar que finda esta intervenção do Eng. CC, o Sr. Dr. AA que dirigia os trabalhos, questionou o Sr. EE sobre a situação, e não como se diz na acta.
4. No ponto dois, o Eng. CC esclareceu a oposição da ZZZZ quanto à eleição do Sr. EE para gerente, que a sua oposição não era por ele ainda não ser sócio na plenitude da PPP, mas sim pelo facto de já haver um gerente, a Sra. D. KK, apesar de impugnada a sua eleição, a representar (ou em representação) da quota do sócio falecido FF, passando assim a haver dois gerentes da PPP ancorados na representação de uma quota - a do Sr. FF.
E disse mais, para que conste da ata, que que a ZZZZ estava disponível para participar na gerência da PPP, ao que o Sr. Dr. AA respondeu sem pestanejar “Nem pensar”.
Nem, por incrível que pareça, o Sr. EE disse algo a este propósito da sua eleição. Finalmente é absolutamente falsa a reviravolta de o Sr. EE estar a ser eleito, como um elemento estranho à sociedade, o que surpreendeu os representantes da ZZZZ.”
31. Findo o texto (o que destacámos a negrito em fls. 11 e 12 é propositadamente nosso, como explicaremos), os administradores entregaram os originais do que haviam redigido, rubricado e assinado à arguida BB, solicitando uma cópia para si.
32. E eis que esta se ausenta da sala com os ditos originais, para momentos depois, regressar para junto dos administradores, dizendo-lhes que não lhes poderia nem iria facultar cópia do que estes haviam escrito.
33. Apresentando-lhes ao invés e tão-somente, uma mera cópia da folha 11, já sem o protesto (ou seja, apenas o texto impresso meio da folha 11), pretendendo que estes, sem mais, a assinassem.
34. Mais referindo que o protesto que havia sido por eles lavrado havia sido apagado!
35. Os administradores da assistente, estupefactos e descrentes em tal afirmação, voltaram a exigir uma cópia do que haviam redigido e assinado, manifestando que pretendiam ver os respectivos originais do livro de actas.
36. E como a arguida se recusava, quer a exibir aqueles originais, quer a facultar aos administradores da assistente o que fosse para além da cópia de fls. 6 a 11, gerou-se algum tumulto (discussão) entre os administradores e a arguida.
37. Neste momento surge a testemunha LL, também advogado, com domicílio em tal escritório.
38. Confirmando aos presentes que tal acta já havia sido completamente rasurada e que, em virtude daquelas rasuras, ela já "não valia nada" (sic).
39. Inquirida essa testemunha pelos administradores sobre o sucedido, este sacudiu-se de responsabilidades, afirmando que não tinha sido ele mas sim a sua Colega e aqui arguida BB a apagá-la.
40. Sendo, após intransigível insistência por parte dos administradores, finalmente exibidos os originais de fls. 6 a 13 da acta.
41. Constataram então os administradores da assistente que efectivamente parte do protesto aí lavrado já tinha sido, para sua estupefacção, completamente coberto com corrector branco!
42. A saber, tinha sido apagada a totalidade do texto manuscrito a fls. 11 e a parte superior do texto de fls. 12, ainda permanecendo o texto de fls. 13 intacto.
43. Instada a arguida BB quanto ao sucedido, esta justificou-se dizendo que o seu Colega e participado AA, após ter conversado telefonicamente com ela, lhe dera ordens para apagar todo protesto redigido, o que esta, por ser processo trabalhoso, apenas principiou e não terminou, propondo-se apagar o resto mais tarde.
44. Inconformados com tal conduta, e recusando-se novamente a assinar uma simples cópia de uma acta, para mais sem o seu protesto, os administradores da assistente solicitaram (por volta já das 19H20) a presença da PSP no local para tomar conta da ocorrência, pois que entendiam estar perante uma conduta que consideravam criminosa.
45. Como a polícia tardasse em aparecer, e fosse hora de fecho do escritório, os administradores foram instados e pressionados a abandonar o local e a, querendo, falarem com a polícia, mas já no seu exterior.
46. Uma vez que lhes tinha sido negada uma qualquer cópia do que havia redigido, que parte já havia sido rasurado, temendo-se assim a danificação do restante protesto (que iria ter seguramente lugar caso ficasse na posse dos arguidos), o administrador CC trouxe então consigo os originais da acta de fls. 11 a 13.
47. De molde a acautelar a necessária prova documental para efectuar a queixa que deu origem aos presentes autos.
48. Abandonando o local, deparam-se todos com a PSP já no exterior, tendo esta autoridade (pese embora o pronto relato do sucedido) identificado todos os presentes e informado os administradores da assistente do prazo legal para o exercício do direito de queixa.
49. Os arguidos pretenderam e lograram assim apagar todo o conteúdo de fls. 11 e parte de fls. 12, ou seja, pretenderam e lograram apagar tudo quanto se encontra acima transcrito a negrito (conteúdo esse que se logrou recuperar por via de uma simples leitura a contraluz).
50. E apagariam o restante conteúdo de tal protesto, nomeadamente o de fls. 12 e 13, não fora a pronta acção do administrador e aqui testemunha CC, ao desapossá-los daquelas folhas.
51. Com a conduta acima descrita, os ora arguidos pretendiam (e em parte lograram), a completa destruição de um documento respeitante à actividade da sociedade, com o intuito de em seu ilegítimo benefício fazerem desaparecer os temos de um protesto que consideravam ser-lhes desfavorável e privando ao mesmo tempo a queixosa de um elemento documental probatório relevante para uma eventual anulação da assembleia.
52. Pois que é falso, como deliberadamente consta da acta a final redigida, que a Assembleia tenha sido presidida por EE.
53. Tendo sido presidida, isso sim, pelo arguido.
54. Sendo igualmente falso, como consta deliberadamente da acta a final redigida, que tal questão tenha sido esclarecida por quem quer que seja, pois que não o foi.
55. É também falso que EE tenha respondido às questões colocadas pela assistente, pois que, tal como constava do protesto que se pretendia apagar, este nada disse quanto ao andamento dos trabalhos.
56. Já que tudo foi respondido directamente pelo arguido AA, não tendo o suposto presidente da Assembleia proferido uma única palavra.
57. De resto, no momento em que a "ZZZZ" se auto-propôs para a gerência da "PPP", foi o arguido AA quem respondeu imediatamente "Nem pensar!", revelando assim claramente interesses conflituantes entre a representação da "PPP" e a representação de EE.
58. De facto, ao apagar tal acta, os arguidos pretenderam - e em parte lograram - ocultar e dissimular documentalmente um protesto que, enquanto meio de prova, procurava evidenciar que o arguido se encontrava ilegitimamente a agir quer em nome e por conta da sociedade "PPP", quer em nome e por conta de, nomeadamente, EE.
59. O que, como advogados, bem sabiam estar vedado pelo artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
60. Os arguidos sabiam que tal livro de actas é pertença da sociedade de que a ora assistente é sócia de pleno direito, pelo que sabiam igualmente que não poderiam pôr ou dispor de tal documento como efectivamente puseram, dispuseram e danificaram.
61. Apenas não tendo destruído a totalidade do conteúdo do protesto, como pretendiam, porque, entretanto, se viram desapossados dos originais.
62. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta está prevista na lei e que é quer disciplinar quer penalmente censurável.
63. Pelo exposto, entende que cometeram estes (a arguida, em autoria imediata e o arguido em autoria mediata) um crime de danificação de documento, previsto e punível pelos artigos 26.º e 259.º, n.º 1 do Código Penal.
Prova documental: a dos autos
Prova testemunhal:
CC, mais bem identificado nos autos
DD, mais bem identificada nos autos
LL, mais bem identificado nos autos
Donde, nestes termos e nos melhores de direito, deverá a presente instrução ser aberta, sendo a final proferido despacho de pronúncia pelo apontado crime, com todas as consequências legais.”
A decisão instrutória decide não verificado o tipo do ilícito penal indicado, a saber crime de danificação ou subtração de documento e notação técnica p. e p. no artigo 259 do Código Penal, em súmula pela seguinte ordem de razões:
“a conduta levada a cabo pela arguida BB, por indicação do arguido AA, não pode ser considerada uma destruição ou danificação do documento que, in casu, se tratava de uma acta, pois que a acta, em si se manteve íntegra, mesmo após a conduta praticada.”
Entende que a conduta que a assistente pretende imputar aos arguidos é: “ocultar e dissimular documentalmente um protesto que os mesmos pretenderam lavrar na referida acta” não preenchendo esta conduta os elementos objectivos do tipo de ilícito em questão.
Não se extrai das condutas descritas a intenção de causar prejuízo a terceiros ou obter para si qualquer benefício ilegítimo ou para outrem.
Que pensar?
De acordo com o disposto no artigo 287 n.º 2 do CPP “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas.”
Assim a decisão instrutória, pronunciou-se, ainda que por remissão para a matéria factual descrita no requerimento de abertura de instrução acima referenciados.
Os factos nucleares relevantes para a o juízo de valoração penal são por referência ao requerimento de abertura de instrução são:
A existência de uma acta de assembleia societária inserta no livro de actas – factos 15, 18, 20, 21,
A redação de um protesto nesse livro de actas, factos 20 a 25, 28,29 a 31
A rasura do protesto com corretor lavrado nesse livro de actas - Factos 32 a 43.
Dispõe o artigo 259 do Código Penal: 1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, destruir, danificar, tornar não utilizável, fizer desaparecer, dissimular ou subtrair documento ou notação técnica, de que não pode ou não pode exclusivamente dispor, ou de que outra pessoa pode legalmente exigir a entrega ou apresentação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 256.º
4 - Quando sejam particulares os ofendidos, o procedimento criminal depende de queixa.
O bem jurídico protegido é o valor probatório do documento. Conforme resulta do disposto no artigo 255 do mesmo diploma legal “a) Documento - a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa ou animal para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta;
A acta integra as deliberações dos sócios e estas só podem ser provadas por acta – vide artigo 63 do Código das Sociedades Comerciais.
Ou seja, a acta é um documento, de onde deveria constar o relato do acontecido na assembleia com a as especificações referenciadas no artigo 63 n.º 2 do Código das sociedades comerciais.
A acta em causa estava escrita em livro de actas, conforme previsto no artigo 39 e 40 do Código Comercial.
O protesto em causa foi escrito no livro de actas e o seu conteúdo reportava-se à discordância relativamente ao conteúdo da acta da reunião de assembleia ocorrida no dia 4 de julho de 2020.
Independentemente de existirem outros meios através dos quais se poderia discordar do conteúdo da acta e assim justificar a sua não assinatura por parte dos sócios discordantes, o que é certo é que foi no livro de actas aposto um escrito, escrito este que consubstancia uma discordância relativamente à redacção constante da acta atinente à assembleia de 4 de julho de 2020.
A rasura deste escrito, contra a vontade dos seus autores, altera o conteúdo do documento, a saber, da acta inserta no livro de actas e do protesto lavrado relativamente à redacção da mesma.
Conforme dispõe o artigo 37 do Código Comercial (não revogado pelo DL 262/86 de 2 de Setembro – C.S.Comerciais - vide artigo 3º do DL 262/86 ):
Art.º 37.º Livros das actas das sociedades
Os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.
Dispondo o artigo 39 do mesmo Código que:
“Artigo 39.º Requisitos externos dos livros de actas
1 - Sem prejuízo da utilização de livros de actas em suporte electrónico, as actas devem ser lavradas sem intervalos em branco, entrelinhas ou rasuras.
2 - No caso de erro, omissão ou rasura deve tal facto ser ressalvado antes da assinatura.
Ou seja, o escrito inserido no livro de actas, que os assistentes apuseram naquele, pretendendo lavrar um protesto relativamente ao conteúdo da redacção do escrito denominado acta que lhes era apresentado para assinatura, é uma declaração corporizada em escrito, inteligível para os restantes sócios, sendo perfeitamente reconhecível o emitente e idónea para provar facto juridicamente relevante, ou seja um acontecimento de vida com valoração jurídica – neste caso a afirmação do desacordo relativamente ao conteúdo da acta e o fundamento da sua não assinatura.
Entendemos assim que efectivamente a rasura atingiu a faculdade probatória do documento – a acta integrada pelo protesto – este sim o documento em toda a sua completude.
E que os arguidos quiseram rasurar – um dando ordem o outro executando-a dúvidas não resultam;
Que pretendiam retirar do livro de acta o protesto, resulta à saciedade na medida em que impossibilitam a leitura do mesmo, rasurando-o;
Que os agentes actuam com a intenção de causar um prejuízo é também evidente, consubstanciando-se este prejuízo na impossibilidade de, através daquele meio, demonstrar o desacordo relativamente ao conteúdo do documento que lhes era apresentado para assinatura, no âmbito dos direitos societários pelos mesmos detidos; sendo o prejuízo causado o de obstar ao exercício de um direito societário (ainda que possam haver outras vias para aquele exercício nomeadamente jurídicas).
Sendo certo que os arguidos não dispunham exclusivamente do documento em causa, podendo a apresentação deste ser exigida por outrem (como o foi).
Entendemos que atendendo ao conteúdo da prova realizada e analisada em sede de instrução, haviam sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime referenciado pelos assistentes , o qual se trata de um ilícito especial relativamente ao crime de dano p. e p. no artigo 212º do Código Penal, e da sua autoria, resultando dos mesmos uma probabilidade razoável de, em sede de julgamento, pela sua prática, ser aplicada aos arguidos uma pena (CFR art.º 283 do CPP atentas as finalidades da fase instrutória – cfr art.º286 do CPP).
Pelo exposto entendemos estar, no sentido acima referido, indiciado a prática pelos arguidos AA e BB do crime de danificação ou subtracção de documento e notação técnica p. e p, no artigo 259 do Código Penal, em co-autoria material.
Pelo exposto entendemos dever proceder o recurso.”
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Cumprido o artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, responderam os arguidos pugnando pela improcedência do recurso interposto e pela manutenção da decisão de não pronúncia, considerando que a factualidade em causa nos autos não integra o ilícito previsto no art.º 259º do CPenal, desde logo, porque não prejudicaram quem quer que fosse, nem obtiveram qualquer benefício ilegítimo, não tendo actuado com essa específica intenção.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
No caso, a questão trazida à apreciação deste Tribunal prende-se com a apreciação da suficiência de indícios para pronunciar os arguidos pela prática dos crimes que lhe foram imputados no requerimento de abertura de instrução pela assistente.
