Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1320/22.9T9LSB.L1-5
Relator: ISILDA PINHO
Descritores: NULIDADE INSANÁVEL
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL SIMPLES
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Quando o arguido presta TIR, a regra das notificações que têm de lhe ser feitas, designadamente a notificação do despacho que designa data para a audiência de julgamento, é o uso da via postal simples.
II. O n.º 3, do artigo 113º, do Código de Processo Penal contém uma presunção iuris tantum da notificação por via postal simples, que só poderá ser ilidida pelo notificado, designadamente pelo arguido, provando que a notificação não lhe foi efetuada, por razões que lhe não eram imputáveis.
III. Tal norma legal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal e é rodeada das cautelas processuais ali plasmadas, pelo que tal meio de notificação não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
[sumário elaborado pela relatora]
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo abreviado que corre termos pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 30-06-2022, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo, que se transcreve, no que agora interessa:
“(…)
DISPOSITIVO:
Pelo exposto, o tribunal julga a acusação totalmente procedente por totalmente provada e em consequência decide:
a) Condenar o arguido ____, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, nº1, alínea b), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00 (seis euros), o que perfaz um total de € 600,00 (seiscentos euros), a que correspondem em caso de incumprimento e da impossibilidade de cobrança coerciva 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária.
(…)”.
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I.2 Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“CONCLUSÕES:
1. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de desobediência (p. e p. pelos artº348º, nº1, alínea b), CP), na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 6,00, o que perfaz um total de € 600,00.
2. Mais foi o arguido condenado em multa processual, nos termos do disposto no artº116º e 117º do CPP, por não ter comparecido nem justificado a sua falta, em sede de audiência de julgamento.
3. Ora, compulsados os autos, verifica-se que a notificação da data de julgamento ao Recorrente, com o registo RE725252260PT – não obstante o distribuidor de serviços postais ter certificado o seu depósito no receptáculo postal em 31/05/2022 – foi devolvida aos autos em 04/07/2022, com a indicação manuscrita de que teria sido entregue no lote errado.
4. Tendo sido por essa razão que o arguido, ora Recorrente, não compareceu em julgamento, cuja realização desconhecia, tendo sido assim indevidamente condenado em multa processual pela falta, que urge ser revogada.
5. Mas, mais grave, não tendo sido notificado, o arguido viu ser-lhe vedado o exercício dos seus direitos de defesa, nomeadamente o de estar presente em julgamento e aí, querendo, prestar declarações e apresentar as suas razões – direitos processualmente e constitucionalmente garantidos.
6. Não podendo o Recorrente ser penalizado, nem responsabilizado, por um erro do distribuidor do serviço postal, que depositou a notificação no receptáculo indevido e diverso da morada aposta pelo Tribunal; erro ao qual o Recorrente é totalmente alheio e a ele não deu causa.
7. Mostrando-se assim cometida uma nulidade insanável, uma vez que a lei processual exige a notificação para comparência do arguido em julgamento, que afecta todo o ulteriormente processado, nomeadamente a própria audiência de julgamento e a sentença proferida e de que se recorre, impondo-se a sua anulação, com as legais consequências.
8. Pois que a notificação por carta simples e com prova de depósito — prova esta feita por entidade terceira, estranha ao Tribunal — não garante que a pessoa a quem foi dirigida a comunicação a venha a receber ou dela tomar conhecimento ou que seja colocada na morada correcta.
9. Como se comprova nos presentes autos — muito embora o expedidor postal tenha enviado ao Tribunal documento comprovativo do depósito –, a notificação por carta simples não foi depositada na caixa de correio do Recorrente e veio, por essa razão, a ser devolvida ao remetente.
10. Pelo que a forma de notificação prevista no artº113º, nº3 do CPP, viola uma das garantias constitucionalmente consagradas em processo criminal e como tal, a referida forma de notificação é inconstitucional, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos, por violação do disposto no artº32º, nº1 da CRP, que refere "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa".
11. E como tal deverá também garantir e prever os meios eficazes para que os visados possam exercer os direitos de defesa, designadamente, a forma como deverão ser feitas as comunicações para que o interessado possa exercer os seus direitos de defesa, ou seja, prever meios em que com certeza absoluta se afira que determinada pessoa foi efectivamente notificada.
