Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VAZ GOMES | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA RELATIVA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | A decisão que julgou o juízo local cível de Oliveira de Azeméis territorialmente incompetente com remessa dos autos para o tribunal competente- o recorrido- não extinguiu a instância; não se tendo extinto a instância, não há que aplicar ao caso o disposto no art.º 279 do Código de Processo Civil, relativo ao alcance e efeitos da absolvição da instância, que essa sim leva à extinção a instância (art.º 277), razão pela qual nenhuma razão ocorre para aplicar, analogicamente, às decisões sobre incompetência relativa e subsequente remessa dos autos para o tribunal competente, o regime do art.º 279, com renovação da instância e nova citação. (Sumário da Responsabilidade do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa. I–RELATÓRIO APELANTE/RÉU: A… APELADA/AUTORA: C… F…, S.A. Com os sinais dos autos Valor da acção: 25.672,79 euros (decisão recorrida) I.1.–Inconformado com a sentença de 18/1/2024 que, ao abrigo do art.º 568, do Código de Processo Civil, considerou confessados o factos articulados pela Autora e, conhecendo do mérito da acção, julgou a ação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, decidiu condenar o Réu no pagamento da quantia de €3.000,00, a título de prejuízos sofridos pela Autora, acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre tal quantia desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolveu do Réu do demais peticionado, condenou as partes no pagamento das custas processuais, na proporção da respetiva responsabilidade, dela apelou o Réu, em cujas alegações conclui, em suma: a)-A sentença a quo enferma de nulidade e, consequentemente, todo o processado que a antecede desde a redistribuição e aceitação do processo pelo tribunal a quo, o recorrente não foi citado pelo tribunal a quo para a nova instância, não foi notificado da redistribuição do processo e/ou da aceitação do reenvio dos autos pelo tribunal a quo desconhecia a existência da instância a correr termos no tribunal a quo, o recorrente foi citado pelo Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro para contestar a acção interposta pela recorrida no processo que corria ali os seus termos sob o n.º …/…; durante o decurso do prazo contestar a acção, foi o recorrente surpreendido com a sentença do Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que considerou verificada uma excepção dilatória de incompetência relativa e, declarando-se incompetente para apreciar e decidir da causa, remeteu genericamente os autos para o Juízo Local Cível de Oeiras do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste; a prolação de uma sentença, enquanto decorre o prazo para apresentar contestação configura a prática de um acto que a lei não admite e que influi não só no exame e na decisão da causa mas no próprio direito de defesa do recorrente, existindo a prolação de uma sentença durante o prazo de contestação fica formalmente precludido o prazo para contestar, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, só lhe sendo lícito retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, o tribunal originário, a partir do momento em que profere a sentença, fica impossibilitado de receber a contestação, face ao esgotamento do poder jurisdicional que o legitimava a tal.[Conclusões 1 a 12] b)-A citação do tribunal originário e cuja instância encerrou teria de se repetir nos termos da nova instância, nos termos do art.º 279.º do CPC, o encerramento de uma instância determina sempre uma nova citação após o trânsito em julgado da sentença que encerra a instância, nomeadamente para os termos da nova instância, ainda que o objecto da acção se mantenha inalterado e que os efeitos civis da proposição da acção ou da citação do réu se possam manter, os efeitos civis derivados da citação do réu não se confundem com os efeitos processuais e, portanto, não implicam a manutenção de qualquer prazo processual anteriormente concedido; o art.º 279.º do CPC aplica-se, analogicamente, à situação em apreço, a sentença que declara o tribunal incompetente e remete para outro tribunal extingue o poder jurisdicional do juiz e, portanto, o prazo para contestar é substituído pelo prazo para apresentar recurso para os tribunais superiores, não sendo válida a apresentação de uma contestação a um tribunal que se considerou incompetente para julgar a causa, a sobreposição dos prazos para contestar e para recorrer da sentença implica admitir a violação dos princípios da defesa e da economia processual, apresentar uma contestação a um tribunal que é incompetente para julgar o processo seria praticar um acto totalmente inútil e contribuir para o avolumar de formalidades desnecessárias e para o atraso no andamento do processo. A possibilidade de apresentação electrónica de uma peça processual não se confunde com a (im)possibilidade legal de apresentação dessa mesma peça processual, a falta de citação constitui uma nulidade insanável de conhecimento oficioso, nos termos conjugados dos arts. 191.º, 195.º e 196.º, todos do CPC, que ora se invoca e que, tendo repercussões directas no direito de defesa do recorrente, obriga à nulidade de todo o processado, desde o momento em que a citação deveria ter ocorrido, nomeadamente, aquando da redistribuição e aceitação dos presentes autos pelo tribunal a quo.[Conclusões 13 a 30] c)-A argumentação que justifica a interrupção ou, no limite, a suspensão do prazo para contestar aquando do encerramento de uma instância e abertura de uma nova é idêntica, senão a mesma, que fundamenta a renovação da citação aquando do encerramento de uma instância e abertura de uma nova, o prazo para contestar, face à ausência de poderes para receber a contestação, teria de se interromper ou, no mínimo, de se suspender até à redistribuição do processo e aceitação do mesmo pelo tribunal do reenvio, o tribunal originário fica impossibilitado de receber a contestação a partir do momento em que profere a sentença, face ao esgotamento do poder jurisdicional que o legitimava a tal, não se renovando a citação face à manutenção do objecto do processo – o que não se concede e apenas se ficciona por mero efeito de raciocínio –, dever-se-ia ter interrompido o prazo para contestar, dado que a instância anterior encerrou e, portanto, não era a instância legalmente competente para conhecer do mérito da causa e a quem deveria ser