Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
Descritores: | DIVÓRCIO IMPUGNAÇÃO TESTEMUNHA PRINCÍPIO DISPOSITIVO MÁ FÉ | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/26/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - A motivação impõe-se por duas razões: uma substancial, pois cumpre ao juiz demonstrar que da norma abstracta formulada pelo legislador soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto; e outra de ordem prática, uma vez que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida para impugnar, quando seja admissível recurso, o fundamento ou fundamentos. II - Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. III - Apresentados os documentos, compete ao juiz recusar a junção dos que se revelem impertinentes ou desnecessários, mandando retirá-los do processo e restituí-los ao apresentante se for caso disso. Este poder, que constitui uma manifestação do poder geral de disciplina do processo, está consagrado no artigo 543º, devendo, para efeito de recusa ou admissão nos autos, considerar-se documentos impertinentes aqueles que respeitam a factos estranhos à matéria da causa e documentos desnecessários os que respeitam a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da acção. IV - A impugnação da admissão da testemunha visa impedir que a testemunha seja admitida a depor e constitui um direito da parte contra quem for produzida a testemunha, pelo que ao réu se reconhece o direito de impugnar as testemunhas oferecidas pelo autor e a este o de impugnar as testemunhas oferecidas pelo réu. Este incidente será deduzido quando terminar o interrogatório preliminar da testemunha visada e baseia-se nos mesmos fundamentos por que o juiz deve obstar ao depoimento (artigo 636º) V - Assim, oficiosamente ou por iniciativa da parte contrária àquela que ofereceu a testemunha, não é admitido a depor como testemunha quem não tiver sido oferecida ou quem seja para tanto inábil (artigo 635 nº 2). (F.G.) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: A propôs, em 22 de Maio de 2001, no Tribunal Judicial de Caldas da Rainha a presente acção de divórcio litigioso contra Maria, pedindo que fosse decretado o divórcio de ambos com fundamento na violação culposa, por parte da ré, dos deveres conjugais de fidelidade, respeito e coabitação, com atribuição de culpa exclusiva à mesma, retroagindo os efeitos do divórcio a final de Janeiro de 2001, data em que cessou a coabitação dos cônjuges. Pediu ainda a condenação da ré no pagamento de indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu, que quantificou em 2.500.000$00, nos termos do disposto no artigo 1792° do Código Civil. Frustrou-se a tentativa de conciliação. A ré não contestou, apesar de notificada para o efeito. Foi concedido à ré apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo (fls. 95). Na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada em 30 de Abril de 2004 a ré requereu a junção aos autos de três documentos, o primeiro para contraprova do quesito 26º e os dois restantes para contraprova do quesito 27º. Apenas estes foram admitidos, pelo que a ré requereu a junção de um novo documento visando demonstrar o interesse do que havia sido rejeitado. Sobre esta pretensão da ré, que mereceu a oposição do autor, foi proferido despacho com o seguinte teor: “O documento cuja junção acaba de ser requerida é uma fotocópia, com o valor probatório que às fotocópias é conferido. A mesma respeita às inscrições em vigor “em 15 de Janeiro de 2003” relativamente à sociedade Saiedlar - Sociedade Comercial de Venda de Artigos para o Lar, Lda, tendo a data de 16 de Janeiro de 2003. Para além da desactualização do documento em causa, dele não resulta que o aqui autor tenha a qualidade de sócio da referida sociedade, mas somente que foi designado gerente da mesma por deliberação de 15 de Abril de 2002, ignorando-se se continua a exercer tal cargo. Além do mais deste documento e do documento indicado como nº 1, cuja junção não foi admitida, não se pode retirar o efeito probatório que a ré pretende, sendo absolutamente inútil para a discussão da causa. Razão pela qual se indefere a sua junção.” No decurso da mesma sessão da audiência de discussão e julgamento a ré deduziu incidentes de impugnação relativamente às testemunhas A… e L…, nos termos do disposto no artigo 636º do Código de Processo Civil, alegando serem marido e mulher e que a testemunha L…, que foi empregada doméstica da ré e do autor e continuou ao serviço deste, por volta de 2001 agrediu fisicamente e injuriou a ré, o que motivou a apresentação de participação criminal contra a mesma, não podendo reconhecer-se idoneidade às referidas testemunhas. Ouvidas as testemunhas sobre os fundamentos da impugnação, negados pelo A e confirmados pela L, pelo autor foi declarado nada ter a opor ou a requerer quanto à matéria dos incidentes. Aqueles incidentes foram indeferidos, tendo-se considerado nos despachos que sobre os mesmos recaíram não se verificar qualquer dos fundamentos para o incidente de impugnação de testemunha previstos nos