Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6421/22.0T8LSB.L1-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL
INSUFICIÊNCIA ECONÓMICA PARA SUPORTAR CUSTOS COM A ARBITRAGEM
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O recurso ao tribunal estadual, quando existe uma cláusula compromissória, só pode ser legalmente admissível quando a situação económica do contraente revele, de forma evidente e incontornável, falta de capacidade económica para suportar os custos do funcionamento do tribunal arbitral.
- Contrariamente ao que se decidiu na decisão recorrida, não cremos que caiba ao tribunal arbitral aferir da situação económica do contraente para suportar os custos desse tribunal, (nesse sentido Ac. do STJ de 26/4/2016 relatado por Ana Paula Boularot e disponível em www.dgsi.pt) pois isso sempre pressupunha a constituição prévia do tribunal com os custos que lhe estão associados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A A. F, Lda. intentou a presente acção tendo por base um contrato de swap celebrado com o R. Banco, SA.
Invoca:
- insuficiência económica para fazer face aos custos com o tribunal arbitral
- erro sobre o objecto
- contrato sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais enfermando de nulidade dado não ter sido objecto de negociação
- trata-se de produto financeiro abstracto, configurando um contrato de aposta, que não é legalmente admissível, tratando-se de negócio contrário à ordem pública.
Conclui pedindo que se declare:
A) - A nulidade do contrato de permuta de taxas de juro celebrado entre a Autora e Réu, por ofensa da ordem pública, do art.º 1425º do Código Civil, do art.º 5 do DL n.º 446/85 de 25.10.85, do art.º 6º, n.º 2 do art.º 373º, art.º 406º e al. b) do n.º 1 do art.º 411º, todos do CSC.
B) - Caso inesperadamente não se entenda, a anulabilidade do contrato de permuta de taxas de juro celebrado entre a Autora e Réu nos termos dos art.ºs 247 e 251 do CC.
Condenar-se o R. a:
- Restituir e pagar à Autora a quantia de € 372.518,42, acrescida de juros à taxa legal desde 3.12.2010, o que, hoje, ascende ao montante de € 167.623,00, perfazendo o total de € 540.141,42.
- Pagar á Autora juros moratórios à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento, incidentes sobre esta quantia de €540.141,42
- Pagar custas de parte e honorários aos mandatários dos Autores, nos termos do regulamento de Custas Judiciais.

Contestou o R.
Invocando:
- excepção de preterição do tribunal arbitral
- excepção de caso julgado
- subsidiariamente: a autoridade de caso julgado
- excepção da preterição do tribunal arbitral
- caducidade do pedido de anulabilidade por alegado erro sobre a base do negócio
- foi cumprido o dever de comunicação e informação
- a validade do contrato celebrado.

A A respondeu à matéria das excepções.
Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção de tribunal arbitral e absolveu a R. da instância.

Desta decisão recorre a A. alegando, com as seguintes conclusões:
1. Devem ser considerados provados os factos alegados pela A. nos art.º 5º a 18º da p. i.
2. Estes factos alegados pela A. devem ser considerados provados por acordo das partes através dos documentos juntos com a p. i. que mereceram o acordo do R. no art.º 125 da contestação
3. A Relação deve considerar tais factos como provados utilizando os poderes conferidos pelos art.ºs 46º, 574º, 607.º/4/2.ª parte do CPC.
4. Tais factos alegados pela A. e os elementos (designadamente os documentos juntos com a p.i.) impõem decisão diversa da que foi adoptada pelo tribunal a quo, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, pois se trata de matéria de facto que está não impugnada e, mesmo, admitida expressamente pelo R.
5. Assim, constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4 do CPC, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2 do mesmo diploma).
6. Esta factualidade que foi admitida por acordo das partes integra as regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
7. Existe acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2 do CPC), e ocorreu confissão relevante cuja força vinculada foi desrespeitada (art.º 358.º do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), pela sentença recorrida.