apresentada a contestação, o prazo para contestar foi interrompido por um acto que a lei não prevê, nomeadamente, uma sentença nula, não podendo os direitos do recorrente ficar prejudicados por força de uma actuação do próprio tribunal, no limite, dever-se-ia ter suspendido o prazo para contestar e, assim, assegurar que a contestação seria, efectivamente, apresentada ao tribunal competente para conhecer e julgar a causa, a interrupção ou, no limite, a suspensão do prazo para apresentar a contestação, na falta de renovação da citação, seriam as únicas medidas que salvaguardariam o mais elementar direito processual do recorrente, nomeadamente, o princípio da defesa e o direito ao contraditório. O Recorrente deveria ter tomado conhecimento da redistribuição do processo e da abertura de uma nova instância e, portanto, deveria ter sido notificado da aceitação do processo pelo tribunal competente para o efeito para que pudesse apresentar a sua defesa no tribunal competente, a prolação de um despacho de aceitação do reenvio do processo em casos de incompetência relativa afigura-se essencial por razões de segurança jurídica, uma vez que o próprio tribunal para onde o processo foi reenviado se pode obstar a recebê-lo, considerando-se igualmente incompetente para o julgar, o que dá origem a conflitos de competência; ao não dar conhecimento da redistribuição do processo e da nova instância, o tribunal a quo impediu o recorrente de tomar conhecimento do prosseguimento dos autos e, nesse sentido, impediu o recorrente de apresentar qualquer defesa e de apresentar ou pedir quaisquer esclarecimentos ao tribunal competente para julgar o processo, o recorrente sempre se encontrou desacompanhado de mandatários senão em data posterior à notificação da sentença a quo, não possui o conhecimento técnico ou, sequer, a obrigação de saber: i) se existe alguma ilegalidade decorrente da prolação de uma sentença no decurso do prazo para contestar, ii) para que tribunal, juízo e juiz o processo vai ser remetido, iii) se a citação deveria ou não ser renovada para a nova instância, iv) se se manteve ou suspendeu ou interrompeu o prazo inicialmente concedido para contestar, e que o foi [concedido] pelo tribunal incompetente para julgar a causa, e v) se não deveria ter sido notificado da nova distribuição do processo e da aceitação do reenvio por parte do tribunal competente; a sentença da instância primitiva não procede a qualquer distribuição porque não esclarece a que juízo e juiz é atribuído o processo, o reenvio do processo para outro tribunal pode ser posto em causa pelo tribunal que o recebe, ao negar-se o direito elementar de defesa ao recorrente que, ao ser notificado de uma sentença que encerra uma instância e que fez precludir o prazo para apresentar contestação, se manteve a aguardar uma notificação da sua redistribuição e, portanto, da aceitação do processo pelo tribunal competente para constituir mandatários e apresentar a sua defesa ao tribunal correcto, é uma violação do princípio da igualdade de armas. A falta de notificação do recorrente da redistribuição do processo e do reinício ou do fim da suspensão do prazo para contestar a acção perante o tribunal competente constitui a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve e, nesse pressuposto, uma nulidade insanável de conhecimento oficioso, nos termos conjugados dos arts. 195.º e 196.º, ambos do CPC, que ora se invoca e que, tendo repercussões directas no direito de defesa do recorrente, obriga à nulidade de todo o processado, desde o momento em que a citação deveria ter ocorrido, nomeadamente, aquando da redistribuição e aceitação dos presentes autos pelo tribunal a quo. [Conclusões 31 a 54] Termina pedindo a revogação da sentença a quo, por nula, e a determinação da nulidade de todo o processado desde a redistribuição e aceitação do processo pelo Tribunal a quo, nomeadamente pela falta de citação do Recorrente para os termos da instância a quo com repercussões directas no seu direito de defesa, o que, per si, constitui uma nulidade insanável de conhecimento oficioso, nos termos conjugados dos arts. 191.º, 195.º e 196.º, todos do CPC, que ora se invoca, devendo ordenar-se a citação do Recorrente nos termos da instância a quo para vir em tempo apresentar a sua contestação. I.2.–Em contra-alegações, sem ampliação do recurso, conclui a Autora: 1.ª-Será de entender que o Réu não apresentara a sua contestação, pese embora tenha sido regularmente citado, produzindo-se os efeitos previstos no art. 567.º, n.º 1 do CPC com a sua revelia. 2.ª-Deverá ser proferida decisão em 2.ª instância que condene o Réu ao pagamento de valor superior aos 3.000€ para pagamento dos prejuízos sofridos pela Autora e, ainda, que o condene ao pagamento de quantia que a Autora deixara de auferir a título de satisfação do seu crédito (ainda que não de forma integral!), principalmente no tocante aos factos considerados como provados pela sentença relativos à conduta ilícita e lesiva do Réu com a não resolução de certos negócios. 3.ª-Se se compreender que para tal desfecho faltariam elementos probatórios documentais, deverá a omissão de convite à junção de documentos nos termos do art. 590.º, n.º 2, al. c), do C.P.C., provocar a anulação da sentença recorrida nos termos do art. 662.º n.º 2, al. c), do C.P.C., e determinar a baixa do processo à 1.ª instância para que o juiz a quoprofira despacho a convidar o demandante a juntar aos autos os documentos em falta. 4.ª-A falta de fundamentação ou a fundamentação deficiente da sentença deverá levar à nulidade da mesma, por violação do art. 205.º da CRP. 5.ª-A sentença padece ainda de erro na percentagem de condenação das partes ao pagamento das custas processuais, pelo que – a manter-se – deverá ser corrigida. Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverão as presentes contra-alegações ser julgadas procedentes, e assim ser considerada nula a sentença recorrida ou, deverá ser a mesma revogada, com todos os efeitos legais, substituindo-se tal decisão por uma que assegure justamente os direitos da Autora em conformidade com tudo o que fora exposto. I.3.–No seu despacho de admissão de recurso o Meritíssimo juiz do Tribunal a quo disse entre o mais que: “Relativamente às contra-alegações apresentadas pela recorrida (Autora) em 08/03/2024, verifica-se que as mesmas, para além de responderem ao recurso interposto, acabam por versar sobre matérias que não constam do recurso, configurando um verdadeiro recurso (impugnando a sentença, arguindo nulidade), tendo junto inclusive documentos. Ora, verificando-se que a sentença foi proferida em 18/01/2024 e há muito que decorreu o prazo de interposição de recurso, importa realçar que as contra-alegações são apenas uma forma de resposta ao recurso interposto pelo Recorrente, pelo que nos termos do artigo 638.