artigos 617º e 618º ex vi do artigo 636º, todos do Código de Processo Civil. Destes três despachos agravou a ré, tendo formulado, relativamente aos mesmos, na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª Por confissão das partes, Recorrente e Recorrido encontram-se separados de facto há mais de três anos consecutivos, estando a correr Divórcio Litigioso, que não foi contestado, no 2°. Juízo Cível do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha; 2ª Para contraprova dos quesitos 26°. e 27°. da Base Instrutória, a Recorrente apresentou três documentos, sendo um constituído por um calendário a cores para prova de que o Recorrido, Gerente da Sociedade S, não é uma " pessoa modesta ", como é afirmado no Quesito 26°.; 3ª E para prova de que o Recorrido é Gerente da Sociedade S a Recorrente apresentou uma fotocópia da Certidão da Conservatória do Registo Comercial que foi recusada pelo Tribunal, mas que de seguida o Recorrido marido confessou que é Gerente da sita Sociedade Saiedlar, 4ª O calendário a cores apresentado pela Recorrente vem provar que o Autor, na qualidade de Gerente da Sociedade S, não é uma pessoa tão modesta como afirma no Quesito 26°.; Pois, 5ª Só Sociedades com certa capacidade económica, e, que não se podem considerar modestas, mandam imprimir calendários a cores e mandam fabricar esferográficas para publicidade; 6ª Com o calendário, a Recorrente apresentou ainda mais dois documentos que são comprovativos de inquérito e participação para procedimento criminal contra o Recorrido e em que a Recorrente é lesada, para contraprova do Quesito 27°., isto é, de que o Autor, ora Recorrido, não é pessoa de elevado grau de sensibilidade e educação; 7ª Efectivamente, o Recorrido marido cometeu agressões físicas e injúrias contra sua mulher, ora Recorrente, que fez participação para eventual procedimento criminal contra o Recorrido; 8ª Ficou provado por confissão da testemunha L que, enquanto empregada doméstica da Recorrente e Recorrido, se envolveu fisicamente com a Recorrente e que, em consequência disto, foi feita participação, pela Recorrente, à G.N.R. para procedimento criminal, contra a própria L; 9ª A Recorrente, na audiência de Julgamento, deduziu o incidente de impugnação contra o depoimento da testemunha L por falta de idoneidade para depor, pelos fundamentos mencionados n o número 8 d estas conclusões e que foram confirmados pela própria testemunha L; 10ª Os despachos recorridos não se fundamentam nem de facto nem de direito, pelo que violaram a alínea b) do n°. 1 do art°. 668°. do C.P.C., devendo ser revogados, dando-se, em consequência, provimento aos presentes recursos. Não houve contra alegação. Na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 28 de Maio de 2004 a ré requereu a condenação do autor como litigante de má fé, nos termos do disposto no artigo 456º do Código de Processo Civil, em multa e indemnização à ré, nunca inferior a € 1.500, por ter articulado factos que não conseguiu provar, designadamente nos artigos 44º e 58º da petição inicial. Sobre este requerimento o autor declarou não o entender por até àquele momento não haver respostas aos quesitos. Foi proferido despacho com o seguinte teor: “O julgamento ainda está em curso e ainda há prova a produzir, sendo, pois, antecipado o Juízo do Ilustre Mandatário da ré quanto aos factos provados e não provados. De todo o modo, a circunstância de se dar resposta negativa a determinados quesitos não implica necessariamente a comprovação dos pressupostos da má fé indispensáveis à condenação de uma das partes como litigante de má fé. Acresce a tudo isto a circunstância de verificados os respectivos pressupostos, poder o Tribunal condenar como litigante de má fé uma das partes ou, hipoteticamente, ambas, independentemente de tal ter sido requerido nos presentes autos ou em requerimento autónomo por uma das partes. Desta forma, por não ser o momento processual adequado e ser destituído de fundamento o pretendido pela ré, indefere-se o requerido, condenando-se a mesma pelo incidente anómalo a que deu causa em multa correspondente a 2 UCs”. Agravou, de novo, a ré, deduzindo na sua alegação a seguinte síntese conclusiva: 1ª É um facto evidente que a p.i. da acção de divórcio não foi contestada; 2ª Na 3ª audiência de julgamento a Recorrente requereu a condenação do Recorrido corno litigante de má fé por ter articulado factos falsos que sabia que não podia provar, designadamente os factos dos ares 58º e 44° da sua p.i.; Porquanto, 3ª Há contradição entre o arte 58° da p.i. da acção de divórcio e o art. 6° da sua contestação da prova cautelar de alimentos provisórios em que num lado diz que a Recorrente nunca trabalhou fora de casa e no outro lado diz que trabalhou fora de casa até ao nascimento do seu filho António; 4ª O Recorrido veio tentar enganar o Tribunal, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de impedir a descoberta da verdade; 5ª O despacho recorrido é arbitrário e não está fundamentado de direito, tendo violado o art. 158 e a al, b) do n° 1 do art. 668°, ambos do CPC, pelo