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III – Fundamentação
Como acima se referiu, o presente recurso tem como único objecto a apreciação da existência (ou não) de indícios suficientes da prática pelos arguidos do crime que lhes é imputado no requerimento de abertura de instrução, sindicando a decisão de não pronúncia proferida pelo Tribunal a quo.
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Antes de se analisar a materialidade em causa nos presentes autos convirá ter por assente a teleologia imanente à instrução. Ora, tal exegese não é, neste concreto segmento, particularmente difícil, dado que a lei, designadamente no artigo 286º do CPPenal, anuncia que a finalidade da fase da instrução é, tão só, a de comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou arquivamento tomada pelo Ministério Público. Ou seja, dizendo de outra forma, trata-se de sindicar – depois da manifestação de vontade dos sujeitos processuais competentes – a decisão do MP no sentido de existirem, ou não, indícios suficientes da prática de crime e de quem é o respectivo autor.
A tarefa ainda se vê facilitada porque o mesmo diploma – o CPPenal – define o que deve ser tomado por indícios suficientes: considerando-se como tal, exactamente, “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou medida de segurança” (art.º 283º, n.º 2 do CPPenal).
Deve atentar-se, ainda, que esta expressão “indícios suficientes” é repristinada pelo artigo 308º, 1 do CPP que manda pronunciar sempre que estes se verifiquem. Isto é, o juiz de instrução deve usar a mesma ferramenta já empregue pelo Ministério Público quando chamado a proferir a decisão final do Inquérito sobre o mesmo material que este trabalhou, bem como sobre aquele convocado pela fase da Instrução. O mesmo é dizer que deve ser levado em conta todo o acervo probatório reunido no processo para ditar a decisão instrutória, independentemente deste se ter produzido no inquérito ou na instrução.
Adquiridos os referidos ensinamentos, que terão de ser encarados como o pano de fundo que servirá de coordenada axial para a tomada de uma decisão, importará, agora, examinar a materialidade constante dos autos.
Ora, do exame dos elementos constantes dos autos resulta indiciariamente provada a seguinte materialidade:
A factualidade que se mostra suficientemente indiciada:
1. A assistente é sócia da sociedade "PPP", detendo nela uma quota no valor nominal de € 7.182,69
2. Tal sociedade “PPP” tem a sua sede na ....
3. No dia 4 de Julho de 2020, após convocatória para o efeito, foi realizada uma assembleia geral na sede da "PPP", na qual estavam presentes, além dos demais, o arguido AA – constando da acta da assembleia que este ali se encontrava na qualidade de advogado da sociedade PPP – CC e DD – que acompanhados das suas advogadas MM e NN, nela participaram na qualidade de administradores da sociedade ZZZZ.
4. Encontrava-se igualmente presente EE – constando da acta da Assembleia que o fazia em representação das quotas que eram pertença do falecido maioritário FF.
5. Na convocatória da aludida Assembleia indicava-se como ponto dois da ordem de trabalhos a nomeação de EE como gerente da PPP, pelo que lhe caberia presidir à mesa da assembleia.
6. Naquela ocasião e lugar – apesar do referido em 5) – foi o arguido AA a tomar a palavra para abrir os trabalhos.
7. Nesse momento, a assistente, por via do seu administrador CC, solicitou a palavra para pedir esclarecimentos sobre quem se encontrava, de facto, a presidir àquela assembleia.
8. Apesar de tal interpelação foi o arguido AA, conhecido como mandatário da PPP, a dar continuidade à ordem de trabalhos constante da convocatória.
9. Os sócios participantes acordaram que a acta seria posteriormente redigida e impressa para ser assinada pelos presentes.
10. A assistente foi informada pelas suas advogadas que a versão final de tal acta estava disponível na recepção do domicílio profissional do arguido AA, para ser assinada.
11. CC e DD, no dia 24 de Julho de 2020, pelas 17h00, deslocaram-se ao escritório dos arguidos, sito na ..., tendo em vista a assinatura da citada acta.
12. Nessa data o arguido AA não estava presente, tendo os administradores da assistente sido recebidos pela arguida BB, que passado algum tempo lhes facultou a Acta n.º 1 de 2020, para ser assinada, composta de fls. 6 a 11 do original do livro de actas, já rubricado no canto superior direito com duas rubricas de gerentes da "PPP".
13. Os administradores da assistente não concordaram com o conteúdo da dita acta, considerando que a mesma não retratava o que havia ocorrido na Assembleia do dia 4 de Julho de 2024, motivo por que se recusaram a assiná-la sem que antes lavrassem as suas ressalvas, através de um protesto.
14. Nesse momento foi-lhes transmitido pela arguida BB que aquela era a versão final e que não poderiam acrescentar mais nada ao aludido documento.
15. Após uma troca de argumentos e da insistência por parte dos administradores da assistente em lavrar tal protesto, os mesmos nela exararam as considerações constantes da metade inferior da folha 11, a totalidade da folha 12 e ainda a totalidade da folha 13 do livro de actas, assinando no final.
16. Do dito protesto constava o seguinte:
Folha 11:
"Os representantes da ZZZZ, vão assinar a presente acta em desacordo com parte significativa da redacção da mesma, por não corresponder à verdade do que se passou na assembleia.
Apesar da redacção inicial nos ter sido facultada através dos nossos advogados, e termos feito a nossas sugestões de correcção, as mesmas não foram na totalidade aceites.
Nestas circunstâncias vemo-nos forçados a fazer as declarações seguintes para reposição da verdade do ocorrido na assembleia, e que são:
Importa antes de tudo afirmar que os trabalhos da assembleia foram abertos e presididos pelo Sr. Dr. AA que indicou as presenças e a qualidades dos mesmos, tendo sido interrompido pelo Eng. CC, representante da ZZZZ, que questionou, quem é que está a presidir à assembleia?
À pergunta ninguém objectivamente respondeu. Na sequência da ausência de resposta e ao verificarem o prosseguimento dos trabalhos conduzidos pela mesma pessoa, o Dr. AA, o representante da ZZZZ acrescentou; fica aqui a observação.
Folha 12:
para que conste na acta, que os trabalhos estão a ser conduzidos pelo Dr. AA. Portanto é falso que a assembleia tenha sido presidida nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 268.º do CSC pelo representante das quotas do falecido sócio FF.
Este Senhor EE esteve presente, de facto, mas não abriu a boca para se pronunciar sobre qualquer andamento dos trabalhos.
Mais se clarifica que todas as referências da ata à Presidência da assembleia se devem entender como à presidência do Sr. Doutor AA.
2 - No ponto prévio, e na intervenção da Dra. DD, importa precisar que foram referidas as acções para impugnar as nomeações da gerência anteriores, e como tal a ZZZZ não considerava legal a convocatória, mas que apesar disso a ZZZZ estava presente, não querendo paralisar a atividade da PPP e para avaliar as contas, suas deliberações e participar na eleição de um novo gerente para a PPP.