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, se devem cingir a essa matéria, podendo ainda o recorrido impugnar a admissibilidade ou tempestividade do recurso, bem como a legitimidade do recorrente. Deste modo, apreciando o teor das contra-alegações apresentadas pela Autora, impõe-se concluir que são manifestamente abusivas e o seu recurso manifestamente extemporâneo. Face ao exposto, admitem-se as contra-alegações apresentadas pela Recorrida apenas quanto à matéria respeitante à interposição do recurso (pontos 1.º a 20.º e conclusão 1), considerando-se como não escritas as restantes alegações e conclusões e, consequentemente, ordena-se o desentranhamento dos documentos que as acompanham,por inadmissibilidade legal.” I.4.–Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade processual; os Ex.mos Juízes-adjuntos que tiveram vista nos autos e nada sugeriram. I.5.–São as seguintes as questões a decidir no recurso: a)-Saber se ocorrem as nulidades processuais de falta de nova citação na instância territorial para onde o processo foi remetido, de prolação de decisão no tribunal originário relativo a competência territorial estando a decorrer o prazo de defesa, de falta de prolação e notificação no tribunal para onde o processo foi remetido de despacho de aceitação do processo. b)-Subsidiariamente, saber se, tendo sido proferida decisão no tribunal originário relativo a competência territorial, estando a decorrer o prazo de defesa, deve este prazo considerar-se interrompido ou suspenso. II–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO É do seguinte teor a decisão recorrida: “O art.º567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) dispõe que “se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”. O Réu, regularmente citado para no prazo de 30 dias contestar os presentes autos, não apresentou qualquer contestação. Assim sendo, não se verificando nenhuma das exceções previstas no art.º568.º CPC, consideram-se confessados os factos articulados pela autora na petição inicial, o que se declara. * Atenta a matéria alegada, os documentos juntos, e a confissão ficta do Réu, consideramos que os autos permitem, desde já o conhecimento do mérito da causa, o que se passará a fazer. ** * SENTENÇA 1–Relatório Veio a Autora peticionar que o Réu seja condenado a restituir o valor de €31.795,40, a título do crédito não satisfeito pela Autora, devido às atuações do Réu; e, ainda, ser condenado ao pagamento de valor não inferior a €3.000,00, a título de prejuízos sofridos; assim como ser condenado a pagar juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento sobre a quantia peticionada. Alegou em síntese, que a atuação do Réu, enquanto administrador de insolvência, veio a manifestar-se lesiva para os interesses dos credores, inclusive da Autora, nomeadamente por não ter procedido à resolução em benefício da massa insolvente de negócios realizados pelos insolventes, quando alegadamente o devia ter feito; por não ter considerado uma área de um imóvel pertencente aos insolventes; omissões – falta de diligências que lhes eram exigíveis, falta de rigor na avaliação das verbas apreendidas; a não apreensão de três fornos industriais e duas arcas frigoríficas e, ainda, de rendimentos prediais auferidos pelos insolventes; assim como, alegadamente, a elaboração de relatórios ad hoc falseados. O Réu foi citado, não apresentou contestação nem constitui mandatário, pelo que se cumpriu o disposto no art.º567.º do CPC, ,considerando-se os factos confessados. A Autora veio juntar documentos e esclarecer que nos autos do processo de insolvência já tinha sido realizado o rateio final e o pagamento final, tendo a Autora recebido o valor de €554,22. * 2–Valor No âmbito dos presentes autos, a Autora atribuiu à causa o valor de €34.795,40, o qual não foi impugnado pelo Réu. Ao abrigo do disposto nos artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º, n.º 1, e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, fixa-se o valor da causa em €34.795,40. * 3– Saneamento O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e hierarquia e território. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, processualmente legítimas e a Autora encontra-se representada. Não existem nulidades, exceções ou questões prévias ou incidentais e a instância mantém-se válida e regular, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da causa. * 4–Objeto do Litígio Importa apurar se impende sobre o Réu a obrigação de, na decorrência da sua alegada atuação lesiva para os interesses da Autora enquanto administrador de insolvência no douto processo, lhe pagar a quantia de €34.795,40, acrescida de juros vincendos desde a citação para a presente ação até efetivo e integral pagamento. * 5–Matéria de Facto A)-Factos Provados Mostram-se provados no processo os seguintes factos: 1.–A Autora é uma sociedade comercial espanhola, com sede em Espanha. 2.–A Autora é credora, em sede do processo de insolvência n.º …/… – Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, Juiz…, Comarca de Aveiro, dos aí insolventes. 3.–No referido processo, foi o Réu administrador da insolvência, nomeado em 03-03-2021. 4.–No processo de insolvência n.º …/…., foi o Réu destituído do cargo de administrador de insolvência com justa causa, por não ter procedido à resolução em benefício da massa insolvente de dois negócios celebrados pelos insolventes – a venda de um veículo automóvel e a partilha da herança aberta por óbito dos pais da insolvente. 5.–O valor indicado pela leiloeira no referido processo de insolvência quanto ao veículo automóvel foi cerca de 35% superior ao alegado preço de venda pelos insolventes. 6.–No referido processo de insolvência encontravam-se verificados os pressupostos para a resolução incondicional da partilha da herança aberta por óbito dos pais da insolvente. 7.–O Réu foi alertado pela Autora para resolver os negócios referidos e, mesmo assim, nada fez a esse respeito. 8.–O Réu foi destituído do cargo de administrador da insolvência a 29-11-2021. 9.–A administradora da insolvência subsequente, B…, tentou ainda resolver os referidos negócios, todavia não logrou fazê-lo, pelos respetivos direitos de resolução já se encontrarem caducados. 