Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6/20.3SMLSB-A.L1-5
Relator: LUÍSA MARIA DA ROCHA OLIVEIRA ALVOEIRO
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
AUSÊNCIA DO ARGUIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:  (da responsabilidade da relatora):
I. A reclusão do arguido, entre a data em que prestou TIR e a data em que se iniciou o julgamento, não afasta a sua obrigação de comunicar ao processo o local onde se encontra (atentas as obrigações decorrentes do TIR por si prestado e a circunstância de tal não o impedir de o fazer).
II. É de considerar regularmente notificado da data designada para a realização da audiência de julgamento o arguido, em reclusão após a data desta notificação, por via postal simples, enviada para a morada constante do TIR, uma vez que não está impossibilitado de comunicar ao processo o local onde se encontra.
III. Nesse contexto e nada tendo sido requerido pela defesa no início da audiência de julgamento, não era exigível ao tribunal a quo que tomasse quaisquer medidas para assegurar a sua presença.
IV. Apesar de a audiência de julgamento se encontrar a decorrer na ausência do arguido, este mantém o direito (irrenunciável) de intervir em qualquer momento da audiência (art. 343º, nº 1 do C.P.Penal), bastando para tal a ela comparecer ou comunicar validamente e em tempo essa sua pretensão, ainda que através do seu defensor.
V. O indeferimento dessa pretensão pelo tribunal a quo constitui nulidade insanável prevista pelo art. 119º, al. c) do C.P.Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
No Processo nº 6/20.3SMLSB.L1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 7, consta da parte decisória do acórdão datado de 13/07/2023, o seguinte:
“Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, decide o Coletivo de Juízes:
(…)
C) Condenar o arguido AA, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º ...15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B anexas, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; (…)”
*
Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido AA interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. Foram violados os direitos do arguido previstos na al. a) e b) do n.º ...1 do art.º 61º do Código Processo Penal uma vez que ao mesmo não foi permitido estar presente em audiência de julgamento nem lhe foi permitido ser ouvido pelo tribunal que sobre o mesmo ia tomar uma decisão.
2. Era do perfeito conhecimento do douto tribunal à quo e este, deliberadamente, optou por não conhecer o que era do seu conhecimento, optando por privar o arguido de se defender quando o mesmo voluntariamente não se podia deslocar a tribunal.
3. E optou deliberadamente porque, se analisarmos as atas de audiência de julgamento com a Referência: 425087138, de 18-04-2023, e com a Referência 427033253, datada de 27-06-2023, fazendo tabula rasa da informação de que o Recorrente se encontraria detido em ..., nada fazendo para apurar da veracidade desse fato.
4. O arguido apenas foi notificado da data de audiência de julgamento menos de 30 (trinta) dias antes de a mesma ocorrer. E aqui não questionamos qualquer prazo do art.º 313 do Cód. Processo Penal, mas tão somente o facto de o julgamento ter sido notificado muito pouco tempo antes do início do mesmo e podendo assim se presumir haver uma forte probabilidade de o arguido encontrar-se já preso aquando da sua notificação para a audiência de julgamento.
5. Com efeito, o douto tribunal à quo uma vez que a situação foi “comunicada nos autos antes do encerramento da discussão e da leitura da sentença, o tribunal deve esclarecer a situação e adotar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para assegurar a comparência do arguido na audiência de julgamento, incluindo a intervenção à distância”, violando assim com essa omissão os direitos de defesa do arguido.
6. E dúvidas não existem que o Recorrente se encontra detido em Estado Membro da União Europeia, uma vez que resulta claramente dos autos que este foi notificado do douto acórdão em Estabelecimento Prisional em ..., pelo que a situação que foi dado a conhecer ao douto tribunal à quo em 18/04/2023 de que o arguido se encontrava detido em ... no início do julgamento veio-se a confirmar.
7. Porém, deveria o tribunal ter averiguado, tal como promovido pelo MP na primeira sessão de audiência de julgamento em 18/04/2023, e deveria ter assegurado a comparência do arguido ou a sua audição por meios de inquirição à distância.
8. Somos claramente do parecer que a norma constante do citado artigo 114º, sob a epígrafe “Casos Especiais”, trata-se de uma norma especial que afasta necessariamente a aplicação da norma geral constante do artigo 113º.
9. Ora, não tendo o arguido sido notificado por funcionário, nem tendo sido requisitada a sua comparência ao estabelecimento onde se encontrava preso, parece-nos que tanto basta para que se conclua que o arguido não foi “regularmente notificado”, pressuposto exigido pelo citado artigo 333º,nº1, para o seu julgamento na ausência.
10. Por conseguinte, não tendo o arguido sido notificado nos termos referidos e comparecido na audiência de julgamento, não pode deixar de concluir-se que ao ter sido julgado na ausência, verifica- se a nulidade insanável prevista no citado artigo 119º, nº1, al. c).
11. Com efeito, não é aceitável que se trate esta situação como se de ausência voluntária se tratasse, se onere o arguido com a obrigação de comunicação da ausência da residência e, mais, se tenha o arguido como validamente notificado, quer da acusação, quer do despacho que designou dia para julgamento.
12. Ora, não se verificando os pressupostos do julgamento na ausência, a presença do arguido era obrigatória (art.332º CPP), pelo que, ao realizar-se o julgamento sem a sua presença, foi cometida a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do CPP, a qual, conforme entendimento uniforme na doutrina e jurisprudência, ocorre também nos casos em que o arguido está ausente processualmente, em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente, por não ter sido regularmente notificado da data designada para a realização da audiência de julgamento.
13. Tal nulidade, arguida pelo recorrente, mas que pode ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, torna inválido o ato em que se verificou, bem como os que dela dependem, o que importa a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado, conforme disposto no citado artigo 122º, nº1.
14. Sem conceder, o Tribunal fez uma errada apreciação dos factos que levaram a ser dado como provado o crime porque foi o Recorrente condenado.
15. Impugna-se a factualidade dada como provada sob os números 1, 2, 48, 49 e 63 no que respeita à participação do arguido que não devia ter sido dada como provada.
16. Os fatos descritos em 1 e 2 da factualidade dada como provada são imputações genéricas, pelo que será de ter por não escrita aquelas imputações genéricas.
17. Quanto aos pontos 48 e 49 da factualidade provada, conforme resulta da motivação do douto acórdão, as testemunhas BB, CC e DD referiram que o estupefaciente seria do ora Recorrente e que este teria um papel ascendente sobre os outros arguidos.
18. Porém, como bem se afere da douta motivação, estas testemunhas transmitem o que ouviram dizer, transmitindo a sua convicção!
19. Ora, nos termos do art.º 130 do Cód. Processo Penal não é admissível como depoimento a reprodução de vozes ou rumores públicos, sendo que da douta motivação não se alcança outra razão de ciência das testemunhas que não sejam as vozes públicas e as convicções pessoais.
20. Sendo que a testemunha DD apesar de ter feito vigilâncias nunca conseguiu ouvir qualquer conversa de onde depreendesse que o Recorrente tinha um ascendente sobre os demais arguidos.
21. Não resultando da prova, dos fatos provados nem da douta motivação que o arguido EE tenha sido visto a entrar na residência do ora Recorrente, pelo que as declarações do Recorrente de que teria encontrado o estupefaciente no hall do seu andar não foram na realidade infirmadas por qualquer prova produzida mas apenas pelas convicções pessoais das testemunhas agentes da PSP que não tendo visto o EE a entrar em casa do recorrente concluíram que assim teria sido.
22. Já quanto ao fato provado em 63, não resulta sequer da douta motivação como chegou o tribunal a semelhante conclusão…. Apenas pelas regras da experiência comum? Caberá ao ora Recorrente adivinhar?
23. O salto lógico que o Tribunal à quo deu não é de todo permitido.
24. Deveria assim ser alterado o texto dos pontos 48 e 49 da factualidade dada como assente quando refere que o FF se tenha encontrado com o Recorrente e deste tenha recebido estupefaciente.
25. Deve ainda ser aletrado o texto no ponto 63º dos fatos dados como provados no sentido de excluir que o dinheiro apreendido ao Recorrente fosse oriundo de qualquer proveniência ilícita.
26. Sem conceder, em caso de condenação, deveria o Recorrente ter sido condenado pelo crime de tráfico de menor gravidade.
27. Veja-se que o tipo privilegiado do art.º 25º do DL 15/93 de 22.01 é muitas vezes aplicado no caso de vendas de cocaína e heroína.
Nesse sentido a título meramente exemplificativo o Ac. 31/11.5PEVIS.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/05/2012 (em que em causa estava uma actividade de tráfico que se desenrolou durante um período de três meses, vindo identificados 10 (dez) consumidores, os quais abasteceu, parte deles diariamente, alguns com regularidade e outros esporadicamente, vendendo-lhes, na maioria das vezes e de cada vez, ao preço unitário de 20 euros cada dose de cocaína e 25 euros cada dose de heroína, numa situação em que foram ainda apreendidos 35,875 gr, de heroína, 11,865 g de cocaína e 65,825 g de haxixe), ou o Ac. 26/14.7PEBRG.S1 do STJ, de 18-02-2016 (em que estava em causa uma situação de arguidos que alimentavam um negócio de bairro de venda de heroína e cocaína).
28. Por tudo quanto se deixou exposto e atendendo a que se tratava de um pequeno tráfico de rua sem quaisquer meios sofisticados entende-se que a conduta do Recorrente deverá ser subsumida ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.°, e não ao crime previsto no artigo 21.° do Decreto-Lei 15/93.
29. Nestes termos, entendemos quem caso de condenação sempre o deverá ser por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25°, alínea a) do Decreto-Lei 15/93, de 22/01, pelo que nesse caso impõe-se a condenação do Recorrente pela prática de tal ilícito criminal, incorrendo em pena de 1 a 5 anos de prisão, devendo ser absolvido o mesmo do crime previsto no artigo 21° do mencionado diploma legal.
30. Destarte, sempre se deverá então aferir da justiça da medida e espécie da pena aplicada ao Recorrente.
31. Devemos atender à idade do recorrente, à sua condição social, económica e cultural, à sua modesta formação e fracos recursos económicos bem como devemos atender a que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.º 40º e n.º ...1 do art.º 71º, ambos do Cód. Penal, pelo que deve a pena de prisão a aplicar ao recorrente ser mais próxima dos seus limites mínimos, como adiante se argumentará.
32. Nos termos do disposto no art.º 71º nº 2 do Código Penal, para a medida concreta da pena concorre por um lado a culpa e grau de ilicitude e por outro lado o escopo da ressocialização do agente.
33. Não será de esquecer que o recorrente é uma pessoa socialmente, familiarmente e profissionalmente inserida, que estava a trabalhar.