8. Pelo que a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto operada pela douta sentença recorrida, nos termos sobreditamente alegados.
9. Por outro lado, a verdade é que a sentença recorrida retira ilação incorrecta do facto de a A. manter apesar de não ter atividade de facto desde 2016, e apresentar capitais próprios negativos, encontra-se em actividade, não tendo recorrido a PER nem insolvência, para concluir pela dúvida sobre as dificuldades económicas.
10. A sentença recorrida retirou conclusão errada ao referir somente o PER ou a insolvência seriam prova da insuficiência económica da A.
11. A A. litiga com apoio judiciário pois, em 9.12.2020 requereu apoio judiciário para instaurar a presente accção, o qual foi deferido tacitamente nos termos do art.º 25º nºs 1 e 2 da Lei nº 34/2004 de 29/7, facto a que a sentença recorrida não atendeu.

A R. contra-alegou com as seguintes conclusões:
1. A RECORRENTE intentou uma ação em 2016 exatamente com o mesmo objeto da presente ação, na qual foi julgada procedente uma exceção de preterição de tribunal arbitral que absolveu o Réu da instância, tendo a RECORRENTE recorrido para o Tribunal da Relação, que
manteve a decisão, e recorrido, de seguida, para o Supremo Tribunal de Justiça que, em 2019, manteve igualmente a decisão de procedência de exceção de preterição de tribunal arbitral.
2. Em 2016, 2017, 2018 e até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça em 2019, em nenhum momento foi referida a existência de uma situação de insuficiência económica que impedisse a RECORRENTE de constituir um tribunal arbitral.
3. Neste contexto, a RECORRENTE intentou a presente ação, afirmando que, por força da crise financeira de 2008, da qual não conseguiu recuperar, ficou, logo em 2016, sem atividade, tendo entrado em grave situação económico-financeira que a impossibilita de fazer face aos custos inerentes à constituição de um tribunal arbitral.
4. O RECORRIDO contestou, alegando, entre outros, a exceção de preterição de tribunal arbitral que foi julgada procedente a 6 de outubro de 2023 pela sentença recorrida, da qual a RECORRENTE recorreu.
5. Contudo, e conforme se demonstrou nas presentes contra-alegações, nenhum dos argumentos da RECORRENTE procede.
6. Em primeiro lugar, a possibilidade de a RECORRENTE alegar a insuficiência económica precludiu.
7. Com efeito, é a Recorrente que menciona nos presentes autos que logo em 2016 atravessava graves dificuldades ao ponto de ficar sem atividade, mas estranhamente não referiu essa circunstância aquando da propositura da primeira ação no fim desse mesmo ano.
8. Aliás, mais grave e flagrante é a circunstância de não ter a RECORRENTE referido as alegadas dificuldades económicas em que se encontrava em 13 de novembro de 2017, quando, no âmbito da primeira ação, o tribunal requereu que esta se pronunciasse por escrito sobre a exceção de tribunal arbitral invocada pelo ora RECORRIDO.
9. Ora, o Código de Processo Civil consagra o princípio da preclusão, que dita que toda a factualidade deve ser deduzida de uma vez, sob pena de preclusão do direito a fazê-lo.
10. Sendo que este princípio não vale apenas para a defesa, tal como salientado pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de junho de 2016, processo 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2) ao referir que do artigo 552.º, n.º 1, al. d) do CPC “decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito”.
11. Assim, e respeitando a “exigência de lealdade dos diversos sujeitos processuais e que visa impedir que algum deles use a tática de reservar algum argumento apenas para quando o achar mais oportuno”, não pode o tribunal, no respeito pelo princípio da preclusão, atender à insuficiência económica como causa de inoponibilidade da exceção de preterição da insuficiência económica.
12. Em segundo lugar, e mesmo que se desconsidere o princípio da preclusão, sempre se dirá que em causa está uma situação de abuso de direito processual.