10.–Quando o Réu se encontrava em funções, ainda lhe teria sido possível resolver tais negócios. 11.–A Autora tem um crédito à massa insolvente no valor de €34.814,80 (trinta e quatro mil oitocentos e catorze euros e oitenta cêntimos). 12.–Do rateio final do referido processo de insolvência apenas coube à Autora a quantia de €554,22 (quinhentos e cinquenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos). B)–Factos Não Provados i.-O Réu faltou ao rigor na avaliação das verbas apreendidas em sede do processo de insolvência n.º …/…. ii.-O Réu realizou relatórios ad hoc falseados em sede do processo de insolvência n.º …/…. iii.-O Réu não diligenciou pela apreensão dos rendimentos prediais auferidos pelos insolventes. iv.-O Réu devia ter diligenciado pela apreensão de três fornos industriais e duas arcas frigoríficas. v.-A falta de resolução em benefício da massa insolvente, pelo Réu, de dois negócios celebrados pelos insolventes – a venda de um veículo automóvel e a partilha da herança aberta por óbito dos pais da insolvente – provocou a não satisfação do crédito da Autora no valor de €31.795,40. * C)–Fundamentação de Facto Os factos provados acima descritos resultam da análise dos meios de prova carreados para o processo, nomeadamente a prova documental constante dos autos, concretamente a certidão comercial da Autora; as certidões do processo de insolvência n.º …/… que referem a nomeação do administrador de insolvência, o reconhecimento do crédito da Autora, assim como a decisão que destituiu o Réu como administrador da insolvência. Pelos fundamentos que abaixo se tentarão melhor explicitar, entende-se que os demais factos são irrelevantes para a decisão a proferir, motivo pelo qual, com relevância direta para esta decisão, inexistem quaisquer outros factos a considerar. No que toca aos factos considerados não provados, vejamos: Conforme foi referido, a Autora alegou que a atuação do Réu foi culposa fruto de vários comportamentos por si adotados, nomeadamente por alegadamente faltar ao rigor na avaliação das verbas apreendidas; recusar-se a resolver em benefício da massa insolvente os negócios constantes da factualidade dada como provada na presente decisão; realizar relatórios ad hoc falseados quanto aos bens objeto dos negócios cuja resolução em benefício da massa insolvente requereu e o Réu não realizou; assim como o Réu não ter diligenciado pela apreensão dos rendimentos prediais auferidos pelos insolventes e dos três fornos industriais e duas arcas frigoríficas. No entanto, pese embora a Autora tenha alegado tais factos e, cabendo-lhe o ónus da prova dos mesmos, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, a prova por si carreada para o processo não vai de encontro ao que alega, porquanto a Autora juntou a decisão judicial transitada em julgado, proferida no processo de insolvência n.º …/…, referência 118942197, proferida a 29-11-2021, que decide o seguinte: No que concerne à avaliação das verbas apreendidas, foi já proferido despacho sobre esta questão – cfr. refª 118618113 – onde se considerou inexistirem quaisquer irregularidades nas diligências de venda realizadas pelo Sr. A.I.- Réu nos presentes autos - e se indeferiu o pedido de reavaliação das referidas verbas. No que concerne à realização e junção de relatórios “ad hoc” falseados, quanto aos bens objecto dos negócios cuja resolução em benefício da massa insolvente a credora requereu, considerando as explicações avançadas pelo Sr. A.I. – cfr. refª 40446349 - que se nos afiguram serem credíveis, não se poderá concluir por qualquer falsificação. Ademais, à semelhança do que fez relativamente às verbas apreendidas, a credora C… de F…, S.A. limita-se a impugnar os relatórios de avaliação e os valores aí indicados, mas não apresenta qualquer prova que coloque em causa os valores aí mencionados. O mesmo se diga quanto à alegada existência de três fornos e duas arcas frigoríficas pertencentes aos insolventes e não apreendidos pelo Sr. A.I. Não junta, mais uma vez, a credora C… de F…, S.A. qualquer prova da sua existência, pelo que não se poderá concluir por qualquer comportamento indevido por parte do Sr. A.I. No que concerne à apreensão dos rendimentos prediais auferidos pelos insolventes, o Tribunal já se pronunciou sobre este assunto, no despacho refª 118618113, encontrando-se o Sr. A.I. e os insolventes a diligenciar pela entrega de tais quantias à massa insolvente. Neste concreto aspecto, o Sr. A.I. foi até diligente na medida em que logrou obter a revogação, por acordo, dos contratos de arrendamento celebrados pelos insolventes, permitindo, assim, a venda dos imóveis sem tal ónus. Relativamente à recusa do Sr. A.I. em resolver em benefício da massa insolvente os negócios elencados pela credora C… de F…S.A. (venda de imóvel ao filho e nora, venda de automóvel à filha e partilha de herança), importa, desde logo, considerar que a venda de imóvel ao filho e nora não é passível de resolução porquanto realizada em Abril de 2018, sendo que o processo de insolvência teve início em Março de 2021 – cfr. arts. 120º e 121º do CIRE – podendo apenas ser tida em consideração para efeitos de qualificação da insolvência – cfr. art. 186º do CIRE. No que concerne à venda do veículo automóvel pelos insolventes à sua filha e à partilha da herança aberta por óbito dos pais da insolvente, afigura-se-nos que, de facto, se encontram reunidos os requisitos legalmente previstos para a requerida resolução em benefício da massa insolvente. De facto, no que diz respeito à venda do veículo automóvel, inexiste prova do pagamento do alegado preço, sendo certo que o valor indicado pela leiloeira é +/- 35% superior ao alegado preço de venda, pelo que se terá de ter como prejudicial à massa. No que concerne à partilha, estão verificados os pressupostos previstos para a resolução incondicional prevista no art. 121º n.