12. Pelo que deve ser declarado nulo o julgamento por falta de notificação do arguido.
13. Subsidiariamente e sem conceder, sempre se dirá que se apresenta manifestamente excessiva a pena concretamente aplicada ao arguido – 100 dias de multa à razão diária de € 6,00, atento o disposto no artigo 71º, do CP.
14. A determinação da medida da pena, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo levar-se em conta que, nos termos previstos no artigo 40º, do mesmo Código, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
15. A escolha da pena terá assim de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no referido artigo 40º, do CP, onde, a par da protecção de bens jurídicos, se pugna pela reintegração do agente na sociedade.
16. Nos termos do disposto no nº1 do artº348º do CP, o crime de que o arguido, ora Recorrente, vem acusado “é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias” – ou seja, atento o disposto no artº47º do mesmo Código, a pena de multa seria a fixar entre os limites mínimo de 10 dias e máximo de 120 dias.
17. Tendo o Tribunal a quo escolhido fixar a pena aplicável em 100 dias de multa, ou seja, num patamar muito próximo do seu limite máximo, para o que entendemos não ter sido tida em consideração a reduzida culpa do arguido, ora Recorrente.
18. O qual procedeu efectivamente à entrega da carta de condução, conforme fora determinado, não obstante o ter feito em data posterior ao termo do prazo concedido para o efeito, por lapso que não pôde explicar em julgamento, porque não notificado para o mesmo.
19. Nunca tendo sequer tido intenção de desobedecer à ordem que lhe fora dada e que – repete-se – efectivamente cumpriu, conforme demonstrado nos autos.
20. Tal facto bem como outros pessoais do arguido, sendo convenientemente valorados e demonstrados em audiência de julgamento – assim o arguido tivesse sido notificado para a mesma – impunham uma decisão diversa da Recorrida.
21. Com aplocação de uma pena mais próxima dos limites mínimos, sob pena de se violar, como se mostra violado, o previsto no artº71º do Código Penal.
Por todo o exposto, para o qual se remete e se dá por reproduzido, requer-se a V. Exas. seja concedido provimento ao presente Recurso, com as legais consequências, nomeadamente a verificação da nulidade insanável da falta de notificação do arguido para o julgamento, com anulação de todo o ulterior processado, incluindo audiência e prolação de sentença.
Caso assim não se entenda, o que não se concede, sempre se requer uma reavaliação da medida da pena concretamente aplicada, devendo atender-se a todos os factos provados que militam a favor do Recorrente, bem como àqueles que não teve possibilidade de demonstrar em julgamento – por falta de notificação para o mesmo – com a consequente diminuição da pena concretamente aplicada.”
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Foi admitido o recurso nos termos do despacho proferido a 26-10-2022, com o efeito próprio.
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I.3 Resposta ao recurso
Efetuada a legal notificação, a Digna Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, nos seguintes termos [transcrição]:
“(…)
não assiste qualquer razão ao recorrente, naufragando, em consequência, a sua pretensão, porquanto, o Tribunal a quo cumpriu escrupulosamente o determinado no artigo 196.º/2, 113.º/1 alínea c) e n.º 3 e 313.º/1, todos do Código de Processo Penal.
Consequentemente, e ao arrepio do invocado pelo recorrente, a Sentença recorrida não padece de qualquer vício que inquine a sua validade, mormente, da nulidade insanável prevista no art.º 119.º alínea c) do Código de Processo Penal.
(…)
Desta feita, cremos que não assiste qualquer razão ao recorrente, não tendo, assim, o Tribunal a quo violado qualquer preceito normativo, mormente, o disposto no art.º 71.º/1 e n.º 2 do Código Penal, devendo, portanto, manter-se a pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), perfazendo o montante global de 600,00 € (seiscentos euros) aplicada ao arguido (…) afigurando-se a mesma, à luz dos critérios supra anunciados, adequada, razoável e proporcional ao caso sub judice.
Face a todo o supra exposto, consideramos que deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo arguido (…), devendo, em consequência, manter-se na íntegra a douta Sentença recorrida”
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciando-se no sentido de que a sentença recorrida deve ser integralmente confirmada.