13. É que ao fim da quarta decisão que absolve o RÉU, ora RECORRIDO, da instância e reitera que os tribunais judiciais não são competentes para decidir da questão, não podia a RECORRENTE, num atropelo total das regras da boa fé, recorrer novamente ignorando a sua falta de fundamento.
94. Contudo, continua a recorrer das inúmeras decisões proferidas pelos tribunais judicias apenas incorrendo em mais custos e protelando a resolução da questão, ao invés de honrar o compromisso por si assumido e constituir um tribunal arbitral para o efeito.
14. Em terceiro lugar, a RECORRENTE não logrou provar a sua insuficiência económica.
15. Com efeito, só através de uma interpretação enviesada podem os factos constantes de catorze artigos da petição inicial serem dados como provados através de um artigo que refere somente que a existência de capitais próprios negativos não é suficiente para desconsiderar uma cláusula arbitral.
16. Até porque, basta ler o capítulo dos factos admitidos e impugnados da contestação para ficar claro que aqueles factos foram expressamente impugnados e, de qualquer forma (sem conceder), sempre estariam em contradição com a defesa considerada como um todo.
17. Acresce que os documentos juntos à petição inicial como meio de prova dos factos alegados são manifestamente insuficientes para provar a situação económica impeditiva de recorrer a um tribunal arbitral, até porque se tratam de meros documentos particulares, sendo que um deles demonstra, inclusive, que a RECORRENTE teve um resultado líquido positivo no ano de 2019.
18. Também o facto de a RECORRENTE não ter recorrido a um PER ou insolvência, quando, alegadamente, se encontra sem atividade há sete anos, permite duvidar das suas dificuldades económicas.
19. É que o único fim de uma empresa é a prossecução do lucro, o que determina que esta pugne pela sua recuperação ou extinção no caso de a primeira não ser possível.
20. Por fim, a circunstância da RECORRENTE alegar graves dificuldades económicas já em 2016, mas não ter referido em momento algum, essa circunstância aquando da propositura da primeira ação e até à sentença do Supremo Tribunal de Justiça em 2019, também permite concluir que essas dificuldades não seriam, afinal, tão impeditivas da constituição de tribunal arbitral.
21. Em quarto lugar, a jurisprudência e doutrina são exigentes na alegação e prova da situação de insuficiência económica que permite à parte desvincular-se de uma cláusula arbitral por si celebrada.
22. Com efeito, em causa está, não só a tutela jurisdicional efetiva na vertente da proibição de denegação de justiça, mas também o reconhecimento constitucional dos tribunais arbitrais, nos termos do disposto no artigo 209.º da Constituição, assim como o direito à autodeterminação das partes que renunciaram livre e expressamente à litigância judicial.
23. Assim, nem mesmo na circunstância de a parte se encontrar em PER ou insolvência - o que, repita-se não ocorreu sequer no caso em apreço -, os tribunais têm considerado provada a insuficiência económica impeditiva de recorrer ao tribunal arbitral.
24. Sendo que existe jurisprudência recente que considerada que a informação contabilística que se retira dos extratos bancários ou balancetes apresentados não é também suficiente para provar que a situação económica da parte se degradou de forma irreversível, ao ponto de ser impeditiva do cumprimento da cláusula arbitral( Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Março de 2020, processo 415/18.8T8SNT.L1-2)).
25. Acresce que o deferimento tácito do requerimento de apoio judiciário não serve para provar a situação impeditiva de custear um tribunal arbitral, tanto que Recorrente apenas requereu o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e não na modalidade de nomeação de defensor ofício.
26. Ora, tal circunstância faz inclusive pressupor, conforme sublinhado pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 11 de dezembro de 2019 do Supremo Tribunal de Justiça, processo 8927/18.7T8LSB-A.L1.S1) a existência de meios económicos bastantes.
27. Até porque, como acentuado pela sentença recorrida e por Pedro Metello de Nápoles, “o pressuposto que as custas do processo arbitral são incomportáveis nem sempre se confirma, sendo frequente os sujeitos suportarem custos de patrocínio superiores.”