º 1 al. a) do CIRE. Mal andou, assim, o Sr. A.I. ao não diligenciar pela resolução dos referidos negócios em causa em benefício da massa insolvente. Conforme já referido, é da exclusiva competência do Sr. A.I. promover a resolução dos negócios em causa em benefício da massa insolvente, não podendo o Tribunal determiná-lo oficiosamente. O Sr. A.I., ao não proceder à resolução em benefício da massa insolvente dos negócios realizados pelos insolventes - venda do veículo automóvel à sua filha e partilha da herança aberta por óbito dos pais da insolvente – não obstante ter sido alertado por diversas vezes nesse sentido pela credora C… de F…, S.A., não agiu de forma diligente, incumprindo, desta forma, com os seus deveres processuais e substantivos. Atento o que acabamos de referir, sem necessidade de mais considerações, porquanto despiciendas, podemos concluir que existe justa causa para destituir o Sr. Administrador da Insolvência A …, o que se decide. Ora, o que se conclui, pela análise da prova carreada para os autos é que, na maioria da factualidade alegada pela Autora, já foi proferida decisão judicial sobre a mesma no sentido de a atuação do Réu não ter sido pouco diligente, incumpridora das suas obrigações, nem tão-pouco ilícita. Assim, não se conformando a Autora com as referidas decisões judiciais proferidas em sede do processo de insolvência, a correta instância a apelar seria a de recurso das mesmas, não cabendo agora ao presente Tribunal, perante decisões judiciais que tecem tais considerações sobre a atuação do aqui Réu, realizar um controlo de legalidade das mesmas e análise de prova já confrontada noutro processo sobre as mesmas exatas alegações. Como tal, perante a decisão judicial carreada para aos autos pela Autora e, face aos demais elementos probatórios constantes do processo, não é possível concluir que a atuação do Réu tenha sido faltosa dos seus deveres, senão aquando da falta de resolução em benefício da massa insolvente dos negócios realizados pelos insolventes, quanto à venda do veículo automóvel à sua filha e partilha da herança aberta por óbito dos pais da insolvente, motivo pelo qual foi destituído por justa causa do referido processo. Por fim, no que toca à alegação da Autora que a atuação do Réu provocou a não satisfação seu crédito no valor de €31.795,40, tal não se logrou provar, porquanto apenas se vislumbrou perante a prova carreada para os autos que o Réu adotou um comportamento lesivo para os interesses dos credores da massa insolvente, nomeadamente a omissão da resolução em benefício da massa insolvente dos dois negócios celebrados pelos insolventes – a venda de um veículo automóvel e a partilha da herança aberta por óbito dos pais da insolvente. Ora, da análise da prova não é possível concretizar que essa omissão incrementasse de tal modo a massa insolvente que a Autora visse, integralmente, o seu crédito satisfeito. * 6–Enquadramento Jurídico O administrador da insolvência, segundo o artigo 52.º, n.º 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, doravante “CIRE”, é nomeado pelo juiz do processo. Por seu turno, o administrador da insolvência exerce as funções previstas no artigo 55.º do CIRE, sendo que deve obedecer aos deveres estipulados no artigo 12.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro. Conforme refere o artigo 56.º, n.º 1, do CIRE, o juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa, sendo que o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-06-2017, Proc. N.º 1545/12.5TBCTX-H.E1, Relator RUI MACHADO E MOURA, disponível em dgsi.pt, considerou que o conceito de “justa causa” a que alude o nº 1 do art. 56º do CIRE integra toda a conduta do Administrador de Insolvência susceptível de pôr em causa a relação de confiança com o juiz titular do processo e com os credores, dificultando ou inviabilizando o objectivo ou finalidade do processo, enunciado no art. 1º do referido diploma legal. No que concerne à responsabilidade do administrador da insolvência, prevê o artigo 59.º, n.º 1, do CIRE que o administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado. Como tal, o presente regime exige culpa, não havendo lugar a uma presunção de culpa, pela posição do administrador de insolvência não ser de natureza contratual. Assim, tem o lesado o ónus de provar a culpa do administrador da insolvência. Por seu turno, conforme é referido pela norma, a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência “criterioso e ordenado”, sendo, assim, equivalente à exigida aos gerentes e administradores das sociedades comerciais (artigo 64.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais), aprofundada pelos especiais deveres expressamente previstos no CIRE. Esta diligência de um administrador da insolvência “criterioso e ordenado” poderá traduzir-se na apreensão e liquidação dos bens integrantes da massa insolvente, assim como nas decisões sobre os negócios jurídicos celebrados pelos insolventes. Ora, para apurarmos se cabe alguma indemnização à Autora pela atuação do Réu enquanto ex-administrador da insolvência do processo n.º …/…, será necessário recorrer ao instituto da responsabilidade civil extracontratual apenas para atentar aos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente ao artigo 483.º do Código Civil, doravante “CC”, não obstante este seja derrogado pelo artigo 59.º, n.º 1, do CIRE. Assim, nos termos do artigo 483.º do CC: 1.–Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2.–Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Face ao exposto, verificam-se os seguintes pressupostos para apurar da responsabilidade extracontratual: a imputabilidade, ou seja, a conduta voluntária/facto imputável ao agente; a ilicitude da conduta – violação do direito de outrem ou de disposição legal destinada a proteger interesses alheios; a culpa – seja dolo ou mera culpa; o dano – patrimonial ou não patrimonial; o nexo de causalidade – a verificar-se entre a atuação do agente e o dano que se verificou. Assim, do que se retira da interpretação do artigo 59.º, n.º 1, do CIRE, é que resulta que a responsabilidade do administrador da insolvência tem uma natureza funcional, sendo considerados os possíveis lesados como os insolventes ou os credores da insolvência e da massa insolvente e, por último, será sempre necessário a verificação dos referidos requisitos da responsabilidade civil extracontratual para que seja o mesmo condenado nessa sede. No que toca aos requisitos da responsabilidade extracontratual, adaptando às vicissitudes da responsabilidade do administrador da insolvência, entende-se que a imputabilidade se reportará a uma conduta voluntária/facto imputável ao agente; a ilicitude deverá ser tida em conta enquanto violação dos deveres a que o administrador da insolvência está adstrito; a culpa será apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado; o dano corresponderá ao prejuízo do credor; e, por fim, o nexo de causalidade deverá referir-se ao ato do administrador da insolvência e o respetivo prejuízo do credor. Verificando-se todos os pressupostos, a responsabilidade civil gera na esfera do incumpridor a obrigação de reconstituir a situação que existiria se o facto não tivesse sido praticado ou omitido, ou, não sendo esta possível, a obrigação de indemnizar o lesado. No caso em apreço, vislumbra-se que o Réu, no período em que desempenhou funções enquanto administrador da insolvência no processo n.