que é nulo devendo ser revogado e, em consequência, dar-se provimento ao presente recurso de agravo. Não houve contra alegação. Após o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e decretou o divórcio entre o autor A e a ré Maria, declarando-a exclusiva culpada e não fixando qualquer indemnização a favor do autor. Determinou-se ainda que os efeitos do divórcio se retrotraíssem à data em que cessou a coabitação entre os cônjuges, fixando-se essa data em 31 de Janeiro de 2001. Desta sentença apelou a ré, tendo formulado na sua alegação de recurso as seguintes conclusões: 1ª A petição inicial não foi contestada; 2ª Todas as testemunhas do Recorrido confessaram que estavam de relações cortadas com a Recorrente e a sentença recorrida não atendeu a esse facto; 3ª Existiam dois recursos de agravo deduzidos durante a audiência de Julgamento contra dois despachos da meritíssima Juíza que não admitiu documentos apresentados pela Recorrente nem apreciou o incidente de impugnação do depoimento da testemunha Maria, testemunha esta com quem o Recorrido actualmente está a viver como marido e mulher; 4ª O 2.° recurso de agravo interposto na audiência de Julgamento foi contra o despacho da Senhora Juíza que se recusou a analisar documentos que provam, à Saciedade, a litigância de má fé do Recorrido, nos termos do art.° 456° do C.P.C., 5ª Ficou provado no processo, por confissão das partes, que Recorrente e Recorrido estão separados de facto, desde 15.01.2001, isto é, há mais de três anos consecutivos; 6ª Ficou provado no processo que o Recorrido agrediu, por várias vezes, a Recorrente, chamando-lhe puta, filha da puta, cabra e vaca, havendo maus tratos por parte do Recorrido que praticava a violência doméstica; 7ª O Recorrido recusou-se a viver com a Recorrente, pondo-a fora de casa e quando a Recorrente regressou a casa o Recorrido saiu da casa de morada de família; 8ª O Recorrido, que praticou a violência doméstica, batia na Recorrente e lhe chamava puta, filha da puta, cabra e vaca e que tem queixas-crime em fase de inquérito, não pode ser uma pessoa sensível e educada; 9ª O Recorrido é o único culpado e causador do presente divórcio, tendo violado os deveres conjugais; 10ª O Recorrido litigou de má fé, nos termos do art.° 456.° do W.C. e foi requerida a sua condenação nos termos já referidos; 11ª A Recorrente requereu que o divórcio fosse decretado com fundamento nas alíneas a) e b) do art.° 1781.° do C.C., requerimento que não foi contestado pelo Recorrido, havendo, assim, a concordância deste; 12ª A sentença recorrida não atendeu ao requerimento da Recorrente, de 29 de Janeiro de 2004, que não foi contestado pelo Recorrido, havendo, assim, concordância deste Recorrido, em que o divórcio fosse decretado nos termos do citado art.° 1781.° do C.C.; 13ª A sentença recorrida não apreciou a má fé do Recorrido e que foi objecto de recurso de agravo; 14ª A sentença recorrida não apreciou depoimentos das testemunhas da Recorrente que confirmaram a violência doméstica, praticada pelo Recorrido, nem tão pouco atendeu à confissão do Recorrido que confessou existir queixas-crime contra o Recorrido que se encontram em fase de inquérito; 15ª A sentença recorrida dá como provados factos que se encontram em contradição com outros, designadamente, dizendo que ficou provado que o Recorrido é uma pessoa sensível e educada quando em todo o processo ficaram sobejamente provados os maus tratos, a violência doméstica, a mentira e os insultos por parte do Recorrido; 16ª A sentença recorrida é uma sentença injusta e nula por ter violado as alíneas c) e d) do n° 1 do art.° 668.° do C.P.C., devendo ser revogada e substituída por outra que decrete o divórcio entre Recorrente e Recorrido, nos termos das alíneas a) e b ) do art.° 1781. do C.C., com culpas por parte do Recorrido, dando-se, em consequência, provimento ao presente recurso. Na contra alegação que apresentou o réu defendeu a confirmação da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. Fundamentos: 2.1. De facto: Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos: a) Autor e Ré casaram um com o outro em 24/6/82. b) Na constância do matrimónio nasceram dois filhos (…), nascidos, respectivamente, a 1/6/97 e 5/12/2000 c) A Ré manteve uma relação extraconjugal com outro homem. d) A mesma foi vista, por diversas vezes, com um homem. e) A Ré disse ao Autor, no início do mês de Janeiro (2001), que pretendia ir viver com outro homem. f) Ainda no mês de Janeiro, encontrou-se com o tal Z. g) A Ré foi vista com o Z, em data não apurada, mas anterior à sua saída da residência do casal. h) Nos dias em que o Autor estava ausente, era visto, próximo da residência do casal, um veículo de marca Mercedes. i) O veículo pertencia ao indivíduo chamado Zeferino. j) Em data não apurada do mês de Janeiro de 2001, a Ré foi viver, com os dois filhos, para (…), perto da Malveira. k) O Autor, acedendo a um pedido da Ré, mandou entregar-lhe diversas peças de mobiliário, electrodomésticos e roupas. l) Levou-lhe ainda alguns outros pequenos electrodomésticos. m) O