Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA | ||
Descritores: | DIREITO DE PROPRIEDADE DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO ZONA URBANA CONSOLIDADA RISCO DE EROSÃO DO MAR RISCO DE INVASÃO DO MAR RISCO DE INUNDAÇÕES CHEIAS E AUMENTO DO NÍVEL DO MAR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/04/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Para efeitos da aplicação do Artigo 15º, nº5, al. c), da Lei nº 54/5005, de 11.11 (“Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado”), irreleva saber se as parcelas em questão estão, ou não, sujeitas a cheia progressiva ou rápida. II. Constituem realidades diversas a não prova de um facto ou a prova positiva de facto inverso a um facto provado. Pugnando o apelante pela prova de um facto inverso e essencial (mas que não alegou) ao facto provado r), a enunciação de tal putativo facto como provado é inviável nos termos do Artigo 5º, nº1, do Código de Processo Civil. Todavia, atendendo a que quem quer o mais quer o menos, a pretensão do apelante será apreciada apenas tendo em vista aferir se se justifica reverter o facto r) para não provado porquanto o efeito prático-jurídico pretendido é o mesmo: a improcedência da ação. III. Constituem realidades diversas o “risco de erosão ou de invasão do mar” (al. c), do nº5, do Artigo 15º da Lei nº 54/2005), por um lado, e o risco de inundações, cheias e aumento do nível do mar por força das alterações climáticas, por outro. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO AFAINVESTE — IMOBILIÁRIA S.A. e TEJAL — EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, Lda., instauraram a presente ação declarativa constitutiva, que corre termos sob a forma de processo comum, o que fizeram contra o Ministério Público. Pedem as autoras seja a ação julgada procedente e, em consequência: a. Seja reconhecido o direito de propriedade exclusivo da Autora AFA sobre o Prédio 1; b. Seja reconhecido o direito de propriedade exclusivo da Autora TEJAL sobre os Prédios 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11; e c. Seja reconhecido que os Prédios 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 se encontram, assim, excluídos do Domínio Público Marítimo do Estado. Para tanto, alegam as autoras, em suma e com relevância, que: . As autoras são proprietárias de um conjunto de prédios sitos no Cais do Ginjal, em Almada, que se encontram integrados na área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, da autoria da Câmara Municipal de Almada, os quais se localizam na margem do Rio Tejo, dentro do perímetro urbano de Almada, encontrando-se o Cais do Ginjal, na sua totalidade, inserido em zona urbana consolidada. . Esses prédios estão atualmente classificados como Espaços Urbanos e Urbanizáveis. . O Cais do Ginjal encontra-se, atualmente, votado ao abandono, estando degradado e constituindo um foco de insalubridade, carecendo de ser requalificado e revitalizado, o que apenas poderá ocorrer com a execução do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal. . No Cais do Ginjal não se verifica qualquer risco natural de invasão do mar na área de intervenção do Plano Pormenor do Cais do Ginjal, pelo que todos os prédios das autoras estão fora de zona de risco de erosão ou de invasão do mar. . As construções edificadas nos prédios em causa são anteriores a 1951. O réu contestou a ação, invocando a exceção de incompetência do tribunal em razão do valor e impugnou os fundamentos da ação, concluindo pela sua improcedência. Foi apreciado e decidido o incidente respeitante ao valor da causa, o qual o tribunal fixou em €8.757.103,25 (oito milhões e setecentos e cinquenta e sete mil e cento e três euros e vinte e cinco cêntimos), sendo julgada procedente a exceção de incompetência do tribunal em razão do valor e remetidos os autos a este Juízo Central Cível de Almada — Juiz 1. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgaram válidos os pressupostos processuais da instância, tendo-se procedido à delimitação do objeto do litígio e à fixação dos temas de prova, bem como foram recebidos os requerimentos probatórios oferecidos pelas partes. Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelos fundamentos de facto e de Direito que ficaram expressos, julgo a ação parcialmente procedente, por provada em parte, e, em consequência: a) Declaro que a autora «Afainveste — Imobiliária, S.A.» é a proprietária do imóvel descrito na alínea c) dos factos provados, o qual declaro que se mostra excluído do domínio público marítimo do Estado Português; b) Declaro que a autora «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Ld.ª.» é a proprietária dos imóveis descritos nas alíneas e), f), g), h), i), j), k) e l) dos factos provados, os quais declaro que se mostram excluídos do domínio público marítimo do Estado Português; c)Absolvo o réu do restante pedido; d)Condeno a autora «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Ld.ª.» no pagamento das custas processuais, em consonância com o respetivo decaimento, que se fixa em 2/11.» * Não se conformando com a decisão, dela apelou o Ministério Público, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES: 1. «O M. Público considera incorretamente julgada a resposta ao nº 3 dos temas de prova (al. r) dos factos provados) pois, devia ter concluído pela existência de riscos de erosão, invasão do mar e cheia progressiva ou rápida. 2. O Tribunal desconsiderou totalmente o documento junto pelo M. Público na contestação proveniente da Agência Portuguesa do Ambiente, onde se inclui no anexo V (análise de risco de invasão pelo mar/suscetibilidade de inundação) a identificação em foto dos prédios em causa, de acordo com o Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Estuário do Tejo (PORNET), constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 177/2008 (DR nº 228/2008, Série I de 24/11/2008) como de risco de erosão ou de invasão do mar. 3. O documento intitulado Declaração Ambiental do Plano de Pormenor Cais do Ginjal, no ponto 1.4 (pág. 11) identifica a existência de riscos de «cheias e inundação» e «tsunami de elevada magnitude». 4. O julgador deve efetuar uma análise crítica de todos os elementos probatórios, independentemente da parte que os produziu e que tem o ónus de provar determinado facto, com o fim de motivar e justificar a sua decisão. No caso de haver elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros. 5. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo fez uma errónea interpretação da prova produzida, assim incorrendo na violação dos art.ºs 413º, 607º, nºs 4 e 5 do CPC e a alínea c), do n.º 5, do art.º 15º da Lei n.º 54/2005. 6. Pelo exposto, deverá ser alterada a resposta à al. r) dos factos provados, no sentido da existência de riscos de erosão, invasão do mar e cheia progressiva ou rápida. 7. Considerando a matéria de facto alterada, não poderia a lide deixar de ter resultado diverso, devendo ser a ação, nesta parte, ser julgada improcedente e, em consequência, revogada a douta decisão recorrida, julgando-se o presente recurso procedente. Porém, V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA.» Contra-alegaram as apeladas. Formulando as seguintes: CONCLUSÕES: 1. É firme convicção das Recorridas que o recurso de apelação, interposto pelo Recorrente, da decisão proferida pelo Tribunal a quo deve improceder, porquanto a douta sentença não merece censura na parte a que o Recorrente se dirige. A- Questão Prévia: 2. O entendimento do Recorrente quanto ao facto provado r) está (salvo o devido respeito) em flagrante contradição com a posição manifestada por si, em sede de alegações orais, proferidas segundos após terminar a produção de prova, em sede de audiência de discussão e julgamento. 3. Ao contrário do que agora afirma, o Recorrente declarou expressa e inequivocamente nas suas alegações orais que as Recorridas lograram provar os quatro temas da prova dos autos, onde se inclui o tema da prova 3, com a seguinte redação: «[e]m que inexiste o risco de erosão ou risco natural de invasão do mar na área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal nem é afetada por qualquer fenómeno de ocorrência de cheia progressiva ou rápida». 4. Ora, o referido tema da prova 3 corresponde ipsis verbis ao facto provado r) da sentença recorrida. 5. Por suficientemente esclarecedoras, veja-se as palavras do Recorrente, conforme transcrição das suas alegações orais, com início a minutos 00:16:04, constante do capítulo II, para onde se remete e que se devem aqui considerar aqui reproduzidas, por razões de economia processual. 6. É o próprio Recorrente que reconhece que os Prédios de que as Recorridas são proprietárias estão em zona de estuário e que, por isso, estão «fora de zona de risco de erosão ou de invasão do mar», tendo apelado e defendido a necessidade de unidade na aplicação do direito, dando o exemplo do edifício da EMSA, cuja construção foi permitida a menos de 50 metros do rio Tejo. 7. Nas suas alegações orais, o Recorrente declarou que o Tribunal a quo deve decidir «de acordo com a prova documental junta e até testemunhal produzida”. 