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I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
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I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir neste recurso consistem em saber:
Se o arguido se encontra, ou não, regularmente notificado para comparência na audiência de julgamento e, consequentemente, na negativa:
- se estamos perante uma nulidade insanável que afeta a sua condenação em multa processual, o julgamento e os atos subsequentes;
- Se a norma respeitante à forma de notificação prevista no artigo 113.º, n.º 3, do Código de Processo Penal é inconstitucional;
Subsidiariamente:
- Se a pena concretamente aplicada ao arguido se afigura, ou não, excessiva.  
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II.2- Com interesse para decidir as questões objeto de recurso:
Importa ter em conta os elementos processuais seguintes:
- A 07-03-2022, o MP deduziu acusação contra o arguido, tendo em vista o seu julgamento em processo abreviado, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
- Mediante o referido despacho, foi, ainda, determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do TIR, a prestar, ao abrigo do artigo 196.º, do Código de Processo Penal.
- O arguido foi pessoalmente notificado do referido despacho de acusação e prestou TIR, tendo indicado a seguinte morada para efeito de notificação: “Rua ..., Lisboa” [cfr. referência citius n.º 32610749 de 19-05-2022];
- Do mencionado TIR consta que foi dado a conhecer ao arguido [e que este declarou ter ficado ciente]:
- da obrigação de comparecer perante a autoridade competente sempre que para tal fosse devidamente notificado;
- que o incumprimento de tal obrigação, legitimaria a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tivesse o direito ou dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, ao abrigo do artigo 333.º do Código de Processo Penal; e de que
- as posteriores notificações ser-lhe-iam feitas por via postal simples para a morada ali identificada.
- Mediante despacho proferido a 27-05-2022, foi recebida a acusação e designada data para a realização da audiência de julgamento a ocorrer a 30-06-2022, pelas 11h45m;
-A 30-05-2022, foi enviada ao arguido notificação desse despacho, por via postal simples, com prova de depósito, para a morada constante do TIR [cfr. referência citius n.º 416268255 de 30-05-2022];
- Foi, ainda, enviada notificação à ilustre defensora do arguido da data e hora designados para a audiência de julgamento [Cfr. referência citius n.º 416269272, de 30-05-2022];
- A 02-06-2022, foi junta aos autos a respetiva prova de depósito, na qual consta, certificado pelo distribuidor postal, que no dia 31-05-2022, “depositei no recetáculo postal domiciliário da morada acima descrita a notificação a ela referente” [Cfr. referência citius n.º 32752204, de 02-06-2022];
- A morada que consta da dita prova de depósito corresponde à mesma morada constante do TIR [Cfr. referência citius n.º 32752204, de 02-06-2022];
- Os autos prosseguiram os seus termos e no dia 30-06-2022, pelas 11h.55m, foi realizada a audiência de discussão e julgamento da causa, de cuja ata [constante da ref.ª citius n.º 417175378, de 30-06-2022] decorre que:
- o arguido faltou;
- foi representado pela sua ilustre defensora oficiosa, então presente;
- Nessa sequência, a Mmª. Juíza a quo, pronunciando-se sobre a falta do arguido, proferiu despacho, considerando-o regularmente notificado na morada por si indicada no TIR e não tendo este comparecido, nem justificado a sua falta, condenou-o numa multa processual, que fixou no mínimo legal, nos termos dos artigos 116.º e 117.º do Código de Processo Penal. Mais determinou que, por não se lhe afigurar imprescindível a sua presença desde o início da audiência de julgamento, nem sendo a sua falta motivo de adiamento da mesma, iria dar início à audiência de julgamento, na ausência do arguido, nos termos dos artigos 333.º e 334.º do Código de Processo Penal.
- Após a prolação de tal despacho, nada foi requerido, prosseguindo a audiência de julgamento com a inerente leitura da sentença, cujo respetivo dispositivo ficou a constar da ata, nos termos supra transcritos.