34. Por todas estas razões, estamos em crer que deverá ser inferior a pena a ser imposta ao recorrente, não devendo a mesma ultrapassar o limite mínimo legal, podendo assim operar a suspensão da mesma.
35. Tudo ponderado, entendemos que o tribunal " a quo" podia e devia ter formulado um juízo de prognose favorável, e concluir que, mantendo-se em liberdade, não voltará a delinquir.
36. A correta interpretação do estipulado pelo legislador, (art.° 70.° do CP), deve conduzir à prevalência de considerações de prevenção especial positiva ou de socialização, sobre outras, mormente as de prevenção geral.
37. Tudo ponderado, à luz e atentos os critérios ínsitos no art.° 50°, do Cód. Penal, deverá determinar-se a suspensão da execução da pena, a aplicar ao ora recorrente, após o abaixamento pelo qual pugnamos (art.° 50° n.º ...5 do Cód. Penal), cumulada com:
i. Regime de prova, nos termos e em observância do disposto no art.° 53° n°. 1 do Cód. Penal;
ii. Sujeição a outras regras de conduta de conteúdo positivo, que o plano de reinserção social reputar de necessárias e adequadas, designadamente comprovar que se encontra laboralmente activo (alínea c) do n° 1 do art.° 52° do Cód. Penal);
iii. Efectuar tratamento destinado a erradicar os hábitos aditivos (al. b) do (n° 1 do art° 52 do Cód. Penal).
38. O Tribunal "a quo" violou o disposto nos arts. 40° n.°s 1 e 2, 42° n.° 1, 50° n° 1, 53° 1, 43 n° 1 al. b), 70° e 71° todos do Cód. Penal, 27 n° 1, 1ª parte, e 13° n° 1, ambos da CRP”.
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho proferido em 27.02.2024, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. O acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios.
2. A nulidade, que agora é objecto do presente recurso, já foi apreciada, tendo sido indeferida por despacho proferido no dia 27.06.2023, ditado para a ata.
3. Deste despacho não foi interposto recurso, pelo que o mesmo transitou em julgado e como tal prejudicada a apreciação da nulidade invocada.
4. Todavia, relativamente a esta questão e mesmo que assim não venha a ser entendido, consideramos que não se verifica qualquer nulidade.
5. Conforme resulta dos autos o arguido foi detido em flagrante delito, foi presente a 1.º interrogatório judicial, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de obrigação de apresentações periódicas e TIR.
6. O arguido sempre foi notificado na morada indicada no TIR, tendo também sempre sido notificado o ilustre mandatário constituído nos autos.
7. Neste contexto, perante a informação trazida aos autos no inicio do julgamento pelos Senhores Agentes da PSP, de que o arguido poderia estar preso em ..., não onera o tribunal, em nosso entender, a realizar diligências com vista apurar a veracidade da informação, uma vez que o arguido se encontra valida e regularmente notificado.
8. A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artº 127º do CPP.
9. O acórdão refere claramente os meios de prova que serviram para o tribunal formar a sua convicção, garantindo que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não omitindo a fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação do recorrente, não constituindo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum.
10. O recorrente limita-se a expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal, e tendo, como se verificou, este formado a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formulou o recorrente.
11. Os factos dados como provados integram o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p., pelo art.º 21º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/1.
12. A pena aplicada ao arguido não excede a culpa daquele, sendo justa e adequada, respeitando as exigências de prevenção geral e especial, não enfermando a sua fixação de qualquer violação ao disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.
13. Por todo o exposto deverá ser negado provimento ao presente recurso e mantido o acórdão recorrido na íntegra”.
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Nesta Relação, o Exmo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da “a improcedência do recurso e manutenção do acórdão recorrido”.
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Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º ...2 do C.P.Penal.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO
Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95), o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação.
Pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do C.P.Penal).
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Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, cumpre apreciar:
- Nulidade insanável por o julgamento se ter realizado na ausência do recorrente, nos termos do art. 119º, al. c) do C.P.Penal;
- Falta de transcrição integral da prova por ausência de meios económicos do recorrente, o que compromete de forma irremediável os seus direitos, conduzindo à inconstitucionalidade do art. 412º, nº 3, al. b) do C.P.Penal;
- Erro de julgamento de facto quanto aos pontos 1, 2, 48, 49 e 63 da matéria de facto dada como provada, nos termos do art. 412º, nº 3 e 4 do C.P.Penal, e violação do princípio in dubio pro reo;
- Enquadramento dos factos dados como provados no crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25°, alínea a) do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, ao invés do crime previsto no artigo 21° do mencionado diploma legal.
- Medida da pena.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Em 06.04.2021, o arguido/recorrente foi ouvido em 1ª interrogatório judicial de arguido detido e foram-lhe aplicadas as medidas de coação:
- TIR já prestado a fls. 526 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- Obrigação de se apresentar diariamente no posto policial da sua área de residência;
2. No TIR prestado no dia 05.04.2021, o arguido/recorrente indicou como lugar de residência a ..., ... em …;
3. Da prestação do TIR consta expressamente a obrigação de comunicação de nova residência pelo arguido/recorrente bem como as consequências desse incumprimento;
4. Em 20.03.2023, o arguido/recorrente foi notificado através de carta simples com prova do depósito para a sua residência constante do TIR, sita na ..., ... em …, para comparecer à audiência de julgamento designada para o dia 18/04/2023, pelas 09:30 (cfr. fls. 1252);
5. Consta da ata de audiência de julgamento de 18.04.2023 (REFª 425087138) que:
“Mais se consigna que, previamente ao início da presente sessão, pelas testemunhas presentes BB e CC foi este Tribunal verbalmente informado que é do seu conhecimento que o arguido AA se encontra detido em prisão de ... em ....
(…)
Concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, a mesma declara pronunciar-se a final quanto ao interesse na inquirição da testemunha.
No mais, consigna-se o seguinte:
(…)
- Relativamente à falta do arguido AA, havendo informação de que poderá estar preso em ... promove que através de Autoridades Policias se apure a veracidade dessa informação.
Ato contínuo, após deliberação do Tribunal Coletivo, pela Mmª Juiz Presidente foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Relativamente aos arguidos faltosos e que se mostram devidamente notificados na morada do TIR, uma vez que não estão presentes, nem justificaram a sua falta à presente audiência de julgamento, condena-se os mesmos em multa, que se fixa no montante de 2 UC`S.
Considerando que a sua presença não é imprescindível desde o inico da audiência à descoberta da verdade material, dá-se início à audiência na sua ausência, encontrando-se os mesmos representados pelos seus I. Defensores para todos os efeitos legais.
Notifique”.
6. A audiência de julgamento teve início no dia 18.04.2023;
7. Em 16.05.2023, o arguido/recorrente foi notificado através de carta simples com prova de depósito para a sua residência constante do TIR, sita na ..., ... em …, para comparecer à continuação da audiência de julgamento designada para o dia 17/06/2023, pelas 13h30m (REFª 425712058);
8. Em 26.06.2023 (REFª: 45963144), Exmo Defensor Oficioso do recorrente apresentou requerimento com o seguinte teor:
“1.º
Em 20/03/2023, o arguido foi notificado através de carta simples com prova do depósito para a sua residência constante do TIR, sita na ..., ... em …, para comparecer à audiência de julgamento designada para o dia 18/04/2023, pelas 09:30H.
2.º
Em 18/04/2023, o arguido não compareceu à audiência de julgamento, por não ter tido conhecimento dessa notificação, uma vez que se encontrava preso em ..., no Estabelecimento Prisional de ..., cfr. consta do douto despacho constante da ata de audiência de discussão e julgamento de 18/04/2023, para o qual se remete.
3.º
Mas, nos termos do art. 113.º, n.º ...10, do CPP é obrigatória a notificação ao arguido do despacho que designa o dia de audiência de julgamento.
4.º
Estando o arguido preso, a sua notificação deverá ser “requisitada ao director do estabelecimento prisional respectivo e efectuada na pessoa do notificando por funcionário para o efeito designado”, ao abrigo do art. 114.º, n.º ...1, do CPP.
5.º
Tal notificação ao abrigo daquela norma especial não ocorreu, ainda que o arguido não estivesse preso em Portugal, mas sim em ....
6.º
Assim, nos termos dos arts. 332.º, n.º ...1 e 333.º, n.º ...1 e 2, ambos do CPP, o arguido, s.d.r., não foi regularmente notificado da data da audiência de julgamento, que é um dos pressupostos para se proceder à realização dessa audiência na ausência do arguido.
7.º
E a falta de notificação da data da audiência de julgamento impediu, por causa alheia à vontade do arguido, a presença deste, na audiência de discussão e julgamento, de prestar declarações se assim fosse a sua vontade ou de assistir à produção da prova.
8.º
Ora, não tendo o arguido comparecido à audiência de julgamento de 18/04/2023, por não ter sido “regularmente notificado”, cometeu o tribunal uma nulidade insanável, julgando-o na sua ausência, sem que a lei o permitisse, cfr., os arts. 119.º, al. c), 332.º, n.º ...1 e 333.º, n.º ...1, todos do CPP.
9.º
Por sua vez, tal nulidade insanável “torna inválido o ato em que se verificou, bem como os que dela dependem, o que importa a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado conforme disposto no citado art. 122.º, n.º ...1, do CPP ”, cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/12/2021, in Proc.º n.º ...119/21.4GAVNF.G1, disponível em www.dgsi.pt.
Nestes termos deverá ser:
Declarado nulo o julgamento realizado na ausência do arguido, bem como todo o processado posterior com ele relacionado, devendo assegurar-se junto da justiça espanhola a presença do arguido em julgamento, em novas datas a designar para o efeito”.
9. O Ministério Público pronunciou-se sobre este requerimento na continuação da audiência de julgamento realizada no dia 27.06.2023 (REF. 427033253), nos seguintes termos:
“Dos autos resulta que o arguido AA foi devidamente notificado, quer da acusação quer da data designada para julgamento, isto porque o arguido aquando a sua detenção em flagrante delito e sujeição a primeiro interrogatório judicial onde lhe foram aplicadas as medidas de coação na obrigação de apresentações diárias e de TIR indicou como morada a que consta dos autos. Inexiste no processo qualquer documento oficial que nos diga, recordo que a defesa veio já na sessão anterior referir que o arguido estaria preso em ..., essa informação de fato resulta dos autos, do relatório da reinserção social com informação que não foi possível elaborar o relatório, segundo a mãe do arguido terá prestado informação que o arguido estaria preso em .... Não obtivemos qualquer confirmação desse fato, a verdade é que o arguido tem uma morada que prestou, que indicou, que consta do seu TIR e foi devidamente notificado da obrigação de não se ausentar da residência e de que aquela morada ia ser a morada onde iam ser depositadas as cartas e seria considerado notificado, pelo que entendemos que o arguido se encontra regular e validamente notificado, pelo que deve ser indeferido o requerido”.