º …/… podia, e devia, ter resolvido os negócios celebrados pelos aí insolventes, nomeadamente venda do veículo automóvel à filha dos próprios insolventes e a partilha da herança aberta por óbito dos pais da insolvente, verificando-se ainda em tempo de fazê-lo, nos termos dos artigos 120.º, n.ºs 1 e 2, e 121.º, n.º 1, alínea a), ambos do CIRE. Pela prova carreada para os autos, no que diz respeito à venda do veículo automóvel, inexistiu prova do pagamento do alegado preço, sendo certo que o valor indicado pela leiloeira foi cerca de 35% superior ao alegado preço de venda, pelo que tal se vislumbra como prejudicial à massa. No que concerne à partilha, estão verificados os pressupostos previstos para a resolução incondicional prevista no artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do CIRE. Tal omissão por parte do administrador da insolvência é agravada pelo facto do mesmo ter sido alertado pela Autora atempadamente no dito processo, pese embora não devesse necessitar de tal alerta para atuar conforme as funções e deveres que lhe são impostos no exercício do seu cargo. Posto isto, verifica-se que o facto imputável ao agente se traduz na omissão da resolução dos negócios celebrados pelos insolventes no dito processo, quando lhe era exigível que o tivesse feito, nos termos dos artigos 120.º, n.ºs 1 e 2, e 121.º, n.º 1, alínea a), ambos do CIRE. No que toca à ilicitude da conduta do Réu, entende-se que, de facto, corresponde a uma conduta ilícita a omissão da resolução de tais contratos, porquanto se consubstancia na violação dos deveres a que o Réu, enquanto administrador da insolvência, estava legalmente adstrito. Quanto à apreciação da culpa, entende o presente Tribunal que o Réu agiu com culpa, porquanto não é possível entender-se que tenha existido uma atuação criteriosa e ordenada do Réu ao incumprir tais deveres quando, sobretudo, foi alertado pela Autora naquele processo para proceder à respetiva resolução e, mesmo assim, nada fez. Assim, entende o Tribunal que a sua atuação é censurável, sendo, assim culposa, nos termos do artigo 59.º, n.º 1, do CIRE. No respeitante ao dano, vislumbra-se ter existido um prejuízo para a credora, aqui Autora, na medida em que a resolução de tais negócios teria incrementado a massa insolvente, pese embora em que exata medida não seja possível apurar, porquanto não foi feita prova nesse sentido, mas, certamente, seria superior à que a final de verificou. Por fim, no que toca ao nexo de causalidade, resultou provado que a omissão do administrador da insolvência, aqui Réu, causou um prejuízo direto na massa insolvente e, consequentemente, para a Autora enquanto credora de tal massa, pelo que se verifica o nexo de causalidade. Destarte, vislumbram-se preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil do administrador da insolvência, à luz do artigo 59.º, n.º 1, do CIRE. Face ao exposto, não tendo sido realizada prova, nem sendo possível fazê-lo, do montante a que o crédito da Autora beneficiaria se a omissão do Réu não se tivesse verificado no referido processo de insolvência e, por outro lado, não tendo sido considerada provada grande parte da factualidade alegada pela Autora, o pedido que consubstancia o pagamento pelo Réu no valor de €31.795,40 à Autora, pela insatisfação do seu crédito no referido processo de insolvência, é manifestamente improcedente. Não obstante, face ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil do administrador da insolvência, ao abrigo do artigo 59.º, n.º 1, do CIRE, resulta a obrigação do Réu indemnizar a Autora nesses exatos termos, sendo, como tal, a ação parcialmente procedente, com a consequente condenação do Réu no valor de €3.000,00 (três mil euros) acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre tal quantia desde a citação até efetivo e integral pagamento. * Quanto às custas processuais, e atento o disposto no art.º527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ambas as partes são responsáveis pelo seu pagamento, de acordo com a proporção em que ficaram vencidas. Atento o valor da ação (€34.795,40) e procedência do pedido em €3.000,00, a Autora é responsável por 91% e o Réu por 9%. * 7–Decisão: Face ao exposto, tudo visto e ponderado, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, decide-se: - Condenar o Réu no pagamento da quantia de €3.000,00, a título de prejuízos sofridos pela Autora, acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre tal quantia desde a citação até efetivo e integral pagamento. - Absolver do Réu do demais peticionado - Condenar as partes no pagamento das custas processuais, na proporção da respetiva responsabilidade, que se fixa em 98% para a Autora e em 9% para o Réu. Registe e notifique.” III–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.1.–Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539. III.2.–Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I. III.3.–Saber se ocorrem as nulidades processuais de falta de nova citação na instância territorial para onde o processo foi remetido, de prolação de decisão no tribunal originário relativo a competência territorial estando a decorrer o prazo de defesa, de falta de prolação e notificação no tribunal para onde o processo foi remetido de despacho de aceitação do processo. III.3.1.-Nos termos do art.º 229.º n.º 1 do CPC “A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção (…)”. III.3.2.-Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[2], “Quer pela forma, quer pelo seu conteúdo e finalidade, a citação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo civil: o princípio do contraditório. Num processo de natureza dialéctica, como é o processo civil, é a citação do réu que determina o início da discussão necessária a iluminar a resolução do conflito de interesses, com vista à justa composição do litígio. É pelo acto de citação que se dá conhecimento ao réu da petição ou do requerimento inicial, propiciando-lhe a faculdade de deduzir oposição.” III.3.3.