- A 04-07-2022 foi remetida aos autos a “carta” respeitante à notificação do arguido do despacho que designou data para a realização de audiência de julgamento, com carimbo dos CTT, datado de 01-07-2022, onde se lê: Depois de devidamente entregue, voltou ao Correio com a nota indicada e sem nova franquia” e onde consta os dizeres, manuscritos, em letras maiúsculas, “DEVOLVER REMETENTE CARTEIRO DEIXOU NO LOTE ERRADO” [Cfr. referência citius n.º 33023123, de 04-07-2022]
Importa, ainda, ter em conta da decisão recorrida os seguintes factos [Tratando-se de sentença ditada para a ata, proferida em processo abreviado, atendendo à simplicidade da matéria de facto, considera-se dispensável a transcrição da sentença - artigo 101º, nº 5 do Código de Processo Penal]:
- Por sentença proferida pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito do Processo Sumaríssimo nº …/21.0POLSB, datada de 15.11.2021 e transitada em julgado a 2.12.2021, foi o arguido condenado, entre o mais, na pena acessória de inibição de conduzir veículos.
- De tal decisão tomou o arguido conhecimento no dia 17.11.2021 e foi novamente notificado a 4.12.2021 da necessidade de entregar a sua carta de condução emitida em 2016, tendo sido nesse acto advertido de que deveria fazer a entrega da sua carta de condução nesse Tribunal, ou em posto policial, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da referida sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
- Apesar de ter ficado ciente das consequências de uma eventual omissão da sua parte, o arguido deixou decorrer tal prazo sem que tenha procedido à ordenada entrega da sua carta de condução.
- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de não cumprir a ordem que lhe havia sido dada, por autoridade com competência para tal, a qual lhe foi regularmente comunicada, e de cujo teor teve conhecimento.
- Sabia ainda o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
- O arguido já foi julgado e condenado:
- Mediante sentença proferida em 14-09-2016, transitada em julgado a 01-03-2017, pela prática de um crime de violência doméstica, ocorrido a 15-06-2014, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, entretanto declarada extinta, ao abrigo do artigo 57.º do Código Penal;
- Mediante sentença proferida em 24-02-2017, transitada em julgado a 27-03-2017, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ocorrido a 18-09-2016, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,00 e na pena acessória da proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses, já declarada extinta pelo cumprimento;
- Mediante sentença proferida em 15-11-2021, transitada em julgado a 02-12-2021, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ocorrido a 27-02-2021, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €5,00 e na pena acessória da proibição de conduzir veículos motorizados por 5 meses.
- A 17-03-2022, o arguido procedeu à entrega da carta de condução à ordem do processo sumaríssimo n.º …/21.0POLSB [Cfr. referência citius n.º 32886249, de 20-06-2022];
- A Mm.ª Juíza a quo teve tal facto em atenção, quer quanto à determinação da natureza da pena, quer quanto à sua medida.
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II.3- Apreciação do recurso
O arguido foi condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 348º, n.º 1, al b), do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €6,00, perfazendo o total de €600,00.
Foi, ainda, condenado, pelo mínimo legal, numa multa processual, ao abrigo dos artigos 116.º e 117.º, ambos do Código de Processo Penal.
Inconformado com a referida sentença, vem o arguido interpor o presente recurso, por considerar existir nulidade insanável, com a inerente anulação de todo o ulterior processado, incluindo o referido despacho que o condenou em multa processual, a audiência de julgamento e a prolação da sentença ora recorrida, pois, na sua ótica, não foi notificado para a audiência de julgamento.
Para o caso de assim não se entender:
Pugna o arguido pela redução da pena que lhe foi concretamente aplicada, por a considerar excessiva, uma vez que se encontra fixada perto do seu limite máximo legal.  
As questões a tratar afiguram-se simples:
Vejamos:
II.3.1- DA INVOCADA NULIDADE INSANÁVEL:
Com relevo para a decisão da causa, cumpre chamar à colação as seguintes disposições legais:
Prevê-se no artigo 313.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe notificação do despacho que designa dia para a audiência, que:
“1 - O despacho que designa dia para a audiência é notificado ao Ministério Público, ao arguido e seu defensor, ao assistente, partes civis, seus advogados e representantes, pelo menos 20 dias antes da data fixada para a audiência
(…)”. [sublinhado nosso]
Por sua vez, dispõe o artigo 113.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe regras gerais sobre notificações, no que aqui interessa, que:
1 - As notificações efectuam-se mediante:
(…)
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos;
(…)
3 - Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
(…)
10 - As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.
(…)”. [sublinhado nosso]
Por fim, resulta do artigo 196.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “termo de identidade e residência” que:
“(…)
2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.