10. Em 27.6.2023 foi proferido o seguinte despacho (Referência: 427033253):
“Por requerimento de 26/06/2023 o II. Defensor do arguido AA veio arguir a nulidade do julgamento por ter sido realizado na ausência do mesmo. Alegou para tanto e, em síntese, que o arguido não foi notificado da data designada para realização da audiência de julgamento por estar preso em ....
Ora, o arguido AA prestou TIR conforme resulta de fls. 526 dos autos sendo uma das obrigações decorrentes do mesmo, a comunicação da alteração de morada aos autos, o que não sucedeu pelo arguido.
À data do início da audiência de julgamento o arguido mostrava-se devidamente notificado na morada do TIR conforme resulta de fls. 1252 dos autos.
Nessa sequência o Tribunal iniciou a audiência de julgamento considerando que o arguido estava devidamente notificado e determinou que o julgamento se realizasse na sua ausência estando o mesmo representado pelo seu II. Defensor para todos os efeitos legais e conforme consta da respetiva ata desse mesmo dia.
Com efeito, “não constitui nulidade a realização do julgamento na ausência do arguido que se encontra devidamente notificado e cuja presença se mostre indispensável, sem que se tenham realizado diligências para sua comparência sob detenção” em Acórdão da Relação de Lisboa proferido no proc. n.º ...3/03.3TELSB, de 04/06/2015.
E mesmo que assim não se entendesse, há muito que se mostra ultrapassado o prazo para arguir a nulidade, uma vez que a audiência de julgamento se iniciou no dia 18/04/2023.
Em face de todo o exposto, indefere-se o requerido.
Notifique”.
11. Na sequência do despacho proferido “pelo II. Defensor do arguido AA foi declarado nada mais ter a requerer” (cfr. ata de 27.06.2023-Referência: 427033253) e foi designado o dia 13 de julho de 2023, pelas 10h para a leitura do acórdão;
12. Em 29.06.2023, o arguido/recorrente foi notificado através de carta simples com prova de depósito para a sua residência constante do TIR, sita na ..., ... em …, para comparecer à leitura do acórdão designada para o dia 13/07/2023, pelas 10h (REFª 427144070);
13. No dia 13.07.2023 (REF. 427540855), o tribunal a quo procedeu à leitura do acórdão;
14. O arguido/recorrente foi notificado pessoalmente do acórdão no dia 25.01.2024, no ... (cfr. email junto aos autos em 29.01.2024);
15. O arguido/recorrente encontra-se preso preventivamente no ... desde 28.03.2023 (cfr. email junto aos autos em 24.01.2024);
16. A audiência de julgamento iniciou-se e completou-se na ausência do arguido;
17. O acórdão recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos e com a seguinte motivação:
“1.1. Factos provados
1. Desde pelo menos, abril de 2020, altura em que chegou ao conhecimento da P.S.P. a atividade levada a cabo pelos arguidos, que AA, conhecido por “…”, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL, se vêm dedicando à venda de heroína e de cocaína, a terceiros, mediante contrapartida económica, na ....
2. Tal atividade era coordenada pelo arguido AA, que era o responsável pela aquisição dos referidos produtos, entregando-os, posteriormente aos outros arguidos que procediam à respetiva venda a terceiros, sendo tais vendas realizadas diariamente, entre as 07h30 e as 24h, no referido local.
3. Os arguidos EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL procediam à entrega de embalagens de heroína e de cocaína aos clientes, no interior dos Lotes 7 e 9 da ..., para onde se dirigiam, alternando entre si os respetivos horários em que procediam a estas transações.
4. Assim, quando os arguidos EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL se deslocavam à ... para dar início às vendas de cocaína e de heroína, primeiramente dirigiam-se à residência sita no … daquela Rua, onde se encontrava o arguido AA que lhes entregava os referidos produtos.
5. Após, saíam daquela habitação e deslocavam-se ao n.º ...… da ..., onde aguardavam serem abordados pelos consumidores.
6. Assim, na prossecução do plano acordado entre todos, no dia 15.04.2020, os arguidos GG e FF encontravam-se a proceder à venda de cocaína e de heroína a terceiros, no n.º ...… da ..., nesta cidade.
7. Pelas 09h00 deste dia, encontravam-se junto à entrada daquele imóvel.
8. Cerca das 09h18, um indivíduo de sexo masculino, cuja identidade não se apurou, deslocou-se ao interior do n.º ...…
9. Ao vê-lo, de imediato o arguido FF entrou para o mesmo imóvel, enquanto que o arguido GG permaneceu no exterior.
10. Neste dia, no período compreendido entre as 09h55 e as 10h34, 4 indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, deslocaram-se ao interior do Lote ... da ..., onde se encontrava o arguido FF, tendo dali saído, pouco depois.
11. Nos dias 11.05.2020 e 20.05.2020, os arguidos GG e KK encontravam-se junto à entrada do n.º ... da ..., nesta cidade, a proceder à venda de cocaína e de heroína a terceiros.
12. Nestas ocasiões, o arguido KK procedia à venda direta destes produtos a terceiros, consumidores dos mesmos, enquanto que o arguido GG vigiava as imediações do local de venda, alertando o arguido KK para a presença de autoridades policiais.
13. No dia 16.10.2020, pelas 07h30, as vendas de cocaína e de heroína no n.º ...… da ... foram realizadas por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar.
14. Pelas, 07h40 deste dia, a arguida HH dirigiu-se e entrou no n.º ...… da ..., nesta cidade, para proceder à venda de cocaína e heroína a terceiros, tendo o referido indivíduo saído do interior do imóvel, mantendo-se no exterior, a vigiar as imediações do local de venda, alertando para a chegada de autoridades policiais.
15. No dia 22.11.2020, as vendas de estupefaciente no n.º ...… da ... foram realizadas pelo arguido JJ.
16. Pelas 10h25, HH chegou ao local, tendo-se posicionado na entrada do referido imóvel, a vigiar as imediações, para poder alertar o arguido JJ perante a chegada de autoridades policiais.
17. No dia 09.02.2021, as vendas de cocaína e de heroína no n.º ...…da ... foram realizadas por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, que aderiu ao plano elaborado pelos arguidos, fazendo-o seu, sendo que, neste dia, o arguido II assumiu as funções de “vigia”, cabendo-lhe, igualmente, deslocar-se ao n.º ... daquela Rua, afim de ir buscar mais embalagens das referidas substâncias.
18. No dia 22.02.2021, pelas 07h30, o arguido FF deslocou-se ao interior do Lote … da ..., de onde saiu, momentos depois, permanecendo na entrada.
19. Pouco depois, chegou ao local o arguido LL, que entrou no imóvel, tendo, ali entregue cocaína e heroína a indivíduos que ali se deslocavam, com esse propósito.
20. Pelas 08h00 o arguido AA chegou àquela Rua, fazendo-se transportar no veículo de marca e modelo “...”, de matrícula ..-TT-...
21. Após parquear a viatura, observou a Rua e dirigiu-se para junto do arguido LL, com quem estabeleceu um breve diálogo e entrou no lote ....
22. Seguidamente, o arguido LL saiu do lote … e entrou no lote ....
23. Cerca de 5 minutos depois, o arguido LL saiu do interior do lote ... e regressou ao lote ..., onde entrou.
24. Ao vê-lo, de imediato uns indivíduos que ali aguardavam acederam ao lote ..., tendo dali saído, momentos depois.
25. No dia 12 de março de 2021, pelas 07h00, o arguido JJ deslocou-se ao interior do n.º ... da ..., de onde saiu, poucos minutos depois.
26. Dirigindo-se e entrando no n.º ... da mesma Rua, onde procedeu à entrega de embalagens de cocaína e de heroína a indivíduos que ali se deslocavam, para as adquirir.
27. Pelas 07h25, o arguido LL chegou ao n.º ... da ..., tendo-se posicionado no exterior do imóvel, a olhar em todas as direções, assumindo uma postura de vigilância.
28. Entre as 07h40 e as 08h15, diversos indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, chegaram ao n.º ... da ..., onde entraram, dali saindo, breves minutos depois.
29. Cerca das 08h15, o arguido GG chegou ao aludido imóvel, onde entrou, dali saindo, pouco depois, e posicionou-se à entrada do mesmo assumindo uma postura de vigilância, juntamente com o arguido LL.
30. Pelas 08h45, MM, consumidor de cocaína, pretendendo obter este produto para seu consumo, deslocou-se à entrada do referido imóvel, n.º ..., onde entrou.
31. No interior do mesmo, recebeu de JJ:
7 embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,847 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 35,5%, sendo o equivalente a 10 doses de consumo tendo pago pelas mesmas, em contrapartida, a quantia de €30,00 (trinta euros).
32. Estas embalagens foram apreendidas na posse de MM por Agentes da P.S.P., tendo contra o mesmo, por estes factos, sido instaurado procedimento contraordenacional.
33. Prosseguindo com o plano estabelecido entre todos os arguidos, no dia 31 de março de 2021, as vendas de cocaína e de heroína realizadas no interior do número 9 da ... foram realizadas por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, enquanto que,
34. Neste dia o arguido GG exercia funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, aquando das transações de cocaína e de heroína efetuadas.
35. Pelas 07h05, o referido indivíduo não identificado dirigiu-se e entrou no n.º ... da aludida artéria, onde entrou, dali saindo, pouco depois, deslocando-se, em seguida, para o n.º ....
36. Pelas 07h15, o arguido GG saiu do n.º ... e encaminhou-se para a entrada do n.º ... da ..., onde se posicionou.
37. Cerca das 08h10, um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, dirigiu- se para a entrada do n.º ... da ..., onde contactou com o arguido GG e lhe entregou quantia monetária.
38. De seguida, ambos entraram para o n.º ....
39. Pelas 08h35, um outro indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, contactou com o arguido GG.
40. Após, entrou para o n.º ... da ..., dali saindo, pouco depois.
41. Pelas 09h20, um outro indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, contactou com o arguido GG.
42. Após, entrou para o n.º ... da ..., dali saindo, pouco depois.
43. Cerca das 09h30, o arguido AA saiu do n.º ... da ... e deslocou-se para o n.º ....
44. No dia ... de ... de 2021, pelas 07h00, com o referido propósito de proceder à venda de cocaína e de heroína, o arguido EE deslocou-se à ....
45. Ali chegado, deslocou-se ao interior do prédio n.º ....
46. Pelas 07h05, o arguido EE saiu do prédio juntamente com o arguido GG.
47. De seguida, o arguido GG permaneceu junto da entrada do n.º ..., exercendo, funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, e alertar o arguido EE, quando este iniciasse as vendas de estupefaciente, tendo feito sinal para aguardar a dois indivíduos que se encontravam no lado oposto da rua.