Logo de seguida reforçando o que disse a Dra. DD o Eng. CC propôs que a assembleia funcionasse como Assembleia Universal, já que estava todo o capital da sociedade representado, tendo à proposta respondido o Dr. AA, sem nenhuma consulta a quem quer que fosse, afirmando que a convocatória não enfermava de nenhuma irregularidade.
3- No Ponto um da ordem de trabalhos, o Eng. CC questionou o facto do valor de 192.500,00 euros, do acordo celebrado entre a PPP e o Sr. JJ não estar lançado na contabilidade, importando aqui
Folha 13:
ressalvar que finda esta intervenção do Eng. CC, o Sr. Dr. AA que dirigia os trabalhos, questionou o Sr. EE sobre a situação, e não como se diz na acta.
4- No ponto dois, o Eng. CC esclareceu a oposição da ZZZZ quanto à eleição do Sr. EE para gerente, que a sua oposição não era por ele ainda não ser sócio na plenitude da PPP, mas sim pelo facto de já haver um gerente, a Sra. D. KK, apesar de impugnada a sua eleição, a representar (ou em representação) da quota do sócio falecido FF, passando assim a haver dois gerentes da PPP ancorados na representação de uma quota - a do Sr. FF.
E disse mais, para que conste da ata, que que a ZZZZ estava disponível para participar na gerência da PPP, ao que o Sr. Dr. AA respondeu sem pestanejar “Nem pensar”.
Nem, por incrível que pareça, o Sr. EE disse algo a este propósito da sua eleição. Finalmente é absolutamente falsa a reviravolta de o Sr. EE estar a ser eleito, como um elemento estranho à sociedade, o que surpreendeu os representantes da ZZZZ.
17. Findo o texto os administradores da ZZZZ entregaram os originais do que haviam redigido, rubricados e assinados, à arguida BB, solicitando uma cópia para si.
18. A arguida BB ausentou-se da sala onde se encontravam levando consigo os ditos originais, para momentos depois regressar, entregando-lhes uma cópia da folha 6 a 11, já sem o protesto, pretendendo que aqueles a assinassem.
19. Após uma troca de palavas com os administradores da assistente, a arguida BB exibiu os originais de fls. 6 a 13 da acta, com parte do protesto rasurado com corrector branco, tendo sido por si apagada a totalidade do texto manuscrito a fls. 11 e a parte superior do texto de fls. 12, ainda permanecendo o texto de fls. 13 intacto.
20. A arguida BB actuou do modo referido em 19), apagando parte do protesto exarado pelos administradores da assistente, uma vez que, entretanto, contactou telefonicamente o arguido AA que lhe disse que o protesto não tinha cabimento na acta e lhe deu instruções para que o rasurasse, o que ela fez.
21. Os arguidos pretenderam e lograram, com a sua respectiva actuação, apagar todo o conteúdo de fls. 11 e parte de fls. 12.
22. Com a conduta acima descrita, os arguidos pretendiam (e em parte lograram), a destruição de um documento respeitante à actividade da sociedade, com o intuito de em seu ilegítimo benefício fazerem desaparecer os termos de um protesto que consideravam ser-lhes desfavorável e privando, ao mesmo tempo, a assistente de um elemento documental probatório relevante para uma eventual anulação da assembleia.
23. Ao apagarem o parte do protesto aí exarado pelos administradores da ZZZZ, os arguidos pretenderam – e em parte lograram – ocultar e dissimular o teor do aludido protesto, actuando com a intenção de impossibilitar, através daquele meio, que a assistente, demonstrasse o desacordo relativamente ao conteúdo da acta nº 1 de 2020, bem como obstar ao exercício de um direito societário, por parte da assistente, bem sabendo e querendo, com essa conduta, prejudicar esta última.
24. Os arguidos sabiam que tal livro de actas é pertença da sociedade de que a assistente é sócia, pelo que sabiam igualmente que não poderiam pôr ou dispor de tal documento como efectivamente puseram, dispuseram e danificaram.
25. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era penalmente censurável.
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Tal materialidade dada como demonstrada, tal como salienta a Sra. Procuradora Geral Adjunta e resultava já da decisão instrutória, decorre, designadamente dos documentos de fls. 11 a 29 – cópia da convocatória da Assembleia geral de 04/07/2020, certidão do contrato de sociedade da PPP, Acta da Assembleia geral de 04/07/2020, contendo fls. 11 e 12 – com partes rasuradas com corrector branco.
Foi, igualmente, relevante a certidão permanente da sociedade PPP – conforme código de acesso à certidão permanente online 6274-5706-7122.
Foram, ainda, importantes as declarações de MM, constantes de fls. 153, que relatou de modo credível, objectivo e consistente, aquilo a que assistiu no decurso da Assembleia de sócios realizada no dia 4 de Julho de 2020, tendo explicitado que esteve presente na qualidade de Advogada da sociedade ZZZZ, para prestar apoio jurídico aos dois administradores da ZZZZ.
Tiveram-se também em consideração as declarações prestadas pelos administradores da assistente CC e DD constantes, respectivamente de fls.72 e 73, que explicitaram, de forma basicamente coincidente, o que ocorreu no dia 24/07/2024, no escritório dos arguidos, designadamente que lavram um protesto no momento da assinatura da acta que foi posteriormente, mas nessa mesma ocasião, parcialmente rasurado pela arguida BB.
Foram ainda consideradas as declarações do arguido AA, prestadas a fls. 164 e segs. confirmando que, como estava de férias no momento da assinatura da acta da Assembleia de 4/07/2020, foi a sua co-arguida quem deu tal acta para assinar aos administradores da ZZZZ, confirmando ainda que deu instruções à sua co-arguida para apagar o que, na sua opinião, tinha sido abusivamente introduzido na acta por aqueles.
A arguida BB optou por não prestar declarações – cfr. fls. 215.
Foi identicamente importante o depoimento de LL, constante de fls. 224 a 229, explicitando que estava presente na data em que os administradores da ZZZZ pretenderam assinar a acta e lavraram o protesto, tendo aconselhado a arguida BB a telefonar ao arguido AA, o que ela fez. Acrescentou que o dito arguido, segundo o que ela lhe referiu, lhe disse para apagar tudo o que tinha sido escrito pelos administradores da ZZZZ o que ela fez, à sua frente, tendo começado a apagar o que tinha sido escrito com um corrector.
Quanto aos factos que consubstanciam os elementos subjectivos do tipo, os mesmos decorrem da análise dos factos objectivos demonstrados de acordo com as regras da experiência comum. Com efeito, a espécie de actos perpetrados pelos arguidos afasta qualquer possibilidade de que as aludidas atitudes fossem involuntárias; por outro lado, a específica intenção de prejudicar a posição da assistente e de obter benefício ilegítimo resulta do impacto das acções desenvolvidas sobre o documento “acta” e da impossibilidade de usar integralmente a respectiva faculdade probatória, o que os arguidos bem sabiam ser-lhes vedado, dada até as suas qualificações jurídicas e profissões exercidas.
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Perante a factualidade acaba de enunciar cumpre indagar se os factos em causa são, ou não, subsumíveis ao crime de danificação de documentos como defende a recorrente no recurso interposto.