(…)”. [sublinhado nosso]
Decorre, assim, da conjugação dos referidos preceitos normativos que quando o arguido presta TIR, a regra das notificações que têm de lhe ser feitas, designadamente da notificação da data designada para a audiência de julgamento, é o uso da via postal simples.
E, diga-se, o arguido não põe em causa que o tribunal tenha utilizado o meio legalmente correto para o notificar [a saber: a via postal simples], o que diz é que não chegou a ser notificado e que a norma legal que prevê essa forma de notificação, para dar conhecimento ao arguido da data designada para julgamento, é inconstitucional.
Porém, não lhe assiste qualquer razão.
Com efeito, do que se deixou dito, é possível ilacionar, aliás, com segurança, que o arguido foi notificado regularmente do ato processual posto em causa no presente recurso [a saber: do despacho que designou data/hora para a audiência de julgamento], pois, in casu, como vimos, o arguido prestou TIR e logo aí ficou advertido de que as posteriores notificações [aqui se incluindo, naturalmente, a notificação da data que viesse a ser designada para julgamento] lhe iriam ser feitas por via postal simples, como veio a suceder.
Acresce que a notificação do arguido do despacho que designou data para julgamento observou o preceituado nos artigos 113.º, n.º 3 ex vi 196º, nº 3, alínea c), ambos do Código de Processo Penal, pois foi efetuada mediante via postal simples, para a morada do TIR e o distribuidor do serviço postal deu cumprimento a todas as formalidades indicadas no citado artigo 113.º, n.º3, do Código de Processo Penal, tendo lavrado a correspondente declaração, com indicação da data e confirmação do local exato do depósito [no caso, a morada no TIR], cuja prova de depósito enviou ao Tribunal remetente.
Considera-se, portanto, que a notificação do arguido da data designada para a audiência de julgamento foi regularmente efetuada.
É verdade que a carta que havia sido enviada ao arguido para a sua notificação do dia do julgamento, acabou por ser remetida aos autos, com indicação, manuscrita, que havia sido depositada no lote errado, todavia, como bem o refere a Digna Procuradora da República em sede de resposta ao recurso apresentado pelo arguido, “a devolução da carta em causa não pode querer significar, ipso facto, que o arguido não foi válida e regularmente notificado do teor do despacho judicial em escrutínio”.  
Veja-se porquê:
- Na carta apenas constam os dizeres DEVOLVER REMETENTE CARTEIRO DEIXOU NO LOTE ERRADO, sem identificação do respetivo recetor da carta, sem indicação da morada em que supostamente foi depositada erradamente, quando, curiosamente, existe nos autos uma prova de depósito, que atesta o contrário, ou seja, que foi depositada precisamente na morada que ali consta, ou seja, na morada do TIR prestado pelo arguido;
- A devolução da referida carta ocorreu a 01-07-2022, ou seja, após a realização da audiência de julgamento [na qual foi proferida sentença no sentido da condenação do arguido] e mais de um mês depois de ter sido depositada na caixa do correio [o que ocorreu a 31-05-2022];
Acresce dizer que decorre da própria letra da lei que quando efetuadas por via postal simples, as notificações consideram-se efetuadas no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, devendo a cominação aplicável constar do ato de notificação [nº 3 do artigo 113º do Código de Processo Penal.], cominação que também foi efetuada no presente caso.
Ou seja, estamos perante uma presunção iuris tantum, da notificação por via postal simples, que só poderia ser ilidida pelo notificado, no caso pelo arguido, provando que a notificação não lhe foi efetuada, por razões que lhe não eram imputáveis. Ora, in casu, o arguido não fez essa prova, não tendo, aliás, indicado qualquer elemento de prova nesse sentido.[3]
Com efeito, pese embora o arguido alegue não ter recebido a referida carta,  não indica qualquer meio de prova que corrobore a versão por si trazida aos autos, sendo certo que o simples facto de a referida carta ter sido devolvida aos autos, com a indicação dos mencionados dizeres, no circunstancialismo em que o foi [devolvida após a realização da audiência de julgamento, na qual foi proferida sentença de condenação do arguido; devolvida mais de um mês depois de ter sido certificado o seu depósito; devolvida sem identificação do seu recetor e sem indicação da morada supostamente errada onde foi deixada], não permite concluir, sem mais, que o arguido não a recebeu.