48. Enquanto isso, o arguido EE deslocou-se e entrou no n.º ..., e dirigiu-se e entrou no 4.º andar direito, onde se encontrava o arguido AA.
49. No interior desta residência, o arguido EE recebeu do arguido AA:
- 2 cantos de sacos de plástico transparente, sendo que um continha no interior:
- 33 (trinta e três) embalagens de heroína, com o peso líquido de 6,246 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 7,2%, sendo o equivalente a 4 doses de consumo; e o outro:
- 22 (vinte e duas) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), produto este que apresentava um grau de pureza de
47,9%, sendo o equivalente a 45 doses de consumo
50. Seguidamente, o arguido EE saiu desta habitação, entrou no elevador e desceu até ao R/C.
51. Ao chegar ao hall de entrada, foi abordado e revistado por Agentes da P.S.P. que encontraram na sua posse e apreenderam os referidos produtos.
52. No interior da habitação sita na ..., onde se encontrava o arguido AA, foram encontrados e apreendidos:
-5 (cinco) cantos de sacos de plástico contendo 110 (cento e dez) embalagens de heroína, com o peso líquido de 19,777 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 9,7%, sendo o equivalente a 19 doses de consumo;
- 39 (trinta e nove) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 5,269 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 47,2%, sendo o equivalente a 82 doses de consumo;
- um canto de saco de plástico com cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 3,322 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 37,9%, sendo o equivalente a 6 doses de consumo
- a quantia monetária de €198,60 (cento e noventa e oito euros e sessenta cêntimos).
53. A quantia monetária apreendida aos arguidos tinha sido obtida com os proventos resultantes de transações dos produtos estupefacientes.
54. Os arguidos, que atuaram em colaboração mútua, e em plena comunhão de esforços e intentos, conheciam as características e natureza estupefaciente da cocaína e da heroína que comercializavam, e destinavam-nas à venda a terceiros.
55. Os arguidos sabiam que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei.
56. Os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
57. O arguido JJ já sofreu condenações anteriormente, transitadas em julgado, tendo sido condenado, além do mais:
Na pena de 2 anos de prisão, por decisão proferida no âmbito do processo n.º ...490/20.5PALSB, transitada em julgado a 07.03.2016, pela prática um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º152.º, n.º1, als. b) e c) e n.º2, al.a), n.º ...4 e 5, do Código Penal, relativo a factos ocorridos em 04.04.2016.
58. Também o arguido EE já sofreu condenações anteriormente, transitadas em julgado, tendo sido condenado, além do mais:
Na pena de 12 anos de prisão, por decisão proferida no âmbito do processo n.º ...1324/08.4JDLSB, transitada em julgado a 27.01.2010, pela prática um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 172.º, do Código Penal.
59. Assim sendo, anteriormente à prática dos factos em causa nos presentes autos, os arguidos JJ e EE já haviam sido julgados e condenados em pena de prisão efetiva pela prática de factos integrantes de ilícitos penais dolosos.
60. No entanto tais condenações, as solenes advertências aí feitas e o cumprimento de pena de prisão efetiva não foram suficientes para obstar a que os arguidos JJ e EE cometessem novos ilícitos penais dolosos.
61. Também resulta dos factos descritos que os arguidos JJ e EE revelam uma especial apetência para o crime, não se inserindo socialmente, voltando a delinquir pouco tempo depois de terem sido condenados, estando claramente desenquadrados das regras de vivência em sociedade.
62. Verifica-se que, entre os factos que determinaram a última condenação dos arguidos JJ e EE e aqueles pelos quais vão agora acusados não mediaram cinco anos.
Das condições pessoais dos arguidos:
63. O arguido EE regista os seguintes antecedentes criminais:
No processo n.º ...1324/08.4IDLSB, por acórdão, de 02.06.2009, transitado em 27.01.2010, foi o arguido condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças na pena de 12 anos de prisão.
64. O arguido AA regista os seguintes antecedentes criminais:
No processo n.º ...890/07.6SLSB, por sentença, de 18.05.2007, transitada em 02.06.2007, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 210 dias de multa à taxa legal de € 2,00.
No processo n.º ...861/07.2POLSB, por sentença, de 03.09.2008, transitada em 13.10.2008, foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
No processo n.º ...243/07.6PTALM, por sentença, de 20.06.2008, transitada em 02.12.2008, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
No processo n.º ...606/04.5PKLSB, por acórdão, de 12.01.2009, transitado em 02.02.2009, foi o arguido condenado pela prática de dois crimes de roubo na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses.
No processo n.º ...299/09.7SILSB, por sentença, de 02.03.2009, transitada em 23.03.2009, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 12 meses de prisão.
No processo n.º ...837/08.2PMLSB, por sentença, de 07.01.2009, transitada em 05.05.2009, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 9 meses de prisão.
No processo n.º ...538/07.9SDLSB, por sentença, de 01.03.2010, transitada em 22.03.2010, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período e com regime de prova.
No processo n.º ...1415/09.9SILSB, por sentença, de 02.07.2010, transitada em 30.09.2010, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 1 ano de prisão.
No processo n.º ...154/08.0S9LSB, por acórdão, de 28.01.2011, transitado em 09.08.2011, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência após subtração na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e com regime de prova.
No processo n.º ...0/08.3SMLSB, por acórdão, de 12.10.2010, transitado em 12.09.2011, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente na pena de 3 anos de prisão.
No processo n.º ...812/07.4PLLSB, por acórdão, de 25.01.2012, transitado em 27.02.2012, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e com regime de prova.
(…)
Das condições sociais dos arguidos:
(…)
73. AA
À data do relatório social elaborado em maio de 2021, AA encontrava-se a residir com a mãe, consistindo numa habitação social atribuída à mãe.
Ao nível económico os seus recursos provinham de uma …de que era sócio com um amigo, que teve início em 2020. A nível do percurso laboral começou por colaborar na … e no negócio de … de um dos irmãos, tendo depois obtido a carta de condução e iniciado atividade paralela na …. Posteriormente colaborou na exploração de … propriedade de familiares.
As vivências familiares pautavam-se pela disfuncionalidade, tendo o progenitor registado diversos contactos com o Sistema de Justiça.
Na sequência da separação dos pais, quando tinha aproximadamente dez anos, abandonou o lar juntamente com a mãe e os irmãos, atravessando uma fase de acentuada instabilidade habitacional e económica, até que um acidente sofrido pela progenitora motivou o regresso do arguido para junto do pai.
Registou três reprovações até completar o 6.º ano com cerca de 14 anos.
Aos 15 anos inicia atividade laboral como ..., por intermédio da tia, atividade que mantém até aos 18 anos, tendo-se também dedicado a … num estabelecimento de … e trabalhado numa oficina de …e na …, funções que desenvolveu de forma inconsistente e pouco estruturada.
Durante o período de privação da liberdade, e não obstante a prática de infrações disciplinares, terá logrado alcançar uma maior adequação comportamental, concluído o 9.º ano de escolaridade, realizado curso de … e desempenhado diversas atividades profissionais, beneficiando de medidas de flexibilização da pena, entre as quais liberdade condicional.
Após a sua restituição ao meio livre, foi residir com a progenitora.
Mantinha um relacionamento conjugal com uma companheira que já conhecia anteriormente à reclusão, e que identificou como o seu único relacionamento significativo, do qual tem uma filha em comum. O casal separou-se em 2020.
(…)
1.2. Factos não provados
a) Nenhuns.
*
1.3. Motivação
O artigo 205.º, n.º ...1, da Constituição da República Portuguesa estabelece que as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.
O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97.º, n.º ...4 e 374.º, n.º ...2, exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objeto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade(s) do processo – veja-se Cristina Líbano Monteiro, in “Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo»”, Coimbra, 1997, pág. 13.
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser de forma diferente (artigo 127.º do Código de Processo Penal).
Daqui resulta, como salienta a doutrina, um sistema que obriga a uma correta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objeto do processo, de modo a permitir-se um efetivo controle da sua motivação – veja-se Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 228.
Como é referido pela jurisprudência, quando está em causa a questão da apreciação da prova, não pode deixar de ser dada a devida relevância à perceção que a oralidade e a mediação conferem ao julgador.
Na verdade, a convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos – veja-se, para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal, "A comunicação como processo social", de Ricci Bitti e Bruna Zani, editorial Estampa, Lisboa, 1997.
Um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo, como salienta Carrington da Costa, advertindo para que "todo aquele que tem a árdua função de julgar, fuja à natural tendência para considerar a concordância dos testemunhos como prova da sua veracidade”. Deve, antes, ter-se bem presente as palavras de Bacon: “os testemunhos não se contam, pesam-se" – veja-se “Psicologia do testemunho", de Rui Abrunhosa e Carla Gonçalves, pág. 337.
No que concerne à análise crítica da prova, o Ac. do STJ de 27.02.2003, proferido no processo n.º ...140/03, em que é relator o conselheiro Carmona da Mota, diz: “O valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado
ao arguido, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detetáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através de contacto pessoal e direto com as pessoas”.
A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis, "a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto direto) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a atuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal". E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que "ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar" — veja-se Código do Processo Civil Anotado, vol. IV, pags. 566 e ss.
Finalmente, o velho aforismo “testis unus testis nullus”, carece, pois, de eficácia jurídica num sistema como o português em que a prova já não é tarifada ou legal mas antes livremente apreciada pelo Tribunal, Já Alberto dos Reis no domínio do processo civil português afirmara, que “No seu critério de livre apreciação o Tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ela tenham deposto várias testemunhas” – veja-se Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, reimp., Coimbra, 1981, pág. 357.
Assim, no caso em apreço, a convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, formou-se com base nos seguintes meios de prova, analisados criticamente, à luz das regras da experiência comum, da lógica, da razão e da livre convicção do julgador:
- Os arguidos não pres...m declarações, usando do seu direito ao silencio à exceção da arguida HH.
- Declarações da arguida HH. Negou a venda de produto estupefaciente. Disse que pernoitava nas escadas do n.º ... por ser sem abrigo. Disse que quer mudar de vida e que deixou os consumos uma semana antes de ser detida. Disse que está presentemente a tomar metadona.
Os arguidos AA e EE pres...m declarações em sede de 1.º interrogatório judicial.
O arguido AA negou a prática dos factos, afirmando que tal não corresponde à verdade. Quanto ao produto apreendido na sua casa, disse que era verdade.