28. Aliás, não só o deferimento tácito do requerimento de apoio judiciário não prova a impossibilidade de recorrer a um tribunal arbitral, como, as circunstâncias e factualidade subjacente ao caso em apreço demonstram até o contrário.
29. É que em 2016, quando alegadamente se encontrava a RECORRENTE a atravessar graves dificuldades económicas, esta intentou uma ação nos tribunais judiciais da qual se viu na disponibilidade financeira de recorrer por duas vezes, cobrindo, certamente, os custos inerentes à mesma, tais como taxas de justiça, custas judiciais e constituição de mandatário para seguir o processo ao longo daqueles três anos.
30. Também agora se encontra a RECORRENTE na disponibilidade financeira de não requerer apoio judiciário na forma de nomeação de defensor oficioso, e de suportar os custos inerentes ao presente recurso com os honorários que serão devidos em face do mesmo.
31. O que, diga-se, não pode deixar de evidenciar a capacidade de custear um tribunal arbitral e, sobretudo, a circunstância de que, não o podendo fazer (sem conceder), tal procede de culpa sua, já que foi a RECORRENTE que quis intentar a primeira e a atual ação, e cobrir os custos inerentes às mesmas, que poderia ter alocado, à partida, ao tribunal arbitral.
32. Por fim, e em quinto lugar, ainda que se entendesse que a RECORRENTE se encontra numa situação de insuficiência económica que a impossibilite de custear a constituição de um tribunal arbitral, o que não se concede nem se concebe, essa aferição sempre teria se de ser feita pelo próprio tribunal arbitral.
33. Com efeito, a isso obriga a conjugação dos artigos 5.º, n.º 1 da LAV ao referir que só em caso de manifesta nulidade, ineficácia ou inexequibilidade pode o tribunal não absolver o réu da instância, e 18.º, nº 1 da LAV ao estipular que compete ao tribunal arbitral decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, validade ou eficácia da convenção.
95. Este tem sido o entendimento da jurisprudência (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de fevereiro de 2018, proc. 22574/16.4T8LSB.L1-8, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de abril de 2016, processo 1212/14.5T8LSB.L1.S), tal como é o entendimento da sentença recorrida, já que a lei visou centralizar no tribunal arbitral o contencioso relativo à validade, eficácia e exequibilidade da convenção e “reflete-se também nela o favor arbitrandum que inspira a lei portuguesa”.

Nada obsta ao conhecimento do recurso.
O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes (639.º e 635.º do Novo CPC, aprovado pelo art.º 1º da Lei nº 41/2013 de 26/06  só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões  que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 608º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2).
Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal da 1.ª instância.
Na decisão recorrida deram-se como assentes os seguintes factos:
1- A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade comercial de promoção imobiliária, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; construção civil e urbanizações.
2- O R. é uma instituição de crédito que, entre outras actividades, se dedica à actividade bancária e à comercialização de produtos financeiros.
3- Com data de 30.11.2007 a A. e o R. subscreveram o escrito intitulado “contrato quadro para operações financeiras”, junto aos autos como doc.16 da PI.
4- Nesse escrito, acordaram as partes, designadamente o seguinte:
“1ª
1. o presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza diferente
(…)
5. sem prejuízo de outras, que, como tal, devam considerar-se em função do estabelecido, ficam abrangidas pelo presente contrato designadamente as seguintes operações:
5.1. permutas finaneiras (swaps)…
2ªAs partes expressamente declaram e aceitam que todas as operações financeiras a realizar entre elas sejam consideradas integrantes de um relacionamento jurídico-contratual unitário, sem prejuízo dos termos e condições particulares de cada operação, de modo que, nos termos adiante definidos, o incumprimento, por alguma das partes, de obrigações relativas a qualquer das operações financeiras poderá determinar a extinção do relacionamento entre as partes.