Autor é pessoa sensível e educada. n) O mesmo sentiu-se ultrajado, humilhado, enganado publicamente e desrespeitado. o) A seguir à saída da Ré da residência do casal, e durante vários meses, o Autor teve dificuldades em trabalhar e em enfrentar as pessoas na rua. p) A partir de Fevereiro/Março de 2001, e durante cerca de um ano, foi acompanhado por psicóloga, sua familiar. q) Devido ao estado emocional em que ficou depois de a Ré ter saído de casa, o Autor teve dificuldades em conduzir. r) Por causa disso, o Autor contratou uma pessoa para conduzir. s) O mesmo dedica-se à venda ambulante, ausentando-se pelo período de segunda a quinta-feira, na primeira semana de cada mês. 2.2. De direito: Face ao disposto no artigo 710º do Código de Processo Civil, impõe-se conhecer da apelação e dos agravos que com ela subiram pela ordem da sua interposição, tendo-se presente que o objecto dos recursos está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, como decorre do estatuído nos artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 daquele compêndio adjectivo (ao qual se referirão todos os preceitos doravante citados sem outra referência expressa). 2.2.1. Assim, cumpre conhecer, em primeiro lugar, dos agravos interpostos do despacho que não admitiu a junção de documentos na audiência de discussão e julgamento e dos despachos que indeferiram os incidentes de impugnação de testemunhas. Ao contrário do que a ré sustentou na alegação de recurso apresentada respeitante a estes agravos, os despachos em causa não carecem de fundamentação de facto ou de direito, o que a verificar-se integraria a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º, aplicável aos despachos por força do disposto no artigo 666º nº 3. O dever de fundamentação das decisões tem consagração expressa no artigo 158º. Como se escreveu no Ac. do STJ de 9.12.1987, “A motivação (…) impõe-se por duas razões : uma substancial, pois cumpre ao juiz demonstrar que da norma abstracta formulada pelo legislador soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto; e outra de ordem prática, uma vez que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida (...) para impugnar, quando seja admissível recurso, o fundamento ou fundamentos”(1). Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º citado. Como ensinam A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, “ Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”(2) Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada. In casu, os despachos recorridos mostram-se suficientemente fundamentados, apresentando, no que agora releva, a descrição fáctica considerada pertinente e a correspondente subsunção jurídica. O acerto ou desacerto da respectiva decisão é questão diversa e será equacionada neste recurso, não cabendo no campo dos vícios geradores de nulidade da sentença. Não ocorre, por conseguinte, a invocada causa de nulidade. Posto isto e no que concerne ao despacho que não admitiu a junção de documentos na audiência de discussão e julgamento, releva o disposto no artigo 523º, segundo o qual, não tendo sido oferecidos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, sujeitando-se a parte que os apresenta ao pagamento de multa caso não prove que não pôde oferecê-los com o articulado. Concilia-se, nas palavras de A. dos Reis, “…o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”(3). Assim, apresentados os documentos, compete ao juiz recusar a junção dos que se revelem impertinentes ou desnecessários, mandando retirá-los do processo e restituí-los ao apresentante se for caso disso. Este poder, que constitui uma manifestação do poder geral de disciplina do processo, está consagrado no artigo 543º, devendo, para efeito de recusa ou admissão nos autos, considerar-se documentos impertinentes aqueles que respeitam a factos estranhos à matéria da causa e documentos desnecessários os que respeitam a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da acção(4). No caso em apreço, a ré requereu em audiência de discussão e julgamento a junção, para contraprova do quesito 26º, de “um calendário a cores com o nome da firma S, do autor,” e, para contraprova do quesito 27º, de dois documentos respeitantes a um inquérito e participação feita pela ré contra o autor por agressões e injúrias. O despacho que apreciou tal requerimento admitiu a junção aos autos destes dois documentos relativos ao inquérito e participação criminal, condenando a ré em multa pela apresentação tardia, e recusou a junção do calendário de “2004” que publicitava a firma S, Lda, por não resultar dos autos qual a ligação daquela ao autor. Perante este despacho, a ré requereu a junção de fotocópia de uma certidão da Conservatória do Registo Comercial de Óbidos/Peniche destinada a demonstrar que o autor era gerente da sociedade publicitada no referido calendário. Considerando que aquele documento tinha a data de 16 de Janeiro de 2003 e respeitava às inscrições em vigor “em 15 de Janeiro de 2003”, e não resultava do mesmo que o autor fosse sócio da sociedade em questão, mas apenas que tinha