Explicou que ouviu barulhos no hall de entrada, local onde guardava as suas ferramentas. Abriu a porta e viu um dos rapazes que vende produto estupefaciente no n.º ..., a mexer nesses armários e fugiu de imediato. Dirigiu-se ao armário e como viu que ele tinha aí deixado um saco levou-o para o interior da sua casa e colocou em cima do aparador. Retirou aquilo para o caso de alguém ir reclamar. Viu que era produto estupefaciente e guardou-o para dizer à pessoa para não deixar ali produto. Explicou que o dinheiro que tinha na sua posse era proveniente do trabalho de barbeiro. Negou que tivesse entregue as embalagens de produto estupefaciente ao EE. Vive com a companheira e a filha. Disse que não consome produto estupefaciente.
O arguido EE negou que procede à venda de produto estupefaciente e que não conhece o arguido AA nem os outros arguidos. Disse que não foi o AA que lhe deu o produto estupefaciente, mas um individuo alto. Não conhece nenhum dos arguidos. Referiu que era para o seu consumo o produto estupefaciente apreendido, por ser consumidor de heroína. Pagou € 150,00 por aquele produto e que lhe dava para 15 dias. É pintor da construção civil e ganha por dia € 50,00 a dividir com outro amigo que vai com ele. Esteve desempregado. Vive com a companheira, que trabalha no .... Tem 4 filhos todos maiores de idade que vivem com a mãe. É consumidor há cerca de 2 anos.
- Depoimento da testemunha BB. Referiu ser agente da PSP, a exercer funções na ... e que conhece os arguidos do exercício das suas funções. Esclareceu que o responsável pela venda de produto estupefaciente era o arguido AA que se realizava no n.º ... da ..., sendo o dono do produto estupefaciente. Os restantes arguidos eram vendedores e vigias, esclarecendo o que é um vigia. Relatou que no dia 15 abril de 2020 realizou uma vigilância e nessa data o vendedor que estava no n.º ... era o arguido FF e quem encaminhava os consumidores era o arguido GG, exercendo também as funções de vigia, isto é, observava para ver se haviam agentes policiais por perto. Os consumidores encaminhados ficavam muito pouco tempo no seu interior, saindo logo de seguida. No dia 22.11.2020 (outra vigilância) viu que o vendedor era o arguido JJ e no exterior encontrava-se um individuo que não conseguiram identificar, que depois foi substituído pela arguida HH. Viu o arguido JJ proceder a vendas no exterior (entregar produto estupefaciente e recebeu dinheiro). Esclareceu que sabia ser produto estupefaciente pois era tudo semelhante ao que vieram apreender dias depois.
Exibidas fls. 113 a 153 descreveu pormenorizadamente as transações de produto estupefaciente que viu a serem realizadas pelo arguido JJ e que fotografou. Explicou que estava suficientemente perto para perceber que os consumidores lhe entregavam dinheiro. Descreveu de igual modo como surgiu a arguida HH e as funções da mesma. Esta arguida começou a fazer o encaminhamento dos consumidores para o n.º ... e observava se havia algum agente policial nas imediações. No dia 22.02.2012 era o arguido FF que tinha a função de vigia. Nesse dia viu o arguido AA contactar com este arguido. No dia 12 de março, estava o colega DD de vigia e, de acordo com a comunicação do colega, procedeu à interseção de MM que tinha na sua posse 7 embalagens de cocaína.
Explicou que a interseção é feita sem perderem de vista o consumidor numa zona já segura para a realizarem. No dia 25 abril de 2021 o Chefe … e o agente NN entraram para o interior do n.º ... e esconderam-se nas escadas. Viu que o arguido OO chegou ao n.º ... e acordou o GG. Depois o EE entra no n.º ... e sobe até ao …, local onde reside o arguido AA. Quando desceu foi abordado pelos colegas e tinha na sua posse cocaína e heroína. Nessa altura entraram, de imediato, na residência do arguido AA e aprenderam cocaína, heroína e a quantia em dinheiro conforme consta dos autos de apreensão. Nesse dia os arguidos AA e EE foram detidos. Explicou que foi tudo muito rápido e que o arguido AA não saiu de casa e o produto estava no hall de entrada. Disse que as bolsas na posse do EE eram semelhantes às encontradas na casa do arguido AA. Disse, ainda, que o arguido GG encaminhava os consumidores até ao n.º ... e o vendedor só abre a porta depois do GG bater. Afirmou que antes do inicio da venda o vendedor deslocava-se sempre ao n.º ..., pois ia buscar produto estupefaciente e só depois iniciava a venda no n.º .... Depois no final do dia deslocava-se novamente à casa do arguido AA para entregar o dinheiro.
- Depoimento da testemunha CC. Referiu ser Chefe da PSP, a exercer funções na ... em … e que conhece os arguidos do exercício das suas funções. Começou por afirmar que o arguido AA é o líder da atividade de tráfico e o proprietário do produto estupefaciente.
Participou na interseção de consumido no dia 12 de março de 2021, por indicação do colega DD que estava na vigilância.
Disse que participou na busca realizada no apartamento do arguido AA. Por indicação do colega DD tomou conhecimento que o arguido EE se ia deslocar ao n.º .... Aí chegado dirigiu-se ao … A porta foi aberta pelo arguido AA. Passados 2m o arguido EE saiu e trazia na sua posse 2 bolsas, uma contendo cocaína e outra heroína. Deslocaram-se à casa do arguido AA e encontraram no hall de entrada 5 bolsas de heroína, cocaína e produto indeterminado.
Esclareceu que o produto já estava embalado em doses individuais.
- Depoimento da testemunha PP. Referiu ser agente da PSP a desempenhar funções à data dos factos, na ...e que apenas conhece o arguido AAdo exercício das suas funções. Disse que realizou a busca à residência do arguido AA. Foi apreendido no hall de entrada bolsa contendo heroína, cocaína e um produto indeterminado. Na cozinha foi encontrada bolsa com dinheiro
- Depoimento da testemunha DD. Referiu ser agente da PSP a desempenhar funções na … e que conhece os arguidos do exercício das suas funções. Disse que realizou várias vigilâncias das quais percebeu que o arguido AA seria o “patrão” do produto estupefaciente, explicando que os vendedores e vigias, nomeadamente, os arguidos GG, JJ, II, deslocavam-se ao n.º ... (residência do arguido AA), traziam o produto estupefaciente e só depois iniciavam a venda; ou tal sucedia a meio da venda quando o produto estupefaciente faltava. Explicou que das vigilâncias por si realizadas viu que o arguido II exercia as funções de vigia e a arguida HH exercia as funções de vendedora de produto estupefaciente; viu o arguido FF a exercer as funções de vendedor de produto estupefaciente e o arguido II de vigia; viu o arguido JJ exercer as funções de vendedor de produto estupefaciente e o arguido LL de vigia; o arguido KK exercia as funções de vendedor de produto estupefaciente e o arguido GG de vigia. Explicou que os arguidos que tinha a função denominada como vigia, estavam a observar o local, se havia algum movimento policial e recebiam os compradores, encaminhando-os até aos vendedores. Referiu que a venda ocorria sempre atrás da porta e que nunca viu a transação, que demorava segundos.
Afirmou que as pessoas saiam do interior do lote com um pacote na mão e que não tem dúvidas ser produto estupefaciente e que naquele local os arguidos por si identificados se dedicavam à atividade de tráfico de produto estupefaciente e que ocorreu entre abril de 2020 até abril de 2021. O vigia ficava sempre cá fora. Disse que ocorreu uma abordagem a um consumidor na vigilância de 12 de março de 2021. Referiu, ainda, que o produto estupefaciente comercializado naquele local era cocaína e heroína, como se constata da apreensão efetuada. As vendas neste local decorriam entre as 07:00h da manhã e a meia noite. Referiu que, por exemplo, o arguido KK quando terminavam as vendas deslocava-se ao n.º ... para entregar o dinheiro que tinham obtido com a venda de produto estupefaciente.
- Depoimento da testemunha QQ. Referiu ser agente da PSP a desempenhar funções à data dos factos, na ...e que conhece os arguidos do exercício das suas funções. Disse que realizou as vigilâncias de 09 de fevereiro de 2021 e de 22 de fevereiro de 2021 e com o agente DD as vigilâncias de 12 de março e 31 de março. Relatou que na vigilância ocorrida no 09 de fevereiro de 2021 viu o arguido II chegar à rua ..., ao lote ... e deslocou-se de imediato ao interior do lote ... e só depois de voltar deste último lote é que iniciou a venda de produto estupefaciente. Nesta altura, nas imediações já haviam toxicodependentes para adquirir produto estupefaciente. Mediante comunicação gestual estes dirigiam-se ao lote ... para adquirir o produto estupefaciente. Nesse dia foi intercetado um consumidor na posse de produto estupefaciente. Descreveu que no dia 22 de fevereiro viu o arguido AA (proprietário da venda) e trocou palavras com o arguido LL. Vai para o lote ... e o LL vai atrás, tendo saído passados 5m e desloca-se para o lote .... De imediato, os compradores deslocam-se para este lote. Neste dia era o arguido FF que se encontrava a exercer as funções de vigia, isto é, na zona de entrada do lote, sempre a observar e encaminhava os compradores para o interior do mesmo. No dia 12 de março viu o arguido JJ chegar e aceder ao lote .... Passados breves momentos sai e dirige-se ao lote ..., começando de imediato a venda. Neste dia era o arguido JJ o vendedor, sendo o vigia o arguido GG. Neste dia os colegas fizeram a interceção do consumidor que tinha acabado de comprar produto estupefaciente, que era o DD. No dia 31 de março estava a vender produto estupefaciente no lote ... um individuo não identificado e a exercera as funções de vigia o arguido GG.
- Depoimento da testemunha MM. Referiu não conhecer os arguidos, afirmando ser um processo que não quer recordar. Relatou que em março ou abril de 2021 foi abordado e identificado pela patrulha da PSP após ter adquirido produto estupefaciente – cocaína - junto às .... Dirigiu-se ao local e não conseguiu identificar os vendedores. Entrava por uma porta de um prédio e no interior do patamar do mesmo adquiria o produto estupefaciente. A venda era muito rápida e sem palavras. Explicou que o produto estupefaciente estava no interior de uma embalagem grande na posse do vendedor donde retirava as doses e entregava. Disse que no dia que foi abordado a cocaína que tinha na sua posse correspondia ao produto que tinha acabado de comprar. O tempo que mediou entre a compra e ser abordado pelos agentes da PSP foi cinco minutos. Nesse dia comprou 7 embalagens e pagou € 30,00. Disse que se deslocou a este local durante 4 meses, entre duas a três vezes por semana. Habitualmente ia de tarde, apenas desta vez foi de manhã. Afirmou que em todas as vezes que foi era sempre um corrupio de consumidores para adquirir produto estupefaciente.
