Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ANA BRITO | ||
| Descritores: | ABALROAÇÃO ACUSAÇÃO PARTICULAR REQUERIMENTO ABERTURA DE INSTRUÇÃO REQUISITOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/03/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | I - Não deve o juiz substituir-se à actividade do mandatário forense, convidando a parte a corrigir peças processuais. II – Será este o caso de acusação particular que não contem o indispensável conteúdo fáctico e a respectiva imputação ao agente, tornando inexequível a instrução e impossível a defesa do arguido | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | 1. No Proc. Nº 1064/04.3TAFUN, do 2º JC do TJ do Funchal, a assistente Carpemar – Sociedade Imobiliária, S.A., veio interpor recurso da decisão do Sr. Juiz de Instrução Criminal de rejeição do requerimento de abertura de instrução, apresentando as seguintes conclusões: “Vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls .... que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente/recorrente por inadmissibilidade legal da instrução por não dar cumprimento ao disposto no artigo 287°, n.° 2 do CPP; No entender da Assistente/Recorrente são duas as questões colocadas pelo douto despacho recorrido, a saber: i) a eventual falta de cumprimento do disposto no artigo 287°, n.° 2 do CPP no requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente determina a rejeição do mesmo por inadmissibilidade legal da instrução?; ii) o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente dá cumprimento ao disposto no artigo 287°, n.° 2 do CPP; Nos termos do disposto no artigo 287°, n.° 3 do CPP "o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução; Ora se no que concerne à rejeição por extemporaneidade e incompetência do juiz (inaplicáveis ao caso concreto) não se suscitam quaisquer dúvidas, já o mesmo não sucede relativamente à rejeição por inadmissibilidade legal, A falta de cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 287°, n.° 2.do CPP não enquadra o conceito de inadmissibilidade legal. Neste sentido, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, "a rejeição por inadmissibilidade legal de instrução inclui os casos em que aos factos não corresponde infracção criminal (falta de tipicidade), de haver obstáculo que impede o procedimento criminal e de haver obstáculo à abertura da instrução, vg. ilegitimidade do requerente (caso do MP) ou inadmissibilidade legal de instrução (vg. casos dos crimes particulares e de alguns processos especiais)" e Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 1995, CJ, XX, tomo 4, 140: a razão de ser e o objecto da instrução é a obtenção do reconhecimento jurisdicional da legalidade ou ilegalidade processual da acusação ou da abstenção. O sentido da locução inadmissibilidade legal usada no nº 2 do artigo 287° do CPP só pode ser o da falta de condições de procedibilidade ou de perseguibilidade penal, caso em que o processo não devia ter sido instaurado ou não podia prosseguir, por carência do pressuposto processual. A insuficiência dos factos, suas consequências, e seus autores não integra o conceito de inadmissibilidade legal, a que se afere o n.º 2 do artigo 287° e por isso a sua reapreciação está vedada ao juiz para justificar a recusa da instrução; Ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução da Assistente por inadmissibilidade legal da instrução, o douto despacho recorrido fez errada interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 287° do CPP ao integrar a falta dos requisitos estabelecidos no conceito de inadmissibilidade legal da instrução, pelo que deverá ser revogado; A Lei não estabelece qualquer sanção específica para a falta de cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 287°, n.º 2 do CPP, uma vez que "ao remeter, no artigo 287°, nº 2 para o artigo 283 °, nº ° 3, alínea b), ambos do CPP, apenas pretende remeter para a descrição dos factos que devem constar do requerimento de abertura de instrução, e não para a consequência da sua falta" Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12.06.2000, in www.dgsi., pelo que, o acto é irregular, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 118° do CPP; Irregularidade essa sanável de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 123° do CPP, ou seja, através do proferimento de um despacho de aperfeiçoamento, conforme ensina Souto Moura, in jornadas de Direito Processual Penal, pág. 121: "se o assistente requerer a abertura de instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há de versar, a instrução é inexequível, ficando o juiz sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver provados (..) notificá-lo-á para que complete o requerimento com os elementos que omitiu e que não devia ter omitido; É este também o entendimento da maior parte da jurisprudência. Veja-se por todos os Acórdão da Relação do Porto, de 18 06 2001, Acórdão da Relação do Porto de 12 06 2000, Acórdão da Relação do Porto, de 27 05 1999, Acórdão da Relação do Porto, de 04 12 2002, Acórdão da Relação do Porto, de 15 01 1997, Acórdão da Relação do Porto, de 14 07 2000, Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 06 2000, Acórdão da Relação de Lisboa de 02 10 2002, todos in www.dgsi.12t ; Acresce ainda que a não ser assim, ao não ser dada a oportunidade para o assistente suprir as deficiências verificadas se estaria a limitar desproporcionalmente o seu direito de acesso à justiça, numa vertente de tutela judicial efectiva, constitucionalmente garantido artigo 20° da Constituição da República. Desta forma, ao decidir da forma como decidiu o douto despacho recorrido errou na determinação da norma aplicável, deixando de aplicar as normas vertidas no n.º 2 do artigo 118° e n.º 2 do artigo 123°, ambos do CPP; A Assistente/Recorrente, no seu requerimento de abertura de instrução cumpre os requisitos estabelecidos no artigo 287°, n.º 2 do CPP; A Assistente indica entre outros factos quem - os trabalhadores das empresas participadas (art. 6° do requerimento de abertura de instrução); quando - no dia 23.01.2004 e após oficio de 11.05.2004 (art. 6° do requerimento de abertura de instrução e remissão para os art.°s 1°, 3°, 8°, 14°, 15° e 16° da participação e para os documentos 1, 3, 7 e 8); o quê - entraram na propriedade da denunciante, munidos de máquinas..., executaram trabalhos de movimentos de terras, abate de árvores... (art. 6 do requerimento de abertura de instrução e remissão para os arts 1°, 3°, 14°, 15°, 16° e 17° da participação e para os documentos 1, 3, 7 e 8); como - sem qualquer autorização da denunciante (art. 6° do requerimento de abertura de instrução e remissão para os arts 1°, 3°, 8°, 14°, 15° e 16° da participação e para os documentos 1, 3, 7 e 8); Acresce que a Assistente ainda indica outras circunstâncias relevantes como seja a confissão das participadas – artigo 6°, 8°, 9° e 10° do requerimento de abertura de instrução; os danos sofridos - artigo 7° e 10° do requerimento de abertura de instrução e respectivas remissões; e o grau de participação dos agentes - artigos 20° e seguintes do requerimento de abertura de instrução; Concluindo por dizer que a actuação das participadas consubstancia a prática de um crime de dano e a respectiva disposição legal onde o mesmo se encontra previsto -artigos 29° e seguintes do requerimento de abertura de instrução; Fá-lo expressamente e através de remissão para peças processuais e documentos apresentados anteriormente, o que não colide com o cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 287°, n.º 2 do CPP; É o próprio legislador que vem admitindo essa prática com a finalidade óbvia de obter maior celeridade processual, simplificar os actos e evitar inúteis repetições, como, por exemplo, no artigo 307°, n.º 1 do CPP que determina que "encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia que é logo ditado para a acta ( ) podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução" “Ora, se o juiz pode omitir na pronúncia a descrição dos factos por que o arguido terá que responder em julgamento e bem assim as disposições legais aplicáveis, remetendo simplesmente para o que, nessa sede, consta da acusação ou do requerimento para abertura de instrução, parece que só um exagerado apego à forma conduzirá a que se não admita que o assistente, em tal requerimento, faça, nessa mesma matéria, idêntica remissão para a denúncia" - Acórdão da Relação de Lisboa de 01 03 2001; Ao decidir como decidiu o Meritíssimo juiz "a quo" fez errada interpretação do disposto nos artigos 287°, n.º 2 e 283°, n.º 3, alíneas b) e c), ambos do CPP, ao decidir que o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente/Recorrente não cumpria os requisitos estabelecidos por esses dispositivos legais. Nestes termos Requer a V.Exas que, dando provimento ao presente recurso, seja revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que determine a abertura da instrução, ou caso assim não se entenda, substituído por outro que determine o aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente/Recorrente.” O Digno Magistrado do M.P. respondeu concluindo pela improcedência do recurso, concluindo: “O requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente, conforme é analisado na douta decisão recorrida, não indica os factos concretos que deverão figurar, de forma coerente e unitária, numa eventual decisão instrutória de pronúncia, não obedecendo, por isso, aos requisitos legais. E não se diga, como alega a Assistente, que a inobservância das sobreditas exigências legais apenas constitui mera irregularidade de processo, subsumível ao art. 123º do Código de Processo Penal. Na verdade, estando em causa, uma peça processual equiparável e alternativa à acusação, a aplicação do regime previsto no citado art. 123º, n.