Nessa tarefa, importará atentar no que se preceitua no CSComerciais, especificamente no artigo 63º:
“1 - As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem.
2 - A acta deve conter, pelo menos:
a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião;
b) O nome do presidente e, se os houver, dos secretários;
c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais, quotas ou acções de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de presenças, que deve ser anexada à acta;
d) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à acta;
e) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia;
f) O teor das deliberações tomadas;
g) Os resultados das votações;
h) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.
3 - Quando a acta deva ser assinada por todos os sócios que tomaram parte na assembleia e algum deles não o faça, podendo fazê-lo, deve a sociedade notificá-lo judicialmente para que, em prazo não inferior a oito dias, a assine; decorrido esse prazo, a acta tem a força probatória referida no n.º 1, desde que esteja assinada pela maioria dos sócios que tomaram parte na assembleia, sem prejuízo do direito dos que a não assinaram de invocarem em juízo a falsidade da acta.
4 - Quando as deliberações dos sócios constem de escritura pública, de instrumento fora das notas ou de documento particular avulso, deve a gerência, o conselho de administração ou o conselho de administração executivo inscrever no respectivo livro a menção da sua existência.
5 - Sempre que as actas sejam registadas em folhas soltas, deve a gerência ou a administração, o presidente da mesa da assembleia geral e o secretário, quando os houver, tomar as precauções e as medidas necessárias para impedir a sua falsificação.
6 - As actas são lavradas por notário, em instrumento avulso, quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere ou ainda quando algum sócio o requeira em escrito dirigido à gerência, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo da sociedade e entregue na sede social com cinco dias úteis de antecedência em relação à data da assembleia geral, suportando o sócio requerente as despesas notariais.
7 - As actas apenas constantes de documentos particulares avulsos constituem princípio de prova embora estejam assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia.
8 - Nenhum sócio tem o dever de assinar as actas que não estejam consignadas no respectivo livro ou nas folhas soltas, devidamente numeradas e rubricadas.”
Ora, do disposto no citado inciso normativo, designadamente da conjugação do que consta na al. h), do nº 2, com o nº 3, decorre que a acta deve conter o sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem, até porque, quer a acta seja assinada ou não, desde que a sociedade tenha notificado o sócio para a assinar em prazo não inferior a 8 dias, tal acta tem a força probatória prevista no nº 1 da norma em análise (As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem) – desde que esteja assinada pela maioria dos sócios que tomaram parte na assembleia, sem prejuízo do direito dos que a não assinaram de invocarem, em juízo, a falsidade dessa acta.
No caso dos autos existia uma divergência relativamente ao que havia ocorrido na dita assembleia geral; ora, no momento da assinatura da acta pelos sócios que haviam participado na Assembleia Geral do dia 04/07/2020, de acordo com o preceituado na al. h), do n.º 2, do art.º 63º do CSComerciais, os administradores da ZZZZ – uma das sócias da PPP – podiam fazer constar da acta, do modo como o fizeram, a respectiva percepção sobre as ocorrências da assembleia. Na verdade, tendo-lhes sido dito que o que constava na acta já não podia ser alterado, até por ser a versão plasmada no livro de actas da sociedade, era-lhes permitido explicitar o sentido que pretendiam impor às suas declarações – ou seja, mencionar o que, segundo eles, não era retratado com fidelidade na acta exarada.
Ou seja, na acta em causa era lícito aos sócios – que discordavam de segmentos da narração que dela constava – fazer menção às desconformidades que nela vislumbravam, sendo certo que tais declarações passariam a fazer parte integrante da mencionada acta.
Ora, sendo assim e antecipando conclusões, é patente que ao rasurar com corrector parte da aludida declaração dos administradores da ZZZZ, os arguidos cometeram o crime de danificação de documentos que lhes é imputado.
Com efeito, estatui o art.º 259º, 1 o CPenal que “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, destruir, danificar, tornar não utilizável, fizer desaparecer, dissimular ou subtrair documento ou notação técnica, de que não pode ou não pode exclusivamente dispor, ou de que outra pessoa pode legalmente exigir a entrega ou apresentação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
O bem jurídico protegido pela referida norma é a “faculdade probatória” (…) enquanto interesse individual e disponível (…) que a titularidade do documento confere. A conduta constituiu, pois, uma acção ofensiva da posição probatória conferida pela titularidade do documento (…). Constituindo uma ofensa à faculdade probatória que a titularidade do documento concede, compreende-se a exigência do nº 4, que faz depender o procedimento criminal de queixa quando sejam particulares os ofendidos, aqueles a quem é juridicamente reconhecida uma pretensão de uso do documento ou da notação técnica para fins probatórios” – cfr. HELENA MONIZ E NUNO BRANDÃO, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, vol. II, 2ª ed.
Autor deste crime pode ser qualquer pessoa que não tenha um poder de disposição exclusivo e absoluto sobre a coisa, como ocorre, por exemplo, com o proprietário, este sim com total disponibilidade sobre o documento.
Tal ilícito pode ser cometido por diversas modalidades de conduta, destruição, danificação, inutilização, desaparecimento, dissimulação e subtracção.
Nas palavras dos autores supra citados, na obra referida, a modalidade de danificação “não constituiu uma eliminação material do documento, mas este fica estragado, arruinado e com isto afectado o valor probatório essencial do documento (integra-se nesta situação a rasura do documento).”
Para o preenchimento do tipo subjectivo de ilícito é exigido um dolo especifico, tendo o autor de actuar com “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa um beneficio ilegítimo”, o que o distingue dos crimes de furto e de dano, designadamente deste último, em que não é exigida qualquer destas especificas intenções.
Aliás, relativamente ao eventual concurso entre o crime em análise e o crime de dano tal questão mostra-se resolvida, uma vez que estamos perante um crime especial, que prevalecerá face ao crime geral, no caso da conduta lesiva incidir sobre documentos ou notações técnicas, aplicando-se o crime geral quando não se verifiquem as supra referidas intenções especificas de prejudicar ou beneficiar o próprio ou outrem.
Assim, no caso dos autos e diferentemente do que se refere na decisão objecto de recurso, dúvidas não existem de que os arguidos AA e BB, com as indicadas condutas descritas, incorreram na prática do crime previsto e punido no art.º 259º, 1 do CPenal.
Na realidade, contrariamente ao que se refere na decisão recorrida, a acta não manteve a sua integralidade. Com efeito, sendo permitido aos sócios incluírem declarações de votos, consente-se que produzam o tipo de declarações que exararam em acta, justamente para contribuírem para que o documento em causa constitua um retrato tanto quanto possível fidedigno dos factos que visa descrever. E, saliente-se, tal complemento não é inócuo, na medida em que contende com a tramitação descrita em 3), do artigo 63º do Cod. Soc. Comerciais, sendo assim ilícito o comportamento de quem posteriormente rasura tais declarações, pondo em causa o valor provatório da plenitude do documento. Na verdade, a declaração do sentido do voto do sócio não é estranha ao documento e à respectiva faculdade probatória, antes a integra.
Aliás, o uso do mecanismo adoptado pelos administradores da sócia ZZZZ é independente da faculdade de que todos os sócios dispõem de impugnar judicialmente qualquer acta.