Ao nível da prova pré-constituída e já constante dos autos o Tribunal valorou:
Pericial:
- Relatório de exames periciais toxicológicos de fls. 887, 930 e 932;
Documental:
Relatórios de vigilâncias de fls.6-7, 507;
- Apenso 1;
- Apenso A
- Auto de ocorrência de fls.475-476;
- Autos de apreensão de fls.508;
- Auto de busca e apreensão de fls.513-514;
- Auto de detenção de fls.533-537;
- Reportagem fotográfica de fls.515-517
- Docs. de fls.478, 510, 519;
- Certidão NUIPC 70/08.3SMLSB (fls.734-836), 123/03.4PJLSB (fls.837-865), 837/08.2PMLSB (fls.866-883);
Em sede das condições de vida dos arguidos, teve-se ainda em conta os certificados de registo criminal e os relatórios sociais constantes dos autos.
Os meios de prova referidos foram todos conjugados e confrontados, procurando-se encontrar os pontos de confluência e coerência dos mesmos.
Os arguidos, à exceção da arguida HH, não pres...m declarações na audiência de julgamento. Esta arguida negou a prática dos factos, considerando o Tribunal desde já a versão por si apresentada inverosímil.
O arguido AA prestou declarações em sede de 1.º interrogatório judicial, no qual admitiu ter na sua posse o produto estupefaciente, apresentando, porém, uma justificação para essa posse completamente inverosímil à luz da restante prova produzida e das regras da experiência comum.
O arguido EE, também em sede de 1.º interrogatório judicial, admitiu a posse de produto estupefaciente, afirmando que era para seu consumo e negou que tivesse adquirido o mesmo ao arguido AA. A explicação apresentada por este arguido mostra-se de igual modo inverosímil em face da restante prova produzida e à luz das regras da experiência comum. Ademais, importa referir que não faz sentido o arguido ter a referida quantidade na sua posse para o seu consumo, quando a sua situação económica era precária.
Vejamos:
Os agentes da PSP BB, CC, PP, DD, QQ, que depuseram de forma objetiva, espontânea, lógica, com riqueza de pormenores e credível, referiram como decorreu a investigação e rela...m os factos por si observados, nomeadamente, o local a que os compradores se dirigiam, quem ali estava para os encaminhar e/ou vigiar e depois foi realizada a abordagem de um comprador, que a testemunha MM. A abordagem foi realizada pelas equipas de apoio aos colegas que estavam de vigilância e nunca perdiam de vista o comprador até o mesmo ser intercetado e que tinha na sua posse produto estupefaciente acabado de adquirir. Portanto, resulta que na ... os arguidos procediam à venda de produto estupefaciente (heroína e cocaína). Tal resulta demonstrado por presunção judicial, resultante da aplicação das regras de experiência comum aos factos conhecidos e que são as apreensões realizadas ao cliente/consumidor que tinha comprado aos arguidos nas circunstâncias de tempo e lugar descritas pelos agentes da PSP e constantes dos relatórios de vigilância, tendo de imediato sido intercetado. Apesar de ter ocorrido apenas uma interseção ao consumidor MM, mas o “modus operandi” durante todo o período da investigação foi sempre o mesmo, dai recorremos a uma presunção judicial como acima referimos, para podermos afirmar que nos restantes dias os arguidos dedicavam-se de igual modo à venda de produto estupefaciente (cocaína e heroína – produto apreendido).
Acresce referir, que a testemunha MM prestou um depoimento isento, espontâneo, claro e com riqueza de pormenores, no qual descreveu que durante 4 meses pelo menos (ano de 2020 e 2021), se deslocou àquele local para adquirir produto estupefaciente e que sempre que se ali se dirigia havia muitos consumidores como ele para adquirirem produto estupefaciente.
Por outro lado, e quanto ao arguido AA, o Tribunal atendeu aos depoimentos espontâneos, coerentes e credíveis dos agentes da PSP (DD, CC e BB) que explicaram que antes do início da venda de produto estupefacientes, os vendedores dirigiam-se à casa deste arguido e só depois iniciavam a venda de produto estupefaciente, conjugados com os autos de apreensão e restantes documentos juntos aos autos.
O Tribunal atendeu também aos relatórios de vigilância externa:
- A (fls. 6 e 7) consta a vigilância datada de ... de ... de 2020 entre 09:00 e as 11:00, realizada ao número 9, sito na ..., em …, local onde o arguido FF, foi observado a vender estupefacientes (heroína e cocaína).
A auxilia-lo como “vigia” estava o arguido GG.
- A (fls. 3 a 29 – Apenso A) consta a vigilância datada de ... de ... de 2020, entre as 22:30 e as 00:00, realizada na ..., local onde o arguido KK foi observado a vender estupefacientes (heroína e cocaína).
A auxilia-lo como “vigia” estava o arguido GG.
- A (fls. 30 a 86 – Apenso A) consta a vigilância datada de 20 de maio de 2020, entre as 22:30 e as 02:00, realizada na ..., local onde o arguido KK foi observado a vender estupefacientes (heroína e cocaína).
A auxilia-lo como “vigia” estava o arguido GG.
- A (fls. 87 a 112 – Apenso A) consta a vigilância datada de 16 de outubro de 2020, entre as 07:30 e as 09:10, realizada na ..., local onde a arguida HH foi observada a vender estupefacientes (heroína e cocaína).
A auxilia-lo como “vigia” estava um individuo não identificado (INI).
- A (fls. 113 a 157 – Apenso A) consta a vigilância datada de 22 de novembro de 2020, entre as 07:30 e as 10:30, realizada na ..., local onde o arguido JJ foi observado a vender estupefacientes (heroína e cocaína).
A auxilia-lo como “vigia” estava a arguida HH.
- A (fls. 158 a 171 – Apenso A) consta a vigilância datada de 9 de fevereiro de 2021, entre as 07:00 e as 10:20, realizada na ..., local onde o arguido II foi observado a “vigiar” a venda de estupefacientes (heroína e cocaína), levada a cabo por um individuo não identificado à data dos factos.
No decorrer desta vigilância o arguido II foi ainda observado a deslocar-se ao interior do número 7, sito na ..., em Lisboa, local onde reside o arguido AA.
Quando saiu deslocou-se apressadamente ao interior do número 9, vindo a sair logo depois e a manter a posição de “vigia”, enquanto o INI deu continuidade à venda de estupefacientes.
- A (fls. 172 a 183 – Apenso A) consta a vigilância datada de 22 de fevereiro de 2021, entre as 06:50 e as 08:15, realizada na ..., local onde o arguido LL foi observado a vender estupefacientes (heroína e cocaína).
A auxilia-lo como “vigia” estava o arguido FF.
- A (fls. 184 a 206 – Apenso A) consta a vigilância datada de 12 de março de 2021, entre as 07:00 e as 09:00, realizada na ..., local onde o arguido JJ foi observado a vender estupefaciente.
Pelas 07:00, o arguido JJ chegou ao local e deslocou-se ao interior do número 7 (cf. fotogramas 1 a 4). Quando saiu dirigiu-se para o interior o número 9 (cf. fotogramas 5 a 10), local onde deu início à venda do estupefaciente.
A auxilia-lo como “vigias” estavam os arguidos LL e GG.
No seguimento de uma das vendas feitas pelo arguido JJ, veio a ser intercetado e identificado o consumidor MM (cf. fotogramas 38 a 44), pela posse de sete (7) embalagens de Cocaína, com o peso de 1,06 grama.
Dos factos foi elaborado o respetivo Auto de Noticia de fls. 475 e 476.
- A (fls. 207 a 220 – Apenso A) consta a vigilância datada de 31 de março de 2021, entre as 06:50 e 09:30, realizada na ..., local onde se apurou que a venda de estupefacientes (heroína e cocaína) daquele dia estava a ser feita por um individuo não identificado (INI).
A auxilia-lo como “vigia” estava o arguido GG.
Desta vigilância foi possível observar o arguido AA (...), a sair do interior do número 7 e a deslocar-se ao interior do número 9, local onde estava a decorrer a venda de estupefacientes por sua conta.
- A (fls. 507) consta a vigilância datada de 5 de abril de 2021 entre 06:30 e as 07:15, realizada aos números 7 e 9, sitos na ..., em …, local onde o arguido EE foi observado a deslocar-se ao interior do número 7, onde veio a ser intercetado e detido em flagrante delito pela posse de estupefacientes.
A auxilia-lo como “vigia” estava o arguido GG, que conseguiu encetar a fuga para o interior do número 9.
Resulta também do teor dos autos de apreensão, quer ao comprador quer aos arguidos, e bem assim dos autos de exame toxicológico, as quantidades de produto estupefaciente e qualidade, as quantias monetárias apreendidas, o que à luz das regras da experiência conjugada com a restante prova produzida, não subsistem dúvidas para o Tribunal que o produto estupefaciente estava a ser vendido por estes arguidos na ..., e cada um exercia uma função diferente, o que caracteriza este tipo de atividade ilícita.
Com efeito, todos os meios de prova mereceram uma apreciação quer muito detalhada quer de carácter genérico, o que constituiu o escrutínio global dos mesmos, fundamentando o julgamento fáctico realizado. Houve toda uma vasta produção de prova direta e indireta. O que, em conjunto, concorreu para a formação da convicção do Tribunal foram: os antecedentes das ações propriamente ditas, o modo de atuação similar de diversas ações, os depoimentos prestados em audiência, o dinheiro e o produto estupefaciente apreendido, a detenção em flagrante na posse de droga não destinada a consumo próprio pelo arguido AA e EE, os exames realizados e o facto dos arguidos não terem uma ocupação profissional estável.
Assim, considerando a prova produzida, nomeadamente, as declarações dos agentes da PSP cujos depoimentos foram isentos, lógicos, concordantes e pormenorizados, com conhecimento direto dos factos conjugadas com os relatórios periciais e restantes documentos juntos aos autos, nomeadamente os autos de apreensão, o “modus operandi”, o facto dos arguidos não terem ocupação laboral estável, levaram o Tribunal a concluir, sem qualquer margem para dúvidas, que os arguidos AA, EE, GG, HH, FF, II, JJ, LL e KK participavam de forma organizada e concertada na atividade de venda de produtos estupefacientes, embora com intervenções a níveis diferentes.
Sobre o modo de contacto entre os consumidores e os arguidos e as quantidades de produto estupefaciente, foi atendida a prova testemunhal acima enunciada bem como os relatórios periciais, os autos de apreensão e restantes documentos juntos aos autos.
Relativamente ao produto estupefaciente apreendido e ao dinheiro apreendido é patente em face da prova produzida que o dinheiro (em notas de baixo valor) apenas poderá ser produto da venda de estupefacientes.
Assim, os factos relativos aos pontos n.ºs 1 a 29 e 33 a 47 resul...m provados por presunção judicial, resultante da aplicação das regras de experiência comum aos factos conhecidos que são os descritos nos pontos n.ºs 30, 31 e 32, 48 a 52 dos factos provados.