-O Réu não diz que não foi citado para a acção, o que diz é que tendo sido inicialmente citado e estando a decorrer o prazo para a sua contestação, declarando-se, oficiosamente, o tribunal originário competente em razão do território, com remessa dos autos para o tribunal territorialmente competente, não podendo apresentar a sua contestação no tribunal que se declarou incompetente, por se ter esgotado com a prolação a decisão o poder jurisdicional, teria de se repetir a citação, nos termos do art.º 279.º do CPC, porque o encerramento de uma instância determina sempre uma nova citação após o trânsito em julgado da sentença que encerra a instância, nomeadamente para os termos da nova instância. III.3.4.-A instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta intentada ou pendente logo que a respectiva petição se considere apresentada nos termos dos n.ºs 1 e 6 do art.º 144 (art.º 259/1); citado o réu a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvo as possibilidades de modificação consignadas na lei (art.º 260). Não estamos perante nenhuma das situações de modificação da instância previstas nos art.ºs 261 a 268. A instância extingue-se com o julgamento, o compromisso arbitral, a deserção, a desistência, confissão ou transacção, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art.º 277). O julgamento a que se refere a alínea a) do art.º 277 como modo normal de extinção da instância é o trânsito em julgado da sentença final (art.ºs 628 e 677) ou do acórdão (art.º 663) ou decisão do relator (art.º 656) que o substitua, trata-se normalmente de decisão da relação material controvertida (art.º 619/1) ou de decisão de absolvição da instância (art.º 278)[3]. Embora a decisão que julgue procedente uma excepção dilatória constitua logo que transite caso julgado formal quanto à concreta questão apreciada (art.º 595/3), no caso em debate da incompetência relativa, sendo julgada procedente a excepção como foi no juízo local cível de Oliveira de Azeméis, a consequência não foi a extinção da instância mas, simplesmente, a remessa do processo para o tribunal competente (art.º 105/3). Nos termos do n.º 2, a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo quando oficiosamente suscitada, a resolução definitiva da questão pelo tribunal da causa circunscreve a sua eficácia no âmbito do processo em que é proferida constituindo caso julgado formal por se tratar de relação jurídica processual (art.º 620). Declarada a incompetência do tribunal, o processo é remetido para o tribunal julgado competente, nele prosseguindo a instância, sendo a decisão vinculativa para este tribunal. Não consta que a decisão do juízo local cível de Oliveira de Azeméis tenha sido objecto de recurso, a decisão tornou-se vinculativa para o tribunal recorrido nele prosseguiu a mesma instância.[4] Em resumo, a decisão que julgou o juízo local cível de Oliveira de Azeméis territorialmente incompetente com remessa dos autos para o tribunal competente não extinguiu a instância, não se tendo extinto a instância, não há que aplicar ao caso o disposto no art.º 279, relativo ao alcance e efeitos da absolvição da instância, que essa sim leva à extinção a instância (art.º 277), razão pela qual nenhuma razão ocorre para aplicar analogicamente às decisões sobre incompetência relativa e subsequente remessa dos autos para o tribunal competente o regime do art.º 279, com renovação da instância e nova citação por isso soçobra a apelação. III.3.2.-Saber se ocorrem as nulidades processuais de prolação de decisão no tribunal originário relativo a competência territorial estando a decorrer o prazo de defesa, de falta de prolação e notificação no tribunal para onde o processo foi remetido de despacho de aceitação do processo. III.3.3.-Como se disse a prolação da decisão sobre a incompetência territorial do tribunal originário, uma vez transitada em julgado, constitui caso julgado formal sobre essa questão e impede o tribunal originário e o tribunal remetido de se pronunciarem sobre essa matéria estando esgotados os respectivos poderes jurisdicionais relativos a essa questão. Não é comum que se produza uma decisão sobre incompetência territorial estando a decorrer o prazo de contestação e o trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência territorial do tribunal originário não impede a parte de, estando em tempo, apresentar a sua contestação que se o for antes da remessa pode sê-lo no tribunal originário como, depois da remessa, no tribunal remetido e se, tendo sido remetido o processo a contestação por desconhecimento da remessa, for apresentada no tribunal originário o que há a fazer é remeter o articulado para o tribunal territorialmente competente, não se vislumbrando nenhuma nulidade processual. É verdade que não foi produzida nenhuma decisão no tribunal recorrido relativa à aceitação expressa do processo, sendo, contudo, implícita essa aceitação já que nenhuma decisão contrária à competência foi produzida, não se vislumbrando norma que determine a prolação de uma decisão de aceitação expressa e, consequentemente, da notificação de uma decisão desse jaez. Não ocorre assim qualquer nulidade processual, nesse ponto improcedendo a apelação. III.4.–Subsidiariamente, saber se, tendo sido proferida decisão no tribunal originário relativo a competência territorial, estando a decorrer o prazo de defesa, deve este prazo considerar-se interrompido ou suspenso. III.4.1.-O prazo processual estabelecido na lei é contínuo suspendendo-se no entanto durante as férias judiciais, salvo se a duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes (art.º 138) , sendo que o decurso do prazo peremptório (como é o caso) extingue o direito de praticar o acto (art.º 139/3), podendo para além das situações da primeira parte n.º 5 do art.º 139 o acto ser praticado forma do prazo em caso de justo impedimento, sendo justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto (art.ºs 139/5 e 140/1). À luz do novo conceito basta para que estejamos perante justo impedimento que o facto obstaculizado da prática do acto não seja imputável à parte ou mandatário por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência desde que nos termos gerais tal não envolva um juízo de censurabilidade[5]. Como se disse a prolação do despacho sobre a incompetência relativa no tribunal originário não constituiu qualquer obstáculo à prática do acto da contestação pelo que queda o pressuposto do justo impedimento. III.4.2.-Numa outra perspectiva não determinando a lei a suspensão da instância com a prolação da decisão relativa à incompetência relativa (art.º 269/1/d), não se verifica nenhuma das outras situações de suspensão de instância do n.