1. As partes aceitam submeter igualmente às condições do presente contrato e nos termos da cláusula 1ª todas as operações financeiras por elas já realizadas e ainda não concluídas, sem prejuízo dos respectivos termos e condições particulares e em tudo o que a estes não contrarie.
2. Caso tenham já celebrado contrato com o mesmo objecto, as partes acordam expressamente que o presente contrato revoga e substitui o anterior, aplicando-se às operações financeiras constantes da cláusula 1ª, já celebradas ou a celebrar.
(…)
41ª
1. Os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância.
2. O tribunal mencionado no número anterior é constituído por três árbitros, um indicado por cada uma das partes e o terceiro, que preside, designado pelos dois primeiros.
3. A parte que pretenda instaurar o litígio deve notificar a contraparte através de carta registada com aviso de recepção, indicando o objecto do litígio e o árbitro por si designado.
4. No prazo de quinze dias subsequente à recepção da notificação, a parte notificada deve indicar à outra, também por carta registada com aviso de recepção, o árbitro que lhe cabe designar.
5. Dentro dos vinte dias imediatos, os árbitros designados pelas partes deem indicar o terceiro árbitro. (…)”

A recorrente insurge-se quanto à decisão de facto, por insuficiência, defendendo que devem ser aditados aos factos provados os factos os elencados nos artigos 5 a 18 da p.i., com base no acordo das partes, indicando o art.º 125.º da contestação.
Mas sem razão.
No artigo 125.º o R reporta-se a uma mera hipótese e não a uma certeza.
E no art.º 331.º da contestação o R aceita como provada apenas a matéria dos art.ºs 43, 44, 50, 54, 105,106,112,114, 115 e 118, impugnando todos os restantes.
Resulta assim impugnada a matéria que a A. invoca estar provada, por acordo, pelo que a mesma não pode ser dada como assente.
Improcede, pois, o recurso de facto.

Da excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral
No caso em apreço a A defendeu a inaplicabilidade da cláusula que remete para o tribunal arbitral a decisão de eventuais litígios por virtude da sua situação económica deficitária superveniente.
Na decisão recorrida entendeu-se assim:
“É largamente controvertida a questão de saber se a superveniente insuficiência económica de uma das partes, que a impossibilite de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem, constituirá causa legítima de incumprimento da convenção, permitindo-lhe submeter a apreciação do litígio nos tribunais estaduais.
Não encontrando esta situação, consagração legal na lei da arbitragem, é comum apontar-se dois campos de discussão. Um a nível constitucional (a justiça não pode ser denegada por carência de meios económicos - cfr. art.º 20, n.º 4, da CRP) e outro ao nível da legislação ordinária por apelo à norma que no direito das obrigações prevê a extinção da obrigação fundada na impossibilidade do seu incumprimento por causa não imputável ao devedor - art.º 790, n.º 1, do Código Civil.
Ambas as normas foram, também, invocadas pela A. nesta acção, cumprindo apreciar a sua aplicação no caso concreto.
No que respeita ao invocado artigo 790º do Código Civil, afigura-se que o mesmo não tem aplicação neste âmbito. Efectivamente, não está em causa a impossibilidade de obrigação de recurso ao tribunal arbitral, podendo estar, apenas, em causa a impossibilidade de pagamento das despesas da arbitragem, que será uma obrigação acessória e não a obrigação principal.
Já ao nível constitucional, entende-se que se uma das partes, sem culpa sua, deixa de ter meios de custear as despesas relativas à arbitragem, não pode ficar impedida de recorrer à justiça para defesa dos seus direitos, sob pena de se denegar justiça por insuficiência de meios económicos, o que a CRP pretende evitar.
Porém, há que atentar no referido art.º 18º da LAV que dispõe que “O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção” e, paralelamente, ao estatuído no art.º 5º, nº1, da mesma Lei: “O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do R. deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”.