Relativamente aos factos provados nos pontos n.ºs 30, 31 e 32 48 a 52 o Tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações prestadas pelas testemunhas agentes da PSP e consumidor, conjugadas com os relatórios de vigilância, relatórios periciais, autos de apreensão e restantes documentos juntos aos autos
Finalmente no que respeita aos factos descritos nos pontos n.ºs 63 a 78 o Tribunal alicerçou a sua convicção nos relatórios sociais e declarações prestadas pelo arguido EE em sede de 1.º interrogatório e nos certificados de registo criminal.
Apreciando crítica e conjugadamente, à luz das regras da experiência comum, as declarações das testemunhas inquiridas – agentes da PSP - que depuseram de forma concordante, objetiva com conhecimento direto sobre os factos e cujos depoimentos se mostraram credíveis, convincentes e seguros e de modo consentâneo e coerente com os elementos documentais e periciais constantes dos autos, a quantidade, os locais onde os arguidos foram observados a vender produto estupefaciente, o modo como eram os contactados, a quantia em dinheiro apreendida, a quantidade de produto estupefaciente apreendido, o modus operandi, a não ocupação profissional dos arguidos levaram o tribunal a concluir, sem qualquer margem para dúvidas, que os arguidos conheciam as características do produto estupefaciente que tinham na sua posse, o qual se destinava à venda a consumidores ou a outros indivíduos que o procurassem para o efeito
A prova do dolo dos arguidos fez-se a partir da análise do conjunto da prova produzida e com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da atuação desenvolvida pelos arguidos e das circunstâncias em que a mesma teve lugar.
Os arguidos agiram em conjugação de esforços e vontades, em execução de plano comum, para a venda de produtos estupefacientes a consumidores para obtenção de lucro.
Agiram assim todos os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas são criminalmente punidas por lei.
Por todo o exposto, deram-se por provados os factos como tal enumerados.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
2.1. Enquadramento jurídico da conduta dos arguidos
Os arguidos vêm acusados pela prática, em coautoria material, sendo os arguidos JJ e EE, como reincidentes (cfr. artigos 75.º e 76.º, n.º ...1 do CP), de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º ...1 do DL
15/93, de 22.01, por referência às Tabelas I-A e I-B, anexas a esse diploma legal.
(…)
Em face da factualidade apurada dúvidas não subsistem que os arguidos, com a sua conduta preencheram os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de tráfico de estupefaciente.
Cumpre desde já afastar e atenta a factualidade provada e apesar dos arguidos KK, LL, JJ, HH, FF e EE serem consumidores à data dos factos, que não se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 26.º do DL n.º ...15/93 de 22 de janeiro.
Importa, assim, apreciar se os arguidos praticaram o crime de tráfico de estupefaciente previsto e punido nos artigos 21.º n.º ...1 ou 25.º, ambos do Decreto-Lei n.º ...15/93, de 22/1.
Vejamos a factualidade que resultou provada.
Desde pelo menos, abril de 2020, altura em que chegou ao conhecimento da P.S.P. a atividade levada a cabo pelos arguidos, que AA, conhecido por “...”, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL, se vêm dedicando à venda de heroína e de cocaína, a terceiros, mediante contrapartida económica, na ....
Tal atividade era coordenada pelo arguido AA, que era o responsável pela aquisição dos referidos produtos, entregando-os, posteriormente aos outros arguidos que procediam à respetiva venda a terceiros, sendo tais vendas realizadas diariamente, entre as 07h30 e as 24h, no referido local.
Os arguidos EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL procediam à entrega de embalagens de heroína e de cocaína aos clientes, no interior dos Lotes 7 e 9 da ...,
para onde se dirigiam, alternando entre si os respetivos horários em que procediam a estas transações.
Assim, quando os arguidos EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL se deslocavam à ... para dar início às vendas de cocaína e de heroína, primeiramente dirigiam-se à residência sita no n.º ..., 4.º Direito daquela Rua, onde se encontrava o arguido AA que lhes entregava os referidos produtos.
Após, saíam daquela habitação e deslocavam-se ao n.º ... da ..., onde aguardavam serem abordados pelos consumidores.
Assim, na prossecução do plano acordado entre todos, no dia 15.04.2020, os arguidos GG e FF encontravam-se a proceder à venda de cocaína e de heroína a terceiros, no n.º ... da ..., nesta cidade.
Pelas 09h00 deste dia, encontravam-se junto à entrada daquele imóvel.
Cerca das 09h18, um indivíduo de sexo masculino, cuja identidade não se apurou, deslocou-se ao interior do n.º ....
Ao vê-lo, de imediato o arguido FF entrou para o mesmo imóvel, enquanto que o arguido GG permaneceu no exterior.
Neste dia, no período compreendido entre as 09h55 e as 10h34, 4 indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, deslocaram-se ao interior do Lote ... da ..., onde se encontrava o arguido FF, tendo dali saído, pouco depois.
Nos dias 11.05.2020 e 20.05.2020, os arguidos GG e KK encontravam-se junto à entrada do n.º ... da ..., nesta cidade, a proceder à venda de cocaína e de heroína a terceiros.
Nestas ocasiões, o arguido KK procedia à venda direta destes produtos a terceiros, consumidores dos mesmos, enquanto que o arguido GG vigiava as imediações do local de venda, alertando o arguido KK para a presença de autoridades policiais.
No dia 16.10.2020, pelas 07h30, as vendas de cocaína e de heroína no n.º ... da ... foram realizadas por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar.
Pelas, 07h40 deste dia, a arguida HH dirigiu-se e entrou no n.º ... da ..., nesta cidade, para proceder à venda de cocaína e heroína a terceiros, tendo o referido indivíduo saído do interior do imóvel, mantendo-se no exterior, a vigiar as imediações do local de venda, alertando para a chegada de autoridades policiais.
No dia 22.11.2020, as vendas de estupefaciente no n.º ... da ... foram realizadas pelo arguido JJ.
Pelas 10h25, HH chegou ao local, tendo-se posicionado na entrada do referido imóvel, a vigiar as imediações, para poder alertar o arguido JJ perante a chegada de autoridades policiais.
No dia 09.02.2021, as vendas de cocaína e de heroína no n.º ... da ... foram realizadas por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, que aderiu ao plano elaborado pelos arguidos, fazendo-o seu, sendo que, neste dia, o arguido II assumiu as funções de “vigia”, cabendo-lhe, igualmente, deslocar-se ao n.º ... daquela Rua, afim de ir buscar mais embalagens das referidas substâncias.
No dia 22.02.2021, pelas 07h30, o arguido FF deslocou-se ao interior do Lote ... da ..., de onde saiu, momentos depois, permanecendo na entrada.
Pouco depois, chegou ao local o arguido LL, que entrou no imóvel, tendo, ali entregue cocaína e heroína a indivíduos que ali se deslocavam, com esse propósito.
Pelas 08h00 o arguido AA chegou àquela Rua, fazendo-se transportar no veículo de marca e modelo “...”, de matrícula ..-TT-...
Após parquear a viatura, observou a Rua e dirigiu-se para junto do arguido LL, com quem estabeleceu um breve diálogo e entrou no lote ....
Seguidamente, o arguido LL saiu do lote ... e entrou no lote ....
Cerca de 5 minutos depois, o arguido LL saiu do interior do lote ... e regressou ao lote ..., onde entrou.
Ao vê-lo, de imediato uns indivíduos que ali aguardavam acederam ao lote ..., tendo dali saído, momentos depois.
No dia 12 de março de 2021, pelas 07h00, o arguido JJ deslocou-se ao interior do n.º ... da ..., de onde saiu, poucos minutos depois.
Dirigindo-se e entrando no n.º ... da mesma Rua, onde procedeu à entrega de embalagens de cocaína e de heroína a indivíduos que ali se deslocavam, para as adquirir.
Pelas 07h25, o arguido LL chegou ao n.º ... da ..., tendo-se posicionado no exterior do imóvel, a olhar em todas as direções, assumindo uma postura de vigilância.
Entre as 07h40 e as 08h15, diversos indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, chegaram ao n.º ... da ..., onde entraram, dali saindo, breves minutos depois.
Cerca das 08h15, o arguido GG chegou ao aludido imóvel, onde entrou, dali saindo, pouco depois, e posicionou-se à entrada do mesmo assumindo uma postura de vigilância, juntamente com o arguido LL.
Pelas 08h45, MM, consumidor de cocaína, pretendendo obter este produto para seu consumo, deslocou-se à entrada do referido imóvel, n.º ..., onde entrou.
No interior do mesmo, recebeu de JJ:
7 embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,847 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 35,5%, sendo o equivalente a 10 doses de consumo tendo pago pelas mesmas, em contrapartida, a quantia de €30,00 (trinta euros).
Estas embalagens foram apreendidas na posse de MM por Agentes da P.S.P., tendo contra o mesmo, por estes factos, sido instaurado procedimento contraordenacional.
Prosseguindo com o plano estabelecido entre todos os arguidos, no dia 31 de março de 2021, as vendas de cocaína e de heroína realizadas no interior do número 9 da ... foram realizadas por um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, enquanto que,
Neste dia o arguido GG exercia funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, aquando das transações de cocaína e de heroína efetuadas.
Pelas 07h05, o referido indivíduo não identificado dirigiu-se e entrou no n.º ... da aludida artéria, onde entrou, dali saindo, pouco depois, deslocando-se, em seguida, para o n.º ....
Pelas 07h15, o arguido GG saiu do n.º ... e encaminhou-se para a entrada do n.º ... da ..., onde se posicionou.
Cerca das 08h10, um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, dirigiu-se para a entrada do n.º ... da ..., onde contactou com o arguido GG e lhe entregou quantia monetária.
De seguida, ambos entraram para o n.º ....
Pelas 08h35, um outro indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, contactou com o arguido GG.
Após, entrou para o n.º ... da ..., dali saindo, pouco depois.
Pelas 09h20, um outro indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, contactou com o arguido GG.
Após, entrou para o n.º ... da ..., dali saindo, pouco depois.
Cerca das 09h30, o arguido AA saiu do n.º ... da ... e deslocou-se para o n.º ....
No dia ... de ... de 2021, pelas 07h00, com o referido propósito de proceder à venda de cocaína e de heroína, o arguido EE deslocou-se à ....
Ali chegado, deslocou-se ao interior do prédio n.º ....
Pelas 07h05, o arguido EE saiu do prédio juntamente com o arguido GG.
De seguida, o arguido GG permaneceu junto da entrada do n.º ..., exercendo, funções de vigilância a eventuais atuações policiais, de forma a controlar a sua aproximação ou presença, e alertar o arguido EE, quando este iniciasse as vendas de estupefaciente,
tendo feito sinal para aguardar a dois indivíduos que se encontravam no lado oposto da rua.