8. Prova essa que, nessas alegações, também declarou ser suficiente para demonstrar que os quatro temas da prova dos autos foram provados pelas Recorridas, como é o caso da Declaração Ambiental do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal e o depoimento de RM. 9. Relativamente às testemunhas indicadas pelo Recorrente, é importante notar que (i) no depoimento do Sr. TB, o Recorrente optou por não colocar qualquer questão quanto ao tema da prova 3 e facto provado r) e que (ii) no depoimento da Sra. SM, foi a própria Testemunha que reconheceu que as águas que estão junto aos Cais do Ginjal, onde se localizam os Prédios das Recorridas, estão em estuário (cf. depoimento de TB nos minutos 00:05:34 a 00:06:16 e depoimento de SM nos minutos 00:14:31 a 00:15:05). 10. O Recorrente foi notificado da supramencionada Declaração de Impacte Ambiental, com a declaração das Recorridas de que «faz prova do tema da prova n.º 3», mas o Recorrente nada alegou, conformando-se com o seu conteúdo e a conclusão probatória aí retirada pelas Recorridas. 11. O parecer da APA de 2019, já se encontrava junto aos autos aquando da audiência de discussão e julgamento, tendo sido apresentado com a Contestação, mas também nada foi dito pelo Recorrente a esse respeito nas suas alegações orais e, em particular, que impedia supostamente que o tema da prova 3 fosse dado como provado. 12. Por igualmente relevante, note-se que não ocorreu qualquer facto superveniente após a audiência de discussão em julgamento - momento em que o Recorrente fez as suas alegações orais - de modo a justificar a alteração radical da sua posição. 13. Mas mesmo que tivesse ocorrido algum facto superveniente, sempre se imporia ao Recorrente explicitar as razões que o levaram a manifestar-se em sentido oposto ao que havia declarado. 14. A referida alteração da posição manifestada pelo Recorrente revela a incoerência do seu recurso e consubstancia uma violação do Estado de Direito Democrático, designadamente dos princípios da segurança jurídica e da proteção confiança, consagrados no art.º 2.º da CRP. B- Da correção da parte do facto provado r) «Em que inexiste risco de erosão e inexiste risco natural de invasão do mar na área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal»: 15. Não assiste razão ao Recorrente quanto à alegação de que o facto r) não podia ter sido dado como provado, porque o Tribunal a quo não considerou todos os elementos de prova juntos aos autos. 16. Os documentos indicados pelo Recorrente (o parecer da APA de 2019, o anexo V desse parecer e a Declaração Ambiental do Plano de Pormenor Cais do Ginjal) em nada alteram o sentido da sentença recorrida quanto ao facto provado r), porquanto o seu conteúdo não faz prova de que há risco de erosão, de invasão do mar ou de «cheias e inundação» e de «tsunami de elevada magnitude» na área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, onde se localizam os Prédios das Recorridas. 17. A decisão recorrida não poderia ter outro sentido, seja pela prova produzida nos autos pelas Recorridas, seja porque a sentença ora recorrida versa sobre matérias cujos tribunais superiores já se pronunciaram várias vezes, correspondendo o seu conteúdo decisório ao entendimento unânime dos Tribunais. (i) Quanto ao parecer da APA de 2019: 18. A afirmação da APA de que os seus «Serviços contestam as afirmações inferidas pelos autores sobre este critério» está totalmente descontextualizada, sendo esta afirmação e a missão e atribuições da APA o único argumento do Recorrente. 19. O conteúdo do parecer da APA de 2019 e, em particular, dos seus parágrafos 5, 8 e 12, alínea b), é confuso e pouco ou nada concludente. 20. Veja-se para o presente efeito os parágrafos 5 e 8 desse parecer, cujo conteúdo se deve considerar aqui reproduzido por razões de economia processual. 21. Na redação do referido parecer, a APA confunde-se entre a não aplicação do critério por não ser mar e a não aplicação por haver risco de invasão das águas do estuário. 22. Ou seja, a APA entende que o troço do rio Tejo junto ao Cais do Ginjal está sujeito à influência das marés e, nessa medida está compreendido no domínio público marítimo, conforme definido na alínea e) do art.º 3.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, mas como se trata de águas de transição (estuário) não lhes é aplicável a alínea c) do n.º 5 do art.º 15 da Lei n.º 54/2005. 23. Assim, de forma confusa e sem base legal concreta, a pronúncia da APA nada tem que ver com a verificação ou não do referido requisito - «fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar» -, mas sim com o facto de, no seu entender, esse critério não dever ser aplicável ao caso, porque o que está em causa são águas de estuário (não obstante reconhecer que há a influencia das marés e, por isso, está dentro do domínio público marítimo). 24. No entanto, apesar de o parecer da APA de 2019 ir no sentido de que que o referido requisito só se aplica a águas do mar, não se aplicando, por conseguinte, ao caso concreto, na informação jurídica de 2016, m a referência I005594-201604-DJUR-DDA (que também está em anexo a tal parecer de 2019), a APA admite «a matéria respeitante a parcelas de terrenos que se encontrem fora do risco de erosão ou de invasão do mar, questão que, naturalmente, apenas se coloca quanto às margens e leitos de águas do mar, pois os demais recursos encontram-se, por regra, fora daquela zona, portanto, aplicando a parcelas situadas em áreas demarcadas como áreas marítimas (zonas costeiras)» e que este requisito carece de otimização, ao contrário do requisito da zona urbana consolidada (cf. parágrafos 19 a 21 da referida informação jurídica). 25. Independentemente de qualquer alteração legislativa futura, o certo é que a Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, mantém a sua redação original, referindo-se expressa e exclusivamente ao risco de erosão ou de invasão do mar, independentemente da zona em que as águas se encontrarem, sem qualquer exclusão deste pressuposto a qualquer situação. 26. Qualquer analogia que a APA pretenda fazer entre o mar e o rio é proibida, nos termos do art.º 9.º, n.º 2 do CC, para além de que o que está em causa é uma norma restritiva, de caráter excecional, que, nos termos do art.º 11.º do CC, não comporta aplicação analógica, que seria feita se se aplicasse ao rio uma restrição que se refere especificamente ao mar. 27. Assim, se não estão em causa águas do mar, e, portanto, não estamos em zona de costa para que se possa falar em “erosão” ou “invasão” do mar, mas sim em zona de estuário, as águas do rio em presença no Cais do Ginjal estão «fora de zona de risco de erosão ou de invasão pelo mar». 28. De qualquer forma, em parte alguma do parecer da APA de 2019 (ou da informação jurídica de 2016 em anexo ao mencionado parecer) se refere que na área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, existe risco de erosão ou de invasão pelo mar e, assim, não se vê em que medida esses documentos poderiam influir na formação da convicção do Tribunal a quo. 29. Nos termos do Acórdão da Relação do Porto de 27 de junho de 2016 (Proc. 240/17.3T8ESP.P1), deve atender-se à classificação administrativa para determinado recurso hídrico (o Recorrente também reconhece este entendimento) e que, pelo facto de o prédio em apreço não constar na zona de invasão do mar na Planta Síntese e de Condicionantes do Plano de Ordenamento da Orla Costeira aplicável à situação aí em apreço, é quanto basta para se considerar que o prédio em discussão estava «fora da zona de risco de erosão ou invasão do mar» e que não deveria ser usado qualquer outro conceito legal (cf. transcrição constante do subcapítulo A, do capitulo III supra que se devem aqui considerar reproduzidas por razões de economia processual). 30. Em suma, se o prédio em questão não está incluindo em zona delimitada pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira, vigente, como zona de risco, conclui-se que o mesmo se situa fora da zona de risco de erosão ou de invasão de mar. 31. Atualmente estão em vigor os Programas da Orla Costeira, conforme consta do site da APA, cuja informação está disponível em https://apambiente.pt/agua/programas-da-orla- costeira. 32. In casu, a área de intervenção do Cais do Ginjal, onde se localizam os Prédios das Recorridas, não está abrangida por qualquer programa da orla costeira e, por conseguinte, estão «fora da zona de risco de erosão ou de invasão de mar», preenchendo assim o requisito constante na alínea c) do n.º 5, do art.º 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro (no mesmo sentido, veja-se o depoimento de RM, supratranscrito, nos minutos 00:08:56 a 00:19:48, que se deve considerar aqui reproduzido por razões de economia processual). 