Perante estas normas, como defende o Prof. Menezes Cordeiro (in “Tratado da Arbitragem”, págs. 203), temos consagrada a regra básica da denominada “Kompetenz -Kompetenz”: como reflexo positivo da convenção de arbitragem, o tribunal arbitral chama a si a apreciação do caso, decidindo se pode fazê-lo, ficando, em princípio, os tribunais do Estado privados de competência para apreciar o tema (reflexo negativo), sendo que o termo “manifestamente”, constante do mencionado art.º5º, nº1, tem o sentido de “dispensar a produção de prova, para se alcançar a nulidade, a ineficácia ou a inexequibilidade”
Neste contexto, há que ponderar em que medida é aceitável resolver os conflitos que surjam entre as partes, em prejuízo da autonomia privada. É que, se por um lado temos o princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º), por outro lado temos o reconhecimento constitucional dos tribunais arbitrais (art.º 209º CRP) e o direito à autodeterminação das partes. A convenção de arbitragem é expressão dessa autonomia privada em que as partes renunciaram livre, voluntária e expressamente à litigância judicial, sendo certo que as partes conheciam, ou deveriam conhecer os custos da arbitragem no momento da renúncia. Ora, se as partes, livremente, celebraram tal convenção, que é constitucionalmente reconhecida, entende-se que não deve haver outra lei, ainda que constitucional, que permita afastar o que a autonomia privada fixou.
Como se refere no Acórdão do STJ de 26/04/2016 in www.dgsi.pt (pr. 1212/14) “Porque a arbitragem constitui «uma forma “outra” de resolver litígios e não uma mera faculdade que deixa sempre a solução judicial como a solução-norma, a que voltar se e quando surgir a mais pequena dificuldade», no dizer de José Miguel Judice, in anotação ao acórdão 311/08 do Tribunal Constitucional Publicado na “Revista Internacional de Arbitragem e Mediação”, da Associação Portuguesa de Arbitragem, Livraria Almedina, Ano 2, 2009, 161/190, caberá aos Tribunais Arbitrais aferirem, nestas precisas circunstâncias, se a cláusula arbitral é ou não de manter a sua plena eficácia, assim se cumprindo o acordado, com a sujeição da problemática ao Tribunal escolhido pelas partes e a Lei. A não ser assim, estar-se-ia a retirar àqueles Tribunais o reconhecimento constitucional que lhes é conferido, bem como se esvaziaria o conteúdo da autonomia das partes que subjaz à convenção de arbitragem, a qual tem natureza de negócio jurídico processual, o qual, a par de qualquer outro negócio jurídico, produz efeitos juridicamente vinculantes para os sujeitos envolvidos, sendo dotada das garantias de efectividade próprias do direito, cfr. Lebre de Freitas, Algumas implicações da natureza da convenção de arbitragem, in Estudos Em Homenagem À Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, volume II 625/641; Castanheira Neves, in Fontes do direito. Contributo para a resolução do seu problema, Boletim da Faculdade de Direito, Vol LVIII, 1982, 169/257.”
….
No mesmo sentido Mariana França Gouveia e Jorge Morais Carvalho, in Convenção de Arbitragem em Contratos Múltiplos, anotação ao Ac. do STJ de 10-03-2011, publicada no n.º 36 dos Cadernos de Direito Privado, págs. 44, sustentam que, para efeitos do disposto no art.º 5º da LAV, a manifesta nulidade, ineficácia original ou superveniente ou inexequibilidade da convenção de arbitragem é aquela que se apresente ao julgador de forma evidente, não carecendo de qualquer produção de prova para ser apreciada.
Também Manuel Pereira Barrocas (cf. Lei de Arbitragem Comentada, pág. 49) considera que apenas nos casos excepcionais em que os vícios sejam de tal forma evidentes, que praticamente não careçam de demonstração, pode o juiz obviar à remessa do processo para a arbitragem. Se assim não for – continua o mesmo autor – compete sempre ao árbitro, e só a ele, a decisão relativa à existência, validade, eficácia ou exequibilidade da convenção de arbitragem.