sido nomeado gerente por deliberação de 15 de Abril de 2002, desconhecendo-se se continuou a exercer o cargo, foi a sua junção recusada, por inútil, visto não poder extrair-se dos referidos documentos o efeito probatório pretendido pela ré. E esta análise não suscita qualquer reparo. Não só porque a matéria vertida no artigo 26º da base instrutória, cuja contraprova visava a pretendida junção do calendário, não resultou provada, mas também por não poder resultar, como se assinalou no despacho recorrido, deste documento e da fotocópia da certidão emitida pela conservatória do registo comercial demonstração factual útil para a boa decisão da causa. Com efeito, a pergunta formulada no referido artigo 26º da base instrutória - “O Autor é pessoa modesta” - tem de situar-se no tempo como reportada a data anterior à propositura da acção, já que a causa de pedir versa, necessariamente, sobre factos ocorridos até esse momento. Os que possam ter ocorrido com relevância em data posterior só podem ser considerados se objecto de articulado superveniente (artigo 506º). Ora, o calendário e a fotocópia da conservatória do registo comercial em questão documentavam factos situados em 2004 e 2003, posteriores à data em que foi instaurada a acção, o que ocorreu em 22 de Maio de 2001, pelo que, tendo de qualificar-se como desnecessários, a sua junção não era admissível. Não se compreende a referência feita nas alegações de recurso ao segmento do despacho que apreciou o pedido de junção de dois documentos respeitantes a um inquérito e participação feita pela ré contra o autor por agressões e injúrias destinados a contraprova do artigo 27º da base instrutória, uma vez que tal pretensão foi deferida, como se alcança do despacho exarado em acta a fls. 125, tendo à ré sido sancionada pela junção tardia. Também os despachos que indeferiram os dois incidentes de impugnação da admissão de testemunhas não merecem qualquer reparo. No decurso da audiência a ré deduziu incidentes de impugnação relativamente às testemunhas (…), nos termos do disposto no artigo 636º do Código de Processo Civil, alegando serem marido e mulher e que a testemunha L, que foi empregada doméstica da ré e do autor e continuou ao serviço deste, por volta de 2001 agrediu fisicamente e injuriou a ré, o que motivou a apresentação de participação criminal contra a mesma, não podendo reconhecer-se idoneidade às referidas testemunhas. É manifesto que tal alegação não integra o fundamento legal previsto nos artigos 617º e 618º, ex vi do artigo 636º, para o referido incidente e assim se considerou, e bem, nos despachos agora em causa. A impugnação da admissão da testemunha visa impedir que a testemunha seja admitida a depor e constitui um direito da parte contra quem for produzida a testemunha, pelo que ao réu se reconhece o direito de impugnar as testemunhas oferecidas pelo autor e a este o de impugnar as testemunhas oferecidas pelo réu. Este incidente será deduzido quando terminar o interrogatório preliminar da testemunha visada e baseia-se nos mesmos fundamentos por que o juiz deve obstar ao depoimento (artigo 636º) Assim, oficiosamente ou por iniciativa da parte contrária àquela que ofereceu a testemunha, não é admitido a depor como testemunha quem não tiver sido oferecida ou quem seja para tanto inábil (artigo 635 nº 2). No caso em apreço, as testemunhas (…) foram indicadas nessa qualidade no rol apresentado pelo autor, nos termos do disposto no artigo 619º nº 1, e não estão abrangidas por qualquer inabilidade. Efectivamente, têm capacidade para depor como testemunhas, não têm a posição de partes, nem podem recusar-se legitimamente a depor nessa qualidade (artigos 616º, 617º e 618º). O circunstancialismo alegado pela ré, sendo fundado, constituirá um elemento a considerar pelo julgador na ponderação da prova produzida, repercutindo-se na avaliação da força probatória das testemunhas em causa, mas não é fundamento de inabilidade. Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação da ré respeitantes aos agravos apreciado. 2.2.2. Em segundo lugar impõe-se conhecer do agravo do despacho que indeferiu o pedido da ré de condenação do autor como litigante de má fé, formulado na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 28 de Maio de 2004, com fundamento em que este articulou factos que não conseguiu provar, designadamente nos artigos 44º e 58º da petição inicial. Essencialmente, este indeferimento resultou de o momento processual em que o pedido foi formulado não ser o adequado e de o mesmo ser destituído de fundamento. À tutela jurisdicional que a ordem jurídica coloca à disposição de todos os titulares de direitos impõe a mesma ordem jurídica uma limitação: que a parte que exerce o direito esteja convencida da justiça da sua pretensão, que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão(1). Por isso, o incumprimento doloso ou gravemente culposo do dever de cooperação e/ou das regras de boa fé processual é sancionado civilmente através do instituto da litigância de má fé regulado no artigo 456º. No caso, a ré veio pedir a