33. Assim, não se pode desconsiderar a valoração administrativa vigente, pelo que não se encontrando os Prédios das Recorridas abrangidos por qualquer Programa da Orla Costeira e muito menos aí integrados em alguma zona de risco, o Tribunal a quo nunca poderia ter concluído pela existência de riscos de erosão e invasão do mar. 34. Par além do exposto, ainda no que concerne ao parecer da APA de 2019, as Recorridas não podem deixar de realçar a incorreção e incoerência da posição plasmada no recurso em resposta. 35. Veja-se as seguintes afirmações constantes do referido parágrafo 12, alínea b): (i) «a área do estuário do tejo tem elevada vulnerabilidade à subida do nível das águas do mar impulsionado pelas alterações climáticas»; e «as alterações climáticas e os impactes resultantes são um problema relevante que se cola a médio e a longo prazo à gestão da zona costeira (...). Um dos principais efeitos das alterações climáticas é a elevação do nível médio das águas do mar». 36. A situação em causa não tem aplicação a tais palavras, porquanto o parecer da APA se refere especificamente a zonas costeiras e águas do mar e não a qualquer zona de estuário. (ii) Quanto ao anexo V do parecer de 2019 da APA: 37. Não resulta de parte alguma do referido anexo (e nem do conteúdo do parecer de 2019) que os Prédios das Recorridas se localizam em qualquer zona de risco de erosão ou de invasão do mar. 38. A única referência que existe é na designação do anexo V, onde se lê «Anexo V - análise de risco de invasão pelo mar/suscetibilidade de inundação», redigida pela APA e sem qualquer menção a uma qualificação administrativa ou fonte. 39. Para além disso, não há e nem decorre do PORNET qualquer qualificação administrativa que os Prédios das Recorridas estão inseridos em qualquer zona de risco erosão ou invasão do mar. 40. Em nenhuma das figuras do anexo V se faz qualquer referência ou menção a «erosão ou invasão do mar» e a única menção ao PORNET é que a figura 8 foi extraída da sua planta síntese de 2013. 41. Posto isto, é claro que a pretensão do Recorrente tem de improceder, por incorreta e sem qualquer fundamentação legal e/ou factual, na medida em que se encontra ao arrepio dos factos no caso concreto e às qualificações administrativas vigentes. 42. De acordo com a sentença recorrida, o tribunal a quo considerou o facto r) demonstrado com base na análise e valoração da Declaração Ambiental do Plano Pormenor Cais do Ginjal e no depoimento da Testemunha RM. 43. Quanto à sobredita declaração ambiental, não consta do seu conteúdo qualquer referência à existência de risco de erosão ou de invasão marítima na área de intervenção do Plano 44. Pormenor do Cais do Ginjal e nem o Recorrente refutou o seu conteúdo e/ou as conclusões que daí as Recorridas retiraram, conformando-se assim com os mesmos. 45. Ainda no que concerne à prova documental junta pelas Recorridas, as Recorridas não podem deixar de referir a versão final aprovada do Relatório do Plano Pormenor do Cais do Ginjal, onde se pode ler que «[a]tentos à localização da área de intervenção do PPCG, considera-se que este risco não se encontra associado ao mesmo». 46. Por fim, veja-se a este respeito os depoimentos das testemunhas RM, nos minutos 00:04:10 a 00:07:49, e SC, nos minutos 00:21:04 a 00:21:59, que confirmaram de forma clara, entre outros aspetos, que os Prédios das Recorridas (na área de intervenção do Plano Pormenor do Cais do Ginjal) estão localizados em zona onde inexiste risco de erosão e invasão marítima, na medida em que se encontram no interior de um estuário (e não em mar) (cf. transcrições supra constantes do subcapítulo A, do capítulo III supra, que se considera aqui reproduzida por razões de economia processual). 47. À luz do que antecede, falece assim razão ao Recorrente no que respeita ao facto r) dado como provado na sentença recorrida. C- Da correção da parte do facto provado r) «nem é essa área afetada por qualquer fenómeno de ocorrência de cheia progressiva ou rápida»: 48. Não assiste qualquer razão ao Recorrente no que se refere à sua alegação quanto à 2.a parte do facto provado r) da sentença recorrida. 49. Como ponto prévio, o facto de a área de intervenção do Cais do Ginjal, onde se localizam os Prédios das Recorridas, ser ou não afetada por qualquer suposto fenómeno de ocorrência de cheia progressiva ou rápida não é nenhum requisito constante da alínea c) do n.º 5, do art.º 15 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro e/ou tem qualquer relevância seja factual e/ou legal para o efeito. 50. Assim, não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona que, mesmo que o Douto Tribunal ad quem venha a considerar que existe risco de cheia progressiva ou rápida na zona na área de intervenção do plano em apreço, não poderá considerar não verificado o requisito «fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar», porque na alínea c) do n.º 5, do art.º 15 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, não existe qualquer referência a riscos de cheias, progressivas ou rápidas, inundações, tsunamis, etc.. 51. Sem conceder o que antecede, a alegação do Recorrente a este respeito revela uma subversão do sentido do ponto 1.4 da Declaração Ambiental do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, visto que os alegados e eventuais «Riscos» aí referidos foram acautelados, como o próprio documento e, consequentemente, reduzidos, com medidas específicas previstas no âmbito da preparação e aprovação do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, o que a CMA também reconhece. 52. Foi, pois, por essa razão que no Plano de Pormenor do Cais do Ginjal e respetivo regulamento, foi determinado, entre outras medidas, o levantamento da cota do cais para 4 m e da cota de soleira para 4,70 m e a proibição de ocupação habitacional a essa cota, que ficará em zonas de acesso mais altas (cf. depoimentos supra transcritos de RM, nos minutos 00:17:42 a 00:19:10, 00:20:13 a 00:21:54 e de SC, nos minutos 00:22:04, 00:22:58, 00:24:02 a 00:25:58 e 00:27:19 a 00:28:22, que se devem considerar aqui reproduzidos por razões de economia processual). 53. De tudo quanto se deixa dito resulta que a descida ou subida do nível das águas do estuário (rio) foi analisada e avaliada no âmbito da preparação e aprovação do Plano Pormenor do Cais do Ginjal e, em consequência disso, mitigado qualquer alegado e eventual risco, com a subida da cota das medidas da plataforma do cais. 54. Acresce que resulta ainda do vasto acervo documental junto aos autos, pelas Recorridas, que (i) de facto a área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal não é afetada por qualquer fenómeno de ocorrência de cheia progressiva ou rápida e que (ii) inexiste risco de inundação (cf. Relatório do Plano Pormenor do Cais do Ginjal e Representação das Cheias na Área Metropolitana de Lisboa, constante do Relatório Sectorial do Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa de 2010, ambos juntos com a PI). 55. Daqui resulta que não é verdade que deveria ter sido concluído pela existência de riscos de cheia progressiva ou rápida, dando como não provado a 2.a parte do facto r). D- Da apreciação crítica da prova: 56. Não assiste razão ao Recorrente quando alega que o Tribunal a quo deveria ter feito constar na sentença a sua análise crítica individualmente quanto a todos os elementos de prova e, no caso em que têm sentidos divergentes, explicar porque deu primazia a certos documentos em detrimento de outros. 57. Desde logo, é evidente que se é o próprio Recorrente que reconhece que os referidos elementos probatórios foram suficientes para demonstrar o direito das Recorridas, não faz qualquer sentido e nem o Tribunal a quo viu qualquer necessidade de fazer constar da sentença a análise crítica individual de todos os elementos probatórios e, em especial, daqueles que em algum sentido pudessem ser alegadamente contrastantes. 58. Nos termos do art.º 607.º, n.º 4 do CPC, o julgador apenas tem de fazer constar na fundamentação da sentença a especificação dos fundamentos e análise crítica das provas tidos como decisivos para a formação da sua convicção, devendo esclarecer quais os elementos de prova que o levaram a formar a sua convicção e ainda a indicação, na medida do possível, das razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova (em igual sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal de Lisboa de 14 de março de 2013 e (i) Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed. pág. 653, (ii) Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo Processo Civil, pág. 348. e Lopes do Rego afirma, com o mesmo sentido, em anotação ao artigo 653º nº 2, in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, pág. 545, cujos relevantes excertos se transcreveram supra). 59. Em face do que antecede, o recurso do Recorrente carece totalmente de fundamento legal e factual, devendo, por isso, improceder, mantendo-se a decisão recorrida nos exatos termos. Termos em que, assim se decidindo, e julgando improcedente a presente apelação, o Tribunal fará a costumada JUSTIÇA!» QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2] Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes: i.Impugnação da decisão da matéria de facto; ii.Se o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar a ação parcialmente procedente. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade: a) A autora «Afainveste — Imobiliária, S.A.» é uma sociedade que se dedica à compra, venda e revenda de propriedades, à promoção e construção e empreendimentos imobiliários, loteamentos, urbanizações e a construção civil. b) A autora «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Lda.» é uma sociedade que se dedica à compra, venda e revenda de propriedades, construção civil e urbanizações. c) Pela Ap. 3872 de 30.09.2009, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por compra, a favor da autora «Afainveste — Imobiliária, S.A.», do imóvel situado em Ginjal n.ºs 23, 24, 25 e 27 a 32, descrito sob o n.º 602, da 1.a Conservatória do Registo Predial de Almada, da freguesia de Cacilhas, inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 2133, 2137 e 2229. d) Em 19 de Dezembro de 2018, a «Sociedade Imobiliária do Ginjal, Lda.» foi incorporada, por fusão, na «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Lda.», por efeito do que todos os direitos, obrigações e património da «Sociedade Imobiliária do Ginjal, Lda.» foram transferidos para a autora «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Lda.», tendo essa fusão sido inscrita no registo comercial pela Inscrição 5 - Ap. 1/20190103 09:56:56 UTC. e) Pela Ap. 27 de 12/08/1994, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por realização da respetiva quota social pela «Sociedade Imobiliária Valho, EdG», a favor da «Sociedade Imobiliária do Ginjal, EdG», do imóvel situado em Cais do Ginjal n.ºs 49, 50, 51 e 52, descrito sob o n.º (…) da V Conservatória do Registo Predial de Almada, freguesia de Cacilhas, correspondente à data aos artigos matriciais urbanos 149, 150, 151 e 174, da Freguesia Cacilhas e, atualmente, aos artigos (…) União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. f) Pela Ap. 27 de 12/08/1994, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por realização da respectiva quota social pela «Sociedade Imobiliária Valho, Lda.», a favor da «Sociedade Imobiliária do Ginjal, Lda», do imóvel situado em Cais do Ginjal n.ºs 73 a 78, descrito sob o n.º (…) da 1.a Conservatória do Registo Predial de Almada, freguesia de Cacilhas, correspondente, à data, ao artigo matricial urbano n.º 479, da Freguesia Cacilhas e atualmente ao artigo (…) da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. g) Pela Ap. 27 de 12/08/1994, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por realização da respectiva quota social pela «Sociedade Imobiliária Valho, EdS», a favor da «Sociedade Imobiliária do Ginjal, EdS», do imóvel descrito sob o n.º (…) da 12 Conservatória do Registo Predial de Almada, freguesia de Cacilhas, correspondente, à data, ao artigo matricial urbano n.º 9, da Freguesia Cacilhas e, actualmente, ao artigo (…) da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. h) Pela Ap. 8 de 15/02/2002, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por compra, a favor da «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Lda.», dos imóveis situados em Cais do Ginjal, descritos na 12 Conservatória do Registo Predial de Almada sob os números (…), da freguesia de Cacilhas, à data, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Cacilhas sob o artigo 2 e, atualmente, correspondente ao artigo matricial urbano n.º (…), da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. i) Pela Ap. 3 de 31/05/2006, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por compra, a favor da «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, EdS», do imóvel situado em Cacilhas n.ºs 53, 54 e 55, descrito na 12 Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número (…), da freguesia de Cacilhas, à data, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cacilhas sob o n.º 4 e, atualmente, correspondente ao artigo matricial urbano n.º (…) da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. j) Pela Ap. 3 de 31/05/2006, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por compra, a favor da «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Lda.», do imóvel situado em Ginjal n.ºs 55 e 56, descrito na 12 Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número (…), da freguesia de Almada, à data, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cacilhas sob o n.º … e, atualmente, correspondente ao artigo matricial urbano n.º (…) da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. k) Pela Ap. 3 de 31/05/2006, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por compra, a favor da «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Lda.», do imóvel situado em Ginjal n.ºs 57, 58, 59 e 60, descrito na 1.a Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número (…), da freguesia de Almada, à data, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cacilhas sob o n.º … e, atualmente, correspondente ao artigo matricial urbano n.º (…) da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. l) Pela Ap. 3 de 31/05/2006, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por compra, a favor da «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Ed.a», do imóvel situado em Ginjal, descrito na 17 Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número (…), da freguesia de Almada, à data, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cacilhas sob os n.ºs 6 e 8 e, atualmente, correspondente ao artigo matricial urbano n.ºs (…), da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. m) Pela Ap. 28 de 04/12/2007, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por compra, a favor da «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Ed.a», do imóvel situado em Cacilhas n.ºs 65, 66 e 67, descrito na 17 Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número (…), da freguesia de Almada, à data, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Cacilhas sob o artigo 1 e, atualmente, correspondente ao artigo matricial secção A rústico n.º 1 ARV, da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. n) Pela Ap. 2181 de 16/10/2018, encontra-se inscrita no registo predial a aquisição, por compra, a favor da «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Ed.a», do imóvel denominado Quinta do Almarraz, situado em Almada, Calçada da Pedreira, descrito na 17 Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número (…), da freguesia de Almada, à data, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Cacilhas sob o art.º 5 e, atualmente, correspondente ao artigo matricial secção A n.º (…), da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. o) Os imóveis precedentemente descritos distam do Rio Tejo, no seu limite mais próximo, que é o limite Norte, nos termos seguintes: - Imóvel descrito sob a alínea c), dista entre cerca de 5,55 m e 34 m, consoante a localização; - Imóvel descrito sob a alínea e), dista entre cerca de 3,85 m e 38 m, consoante a localização; - Imóvel descrito sob a alínea f), dista cerca de 2,60 metros; - Imóvel descrito sob a alínea g), dista cerca de 2,90 metros; - Imóvel descrito sob a alínea h), dista cerca de 3,95 metros; - Imóvel descrito sob a alínea i), dista cerca de 3,90 metros; - Imóvel descrito sob a alínea j), dista cerca de 4,20 metros; - Imóvel descrito sob a alínea k), dista cerca de 4,20 metros; - Imóvel descrito sob a alínea l), dista cerca de 3,30 metros; - Imóvel descrito sob a alínea m), dista cerca de 2,20 metros; - Imóvel descrito sob a alínea n), dista cerca de 32 metros. p) Os imóveis identificados nas alíneas c) e e) a n) encontram-se localizados no Cais do Ginjal, dentro do perímetro urbano de Almada e em zona urbana consolidada. q) E encontram-se atualmente classificados como espaços urbanos e urbanizáveis. r) Em que inexiste risco de erosão e inexiste risco natural de invasão do mar na área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, nem é essa área afetada por qualquer fenómeno de ocorrência de cheia progressiva ou rápida. s) As construções existentes nos prédios identificados nas alíneas c), e), f), g), h), i), j), k) e l) remontam a data anterior a 1951. Factos Não Provados: t) As construções existentes nos prédios identificados nas alíneas m) e n) remontam a data anterior a 1951. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Impugnação da decisão da matéria de facto O Ministério Público vem impugnar a matéria de facto provada sob r) (“Em que inexiste risco de erosão e inexiste risco natural de invasão do mar na área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, nem é essa área afetada por qualquer fenómeno de ocorrência de cheia progressiva ou rápida”) , requerendo que seja alterada a redação de tal facto, no sentido da existência de riscos de erosão, invasão de mar e cheia progressiva ou rápida. Para tal efeito, adota a seguinte argumentação: i.O Tribunal desconsiderou totalmente o documento junto pelo M. Público na contestação proveniente da Agência Portuguesa do Ambiente, onde se inclui no anexo V (análise de risco de invasão pelo mar/suscetibilidade de inundação) a identificação em foto dos prédios em causa, de acordo com o Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Estuário do Tejo (PORNET), constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 177/2008 (DR nº 228/2008, Série I de 24/11/2008) como de risco de erosão ou de invasão do mar; ii. O documento intitulado Declaração Ambiental do Plano de Pormenor Cais do Ginjal, no ponto 1.4 (pág. 11) identifica a existência de riscos de «cheias e inundação» e «tsunami de elevada magnitude»; iii. O julgador deve efetuar uma análise crítica de todos os elementos probatórios, independentemente da parte que os produziu e que tem o ónus de provar determinado facto, com o fim de motivar e justificar a sua decisão. No caso de haver elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros. O tribunal a quo fundamentou a convicção quanto ao facto r) nestes termos: «De seu lado, a matéria que se encontra plasmada sob r) dos factos provados, ficou, desde logo, demonstrada com base na análise e valoração do documento de fls. 341 a 352, correspondente a cópia da Declaração Ambiental do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, cuja exatidão e autenticidade não foi refutada, documento esse que se revela apto e bastante para fundar a prova da realidade desse preciso facto, porquanto nele não considerada a existência de risco de erosão ou de invasão do mar na área de intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, nem a sua afetação por fenómeno de cheia progressiva ou rápida, tendo ainda o tribunal valorado o depoimento destacadamente sereno, contextualizado e persuasivo da testemunha RM, o qual é engenheiro do ambiente e tem direto e preciso conhecimento sobre o aludido factualismo, por efeito do exercício das suas funções, no desenvolvimento das quais elaborou um estudo para a autora «Tejal», correspondente à avaliação ambiental estratégica do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, explicando, com serenidade, coerência e detalhe, bem como revelando bem conhecer a localização dos imóveis em questão nos autos, que a zona de intervenção programada para o Cais do Ginjal não se encontra sujeita a risco de erosão e a risco de invasão pelo mar, porquanto tais imóveis se situam em zona de estuário e, mais precisamente, em zona interior de estuário, e não em zona de mar, pelo que não pode ocorrer risco de erosão ou de invasão pelo mar, sequer mediante arrasto de areias ou de dunas por ação do vento ou do mar, encontrando-se a zona em causa, de cais, precisamente limitada pelo Cais do Ginjal, como a própria designação o indica, em nada sofrendo a influência do mar, mais clarificando a testemunha que o conceito de erosão costeira facultado pela Agência Portuguesa do Ambiente, corresponde aos efeitos dos ventos e oceanos no arrastamento de areias ou dunas e sua influência em terra, que leva ao recuo da linha da costa, não estando os terrenos em causa abrangidos por tal conceito, dado que sequer existem neles zonas de areia e não se inserem em zona marítima, apenas podendo os mesmos sofrer a influência da maré, cujas oscilações, no sítio onde se localizam, apresentam níveis muito lentos e ténues, atenta a grande dimensão da bacia do Tejo, comparativamente a outras bacias mais pequenas, mais especificando a testemunha que não existe qualquer plano de ordenamento da orla costeira para a zona dos terrenos em apreço, pois que o Plano existente acaba na zona do estuário e não a abrange, não havendo necessidade de proteção do estuário mediante o estabelecimento de tal plano, pois que este se destina a proteger a frente de mar do efeito erosivo do mar, o que não sucede no estuário do rio Tejo, mencionando ainda que os terrenos em questão se situam a cerca de 11 a 12 quilómetros de distância da linha do mar, logrando a testemunha convencer o tribunal da realidade de quanto asseverou, atenta a coerência e consistência do seu depoimento, aliás, destacadamente plausível à luz do que nos ditam as regras da experiência comum. Perante a inegável congruência dos mencionados meios de prova, especificadamente indicados relativamente a cada um dos factos julgados assentes sob a) a s), o tribunal ficou seguramente persuadido da realidade de tais factos, os quais, por isso, julgou provados.» Apreciando. A título preliminar, haverá que dar nota da seguinte precisão técnica. A redação do facto impugnado é parcialmente sobreponível ao enunciado legal vertido na al. c), do nº 5, do Artigo 15º da Lei nº 54/2005, de 15 de novembro (“fora da zona de risco de erosão ou de invasão de mar”). A cisão entre matéria de facto e matéria de direito ou entre factos e factos conclusivos vem perdendo o relevo de outrora face à evolução do processo civil. A posição ainda dominante na jurisprudência encontra-se retratada em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 28: «Assim, se em muitos casos é possível tomar uma afirmação como integrada claramente no campo da matéria de direito (v.g. má fé, abuso de direito, diligência do bom pai de família, culpa, imprevidência, inconsideração) ou no campo da matéria de facto (v.g. terreno, edifício, árvore, carta postal), não raras vezes se suscitam dúvidas quanto ao estabelecimento da linha de demarcação entre os dois campos, em virtude do uso de expressões que têm simultaneamente um sentido técnico-jurídico do qual o legislador retira determinados efeitos, e um significado vulgar e corrente facilmente captado pelas pessoas comuns (v.g. arrendamento, renda, inquilino, hóspede, proprietário, possuidor, preço, lucro, empréstimo, consentimento, etc.). Neste contexto, sem dogmatismos que já nem sequer encontravam apoio no referido nº 4 do art.º 646º do CPC de 1961 (que, como se referiu, não transitou para o atual CPC), e tendo em consideração o modo como, em simultâneo, na sentença final serão abordadas as questões de facto e as questões de direito (art.º 607º), podemos antecipar que a inclusão daquelas expressões numa ou noutra das categorias dependerá fundamentalmente do objeto da ação. Se este, no todo ou em parte, estiver precisamente dependente do significado real daquelas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito, pois o significado a atribuir-lhes será determinante para o desfecho da causa. Se, pelo contrário, o objeto da ação não estiver diretamente associado ao significado a conferir a certas afirmações das partes, as expressões assim utilizadas (arrendamento, renda, hóspede e outras de cariz semelhante) poderão ser tomadas como matéria de facto, passíveis de apuramento por via da prova e de pronúncia em sede de julgamento, sempre encaradas com o significado vulgar e corrente, e não já com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais (…)». Todavia, colhe pertinência também a posição mais flexível expressa por Miguel Teixeira de Sousa "Factos conclusivos": já não há motivos para confusões!”, no Blog do IPPC, 12.6.2023, assim: «1. Num acórdão com mais de dez anos e -- importa referi-lo -- ainda anterior ao atual CPC, encontra-se a seguinte afirmação: "Ora, "ruínas" é, salvo melhor juízo, uma expressão conclusiva. Havia que alegar o estado concreto da casa para que se pudesse, eventualmente, vir a concluir que ela estava em ruínas. A alegação, com recurso à expressão "ruínas", que se encontra no artigo 4.º da contestação, não nos coloca perante facto algum, pois factos são "as ocorrências concretas da vida real"". Não há que fazer nenhuma crítica específica à afirmação, porque ela refletia o espírito do tempo. O que agora importa salientar é que o reforço da distinção entre factos essenciais e factos instrumentais ou probatórios e a introdução dos temas da prova no CPC se destinaram precisamente a alterar o anómalo estado de coisas que aquela afirmação, refletindo o Zeitgeist, espelhava. (…) Sempre se disse que a previsão das regras jurídicas é constituída por factos. A seguir-se a referida orientação (que foi, acima de tudo, uma orientação jurisprudencial), haveria que retificar a afirmação comum e passar a dizer que as previsões legais podem ser constituídas quer por factos, quer por "factos conclusivos", "juízos conclusivos" ou "expressões conclusivas". Não é certamente por acaso que ninguém o disse. Os factos jurídicos são factos com relevância jurídica, mas não são factos desprovidos de qualquer sentido empírico ou valorativo. A linguagem do direito não é "insípida", "inodora" e "incolor". 3. Era por isto que a exclusão do antigo questionário de factos sobre os quais recaía o anátema de serem "factos conclusivos" era inaceitável. Havia uma linguagem legal que era "proibida" nos tribunais (!). (…) Como é que atualmente se deve analisar a alegação de que um prédio se encontra em "ruína" ou em "perigo de ruir"? Não naturalmente na perspetiva de que se trata da alegação de um "facto conclusivo" e, portanto, de um facto cuja alegação está proibida. O que é correto é entender o seguinte: -- A alegação de que um prédio está uma "ruína" ou se encontra em "perigo de ruir" (ou de "derrocada") é a alegação de um facto (what else?); se este facto integrar a causa de pedir, trata-se de um facto essencial (art.