Na senda deste entendimento, entendemos que, como decorrência lógica do referido princípio Kompetenz-Kompetenz, caberá ao Tribunal Arbitral determinar os efeitos da impossibilidade económica superveniente de uma das partes na convenção de arbitragem, já que serão os árbitros os primeiros juízes da sua competência.
Ainda que assim não se entenda, e que se considere que cabe ao Tribunal judicial afastar a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, determinando o prosseguimento dos autos no tribunal judicial, dir-se-á que tal só poderá ocorrer quando seja manifesta e incontroversa mediante juízo perfunctório, a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada.
Ora, no caso dos autos, afigura-se que os factos alegados pela A. não permitem concluir pela existência, clara, manifesta e incontroversa da sua deficitária situação económica que a impossibilite de cumprir na íntegra, o contrato celebrado com o Réu, designadamente no que respeita à cláusula compromissória.
Na verdade, a A. alega que desde 2016 ficou sem actividade, apresentando capitais próprios negativos nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020. Para prova junta como doc. 2, 3, 4 e 5 as suas demostrações de resultados. Analisadas as mesmas, verifica-se que se é certo que a A, apresenta resultados negativos nos anos de 2017 e 2018, no ano de 2019 apresentam resultado líquido positivo, voltando a ter resultado negativo em 2020, última demonstração junta aos autos.
Ora, é certo que este resultado positivo em 2019 se pode justificar para obstar ao disposto no art.º 87º da Lei Geral Tributária, segundo o qual, a Administração Fiscal pode proceder à avaliação indirecta da respectiva matéria tributável quando os sujeitos passivos apresentam, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, já que a A. continua a apresentar capitais próprios negativos – doc. 6 a 9.
Contudo, os documentos juntos são documentos particulares não tendo sido junta aos autos qualquer declaração de IRC referente a este período, sendo manifestamente insuficiente para concluir pela condição económica alegada.
Importa referir que a A., apesar de invocar não ter actividade desde 2016, ou seja, há cerca de 7 anos e, desde essa data, apresentar capitais próprios negativos, encontra-se em actividade, não tendo recorrido a PER nem insolvência, o que permite duvidar das alegadas dificuldades económicas.
Acresce que a A. litiga sem apoio judiciário, benefício que poderia ter solicitado uma vez que o n.º 3 do art.º 7º da lei 34/2004, que vedava o direito a protecção jurídica a empresas com fins  lucrativos, foi já declarado inconstitucional com força obrigatória geral (vide Ac. TC 242/2004 de 29 de Julho), tendo constituído mandatário e procedido ao pagamento da taxa de justiça devida.
Entende-se, assim, que a A. não logrou provar, como lhe competia a existência de uma insuficiência económica que a impeça de recorrer ao Tribunal arbitral cumprindo o contrato firmado.
No que respeita ao afastamento da convenção de arbitragem por insuficiência económica superveniente, os nossos tribunais superiores têm decidido com parcimónia, decidindo que mesmo em situações em que uma das partes se encontra em PER ou em situação de insolvência, tal não significa que não tenha meios económicos para suportar as custas com o procedimento arbitral, referindo que, mesmo nos casos de insolvência, como decorre do art.º 87º n.º 2 do CIRE, as acções arbitrais pendentes na data da declaração de insolvência, prosseguem os seus termos normais – vide ac. STJ de 26/04/2016 in www.dgsi.pt.“
Vem assim a concluir-se pela procedência da excepção de preterição do tribunal arbitral:
“Assim, há que concluir que:
- Tendo as partes escolhido o tribunal arbitral, a este compete decidir sobre a insuficiência económica do A. por forma a afastar a convenção de arbitragem.
A não se entender assim:
- A A. não logrou provar a existência de uma insuficiência económica que a impeça de recorrer ao Tribunal arbitral cumprindo o contrato firmado;
- Não é garantido que o custo do tribunal arbitral seja, necessariamente, superior ao custo do tribunal judicial, tanto mais que a A. litiga sem benefício de apoio judiciário, suportando as taxas de justiça e, eventualmente, os honorários do mandatário constituído.”
xxx
No tocante ao Apoio Judiciário diga-se, desde já, que ele irreleva para qualquer apreciação que se faça uma vez que, conforme a recorrente alega, ele foi concedido por deferimento tácito, logo não ocorreu qualquer apreciação das condições económicas da A.