condenação do autor por litigância de má fé no decurso da audiência de discussão e julgamento e antes de produzida toda a prova testemunhal oferecida pelas partes baseada em que o autor alegou factos que não logrou provar, em particular os constantes dos referidos artigos 44º e 58º da petição inicial. É manifesto que, estando ainda a decorrer a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, não tinha cabimento naquele momento processual deduzir pedido de condenação do autor como litigante de má fé com base na falta de prova de factos por este articulados. Só após a decisão sobre a matéria de facto, a proferir depois de encerrada a discussão (artigo 653º) a ré estaria em condições de formular ou não aquele pedido, o qual, no circunstancialismo processual em que ocorreu, foi prematuro e, por isso, extemporâneo e inequivocamente infundado. Note-se que se está perante uma acção que versa sobre direitos indisponíveis, não operando, por isso, o cominatório decorrente da falta de contestação. Na verdade, a confissão ficta prevista no artigo 484º nº 1 não actua, além do mais, quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretende obter (direitos indisponíveis). Assim, a revelia da ré, traduzida na falta de contestação, não é operante, não podendo considerar-se confessados os factos articulados pelo autor e daí extrair os necessários pressupostos de facto para a condenação do autor como litigante de má fé. A apontada contradição entre o alegado pelo autor no artigo 58º da petição inicial e o 6º do procedimento cautelar de alimentos provisórios não reveste, só por si, gravidade susceptível de alicerçar a pretendida condenação por litigância de má fé naquela fase processual, o que, como é óbvio, não é inviabilizador de ulterior apreciação e juízo sobre a eventual má fé de qualquer dos litigantes. Como tal, improcedem também as conclusões da alegação da ré quanto a este agravo, na totalidade. 2.2.3. No âmbito do recurso de apelação que interpôs invocou a ré a nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 668º als. c) e d). A sentença é, além do mais, nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão e quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artigo 668º nº 1 alíneas c)e d)). Encontra-se desde há muito radicada na doutrina a ideia de que, na parte decisória, a sentença se reconduz, no seu traçado lógico essencial, a um verdadeiro silogismo, podendo a sentença assentar sobre um único silogismo ou em vários silogismos que ajudam, cada qual com a sua contribuição, a encontrar a resposta completa à pretensão formulada pelo autor, à luz do direito aplicável(6) A contradição entre os fundamentos e a decisão analisa-se, assim, no plano do silogismo judiciário construído pela sentença e não naquele que em correcta aplicação do direito substantivo, porventura, devesse ser construído. A causa da nulidade do artigo 668º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil reside nos fundamentos em que a sentença assenta, constitui um vício da estrutura da sentença que não pode ser confundido com o erro de julgamento, que se traduz na inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão. E o que os autos revelam aponta no sentido de que a decisão impugnada não enferma de vício de estrutura gerador da nulidade prevista no normativo referido, reconduzindo-se o que os recorrentes apelidam de oposição entre os fundamentos e a decisão ao erro de julgamento, que não cabe no elenco dos vícios da sentença previstos no citado artigo 668º. Com efeito, a sentença recorrida apresenta-se estruturada numa sequência lógica de tal modo que a sua decisão surge como a conclusão natural da fundamentação. Importa, de seguida, analisar se a sentença recorrida está inquinada do vício de omissão de pronúncia. Tem o juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham colocado à sua apreciação, isto é, os pontos relevantes nos quais se centra a controvérsia em função da causa de pedir e do pedido, com excepção daqueles cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil). É entendimento pacífico que a omissão de pronúncia se circunscreve à omissão de questões em sentido técnico, questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido. A invocação de um facto ou a produção de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal se não tenha pronunciado não pode constituir omissão de pronúncia para efeitos do disposto no preceito legal citado.