º 5.º, n.º 1, CPC); como facto que é, nada impede que integre os temas da prova; -- Os factos que, em concreto, demonstram que se está perante uma "ruína" ou que há o "perigo de ruir" são factos instrumentais ou probatórios (art.º 5.º, n.º 2, al. a), CPC); a falta da sua alegação na petição inicial não gera nenhuma ineptidão desse articulado, tanto mais que esses factos podem ser adquiridos na instrução da causa. 5. Em suma: perante a alegação de que um imóvel se encontra em "ruína" ou em "perigo de ruir" -- alegação de um facto essencial que não pode deixar de ser admitida --, o que falta é, se o facto for controvertido, a inferência desse facto de um facto instrumental ou probatório. É esta prova que cabe à parte que alegou aquele facto essencial e dela depende se o tribunal pode dar como provado o facto de o imóvel estar em "ruína" ou em "perigo de ruir".» Serve isto para afirmar, mutatis mutandis, que a prova da asserção fáctica (facto essencial na ótica das autoras, artigo 5º, nº1, do Código de Processo Civil) de que “inexiste risco de erosão e inexiste risco natural de invasão do mar” decorrerá, naturalmente, de outros factos instrumentais e probatórios, carreados quer por prova testemunhal quer por prova documental. Há, ainda, que atentar que o segmento do facto provado sob r) “nem é essa área afetada por qualquer fenómeno de ocorrência de cheia progressiva ou rápida” é absolutamente inócuo para a (im)procedência da ação, atento o regime estatuído no Artigo 15º, nº5, al. c), da Lei nº 54/5005, de 11.11 (“Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado”). De facto, o reconhecimento da propriedade das Autoras não tem como requisito negativo a circunstância de as parcelas não estarem sujeitas a cheia progressiva ou rápida. A prevenção do risco de inundações é matéria diversa, contemplada designadamente no Decreto-lei nº 115/2010, de 22.10, havendo mesmo um Plano de Gestão de Riscos de Inundações da Região Hidrográfica 5 – Tejo e Ribeiras do Oeste. O direito à impugnação da decisão de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.[3] Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no Artigo 130º do Código de Processo Civil, deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.5.2017, Isabel Pereira, 4111/13. Com este fundamento, este Tribunal da Relação não se pronunciará sobre a impugnação de tal segmento da matéria de facto. Posto isto, há que afirmar que a valoração do depoimento da testemunha RM efetuada pelo tribunal a quo não merece reparo. Ouvido na íntegra tal depoimento, o mesmo foi bastante claro na asserção e justificação de que a zona em causa não está situada numa frente mar mas sim em zona de estuário, longe da linha da costa, sendo que a zona (como decorre do próprio nome) é delimitada na frente por um cais. Mais esclareceu que os prédios em causa não estão abrangidos pelo único plano atual da orla costeira, a saber, o Programa da Orla Costeira Alcobaça-Cabo Espichel, de 2019, sendo que este plano não entra no interior do estuário do Tejo. Neste contexto, a análise do risco de erosão ou de invasão de mar não faz sentido no caso, tendo-se feito análise sobre a oscilação da maré, sendo esta situação acautelada com a elevação da cota de referência no local, mesmo em prevenção para a elevação do nível do mar decorrente das alterações climáticas. As declarações e explicações desta testemunha foram de tal modo claras e contundentes que o Ministério Público nem lhe colocou qualquer questão… Por sua vez, a testemunha SC é arquiteto e tem intervenção no desenvolvimento do plano de pormenor desde há 20 anos. Entre outros aspetos, explicou que não estamos na orla costeira, mas no rio. No âmbito do plano, houve muito cuidado na definição da futura cota dos imóveis, prevendo-se uma cota de 4,7 m para as construções, valor conservador, para evitar qualquer galgamento a longo prazo (dezenas de anos). Exemplifica que o novo Hospital da Cuf, em Alcântara, tem uma cota de 4 metros. Compulsado o Programa da Orla Costeira Alcobaça- Cabo Espichel, DR, I Série, Nº 72, 11.4.2019, verifica-se que, de facto, o mesmo não abrange a zona em discussão nos autos, havendo referências ao norte e ao sul da barra do Tejo (pp. 14 e 23), chegando a afirmar-se que: «Os recursos hídricos identificados na ZTP abrangem o domínio hídrico lacustre e fluvial na área de intervenção, nomeadamente os cursos de água costeiros de todas as bacias hidrográficas a sul da foz do Lis até ao estuário do rio Tejo (exclusive) e da bacia hidrográfica do rio Tejo, incluindo também as lagoas costeiras de Óbidos e Albufeira» (p. 27; bold nosso). As únicas referências que são feitas de localidades pertencentes a Almada são à Trafaria, Cova do Vapor, Costa da Caparica, Fonte da Telha e Aroeira (v.g., pp. 18, 63 a 71). Ou seja, não há qualquer referência à zona do Cais do Ginjal ou mesmo de Cacilhas, as quais não são abrangidas por este Programa. Também é de subscrever o raciocínio do tribunal a quo no sentido de que decorre da Declaração Ambiental do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, junta a fls. 341 a 352, que não foi considerada a existência de risco de erosão ou de invasão de mar na área da intervenção do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, nem a sua afetação por fenómeno de cheia progressiva ou rápida. Conforme resulta do teor do referido documento, o mesmo foi elaborado com acompanhamento de múltiplas entidades, em que se incluíram o Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade e a Agência Portuguesa do Ambiente (cf. fls. 343 v.). Flui do exposto e do analisado até agora que as Autoras lograram fazer prova bastante do facto enunciado sob r) (cf. Artigo 346º do Código Civil), cabendo agora averiguar se o Réu fez contraprova suficiente quanto a tal factualidade. Colocamos a questão no âmbito da contraprova porquanto o réu, na sua contestação, não afirmou o que agora pretende ver provado: que existem riscos de erosão, invasão de mar e cheia progressiva ou rápida. Na verdade, na contestação, o Réu limitou-se a impugnar a versão das Autoras nos segmentos em que estas afirmaram que os prédios de situam em zona onde não se verifica qualquer risco natural de invasão de mar ou de erosão, bem como em zona que seja afetada por qualquer fenómeno de ocorrência de cheia progressiva ou rápida (artigos 33º a 39º e 74º e 75º da petição e artigos 12º a 14º da contestação). Constituem realidades diversas a não prova de um facto ou a prova do facto contrário.[4] O que o Réu aqui peticiona é a prova de um facto contrário e essencial que não alegou, o que é inviável nos termos do Artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil. Todavia, atendendo a que quem quer o mais quer o menos, a pretensão do Réu apelante será apreciada apenas tendo em vista aferir se se justifica reverter o facto r) para não provado porquanto o efeito prático-jurídico pretendido é o mesmo: a improcedência da ação. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.3.2018, Távora Victor, 248/15, a propósito dos requisitos da al. c), do nº 5, do Artigo 15º em questão: «A localização do terreno cujo direito de propriedade o particular reivindica terá de se localizar fora da zona de risco de erosão ou de invasão das águas por razões de segurança e proteção públicas. Incluem-se nessas zonas, pelo menos, as “zonas ameaçadas pelo mar”, previstas na Lei, algumas das zonas tidas por faixas e áreas de risco nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), regulados no D.L. n.º 159/2012, de 24-07, sem prejuízo das demais situações em que se comprove faticamente a existência de algum dos previstos riscos.» O ónus da prova da área dos prédios integrar uma zona de POOC incumbe ao Réu (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.3.2021, Graça Amaral, 16389/18). Ora, consoante se viu a propósito do atual Programa da Orla Costeira Alcobaça- Cabo Espichel, a zona em que se situam os prédios dos autos não está prevista como zona de risco de erosão ou de invasão de mar. Também não está demonstrado que a zona em causa tenha sido classificada como zona adjacente. Recorde-se que, nos termos do Artigo 22º da Lei nº 54/2005: Artigo 22.º Zonas ameaçadas pelo mar 1 - Sempre que se preveja tecnicamente o avanço das águas do mar sobre terrenos particulares situados além da margem, pode o Governo, por iniciativa da autoridade nacional da água, ou do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P., no caso de áreas classificadas ou sujeitas ao regime florestal, ou os Governos Regionais das respetivas regiões autónomas, classificar a área em causa como zona adjacente. 