Ora, se tal bastasse, para por em causa a regularidade de uma notificação [no caso, a regularidade da notificação do arguido da data designada para a audiência de julgamento], estava encontrada a “fórmula”, diga-se, fácil, para anular qualquer audiência de julgamento, pois bastava ao arguido faltar ao julgamento e, posteriormente, por si, ou por interposta pessoa, fazer chegar aos autos a respetiva carta de notificação para a referida diligência, com os dizeres dos autos, ou outros semelhantes que pudessem por em causa a sua receção, para ver o seu julgamento anulado, o que, como é bom de ver, não foi isso que o legislador previu ao adotar esse meio de notificação.
Aqui chegados, outra conclusão não se pode alcançar a não ser a de que o arguido se encontra válida e regularmente notificado do despacho que designou data para a realização da audiência de julgamento, conforme o atesta a respetiva prova de depósito, em obediência aos ditames decorrentes dos artigos 196.º, n.ºs 2 e 3, alínea c), 113.º, n.º1, alínea c) e n.º3 e 313.º, n.º1, todos do Código de Processo Penal.
E chega-se a tal conclusão, sem esquecer que o arguido argumenta que a forma de notificação prevista no artigo 113.º, n.º 3, do Código de Processo Penal [por via postal simples], é inconstitucional, por violar o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, uma vez que, no seu entendimento, a notificação por via postal simples, com prova de depósito, prova esta feita por entidade terceira, estranha ao tribunal, não garante que a pessoa a quem foi dirigida a comunicação a venha a receber ou dela a tomar conhecimento ou que seja colocada na morada correta.
Na verdade, não lhe assiste razão.
Com efeito, conforme já referimos, da conjugação dos preceitos legais supra indicados decorre que desde que regularmente prestado o TIR, a notificação do arguido para a audiência de julgamento é efetuada por via postal simples, com prova de depósito, nos termos assinalados, a que o Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15-12, atribuiu manifesto relevo, com a finalidade de simplificação e combate à morosidade processual.
Aliás, já no preâmbulo desse decreto-lei, em sintonia com a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 41/VIII que o precedeu, o legislador deu conta das preocupações subjacentes e em vista da prevalência pela via postal simples:
Pretende ajustar-se o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a uma das prioridades da política de justiça, a saber, o combate à morosidade processual.
A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando-se assim imperioso efectuar algumas alterações no processo penal de forma a alcançar tais objectivos.
Para a consecução de tais desígnios, introduz-se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.
No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e envia-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas próprias notificações.
De qualquer forma, diga-se, sobre a constitucionalidade de tal opção legislativa já se pronunciou o Tribunal Constitucional, designadamente no âmbito dos acórdãos nºs 17/2010, relatado pelo Ex.mo Juiz Conselheiro João Cura Mariano e 109/2012, relatado pelo Ex.mo Juiz Conselheiro Vítor Gomes[4], afirmando-se, no primeiro citado acórdão, que o ónus que recai sobre o arguido de provar a sua não notificação por razões alheias à sua vontade, não é uma exigência excessiva ou desproporcional, correspondendo a um adequado equilíbrio entre as suas garantias de defesa e a necessidade de evitar a morosidade processual [ali se podendo ler: “Não se esqueça que a celeridade processual em matéria penal também tem dignidade constitucional]. No segundo desses acórdãos, não se afasta a possibilidade de o arguido provar que o seu desconhecimento da comunicação em causa se ficou a dever a circunstâncias alheias à sua vontade [caso em que a notificação por via postal simples não será válida], mas tal não ocorre quando ele deixa de cumprir o referido ónus.
Ou seja, o depósito da carta pelo distribuidor postal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal e é rodeada de algumas cautelas processuais, pelo que não se descortina de que forma tal meio de notificação possa violar o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, tal como o defende o arguido recorrente.
Face ao exposto conclui-se, ao contrário do invocado pelo arguido e pese embora o respetivo esforço argumentativo, que não existe qualquer vício que inquine a validade de tal notificação e termos subsequentes do processo, mormente, da invocada nulidade insanável, a que se reporta o artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal.
Consequentemente, improcede o recurso nessa parte.
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II.3.2 - QUANTO À MEDIDA DA PENA CONCRETAMENTE APLICADA
Insurge-se, ainda, o arguido recorrente quanto à medida da pena que lhe foi concretamente aplicada, que entende ser manifestamente excessiva, por ter sido fixada próximo do seu limite máximo legal, tendo, no seu entender, sido violado o artigo 71.º do Código Penal.