(7) Como ensina Alberto dos Reis, “...são na verdade coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”(8) No caso vertente, não se vislumbra que na sentença recorrida tenha sido preterido o conhecimento de qualquer questão submetida pelas partes ao conhecimento do Tribunal ou de que o mesmo devesse apreciar oficiosamente. Não verifica, pois, qualquer das invocadas causas de nulidades da sentença. Posto isto deve apreciar-se se ocorre ou não fundamento para a decretação do divórcio com culpa exclusiva da ré. Considerou-se na sentença recorrida que o quadro factual desenhado nos autos permitia concluir pela violação culposa grave ou reiterada de deveres conjugais de fidelidade, coabitação e respeito por parte da ré susceptível de comprometer a vida em comum. Insurge-se a ré contra este entendimento, alegando terem ficado demonstrados nos autos factos reveladores de que o autor violou os deveres conjugais e é o único culpado do divórcio. A ré tece considerações sobre a matéria de facto julgada provada, afirmando terem resultado provados factos reveladores de que o autor violou os deveres conjugais que não têm correspondência com a alegação factual das partes no processo. O princípio do dispositivo, um dos que enforma o processo civil, comete às partes, em exclusivo, a definição do objecto do litígio, cabendo-lhes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (nº 1 do artigo 264º do Código de Processo Civil). De tal modo que, em princípio, o juiz só pode fundar a decisão nos factos articulados pelas partes (artigos 264º nº 2 e 664º do Código de Processo Civil). Contudo, reconhece-se agora ao juiz a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais e de os utilizar quando “ resultem da instrução e discussão da causa” (nº 2 do citado artigo 264º). Há, assim, que distinguir entre factos essenciais, quer à procedência da pretensão do autor ou da reconvenção deduzida pelo réu, quer à procedência das excepções, relativamente aos quais tem plena aplicação o princípio da auto-responsabilidade das partes, enquanto emanação do princípio do dispositivo, e factos instrumentais que podem resultar de indagação oficiosa. Os factos a que a ré se refere são essenciais porque consubstanciam a alegada violação dos deveres conjugais por parte do autor, pelo que, não tendo sido alegados, só poderiam ser considerados se fossem complemento ou concretização de outros que as partes tivessem oportunamente alegado e resultassem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada tivesse manifestado vontade de deles se aproveitar, o que não aconteceu (artigo 264º nº 2), pelo que não podem ser considerados. Também a confissão ficta decorrente da falta de contestação da ré não pode operar no caso, como já se explicitou supra, por esta acção versar sobre direitos indisponíveis (artigos 484º nº 1 e 485º), pelo que também por essa via está vedado adquirir no processo outros factos para além dos alegados e provados por documentos ou julgados provados em face dos meios de prova apresentados na decisão sobre a matéria de facto. Tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, poderia a ré impugnar a decisão sobre a matéria de facto à luz do disposto no artigo 712º nº 1, desde que observado o disposto no artigo 690º-A, que impõe, obrigatoriamente, ao recorrente a especificação, sob pena de rejeição, dos “concretos pontos de factos que considera incorrectamente julgados” e dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (nº 1 als. a) e b)). Acontece que, apesar de ter ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, que a ré, recorrente, fez transcrever nos autos, esta, em parte alguma da sua alegação de recurso ou das respectivas conclusões, especificou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios constantes da gravação realizada que impunham decisão sobre a matéria de facto diversa da que foi proferida. Termos em que, sendo manifesto que o processo não contém elementos que imponham decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas e que ré não apresentou documento novo superveniente susceptível de, por si só, destruir a prova em que a decisão assentou, deve manter-se intocada a matéria de facto julgada provada na 1ª instância. E em face do quadro factual desenhado nos autos tem de considerar-se que a ré violou culposamente os deveres conjugais de fidelidade respeito e coabitação impostos pelo artigo 1672º do Código Civil a ambos os cônjuges, constituindo tal violação causa de divórcio litigioso desde que pela sua gravidade ou reiteração comprometam a possibilidade de vida em comum (artigo 1779º do Código Civil). Só a violação dos deveres conjugais que revista todas estas características é que dá ao cônjuge ofendido o direito de requerer o divórcio - o facto constitutivo do direito ao divórcio é esse facto jurídico global, integrado de todos os factos ou circunstâncias referidos. Deve, por isso, o cônjuge autor alegar e provar não apenas a objectividade da violação do dever conjugal, mas ainda os factos tendentes a provar a culpa do cônjuge dito ofensor e a gravidade da violação cometida ou a reiteração das faltas, factos de que possa inferir-se a conclusão de que a vida em comum se acha comprometida em consequência da violação ou das violações praticadas (9). E como ensina o Prof. Antunes Varela(10), a culpa pressupõe a imputabilidade do agente - a capacidade do cônjuge prevaricador para entender e valorar os actos por ele praticados e a capacidade de autodeterminação -, bem como a reprovabilidade da sua conduta, em face das circunstâncias concretas registadas. Posto isto, vejamos os factos provados. No caso, o comportamento da ré traduzido na afirmação que fez ao