2 - A classificação de uma área ameaçada pelo mar como zona adjacente é feita por portaria do membro do Governo responsável pelas áreas do ambiente e da conservação da natureza, ouvidos os órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima em relação aos espaços dominiais sujeitos à sua jurisdição e, quando aplicável as autoridades portuárias, em relação aos trechos sujeitos à sua jurisdição, devendo o referido diploma conter a planta com a delimitação da área classificada e definindo dentro desta as áreas de ocupação edificada proibida e ou as áreas de ocupação edificada condicionada. O documento da Agência Portuguesa do Ambiente a que se reporta o Apelante tem, na sua parte mais relevante, este teor: «Fora de zona de risco de erosão ou de invasão peio mar - esta condição deverá ser atestada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Não consta na PI qualquer documento da APA. Contudo no nº 34º, 35º, 36º, 37º, 389, 74º, 75º e 78º da PI os autores alegam e concluem pela leitura dos seguintes documentos: -plantas de suscetibilidade de inundação por tsunami do relatório setorial do Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROTAML); -relatório do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal (PPCG) e carta de suscetibilidade de cheias da AML constante no relatório do PPCG, que a área dos prédios da ação não é afetada por qualquer risco natural de invasão pelo mar nem por fenómenos de ocorrência de cheia progressiva ou rápida. -Os prédios localizam-se fora de risco de erosão ou de invasão do mar. Estes Serviços contestam as afirmações inferidas pelos autores sobre este critério. É entendimento deste Serviço, explanado na informação jurídica nº 1005594-201604- DJUR-DDA (em anexo) que: "O legislador optou por tratar nesta alínea c) a matéria respeitante a parcelas de terrenos que se encontrem fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, questão que, naturalmente, apenas se coloca quanto às margens e leitos de águas do mar, pois os demais recursos encontram-se, por regra, fora daquela zona, portanto, aplicando a parcelas situadas em áreas demarcadas como áreas marítimas (zonas costeiras)... é entendimento concernente ao estabelecido na alínea c) do nº5 do artigo 15º da Lei nº 54/2005, que é intenção do legislador a criação de um regime probatório consideravelmente mais simplificado comparativamente ao estabelecido nos nºs 2 a 4 do mesmo artigo, no caso de terrenos integrados em zona urbana consolidada com construção anterior a 1951 e que as parcelas em causa se situem fora de zonas consideradas de risco situadas nas áreas sob o efeito de fenómenos de erosão ou de invasão que tenham na sua origem (águas do mar) - sublinhando-se a relevância atribuída especificamente a estas áreas pelos POC, mais concretamente, com a previsão de medidas restritivas às (denominadas) faixas de salvaguarda." No que concerne aos instrumentos de planeamento e ordenamento referidos na PI, considera-se o seguinte: - O PROTAML em vigor foi aprovado RCM nS68/2002, está em fase de alteração. A sua revisão inclui o conhecimento dos riscos associados às alterações climáticas e dos estudos exigidos pela Diretiva 2007/60/CE, de 23 de outubro, relativa à Avaliação e Gestão dos Riscos de Inundações e transposta para direito nacional através do Decreto- Lei nº 115/2010, de 22 de outubro. No ano de 2018 procedeu-se à revisão da Avaliação Preliminar dos Riscos de Inundações (APRI). Nessa primeira avaliação para a área do Tejo e Ribeiras do Oeste, conclui-se através da análise do Figura 2 constante no Anexo V, e retirada do mesmo relatório, que a área do estuário do Tejo tem elevada vulnerabilidade à subida do nível das águas do mar impulsionado pelas alterações climáticas. - No que concerne ao PPCG, na área do qual se inserem os prédios da ação, teve parecer desfavorável da Agência Portuguesa do Ambiente (ver cópia do oficio S061431- 201611-ARHTO) por estar contemplada área de construção habitacional em zona de risco de movimento de vertentes e em área suscetível de inundação devido à subida do nível médio das águas do mar e consequente aumento do nível das águas do estuário. Acresce ainda considerar os relatórios do Piano de Ordenamento do Estuário do Tejo (PORTejo), a partir dos quais se identifica na figura 3 do Anexo V, em anexo, a área dos prédios da ação como zona suscetível a inundações. As alterações climáticas e os impactes resultantes são um problema relevante que se coloca a médio e a longo prazo à gestão da zona costeira e, em particular, à gestão dos riscos associados. Um dos principais efeitos das alterações climáticas é a elevação do nível médio das águas do mar, e modificação dos caudais fluviais. Pequenas variações persistentes do nível médio do mar induzem, com frequência, grandes modificações nas zonas ribeirinhas (e.g. em zonas estuarinas e lagunares e em zonas costeiras de baixa altitude). Compreende-se melhor a amplitude do problema, quando se tem em atenção o conhecimento (nomeadamente através da análise dos maregramas das estações de Cascais e de Lagos) de que o nível médio do mar em Portugal se encontra, atualmente, quase 20 cm acima da posição que ocupava no início do século XIX (APA, Avaliação preliminar dos riscos de inundação RH5A, nov. 2018). Assim, estes Serviços consideram não ser aplicável este critério ao local, uma vez não se estar perante águas do mar, mas sim águas de transição, e por outro lado, existirem riscos de inundação e de invasão das águas do estuário na área ocupada pelos prédios da ação.» Este documento corresponde, materialmente, a um parecer remetido pela Agência Portuguesa do Ambiente ao Ministério Público, na sequência da consulta a tal entidade pelo Ministério Público para efeitos de dedução da contestação neste processo. Nele não é feito qualquer levantamento morfológico dos prédios dos autos, nem relato histórico de inundações que tenham afetado o local. Deste modo, não pode afirmar-se, sem mais, que estamos perante um documento, atenta noção legal do mesmo resultante do Artigo 362º do Código Civil, mas sim perante um parecer. Sem prejuízo do que antecede, as objeções gerais suscitadas pelo mesmo - radicando na subida das águas do mar impulsionada pelas alterações climáticas – não são de acolher. Segundo a ONU, «Os oceanos continuarão a aquecer e o gelo continuará a derreter. Prevê-se que o aumento médio do nível do mar seja de 24 a 30 centímetros em 2065 e de 40 a 63 centímetros em 2100 em relação ao período de referência de 1986-2005. A maioria dos aspetos da mudança climática persistirá durante muitos séculos, mesmo que as emissões sejam interrompidas» (https://unric.org/pt/mundo-espera-solucao-para-alteracoes-climaticas-diz-ban-ki-moon-7/). A al. c), do nº 5, do Artigo 15º reporta-se a “fora da zona de risco de erosão ou de invasão de mar”. O que aqui se pretende acautelar é a ação/efeito comum do mar decorrente da ondulação e marés na costa e não propriamente à aludida subida do nível do mar em decorrência de alterações climáticas. É o que resulta da interpretação sistemática com outras disposições legais, nomeadamente: § «O leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais. Essa linha é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar, no primeiro caso, e em condições de cheias médias, no segundo» (art. 10º, nº2, da Lei nº 54/2005, de 15.11.); § 1 — As zonas ameaçadas pelo mar são áreas contíguas à margem das águas do mar que, em função das suas características fisiográficas e morfológicas, evidenciam elevada suscetibilidade à ocorrência de inundações por galgamento oceânico. 2 — A delimitação das zonas ameaçadas pelo mar deve incluir as áreas suscetíveis de serem inundadas por galgamento oceânico e contemplar todos os locais com indícios e ou registos de galgamentos durante episódios de temporal» (Anexo I ao Decreto-lei nº 124/2019, de 28.8); Por outro lado, caso se entenda que uma determinada zona poderá vir a ser invadida (futuramente) pelo mar em decorrência da subida do mar impulsionada pelas alterações climáticas, consoante visto supra, o Governo pode classificar tal área como adjacente (cf. Artigo 22º da Lei nº 54/2005), não sendo esse o caso. O que não cabe é aos tribunais substituir-se ao Governo nessa atuação, fazendo uma interpretação do segmento legal em causa que não tem na lei suficiente correspondência verbal (Artigo 9º, nº 2, do Código Civil). Ademais, a acolher-se a tese interpretativa da APA, a al. c), do nº 5, do Artigo 15º ficaria esvaziada de conteúdo útil atendendo à invocada subida do nível do mar provocada pelas alterações climáticas. Dito de outra forma, ficaria sempre e completamente inviabilizada a aplicação de tal preceito, que passaria a ser uma figura de estilo porquanto a informação científica vai no sentido da subida paulatina do nível do mar (cf. supra). Em relação ao argumento do apelante, assente no teor do Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Estuário do Tejo (PORNET), constante da Resolução do Conselho de Ministros nº 177/2008, o mesmo não tem qualquer sentido nem pertinência porquanto tal plano não abrange a área de Almada: «2 — O PORNET aplica -se à área identificada na respetiva planta de síntese, adiante designada por área de intervenção, abrangendo parte dos concelhos de Alcochete, Benavente e Vila Franca de Xira» (Artigo 1º, nº2, de tal Resolução do Conselho de Ministros). Acresce que o conteúdo do Anexo V de fls 117 não é divisível/percetível nas duas plantas finais juntas ao PORNET, certamente porque