º 2 exorbitaria a "comprovação judicial" objecto da instrução, referida no art. 286° do Código de Processo Penal. Acresce que a lei processual não prevê qualquer convite ao assistente para aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução, assim como não prevê qualquer convite ao Ministério Público para aperfeiçoar acusações manifestamente infundadas. Tal opção legislativa é imposta pela estrutura acusatória do processo penal, inscrita no art. 32º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, e pelo princípio da igualdade de armas. Em conformidade, bem andou o Mmo Juiz de Instrução Criminal quando rejeitou o requerimento instrutório, por inadmissibilidade legal da instrução.” As denunciadas Somague Engenharia, S.A. e Somague Engenharia Madeira, S.A. responderam ao recurso, pronunciando também pelo seu não provimento. Neste Tribunal o Exmo. Procurador-geral Adjunto teve vista dos autos, proferindo exaustivo parecer no sentido da improcedência do recurso. Foi dado cumprimento ao art. 417º do CPP. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Na sequência de prolação de despacho de arquivamento do inquérito, proferido pelo M.P. nos termos do art. 277º, nº1 do CPP, veio a assistente requerer a abertura de instrução, tendo o Sr. Juiz de Instrução Criminal proferido o seguinte despacho sobre tal requerimento: “(…) De harmonia com o disposto no artigo 286º do Código de Processo Penal, a instrução é a fase processual que visa “a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” e tem carácter facultativo. A instrução pode ser requerida, no que ao caso interessa, pelo assistente, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação quando o procedimento não depender de acusação particular. Tendo o Ministério Público ordenado o arquivamento do inquérito (cf. fls. 34) e sendo a Assistente quem requer a abertura de instrução tem a mesmo que indicar, por força do disposto no n.º 2 do artigo 287º do Código de Processo “em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar (...) não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.”. De harmonia igualmente com o n.º 2 de tal artigo, o requerimento de instrução não está sujeito a formalidades especiais mas, no caso do assistente, é ainda aplicável o disposto no artigo 283º, n.º 3, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal que nos diz que “a acusação contém, sob pena de nulidade: (...) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada (...) as disposições legais aplicáveis.” Ora, e conforme atrás sublinhado, a assistente tem uma imposição: indicar, em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à não acusação e narrar, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada Mas não é o que faz, não se podendo aceitar que o Assistente tenha apresentado “em súmula” as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao arquivamento ordenado pelo Ministério Público sem indicar o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação. Não cumpre a Assistente minimamente o disposto nos artigos citados. Não pode o Tribunal descortinar quais as razões de facto e de direito que levam o Assistente a ter um entendimento diverso quanto ao desenrolar dos autos ou em que elementos se baseia, ainda mais, visando a pronúncia do arguido, quando devendo deduzir acusação nos termos do artigo 283º, não define o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. E não pode a Assistente dizer que não lhe era possível indicar o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada bem como as disposições legais aplicáveis. Na verdade limita-se a citar “partes” da oposição das empresas denunciadas nos autos de providência cautelar que identifica no requerimento de instrução. Não indica quando terá ocorrido a segunda entrada das empresas na Quinta Valentim e quanto à entrada inicial diz que os trabalhadores entraram em 23 de Janeiro de 2004. Por outro lado, indica a existência de prejuízos mas não os identifica, nem o valor de tais danos, ainda mais quando pretende integrar as alegas condutas no crime de dano qualificado pelo “valor elevado da coisa alheia danificada por aqueles”. Na verdade, na queixa indica datas e acontecimentos concretos e devidamente narrados, o que já não faz na requerida instrução. Ora, o requerimento de abertura de instrução da Assistente não contem factos que possam integrar condutas a alguém e a qualquer título cuja natureza seja penalmente relevante e não invoca factos susceptíveis de apreciação – remete para os documentos apresentados na queixa e cita artigos de um articulado processual apresentado pelas empresas denunciadas. O arguido encontra-se impedido de exercer os seus direitos de defesa porque o requerimento da Assistente não invoca factos que permitam imputar-lhe, no espaço e tempo, qualquer comportamento de natureza criminal e não tem tal requerimento a forma acusatória. Se não se entender que o requerimento de instrução “deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, grau de participação que o agente neles teve e circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis”, ficaria esvaziado de sentido útil o artigo 309º, n.º 1, do Código de Processo Penal quando estipula que a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos no requerimento de instrução e não pode o juiz de instrução socorrer-se de factos recolhidos na fase de inquérito que a Assistente não transponha para o requerimento de instrução porque a estrutura acusatória do processo penal não lhe permite, sob pena de violação, compulsar os autos para enumerar e descrever factos que possam indiciar o cometimento de quaisquer crimes invocados pela assistente Tal equivaleria à transferência para o juiz de instrução do exercício da acção penal o que violaria os princípios legais e constitucionais vigentes. Regendo-se o processo penal pelos princípios do acusatório e do contraditório, a necessidade de demarcação dos factos concretos susceptíveis de integrar os ilícitos que a assistente pretende indiciados, tem subjacentes duas ordens de fundamentos: a) um inerente ao objectivo imediato da instrução: a comprovação judicial da pretensa indiciação (que, para que se possa demarcar o âmbito do objecto específico desta fase do processo e para que os arguidos se possam defender, tem que se reportar a factos concretos); b) outro implícito a uma finalidade mediata mas essencial no caso de se vir a decidir pelo prosseguimento do processo para julgamento: a demarcação do próprio objecto do processo, reflexo da sua estrutura acusatória com a correspondente vinculação temática do tribunal que, por sua vez, na medida em que impede qualquer alargamento arbitrário daquele objecto, constituindo uma garantia de defesa dos arguidos possibilitando-lhes a preparação de defesa e salvaguardando-se o contraditório. A presente instrução é inexequível porque o requerimento da assistente não apresenta o conteúdo fáctico susceptível de perscrutar a existência de ilícito criminal, e qualquer despacho que pronunciasse os eventuais arguidos seria nulo. Padece a instrução de condições de procedibilidade o que se reconduz ao conceito de inadmissibilidade legal de instrução. E como tal deve ser liminarmente indeferido o requerimento de instrução. Assim sendo, e sem mais delongas, é inadmissível a presente instrução (artigo 287º, n.º 3, do Código de Processo Penal). Face ao exposto, por não dar cumprimento ao disposto no artigo 287º, n.º 2, do Código de Processo Penal (o requerimento de abertura de instrução não contém, nem em súmula, as razões de facto e de direito de discordância com a não acusação do Ministério Público, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada), e de harmonia com o artigo n.º 3 do mesmo artigo, rejeito o requerimento de abertura de instrução requerida por Carpemar – Sociedade Imobiliária, S.A. por inadmissibilidade legal da instrução.” 3. O art. 286º, nº1 do CPP cuida da finalidade e âmbito da instrução, preceituando, claramente, que esta fase do processo se destina, exclusivamente à comprovação judicial das decisões de acusação ou de arquivamento formuladas no processo. É da segunda que, in casu, se trata, ou seja, do exercício do controlo judicial da decisão do M.P. de arquivar o inquérito. O juiz decidirá, na instrução, se a causa deve ser submetida a julgamento. Em caso de discordância da decisão do M.P. (de arquivamento), o juiz não pode ordenar ao M.P. que formule acusação em conformidade com a sua decisão; antes recebe a “acusação” materializada no requerimento do assistente, pronunciando o arguido por essa acusação. Só assim se respeita o princípio da acusação imposto pela estrutura acusatória do processo (cf. Germano M. da S., Curso PP, III, 126). Como bem refere o Exmo. Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal, “a instrução não é um suplemento de investigação e nem tem em vista a substituição do M.P. pelo juiz na investigação”. Assim, o fim da instrução acaba por ser, sempre e só, o “da comprovação de uma acusação deduzida pelo M.P. ou pelo assistente em ordem a uma decisão sobre o seu recebimento ou rejeição” (G.M.S., ob. cit., p.128). Daí as exigências de forma e de substância ínsitas no nº2 do art. 287º do CPP: o requerimento deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar (...) não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas, sendo aplicável o disposto no artigo 283º, n.º 3, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal que preceitua que “a acusação contém, sob pena de nulidade: (...) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada (...) as disposições legais aplicáveis.” Dispõe ainda o art. 309° n.º 1 do CPP que a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos (...) no requerimento de abertura da instrução. Assim, dúvidas não restam de que o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação, devendo, como tal, conter todos os elementos de uma acusação, inultrapassavelmente a matéria de facto que consubstancie o ilícito que se pretende imputar ao arguido. Os princípios do acusatório e do contraditório impõem a necessidade de uma tal demarcação. Ora, o requerimento de abertura de instrução objecto do despacho recorrido, não obedece aos requisitos legais. Em tais termos, a instrução torna-se inexequível. Cumpre então saber qual a forma correcta de reacção a um requerimento de abertura de instrução assim incorrectamente formulado: se o imediato indeferimento, como foi feito nos presentes autos, se o convite à sua correcção. Não contendo o requerimento de abertura de instrução o indispensável conteúdo fáctico, não só se torna inexequível a instrução, como resulta inviabilizada a defesa do arguido, como também, qualquer despacho de pronúncia que se proferisse na sua sequência seria nulo nos termos do disposto no art. 309° do CPP (e por isso inútil e proibido, tal como todos os actos eventualmente a ele conducentes). Nestas circunstâncias, o convite ao aperfeiçoamento, estando em causa, como se disse, peça processual equiparável à acusação, exorbita a "comprovação judicial" referida no art. 286 ° do CPP e, logo, os correspondentes poderes do Juiz de Instrução, não lhe competindo formular qualquer convite à correcção de quaisquer peças processuais, formal ou substancialmente deficientes. Como já se decidiu nesta mesma Secção, “O que está em questão é a imparcialidade do tribunal, a qual consiste na alienidade do juiz em relação aos interesses das partes de uma causa. A imparcialidade (a que se refere o art. ° 6° da CEDH) pressupõe a configuração do processo como uma relação triádica na qual o juiz se encontra super partes, não a elas sujeito. A separação do juiz da parte acusadora, agora tida como primeira garantia orgânica, supõe a configuração do processo como uma relação triangular entre três sujeitos, dois dos quais estão como partes na causa e o terceiro super partes (como dizem os ingleses, o que não tem par, que não tem igual, que está fora das partes sem partido formado): o acusador, o defensor e o juiz. Esta estrutura constitui o primeiro sinal de identidade do processo acusatório. O convite dirigido às partes, pelo juiz, para correcção de peças processuais, implica uma cognoscibilidade prévia, ainda que perfunctória, da solução do pleito, interfere nas funções atribuídas às partes e seus mandatários e pode criar falsas convicções quanto aos caminhos a seguir de forma a obter uma decisão favorável da causa. Tal convite viola o princípio da imparcialidade do Tribunal e como tal é, em nosso entender, inconstitucional. E viola não só o princípio da imparcialidade em si, como a própria aparência de imparcialidade: tendo em conta que o Tribunal não deve apenas ser imparcial mas parecer imparcial, conforme tem sido jurisprudência prevalente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” (Rec.1009/05). Por tudo se conclui que o requerimento do assistente (de abertura de instrução) não cumpre minimamente as exigências legais dos arts. 283º, nº3 e 287º, nº2 do CPP, não permitindo a definição do objecto da instrução, o que consubstancia inadmissibilidade legal e fundamenta a rejeição, nos termos do art. 287º, nº3 do CPP. 4. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente, fixando a taxa de justiça em 5UC's com 1 /3 de procuradoria e legal acréscimo. Lisboa, 3 de Março 2005 Ana de Brito Francisco Caramelo Fernando Estrela |