Com efeito, uma vez assinada a mesma – ou mesmo não assinada quando tenha havido notificação para, em 8 dias, tal assinatura ser aposta – a acta tem o valor probatório referido no art.º 63º, 1 do CSComerciais.
Ou seja, no caso dos autos, como bem assinala a Exma. PGA, a rasura do escrito aposto pelos administradores da ZZZZ na acta em causa, alterou o conteúdo do aludido documento, atingindo desse modo a respectiva faculdade probatória – constituído, como supra se assinalou, pela acta e pelo protesto (declaração de sentido de voto) exarado relativamente ao respectivo teor.
Aliás, no artigo 37º do CComercial também se estabelece que “Os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.” Do citado inciso normativo também decorre que das actas das Assembleia deve constar toda uma panóplia de elementos que, de forma explicita e compreensível, narre do modo mais fidedigno possível a integralidade do ocorrido na reunião que retrata; é esse o sentido inequívoco do texto, designadamente, quando se explicita que das actas deve constar, para além do mais, tudo o que possa servir para fazer conhecer e fundamentar as deliberações tomadas.
Ou seja, no caso dos autos, dúvidas não existem que no protesto ficaram consignadas as concretas circunstâncias que, de acordo com a assistente, rodearam as deliberações tomadas na Assembleia de 4 de Julho de 2020.
Por outro lado, não se pode defender, como consta do despacho de arquivamento, que tudo o que constava do protesto já estava de alguma forma incluído na própria acta – circunstancialismo que tornaria destituído de qualquer utilidade o dito protesto.
Na verdade e desde logo, o que consta do protesto e da acta, apesar de haver entre ambos alguma correspondência – afinal um e outro falam da mesma Assembleia – não é idêntico, designadamente porque o que os assistentes pretenderam sempre vincar foi que quem presidiu à reunião foi o arguido AA e não EE. Ora, na acta, este é indicado como Presidente da Assembleia e como participante activo na mesma – o que os assistente negaram peremptoriamente no protesto exarado. Tal desalinhamento entre “acta” e “protesto” ocorre com os restantes pontos elencados no despacho de arquivamento, já que existe sempre algum tipo de diferença entre um acto e o outro, desde logo motivada pela diferente perspectiva de quem os elaborou. De facto, como supra já se disse, no protesto ficou exarada a visão dos assistentes quanto ao que ocorreu na Assembleia em causa, sendo certo que, de acordo com as normas citadas, antes de assinarem a acta tinham todo o direito de nela fazer constar a sua visão dos eventos, a fim de que na mesma ficassem melhor retratadas todas as circunstâncias atinentes às deliberações tomadas.
Assim, ao ser tal protesto rasurado, atentou-se contra a integralidade probatória do documento em causa – foi parcialmente obliterada a declaração que os administradores da assistente escreveram, e que era idónea a provar facto juridicamente relevante, isto é, um acontecimento de vida com valoração jurídica.
Questão que terá ainda de colocar-se é que se prende com a circunstância de o arguido AA não ter praticado qualquer acto de execução do crime que lhe é imputado, tendo unicamente determinado a arguida BB à prática do citado crime.
Na análise que se impõe, deve dizer-se que a coautoria é também uma modalidade de autoria, prevendo o art.º 26º do CPenal “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
No preceito transcrito estão previstos diferentes modos de execução do facto. autonomizáveis em função das características da acção, mas recondutíveis, todas elas, ao conceito amplo de autoria. A este propósito FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, pág. 775 e segs., refere que há que considerar abrangidas no conceito de autoria as seguintes modalidades:
- Desde logo, a autoria singular – sendo punível como autor quem executar o facto, por si mesmo (…) – ou seja trata-se da designada autoria imediata (1ª parte da norma supra citada);
- Por outro lado, a autoria mediata – sendo punível como autor (…) quem executar o facto (…) por intermédio de outrem (…), assente na existência de um “homem-de-trás” e de um “homem-da-frente”, confluindo na pessoa do primeiro todos os pressupostos de punibilidade;
- A terceira alternativa do art.º 26º é a co-autoria – é punível como autor quem (…) tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (…) – autonomizada pela verificação de uma decisão conjunta, exigindo que o coautor tome parte directa na execução, contribuindo objectivamente para a realização do facto;
- A quarta e última modalidade é a da instigação – sendo punível como autor (…) quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
Relativamente à autoria mediata o autor citado a página 776 afirma “(…) o executor, intermediário ou “instrumento” (que pode ser jurídico-penalmente irresponsável ou parcialmente responsável (…)”.
Isto sucederá em geral, como bem pensa Roxin, quando possa afirmar-se que o homem-de-trás possui sobre o homem-da-frente o domínio da vontade, o que paradigmaticamente sucederá em duas situações: quando o homem-de-trás coage o homem-da-frente à prática da acção (domínio da vontade por coacção) ou quando o engana e o torna assim em executor involuntário do seu plano delituoso (domínio da vontade por erro).
No que tange a esta última modalidade de autoria, de acordo com a previsão contida na lei, somente é punida quando o instigador é o verdadeiro dono do facto, enquanto responsável pela decisão do instigado de o cometer, pelo que o evento final, embora obra pessoal do homem-da-frente aparece como obra do instigador, dando ao seu contributo para o facto o carácter de co-realização (o facto afirma-se como próprio), que não de mera participação externa no ilícito cometido por outrem.
«Instigador no sentido do art.º 26º é unicamente quem produz ou cria de forma cabal (…)no executor a decisão de atentar contra um certo bem jurídico-penal através da comissão de um concreto ilícito típico; se necessário inculcando-lhe a ideia, revelando-lhe a sua possibilidade, as suas vantagens ou o seu interesse, ou aproveitando a sua plena disponibilidade e acompanhando de perto e ao pormenor a tomada de decisão definitiva pelo executor. No plano das realidades psicológicas aceitar-se-á muito bem que também seja compatível com a “liberdade” do agente imediato uma sua actuação num estado de dependência psicológica traduzida em que ele execute voluntariamente uma decisão, todavia criada ou produzida no seu espírito pelo homem-da-retaguarda.»
No caso deste tipo de autoria é expressamente exigido pela lei, art.º 26º, 4 do CPenal, que (…) a determinação, essência da instigação, seja dolosa”. – cfr. autor e obra supra citados, pág. 810.
Com efeito, de acordo com JESCHECK, in Tratado de Direito Penal – Parte Geral, II, pág. 958, «o dolo do indutor deve, por uma parte, estar dirigido à produção da resolução de cometer o facto e, por outra parte, à execução do facto principal por parte do autor, incluindo os elementos subjectivos do tipo e a realização do resultado típico»
Por outro lado, diferentemente do que ocorre na coautoria, a actuação do instigador reconduz-se à actividade de incentivar, de motivar ou de pressionar o executor a praticar uma acção típica e ilícita, sendo, porém tal actuação, determinante para a decisão deste último de praticar o facto ilícito.
Saliente-se que o dito incentivo para a prática de um determinado acto ilícito pode reconduzir-se à criação da vontade do instigado de praticar o facto pela indução de uma motivação assente num estado emocional, como ira, cólera ou despeito, ou pode consistir numa promessa de recompensa ou vantagem material.