Argumenta, para o efeito, que o tribunal a quo fixou a pena próximo do seu limite máximo, sem ter tido em consideração a reduzida culpa do arguido, que procedeu efetivamente à entrega da carta de condução, conforme fora determinado, não obstante o ter feito em data posterior ao termo do prazo concedido para o efeito, e que não o fez antes por lapso (e não por ter intenção de desobedecer à ordem que lhe fora dada, nem eximir-se à entrega do documento), lapso que pretendida ter explicado em julgamento, o que não teve oportunidade de fazer pois para tal diligência não foi notificado.  
Conclui requerendo que seja efetuada uma reavaliação da medida da pena concretamente aplicada, devendo atender-se a todos os factos provados que militam a favor do Recorrente, bem como àqueles que não teve possibilidade de demonstrar em julgamento – por falta de notificação para o mesmo – com a consequente diminuição da pena concretamente aplicada.
Vejamos:
No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância, cumpre, antes do mais, atentar, seguindo o paralelismo da jurisprudência quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no seguinte:
“A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
A censura que o tribunal de recurso pode opinar sobre a decisão respeitante à determinação da sanção, incide sobre todos os elementos fornecidos pelo tribunal que, não tendo sido considerados para a questão da culpabilidade, são relevantes para a determinação da sanção, bem como sobre todos os elementos que considerou “adquiridos” (e porque considerou adquiridos uns e outros não) e ainda sobre a forma, fundamentada, porque valorou esses factores na decisão final.
É função do recurso - nos casos, o de Revista -, antes de tudo, analisar criticamente, os “parâmetros” da determinação de sanções. [5]
“Os poderes cognitivos do STJ, como se sabe, abrangem no tocante a esta matéria, entre outras, a avaliação dos factores que devam considerar-se relevantes para a determinação da pena: a questão do limite ou de moldura da culpa, a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e também o quantum da pena, ao menos quando se encontrarem violadas regras de experiência ou quando a quantificação operada se revelar de todo desproporcionada[6].
Perante tais considerandos, forçoso será concluir que o Tribunal de 2ª Instância apenas deverá intervir alterando o quantum da pena concreta quanto ocorrer manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Ou seja, mostrando-se respeitados os princípios basilares e as normas legais aplicáveis no que respeita à fixação do quantum da pena e respeitando esta o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir, alterando a pena fixada na decisão recorrida, pela simples razão de que, nesse caso, aquela decisão não padece de qualquer vício que cumpra reparar.
Aqui chegados:
Em primeiro lugar,  porque se refere às finalidades das penas e medidas de segurança, importa ter em conta o disposto no artigo 40.º, nº 1, do Código Penal do qual decorre que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, decorrendo, por sua vez, do seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Por sua vez, decorre  do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial do agente, determinando o n.º2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio “ne bis in idem”, uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata), “considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2005[7], “na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”.
A culpa traduz-se num juízo de reprovação da conduta do agente, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.
Com efeito, o facto punível não se esgota na desconformidade da conduta do agente perante o ordenamento jurídico-penal, com a ação ilícita-típica, sendo, ainda, necessário que a conduta do agente seja culposa, isto é, que o facto por si praticado possa ser pessoalmente censurado, traduzindo-se, assim, numa atitude pessoal e juridicamente desaprovada, pela qual o agente terá de responder.
Por seu lado, as exigências de prevenção têm a ver com a proteção dos bens jurídicos [prevenção geral] e a reintegração do agente na sociedade [prevenção especial], as quais nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal constituem as finalidades da aplicação das penas e das medidas de segurança, conforme já referimos supra.
“A medida da pena há de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e ser definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização, não podendo ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – proteção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exata, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (ótima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.[8]
Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar.”[9]
Assim sendo, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Conclui-se, portanto, que estaremos perante uma pena justa e proporcional quando esta satisfizer as exigências de prevenção geral e especial, atentando-se no caso concreto, e não exceder a medida da culpa do agente.
Analisando o caso concreto, à luz dos considerandos acabados de expor, constata-se que o arguido foi condenado na pena de 100 [cem] dias de multa, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º1, alínea b), do Código Penal, cuja moldura penal abstrata da multa encontra-se compreendida entre 10 a 120 dias.