º 1 do art.º 269. O próprio Tribunal Constitucional afirma que a garantia do processo equitativo comporta uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente a possibilidade de conhecimento das normas com base nas quais são praticados os atos e formalidades processuais, assim como as expectativas em que as partes fazem assentar a sua estratégia processual. O processo surge como um imperativo de segurança jurídica ligado a duas exigências: a determinabilidade da lei e a previsibilidade do direito. O processo justo e equitativo é, também, aquele, cuja regulação prevê que a sequência de actos que formam o processo esteja pré-determinada ao pormenor pelo legislador, em termos de ser possível assegurar com previsibilidade que as partes são titulares de poderes, deveres, ónus e faculdades processuais e que o processo é destinado a finalizar certo tipo de decisão final. Os dois elementos são indissociáveis: a previsibilidade das consequências da prática dos actos processuais pressupõe que as normas processuais sejam claras e suficientemente densas, atributos sem os quais ficará violado o princípio da segurança jurídica. Um processo equitativo é também um processo previsível. Uma forma processual só é justa quando o conjunto ordenado de actos a praticar, bem como as finalidades a cumprir, tanto na propositura, como especialmente no desenvolvimento da acção, seja expresso por meio de normas cujos resultados sejam previsíveis e cuja aplicação potencie essa previsibilidade. Para que haja previsibilidade são, porém, necessárias duas condições: que o esquema processual fixado na lei seja capaz de permitir aos sujeitos do processo conhecer os poderes e deveres que conformam a relação processual; e que haja univocidade de interpretação das normas processuais. É que se os sujeitos do processo não se encontram em condições de compreender e calcular previamente as consequências das suas acções, o processo é inidóneo à realização da tutela jurídica. A idoneidade funcional do processo implica, pois, que ele seja construído em termos de possibilitar aos sujeitos processuais o conhecimento das normas com base nas quais calculam o seu modo de agir (cf. Ac. do TC n.º 604/2018, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ e no mesmo sentido Acórdãos do TC n.ºs 678/98, 485/2000, 183/2006, 335/2006 e 56/2003, todos disponíveis no mesmo sítio). Nenhuma imprevisibilidade ocorre nem no acto de citação- cuja regularidade não vem posta em causa- nem na decisão sobre a incompetência relativa nem na decisão que, cumprindo o que na lei se estatui se decretou que pela falta da contestação oportuna se consideram confessados os factos articulados pela Autora. Já Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, p. 226 e ss.), ao caracterizar as crises da instância – isto é, os acidentes produzidos no decurso da lide que eram suscetíveis de alterar o seu curso normal – distinguia a suspensão, da interrupção e da extinção da instância. A suspensão como a interrupção produzem uma pausa ou paralisação no andamento do processo. Na base das duas figuras há um traço comum: a paralisação do processo. Tanto no caso de suspensão como no de interrupção a instância encontra-se em estado de repouso. Mas as diferenças são sensíveis e dizem respeito quer à causa, quer aos efeitos. Quanto à causa. A suspensão é consequência dum evento estranho, de certo modo, à vontade das partes; pelo contrário, a interrupção é consequência de atitude voluntária das partes. Assim, suspende-se a instância porque morre ou extingue alguma das partes (…). A interrupção da instância tem uma única causa: a inércia ou inactividade das partes (…). O processo está parado por culpa das partes porque estas não querem promover o seu andamento. De maneira que num caso as partes não podem e no outro não querem fazer andar o processo. Quanto aos efeitos. A diferença, sob este aspecto é profunda (…). Enquanto durar a crise da suspensão, não podem praticar-se validamente quaisquer actos do processo, a não ser actos urgentes, destinados a evitar danos irreparáveis; além disso, fica suspenso o decurso dos prazos. Nada disto sucede no caso de interrupção. Se o processo está parado, não é porque seja vedado às partes fazê-lo seguir; é porque elas não quiseram exercer qualquer espécie de actividade. De modo que a crise cessa logo que as partes se disponham a actuar. Num caso, como dissemos, as partes não podem, em princípio, praticar validamente actos processuais; no outro, a prática desses actos está inteiramente à disposição e ao alcance das partes. Durante a crise da suspensão as partes não são activas porque não podem; na da interrupção não são activas porque não querem. Por seu turno o novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), para além de ter encurtado, novamente e de forma significativa, o prazo relevante para se considerar verificada a deserção (que passou a ser de seis meses e um dia), aboliu a figura intermédia da interrupção da instância. Assim salvo as situações expressamente previstas em diplomas próprios como é o caso do apoio judiciário e que foi o caso das excepcionais leis da pandemia, o legislador processual deixou de prever a situação da interrupção da instância que, manifestamente, em relação ao caso dos autos não ocorre. IV–DECISÃO Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. As Custas são da responsabilidade da apelante que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2) Lxa., d.s. Assinam digitalmente no canto superior esquerdo da primeira página e, por esta ordem, o Juiz Desembargador Relator Vaz Gomes, o Juiz Desembargador 1.º adjunto Carlos Castelo Branco e o Juiz Desembargador 2.º adjunto Pedro Martins [1]Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu) e 8 da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente, atendendo a que a acção foi autuada e distribuída aos 2023 e a data da decisão recorrida que é de 18/1/2024; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem. [2]Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 251. [3]LEBRE de FREITAS, José e ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil anotado, Coimbra editora, 3.ª edição, vol. 1.º anotação ao art.º 277. [4]LEBRE de FREITAS, José e ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil anotado, Coimbra editora, 3.ª edição, vol. 1.º anotação ao art.º 105. [5]LEBRE de FREITAS, José e ALEXANDRE Isabel, Código de Processo Civil anotado, Coimbra editora, 3.ª edição, vol. 1.º anotação ao art.º 140. |