Segundo Jescheck, «o dolo do indutor deve, por uma parte, estar dirigido à produção da resolução de cometer o facto e, por outra parte, à execução do facto principal por parte do autor, incluindo os elementos subjectivos do tipo e a realização do resultado típico»
O que é indubitavelmente exigido para que a instigação seja punível é que exista execução ou começo de execução do facto criminoso.
Como se pode ler no Ac. da TRP, de 8 de Fevereiro de 2006, proc. nº 0412956, in www.dgsi.pt: «(…) A instigação consiste essencialmente em determinar, directa e dolosamente, outrem à realização de um facto ilícito. O instigador faz surgir noutra pessoa a ideia – anteriormente inexistente – da prática de um crime, mas é esta pessoa quem decide cometê-lo e, em última instância, o pratica. A punição do instigador depende claramente, no nosso ordenamento jurídico, da prática (ou, ao menos, do início da execução) do facto por uma outra pessoa, pelo que, embora formalmente o artigo 26.º do Código Penal a inclua entre as modalidades de autoria, parece que a instigação não deixa de ser uma forma dependente, acessória de um facto que é levado a cabo por outra pessoa – que é o seu verdadeiro autor imediato ou mediato –, facto esse, portanto, que se definirá pelo que faz essa outra pessoa e, bem assim, pelas suas características (cfr., a propósito, Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, vol. II, s. d., pp. 410 e ss.; ID., Ilicitamente comparticipando – o âmbito de aplicação do artigo 28.º do Código Penal, in «Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia», vol. III, nota 12, p. 603). A instigação aproxima-se da autoria mediata na medida em que em ambos os casos o resultado típico é alcançado mediante a motivação de uma pessoa (diversa da do instigador ou da do autor mediato) para a sua respectiva consecução. No entanto, nas hipóteses de autoria mediata verifica-se, como salienta sugestivamente alguma doutrina, uma degradação de um ser humano à categoria de mero meio material (e, por isso mesmo, não livre) para a realização de determinados fins delitivos (e por isso se pode e deve afirmar que o autor mediato mantém, durante o decurso da execução do facto, o domínio sobre o desenrolar dos acontecimentos através do senhorio que exerce sobre a vontade do agente imediato), enquanto que nas hipóteses de instigação do que se trata é da corrupção de um ser humano livre com vista à produção de um resultado jurídico-penalmente proscrito: o instigador consegue transferir, com sucesso, as suas intenções delitivas para o autor do facto, que actua, porém, livremente, nunca deixando de ter, consequentemente, o domínio deste. A instigação só pode afirmar-se se se verificarem vários requisitos, de natureza objectiva e subjectiva. Assim, de um ponto de vista objectivo, a conduta do instigador deve determinar ou causar a formação da resolução criminosa no autor e a ulterior realização, por este, do facto. Isso implica que a actividade do instigador deverá ser de molde a levar o autor a adoptar a decisão de cometer o crime e a (pelo menos) dar início à sua respectiva execução, resultados que por essa razão aparecem como (e podem com legitimidade dizer-se) consequência da actuação do instigador. Do ponto de vista subjectivo, a instigação há-de ser (duplamente) dolosa, no sentido de que o instigador tem de ser consciente da circunstância de que está a motivar outra pessoa a adoptar uma resolução criminosa e a realizar o correspondente facto, e pretender esta mesma comissão».
No caso dos autos verifica-se que o arguido AA deu expressamente instruções à arguida BB no sentido de esta rasurar o protesto que tinha sido escrito pelos administradores da assistente na acta que a mesma lhes deu para assinar, o que ela efectivamente fez, rasurando parte das fls. 11 e 12 da acta em causa.
Assim, não pode deixar de se concluir que a actuação do arguido AA no cometimento do crime de danificação de documento o foi na vertente de instigação, o que decorre quer do modo de actuação do referido arguido – que note-se não estava presente no momento em que o documento foi rasurado – como no que tange ao elemento subjectivo, tendo actuado com intenção de levar a sua co-arguida BB à prática dos factos ilícitos em causa no autos, pretendendo isso mesmo, isto é, determinar aquela à prática da danificação do documento em causa.
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IV – Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso interposto pelos assistentes revogando, assim a decisão proferida e, em consequência, decide-se pronunciar os arguidos
AA, filho de QQ e de RR, natural de ..., nascido em 24/03/1966, casado, Advogado, com domicílio na ... e
BB, filha de SS e de TT, natural de Funchal, Madeira, nascida em 09/01/1989, solteira, Advogada, com domicílio em ..., porquanto
1. A assistente é sócia da sociedade "PPP", detendo nela uma quota no valor nominal de € 7.182,69
2. Tal sociedade “PPP” tem a sua sede na ....
3. No dia 4 de Julho de 2020, após convocatória para o efeito, foi realizada uma assembleia geral na sede da "PPP", na qual estavam presentes, além dos demais, o arguido AA – constando da acta da assembleia que este ali se encontrava na qualidade de advogado da sociedade PPP – CC e DD – que acompanhados das suas advogadas MM e NN, nela participaram na qualidade de administradores da sociedade ZZZZ.
4. Encontrava-se igualmente presente EE – constando da acta da Assembleia que o fazia em representação das quotas que eram pertença do falecido maioritário FF.
5. Na convocatória da aludida Assembleia indicava-se como ponto dois da ordem de trabalhos a nomeação de EE como gerente da PPP, pelo que lhe caberia presidir à mesa da assembleia.
6. Naquela ocasião e lugar – apesar do referido em 5) – foi o arguido AA a tomar a palavra para abrir os trabalhos.
7. Nesse momento, a assistente, por via do seu administrador CC, solicitou a palavra para pedir esclarecimentos sobre quem se encontrava, de facto, a presidir àquela assembleia.
8. Apesar de tal interpelação foi o arguido AA, conhecido como mandatário da PPP, a dar continuidade à ordem de trabalhos constante da convocatória.
9. Os sócios participantes acordaram que a acta seria posteriormente redigida e impressa para ser assinada pelos presentes.
10. A assistente foi informada pelas suas advogadas que a versão final de tal acta estava disponível na recepção do domicílio profissional do arguido AA, para ser assinada.
11. CC e DD, no dia 24 de Julho de 2020, pelas 17h00, deslocaram-se ao escritório dos arguidos, sito na ..., tendo em vista a assinatura da citada acta.
12. Nessa data o arguido AA não estava presente, tendo os administradores da assistente sido recebidos pela arguida BB, que passado algum tempo lhes facultou a Acta n.º 1 de 2020, para ser assinada, composta de fls. 6 a 11 do original do livro de actas, já rubricado no canto superior direito com duas rubricas de gerentes da "PPP".
13. Os administradores da assistente não concordaram com o conteúdo da dita acta, considerando que a mesma não retratava o que havia ocorrido na Assembleia do dia 4 de Julho de 2024, motivo por que se recusaram a assiná-la sem que antes lavrassem as suas ressalvas, através de um protesto.
14. Nesse momento foi-lhes transmitido pela arguida BB que aquela era a versão final e que não poderiam acrescentar mais nada ao aludido documento.