autor no início do mês de Janeiro de 2001 de que pretendia ir viver com outro homem, tendo-se encontrado ainda no mês de Janeiro com um tal Zeferino com o qual foi vista na localidade de Atouguia da Baleia em data anterior à sua saída da residência do casal e cujo veículo, de marca Mercedes, era visto próximo da residência do casal nos dias em que o autor estava ausente, mostra-se violador do dever de respeito devido ao autor, seu marido. E a subsequente saída da ré do lar conjugal, também no mês de Janeiro de 2001, que com os dois filhos do casal foi viver para a localidade de Freixieira, perto da Malveira, consubstancia violação do dever de coabitação, evidenciando o propósito de ruptura não só da comunhão de habitação, mas sobretudo de vida. Objectivamente, a ré violou, face aos factos provados, os ditos deveres conjugais, violação que é culposa, grave e compromete a manutenção da relação conjugal. No tocante ao autor, não contêm os autos factos susceptíveis de integrar a violação de qualquer dever conjugal, sendo exclusivamente imputável à ré, perante a factualidade provada, a conduta que está na génese da dissolução do casamento, pelo que é ela a única culpada, como se declarou na sentença recorrida (artigo 1787º do Código Civil). Defende a ré, recorrente, que o divórcio deveria ser decretado, tal como requereu, com fundamento na separação de facto nos termos previstos nas als. a) e b) do artigo 1781º do Código Civil, mas sem razão. Às partes cabe definir o litígio através da causa de pedir e do pedido. O autor na petição inicial fundou o pedido que formulou na violação culposa dos deveres conjugais pela ré. Não tendo havido alteração desta causa de pedir e não tendo a ré deduzido reconvenção, nos termos previstos nos artigos 272º, 273º e 274º, está vedado ao Tribunal conhecer de causa de pedir diversa, sob pena de violação do princípio dispositivo (artigos 264º nºs 1 e 3 e 664º) Resta conhecer da alegada má fé do autor. Na actual redacção do artigo 456º do Código de Processo Civil, introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, o dolo deixou de ser o único requisito essencial à litigância de má fé, ao contrário do que acontecia na versão anterior do mesmo preceito. Também a negligência grave permite fundar a condenação por litigância de má fé, como se alcança do nº 2 do citado normativo. A ré faz assentar o pedido de condenação do autor como litigante de má fé na violação do dever de boa fé processual traduzido na alegação de facto que não logrou provar (artigo 44º da petição inicial/artigo 23º da base instrutória) e de facto contraditório com o que alegou no procedimento cautelar de alimentos provisórios (artigo 58º da petição inicial). Está, assim, em causa a postura processual do autor ao alegar que “A ré foi viver com o Zeferino e os dois filhos para uma localidade perto da Malveira, Freixieira”, posto que apenas se provou que a mesma foi viver com os dois filhos para a localidade da Freixieira, perto da Malveira, e ao alegar que a ré nunca trabalhou fora de casa enquanto que no aludido procedimento cautelar alegou que a ré trabalhou fora de casa até ao nascimento do filho António. Salvo o devido respeito, o facto contido no artigo 23º da base instrutória não é pessoal, pelo que da circunstância de o autor não ter logrado provar que a ré foi também viver com o falado Zeferino quando deixou o lar conjugal não evidencia uma actuação processual censurável e que deva ser sancionada. O mesmo acontece relativamente à alegação relativa ao facto de a ré ter ou não trabalhado fora de casa. Isto porque a alegada contradição, embora indesejável, respeita a facto irrelevante para a presente lide e só a alteração deliberada de factos relevantes pode subsumir-se à litigância de má fé (artigo 456º nº 2 al. b)). Neste contexto não está configurado um comportamento processual doloso ou gravemente negligente susceptível de alicerçar a condenação do réu como litigante de má fé. Improcedem, assim, totalmente as conclusões da alegação da ré. 3. Decisão: Nesta conformidade, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento aos agravos e julgar improcedente a apelação, confirmando os despachos e a sentença recorridos. Custas dos agravos e da apelação pela apelada, tendo-se em atenção o apoio judiciário de que beneficia. (Fernanda Isabel Pereira) (Maria Manuela Gomes) (Olindo Geraldes) ________________________________________ 1 In BMJ 372/369. 2 In Maual de Processo Civil, 2ª Ed., pág. 687. 3 In Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, 1981, pág. 11. 4 Cfr. A. dos Reis, ob. cit., pág. 58. 5 A. dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed. - reimpressão, vol. II, pág. 261. 6 Cfr. A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed.,1985, p.670/672, e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 295). 7 Cfr. Ac. da RL de 03.11.1994, in CJ 1994, V, 90, e Ac. do STJ de 17.03.1993, in BMJ 425-450. 8 Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 143. 9 Cfr. Pereira Coelho, RLJ., ano 117, pág. 64. 10 In Direito da Família, pág. 407. |