este não abarca o Município de Almada. Finalmente, quanto à objeção do apelante assente no ponto 1.4 da Declaração Ambiental do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, no segmento em que se referem como riscos «Eventos de precipitação extrema com ocorrência de cheias e inundações; Ocorrência de um sismo e tsunami de elevada magnitude» (p. 346), aplica-se aqui, mutatis mutandis, o que já ficou anteriormente dito: trata-se de realidades diversas e distintas do «risco de erosão ou de invasão de mar» a que se reporta a al. c), do nº5, do Artigo 15º, da Lei nº 54/2005. Por todo o exposto, concluímos que o apelante não logrou fazer contraprova quanto ao segmento relevante do facto provado sob r), pelo que deve este persistir, improcedente a impugnação da matéria de facto. Se o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar a ação parcialmente procedente O apelante pugnou pela revogação da sentença impugnada, no pressuposto da alteração do facto provado sob r). Mantendo-se a redação do facto r), inexistem razões para alterar a decisão final de mérito. Com efeito, o tribunal a quo adotou a seguinte fundamentação: «Decorrência do exposto, sobre as autoras impende o ónus de ilidir a presunção de que os terrenos de que se arrogam proprietárias não integram o domínio público marítimo do Estado Português. E, no que ao caso concreto importa, a aludida pretensão tem enquadramento legal na norma do art.º 15.º, Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, a qual, sob a epígrafe “ "Reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos”, estatui o seguinte regime: 1 - Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio. 2 - Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868. 3 - Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa. 4 - Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas. 5 - O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que: Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei; a) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias; b) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado. 6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, compete às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira regulamentar, por diploma das respetivas Assembleias Legislativas o processo de reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, nos respetivos territórios. Para integrar a citada alínea c), do n.º 5, do art.º 15.º, Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, preceitua o art.º 2.º, alínea o), do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, que se entende, para efeito desse diploma, que a «zona urbana consolidada» se define como sendo a zona caracterizada por uma densidade de ocupação que permite identificar uma malha ou estrutura urbana já definida, onde existem as infraestruturas essenciais e onde se encontram definidos os alinhamentos dos planos marginais por edificações em continuidade. Retornando à situação que nos é dada a decidir, constatamos com clareza que, atentando nos factos p) a s), se verificam cumulativamente, no que concerne aos imóveis descritos nas alíneas c), e), f), g), h), i), j), k) e l) dos factos provados, todos os pressupostos que permitem afastar a presunção legal de dominialidade estabelecida a favor do Estado Português, em consonância com a disposição do art.º 15.º, n.º 5, alínea c), da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, sendo, por isso, possível o reconhecimento dos direitos adquiridos pelas particulares aqui autoras sobre prédios situados nas margens do Rio Tejo, mas somente no que respeita a esses imóveis descritos nas alíneas c), e), f), g), h), i), j), k) e l) dos factos provados, porquanto se evidencia que os mesmos se encontram integrados em zona urbana consolidada, como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar e encontram-se todos ocupados por construção anterior a 1951, conforme ficou documentalmente comprovado, assim procedendo as respetivas pretensões deduzidas pelas autoras, mas somente quanto a tais indicados imóveis. Já no que contende com a pretensão formulada pela autora «Tejal Empreendimentos Imobiliários, Lda.», no que toca ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os prédios descritos nas alíneas m) e n) dos factos provados, constata-se que não se mostra reunido um dos pressupostos cumulativos que permitem ilidir a presunção de que tais bens integram o domínio público marítimo do Estado, pois que a autora «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Lda.» não comprovou documentalmente que neles foram edificadas construções em data anterior a 1951. Acresce que a autora «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Ed.a» também não alegou e, logo, não logrou demonstrar, qualquer facto apto a integrar alguma das previsões dos n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo art.º 15.º, da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que permitiriam, embora com fundamento diverso, sustentar a pretensão de obter o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os prédios descritos nas alíneas m) e n) dos factos provados, relativamente aos quais persiste a dita presunção juris tantum de dominialidade a favor do Estado. Ante o exposto, será julgada procedente a pretensão da primeira autora e parcialmente procedente o pedido formulado pela segunda autora, em consequência do que se decide que será judicialmente reconhecido que a autora «Afainveste — Imobiliária, S.A.» é a proprietária do imóvel descrito na alínea c) dos factos provados e que a autora «Tejal — Empreendimentos Imobiliários, Ed.a» é a proprietária dos imóveis descritos nas alíneas e), f), g), h), i), j), k) e l) dos factos provados, que se encontram todos excluídos do domínio público marítimo do Estado, julgando-se a ação, no demais, improcedente e absolvendo-se, por isso, o réu do restante pedido.» A fundamentação adotada pelo Tribunal a quo não merece reparo, não se justificando o exercício inócuo deste Tribunal da Relação enunciar uma fundamentação alternativa para chegar ao mesmo resultado. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes). DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Sem custas por delas estar isento o Apelante (Artigo 4º, nº1, al. a), do RCP). Lisboa, 4.7.2023 Luís Filipe Pires de Sousa Cristina Coelho José Capacete _______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140. Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12). [3] Cf.: Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2012, Beça Pereira, 219/10, de 14.1.2014, Henrique Antunes, 6628/10, de 27.5.2014, Moreira do Carmo, 1024/12; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.10.2019, Paulo Reis, 582/17; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.2020, Tomé Gomes, ECLI:PT:STJ:2020:4172.16.4T8FNC.L1.S1., de 24.9.2020, Graça Trigo, 127.16, ECLI, de 19.5.2021, Júlio Gomes, 1429/18, de 14.7.2021, Fernando Baptista, 65/18, de 25.10.2022, Lima Gonçalves, 721/18; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14.7.2020, Rita Romeira, 1429/18, de 12.4.2021, Eusébio Almeida, 6775/19; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2022, Castelo Branco, 7241/18. [4] Da resposta negativa a um facto alegado não se pode inferir a ocorrência de quaisquer outros factos de sentido inverso, dela apenas resultando que o facto controvertido – no contexto factual a considerar – inexistiu, tudo se passando como se o facto não tivesse sido articulado. Dito de outra forma, a inclusão de um determinado facto no elenco dos factos não provados apenas permite assumir que o mesmo não se comprovou, sem que daí se possa inferir algum valor positivo para a demonstração de outra factualidade. «Um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se pode extrair da factualidade não provada que esteja assente, o facto negativo que lhe seja simétrico. Não se pode extrair do facto não provado o seu oposto, ou seja, o facto provado» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.4.2023, Jorge Dias, 979/21). Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa, A Prova em Processo Civil, Ensaio Sobre o Raciocínio Probatório, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2020, p. 135, existe uma regra fundamental em matéria probatória que é «(…) a de que a não prova de um facto não significa a prova do facto contrário (ou, numa versão mais concreta, a de que a probabilidade de 0.2 do facto B não significa a probabilidade de 0.8 do facto não B). Utilizando a terminologia própria da probabilidade factual, pode dizer-se que a prova processual não se rege pelo princípio do evento complementar. Se, por exemplo, o autor não conseguir provar que adquiriu o terreno em disputa, isto não significa que fique provado que não tenha adquirido o terreno; a ação termina com uma decisão de improcedência, não porque ficou assente que o autor não adquiriu o terreno, mas simplesmente porque o autor não demonstrou que tivesse adquirido. A probabilidade do facto complementar não possui, por isso, nenhuma relevância em matéria probatória.» |