15. Após uma troca de argumentos e da insistência por parte dos administradores da assistente em lavrar tal protesto, os mesmos nela exararam as considerações constantes da metade inferior da folha 11, a totalidade da folha 12 e ainda a totalidade da folha 13 do livro de actas, assinando no final.
16. Do dito protesto constava o seguinte:
Folha 11:
"Os representantes da ZZZZ, vão assinar a presente acta em desacordo com parte significativa da redacção da mesma, por não corresponder à verdade do que se passou na assembleia.
Apesar da redacção inicial nos ter sido facultada através dos nossos advogados, e termos feito a nossas sugestões de correcção, as mesmas não foram na totalidade aceites.
Nestas circunstâncias vemo-nos forçados a fazer as declarações seguintes para reposição da verdade do ocorrido na assembleia, e que são:
1. Importa antes de tudo afirmar que os trabalhos da assembleia foram abertos e presididos pelo Sr. Dr. AA que indicou as presenças e a qualidades dos mesmos, tendo sido interrompido pelo Eng. CC, representante da ZZZZ, que questionou, quem é que está a presidir à assembleia?
À pergunta ninguém objectivamente respondeu. Na sequência da ausência de resposta e ao verificarem o prosseguimento dos trabalhos conduzidos pela mesma pessoa, o Dr. AA, o representante da ZZZZ acrescentou; fica aqui a observação.
Folha 12:
para que conste na acta, que os trabalhos estão a ser conduzidos pelo Dr. AA. Portanto é falso que a assembleia tenha sido presidida nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 268.º do CSC pelo representante das quotas do falecido sócio FF.
Este Senhor EE esteve presente, de facto, mas não abriu a boca para se pronunciar sobre qualquer andamento dos trabalhos.
Mais se clarifica que todas as referências da ata à Presidência da assembleia se devem entender como à presidência do Sr. Doutor AA.
2. No ponto prévio, e na intervenção da Dra. DD, importa precisar que foram referidas as acções para impugnar as nomeações da gerência anteriores, e como tal a ZZZZ não considerava legal a convocatória, mas que apesar disso a ZZZZ estava presente, não querendo paralisar a atividade da PPP e para avaliar as contas, suas deliberações e participar na eleição de um novo gerente para a PPP.
Logo de seguida reforçando o que disse a Dra. DD o Eng. CC propôs que a assembleia funcionasse como Assembleia Universal, já que estava todo o capital da sociedade representado, tendo à proposta respondido o Dr. AA, sem nenhuma consulta a quem quer que fosse, afirmando que a convocatória não enfermava de nenhuma irregularidade.
3. No Ponto um da ordem de trabalhos, o Eng. CC questionou o facto do valor de 192.500,00 euros, do acordo celebrado entre a PPP e o Sr. JJ não estar lançado na contabilidade, importando aqui
Folha 13:
ressalvar que finda esta intervenção do Eng. CC, o Sr. Dr. AA que dirigia os trabalhos, questionou o Sr. EE sobre a situação, e não como se diz na acta.
4. No ponto dois, o Eng. CC esclareceu a oposição da ZZZZ quanto à eleição do Sr. EE para gerente, que a sua oposição não era por ele ainda não ser sócio na plenitude da PPP, mas sim pelo facto de já haver um gerente, a Sra. D. KK, apesar de impugnada a sua eleição, a representar (ou em representação) da quota do sócio falecido FF, passando assim a haver dois gerentes da PPP ancorados na representação de uma quota - a do Sr. FF.
E disse mais, para que conste da ata, que que a ZZZZ estava disponível para participar na gerência da PPP, ao que o Sr. Dr. AA respondeu sem pestanejar “Nem pensar”.
Nem, por incrível que pareça, o Sr. EE disse algo a este propósito da sua eleição. Finalmente é absolutamente falsa a reviravolta de o Sr. EE estar a ser eleito, como um elemento estranho à sociedade, o que surpreendeu os representantes da ZZZZ.
17. Findo o texto os administradores da ZZZZ entregaram os originais do que haviam redigido, rubricados e assinados, à arguida BB, solicitando uma cópia para si.
18. A arguida BB ausentou-se da sala onde se encontravam levando consigo os ditos originais, para momentos depois regressar, entregando-lhes uma cópia da folha 6 a 11, já sem o protesto, pretendendo que aqueles a assinassem.
19. Após uma troca de palavas com os administradores da assistente, a arguida BB exibiu os originais de fls. 6 a 13 da acta, com parte do protesto rasurado com corrector branco, tendo sido por si apagada a totalidade do texto manuscrito a fls. 11 e a parte superior do texto de fls. 12, ainda permanecendo o texto de fls. 13 intacto.
20. A arguida BB actuou do modo referido em 19), apagando parte do protesto exarado pelos administradores da assistente, uma vez que, entretanto, contactou telefonicamente o arguido AA que lhe disse que o protesto não tinha cabimento na acta e lhe deu instruções para que o rasurasse, o que ela fez.
21. Os arguidos pretenderam e lograram, com a sua respectiva actuação, apagar todo o conteúdo de fls. 11 e parte de fls. 12.
22. Com a conduta acima descrita, os arguidos pretendiam (e em parte lograram), a destruição de um documento respeitante à actividade da sociedade, com o intuito de em seu ilegítimo benefício fazerem desaparecer os termos de um protesto que consideravam ser-lhes desfavorável e privando, ao mesmo tempo, a assistente de um elemento documental probatório relevante para uma eventual anulação da assembleia.
23. Ao apagarem o parte do protesto aí exarado pelos administradores da ZZZZ, os arguidos pretenderam – e em parte lograram – ocultar e dissimular o teor do aludido protesto, actuando com a intenção de impossibilitar, através daquele meio, que a assistente, demonstrasse o desacordo relativamente ao conteúdo da acta nº 1 de 2020, bem como obstar ao exercício de um direito societário, por parte da assistente, bem sabendo e querendo, com essa conduta, prejudicar esta última.
24. Os arguidos sabiam que tal livro de actas é pertença da sociedade de que a assistente é sócia, pelo que sabiam igualmente que não poderiam pôr ou dispor de tal documento como efectivamente puseram, dispuseram e danificaram.
25. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era penalmente censurável.
Tais factos são susceptíveis de integrar a prática em co-autoria (a arguida, como executora e o arguido como instigador) de um crime de danificação de documento, previsto e punível pelos artigos 26.º e 259.º, n.º 1 do Código Penal.
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Prova:
- Documental:
1- Documentos de fls. 11 a 29 – cópia da convocatória da Assembleia Geral de 04/07/2020, certidão do contrato de sociedade da PPP, Acta da Assembleia Geral de 04/07/2020, contendo fls. 11 a 13, com o protesto rasurado.
Certidão permanente da PPP - conforme código de acesso à certidão permanente online 6274-5706-7122.
2- Declarações dos dois legais representantes da assistente:
DD, id a fls. 73 e
CC, id. a fls. 72.
3- Testemunhal:
1- MM, id. a fls. 153;
2- LL, id a fls. 225.
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Sem custas (cfr art.º 513º do CPPenal).
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Lisboa, 07 de Novembro de 2024
Rosa Maria Cardoso Saraiva
Ivo Nelson Caires B. Rosa
André Alves