E, de facto, como o conclui o tribunal a quo, dos factos provados decorre que:
O grau de ilicitude do facto é elevado, uma vez que assim o é o desvalor da ação, pois o arguido entregou uma carta que sabia não ser válida e, notificado para entregar a carta que o habilitava a conduzir, não o fez no prazo que lhe foi concedido para o efeito. E não se esquece [como, aliás, diga-se, não o esqueceu a Mm.ª Juíza a quo, que o ponderou a favor do arguido] que este, entretanto, procedeu à entrega da carta de condução e já se encontra a cumprir a pena acessória em que foi condenado no âmbito do processo que deu origem aos presentes autos, porém, não é menos verdade que o arguido só procedeu à entrega da carta de condução cerca de três meses depois do prazo de que dispunha para o efeito e após ser por duas vezes notificado para o fazer.
Estamos perante um dolo intenso [dolo direto], que qualifica a culpa como elevada, sendo o dolo direto a forma mais grave da culpa.
Conforme se referiu supra, ao contrário do alegado pelo arguido, a Mm.ª Juíza a quo valorou o facto de o arguido já ter procedido à entrega da carta de condução e diga-se, valorou-o, até, em dois momentos distintos, quer aquando da decisão que tomou quanto à escolha da natureza da pena, facto que [a par de o arguido já estar a cumprir a pena acessória, no âmbito do processo que deu origem aos presentes autos] foi determinante para optar, mais uma vez, pela aplicação de uma pena de multa ao arguido, quer aquando da medida da pena, sempre valorando-o a seu favor.
Acresce que além das exigências de prevenção geral serem já relevantes, dada a frequência com que este tipo de crime é já cometido, são, igualmente, prementes as exigências de prevenção especial, atento o passado criminal do arguido que conta já com uma condenação em 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova [pela prática de um crime de violência doméstica] e dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, no âmbito dos quais foi condenado em penas de multa de 50 dias e 90 dias, respetiva e sucessivamente, sendo o último deles o que esteve na origem do presente processo, cuja pena ali aplicada, de 90 dias de multa, não surtiu qualquer efeito, pois voltou a delinquir. 
O recorrente já revelou com a sua atuação uma total indiferença para com os interesses legalmente tutelados, sem, posteriormente, ter manifestado qualquer ato de arrependimento, vindo, agora, invocar que a não entrega da carta de condução se ficou a dever a mero lapso, que não pôde explicar ao tribunal por não ter sido regularmente notificado para a audiência de julgamento, quando, na verdade, como vimos, o foi.
Em suma, atentando nas circunstâncias supra enunciadas, à moldura penal abstrata prevista para o crime em apreço [que também prevê a possibilidade de aplicação da pena de prisão, em alternativa à pena de multa] e os referidos critérios de determinação da pena concreta, entendemos ajustada e proporcional à culpa do recorrente, a pena fixada pelo tribunal a quo de 100 dias de multa, não se revelando violada qualquer disposição legal na sua determinação.
Termos em que improcede o recurso interposto pelo arguido também nesta particular questão.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido e, em consequência, mantem-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique.
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Lisboa, 24 de janeiro de 2023

Os Juízes Desembargadores
Isilda Maria Correia de Pinho  
Luís Almeida Gominho
Jorge Gonçalves
_______________________________________________________
[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010 in http://www.dgsi.pt,
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95.
[3] Neste sentido, veja-se o Acórdão do TRE, de 07-12-2012, Processo n.º 26/04.5PEFAR-A.E1. in www.dgsi.pt e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 109/2012, in https://www.tribunalconstitucional.pt
[4] Ambos acessíveis in www.tribunalconstitucional.pt.
[5] Cfr. Acórdãos do STJ de 09-05-2002, in CJ do STJ, 2002, Tomo 2, pág. 193 e de 27-05-2009, Processo n.º 09P0484, acessível em www.dgsi.pt
[6] Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, pág. 197.
[7] In CJ do STJ, ano 2005, Tomo III, pág. 173.
[8] De acordo com os ensinamentos de Anabela Miranda Rodrigues, in “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, abril/junho de 2002, págs. 147 e ss.
[9] Cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 227 e ss.