Da alegada deficiente situação económica.
Veja-se a propósito dos critérios a atender, no tocante à competência do tribunal estadual o acordão do STJ de 7/3/2023 , proc3868/20.0T8PRT-A.L1.S1, acessível na base de dados da dgsi, onde se pode ler: “ Os acórdãos do STJ de 10 de Março de 2011 — processo n.º 5961/09.1TVLSB.L1.S1 —, de 20 de Março de 2018 — processo n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 — e de 12 de Novembro de 2019 — processo n.º 8927/18.7T8LSB-A.L1.S1 — dizem, de forma impressiva, que, “[face ao princípio, ínsito no art.º18.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária], segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam — validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem — os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação”. 
O acórdão do STJ de 21 de Junho de 2016 — processo n.º 301/14.0TVLSB.L1.S1  — concretiza os critérios enunciados dizendo que os tribunais estaduais só devem declarar-se competentes, como primeiros juízes do litígio desde que a inaplicabilidade da convenção de arbitragem possa determinar-se “mediante juízo perfunctório” e desde que, mediante juízo perfunctório, “seja patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada”.”
E no acórdão do STJ de 2/11/2019 (relatado por Pedro de Lima Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt), diz-se que “os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção/cláusula compromissória invocada é inválida, ineficaz ou inexequível ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação”.
No que tange à situação económica pode ler-se no acórdão deste tribunal de 5/3/2020 no proc.415/18.8T8SNT.L1 (acessível na base de dados da dgsi) : “num caso em que não esteja em causa a validade formal da convenção de arbitragem nem a sua aplicação ao litígio concretamente existente entre as partes, só se desde logo resultar das regras de funcionamento do tribunal arbitral que a questão da impossibilidade do demandante suportar os custos com a arbitragem, por insuficiência de meios económicos, constitui impedimento no acesso ao mesmo tribunal, é que se pode afirmar que é manifesto e incontroverso que a convenção de arbitragem é inexequível, devendo, então, essa inexequibilidade ser reconhecida no tribunal judicial e mais impedindo a procedência da excepção da preterição de tribunal arbitral.”
Nesta linha de raciocínio, que nos merece acolhimento, entendemos que o recurso ao tribunal estadual, quando existe uma cláusula compromissória, só pode ser legalmente admissível quando a situação económica do contraente revele, de forma evidente e incontornável, falta de capacidade económica para suportar os custos do funcionamento do tribunal arbitral.
Contrariamente ao que se decidiu na decisão recorrida, não cremos que caiba ao tribunal arbitral aferir da situação económica do contraente para suportar os custos desse tribunal,(nesse sentido Ac. do STJ de 26/4/2016 relatado por Ana Paula Boularot e disponível em www.dgsi.pt) pois isso sempre pressupunha a constituição prévia do tribunal com os custos que lhe estão associados.
Ora, como se faz eco na decisão recorrida, a A não fez prova da sua debilidade económica. A A limitou-se a juntar meros documentos particulares, não tendo junto aos autos qualquer declaração de IRC.
Em síntese: não está demonstrada, de forma manifesta e incontroversa, que a A. se encontre impossibilitada de suportar os custos com o tribunal arbitral, donde não cabe o caso no art.º 5.º da LAV, pelo que a A não pode recorrer aos tribunais estaduais para resolver o seu litígio com o R., continuando vinculada à cláusula compromissória.
Neste quadro é de confirmar a decisão que julgou o tribunal judicial materialmente incompetente.
Pelo exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 11-01-2024
Teresa Soares
Nuno Luís Lopes Ribeiro
Nuno Gonçalves