Enquanto isso, o arguido EE deslocou-se e entrou no n.º ..., e dirigiu-se e entrou no 4.º andar direito, onde se encontrava o arguido AA.
No interior desta residência, o arguido EE recebeu do arguido AA:
- 2 cantos de sacos de plástico transparente, sendo que um continha no interior:
- 33 (trinta e três) embalagens de heroína, com o peso líquido de 6,246 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 7,2%, sendo o equivalente a 4 doses de consumo; e o outro:
- 22 (vinte e duas) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), produto este que apresentava um grau de pureza de 47,9%, sendo o equivalente a 45 doses de consumo
Seguidamente, o arguido EE saiu desta habitação, entrou no elevador e desceu até ao R/C.
Ao chegar ao hall de entrada, foi abordado e revistado por Agentes da P.S.P. que encontraram na sua posse e apreenderam os referidos produtos.
No interior da habitação sita na ..., onde se encontrava o arguido AA, foram encontrados e apreendidos:
-5 (cinco) cantos de sacos de plástico contendo 110 (cento e dez) embalagens de heroína, com o peso líquido de 19,777 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 9,7%, sendo o equivalente a 19 doses de consumo;
- 39 (trinta e nove) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 5,269 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 47,2%, sendo o equivalente a 82 doses de consumo;
- um canto de saco de plástico com cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 3,322 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 37,9%, sendo o equivalente a 6 doses de consumo
- a quantia monetária de €198,60 (cento e noventa e oito euros e sessenta cêntimos).
A quantia monetária apreendida aos arguidos tinha sido obtida com os proventos resultantes de transações dos produtos estupefacientes.
Os arguidos, que atuaram em colaboração mútua, e em plena comunhão de esforços e intentos, conheciam as características e natureza estupefaciente da cocaína e da heroína que comercializavam, e destinavam-nas à venda a terceiros.
Os arguidos sabiam que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei.
Os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Em face da factualidade apurada, entende-se que a conduta do arguido AA se enquadra no tráfico previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º ...15/93.
Vejamos:
A matéria de facto apurada integra, indubitavelmente, a previsão legal do artigo 21.º, n.º ...1 do Decreto-Lei n.º ...15/93, de 22.01, pois o arguido AA adquiriu, teve na sua posse e, de seguida, entregou para ser vendida cocaína e heroína, substâncias incluídas nas tabelas I-A e I-B anexas àquele diploma legal, com o perfeito conhecimento da natureza estupefaciente desses produtos e censurabilidade das suas condutas.
Tais factos revelam que o arguido assumiu o tráfico de estupefacientes como fonte certa e habitual de receitas para manter o seu sustento, - que se prolongou no tempo – abril de 2020 a abril de 2021, de uma forma regular, ininterrupta, como que no exercício de uma qualquer atividade profissional, - sem se descortinar qualquer fator de diminuição de ilicitude das condutas individualmente consideradas suscetível do enquadramento no tráfico de menor gravidade do artigo 25.º do DL n.º ...15/93.
O arguido não se integra na categoria designada por “retalhistas de rua”.
No caso verifica-se que a culpa atinge um grau médio uma vez que o arguido agiu com dolo direto, engendrou um plano, já com uma organização na realização da venda de produtos estupefacientes, que concretizou, com o propósito conseguido de obter vantagens
económicas.
Em conclusão, o desiderato factual exposto, não traduz globalmente, uma diminuição da ilicitude e, de forma considerável.
Pelo contrário.
A modalidade e as circunstâncias da ação, os meios utilizados, como meio estratégico de atuação, os locais escolhidos para as transações, a qualidade, quantidade e variedade do produto transacionado, a atuação voluntária, consciente e intencional do arguido na repetição da ação delituosa de tráfico, de forma estruturada, apesar de conhecer a ilicitude da sua conduta, apenas reforça a ilicitude do facto e não a sua considerável diminuição, e revela um tráfico persistente na satisfação das necessidades dos seus clientes.
Assim, o arguido será condenado pela prática em coautoria de um crime de tráfico de estupefaciente previsto e punido no artigo 21.º do DL nº 15/93.
(…)
Assim, a conduta dos arguidos corresponde à prática de atos de execução dos crimes praticados por todos.
Assim, e no seguimento do exposto entendimento, a apurada conduta dos arguidos, corresponde à prática de atos de execução de um único crime praticado por todos, pelo que devem os mesmos ser condenados pela prática em coautoria, de um crime de tráfico de estupefaciente.
(…)
2.3. Determinação da medida da pena
Cabe agora determinar a pena concretamente cabida ao caso.
Tendo em conta que a moldura penal prevista e punida no artigo 21.º do DL 15/93 para o crime de tráfico de estupefacientes é de 4 a 12 anos de prisão e que para o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a) do Decreto Lei n.º ...15/93 é de 1 a 5 anos de prisão e de 1 ano e 4 meses a 5 anos de prisão (a aplicar aos arguidos que irão ser condenados como reincidentes), cumpre agora determinar o “quantum" a aplicar a todos os arguidos.
(…)
Quanto à pena concreta a fixar, dir-se-á que é elevada a ilicitude dos factos (estão em jogo múltiplos bens jurídicos que podem ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública, a modalidade da ação, a quantidade e qualidade do estupefaciente - cocaína e heroína - e o modo de execução) e o dolo é direto, São especialmente prementes as exigências de prevenção geral deste tipo de crimes, atenta a sua natureza, a gravidade das suas consequências nos indivíduos consumidores e na própria sociedade e a dimensão que o fenómeno atingiu, e de prevenção especial, atento o perigo de afastar os arguidos da prática de novos crimes.
(…)
A punição do narcotráfico, mais do que uma luta localizada, é um combate que se dirige a um flagelo à escala universal, conhecendo o consumo entre nós de heroína uma estabilização, o de cocaína um aumento ligeiro.
O traficante é insensível à desgraça alheia, cria alarme e insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei caso estes não ofereçam um ponto ótimo de quantum punitivo capaz de assegurar uma tutela efetiva e consistente dos bens jurídicos, não sendo aconselhável descer abaixo de um limiar mínimo abaixo do qual, comunitariamente, a punição não realiza a sua finalidade, além do mais de proteção dos importantes bens jurídicos que põe em crise – cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 306.
Por isso importa pela via da medida concreta da pena atuar sobre o comum dos cidadãos, dissuadindo-os do cometimento de futuros crimes, que, pela sua reiteração, criam alarme, insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei caso estes não atinjam um ponto ótimo capaz de assegurar uma tutela efetiva e consistente dos bens jurídicos.
As condições pessoais e a situação económica dos arguidos que resultou provada e que aqui se dá por reproduzida, com relevância que os arguidos não tinham ocupação laboral estável e eram consumidores, à exceção do arguido AA que não era consumidor.
O nível do comportamento posterior aos factos, leva-se em linha de conta que não admitiram a prática dos factos e não se mostraram arrependidos.
A opção dos arguidos de não admitir os factos de que se encontram pronunciados tem, como consequência lógica, a renúncia por parte dele ao benefício da atenuante da confissão e, na generalidade dos casos, também da do arrependimento.
A exclusão do benefício pelos arguidos das atenuantes da confissão e do arrependimento não consubstancia uma valoração em detrimento dos arguidos, mas, por outro lado, também não os beneficia.
Contra a maioria dos arguidos, à exceção do arguido GG (que não tem antecedentes criminais) milita o facto de terem antecedentes criminais, sendo que o arguido AA, HH e FF já foram condenados pela prática de crimes
da mesma natureza.
Importa ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes e o alarme social que ocasionam, não se podendo ignorar o número crescente de pessoas que se dedicam a atividade desta natureza, bem como as suas consequências nefastas em termos de saúde pública e o aumento da criminalidade.
Há que também ter em conta que nos termos do artigo 29.º do Código Penal cada comparticipante deverá ser punido segundo a sua culpa, levando a que se tenha em conta o diferente papel desempenhado pelos arguidos.
Assim, dadas as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e de forma a fazer os arguidos compreender a necessidade de não adotar condutas semelhantes no futuro, entende-se adequado fixar as seguintes penas:
(…)
- ao arguido AA a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto Lei n.º ...15/93”.
*
Apreciação do Recurso
I. Nulidade insanável por o julgamento se ter realizado na ausência do recorrente, nos termos do art. 119º, al. c) do C.P.Penal
O recorrente pretende a anulação do julgamento e sustenta que o mesmo foi realizado na sua ausência sem que tenha sido regularmente notificado (não foi notificado por funcionário nem foi requisitada a sua comparência ao estabelecimento prisional onde se encontrava preso).
Alega, para o efeito, que a partir da sua prisão cessaram os efeitos do TIR porque a sua ausência, face às limitações decorrentes da sua situação de reclusão, não dependeu da sua vontade, do que conclui que se verifica a nulidade insanável prevista no art. 119, al. c) do C.P.Penal (conclusões 9ª e 10ª).
Vejamos se lhe assiste razão.
Resulta da análise do processado que:
a) o arguido/recorrente prestou TIR em 05.04.2021 e nessa ocasião foi-lhe dado conhecimento, nomeadamente, das seguintes obrigações de:
- não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
- que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra, que entretanto vier a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento;
- que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores, legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º do Código de Processo Penal.
b) o arguido/recorrente indicou como morada a ..., ... em …;
c) a notificação do arguido/recorrente da data designada para a audiência de julgamento foi enviada para esta morada, tendo sido notificado em 20.03.2023 (cfr. fls. 1252);
d) a audiência de julgamento decorreu em três sessões (18.04.2023, 27.06.2023 e 13.07.2023), na última das quais teve lugar a leitura do acórdão;
e) todas as sessões decorreram na ausência do arguido/recorrente e na presença do seu Exmo Defensor Oficioso que, em 26.06.2023, requereu que fosse assegurada “a presença do arguido em julgamento, em novas datas a designar para o efeito”;
f) o arguido/recorrente está preso preventivamente desde 28.03.2023 no ...;
g) o conhecimento nos autos de que o arguido/recorrente se encontrava preso ocorreu em 18.04.2023, através de informação verbal de duas testemunhas.
Acompanhando o Acórdão do TRG de 07.11.2022, Proc. nº 57/18.8GACMN.G1, consideramos que “a garantia de um processo penal equitativo, no âmbito do qual seja assegurada a possibilidade efetiva do exercício do direito de defesa, encontra-se entre nós consagrada ao mais alto nível da hierarquia legal, nos artigos 20.º, n.º ...4, e 32.º, nºs 1 e 5, ambos da Constituição da República Portuguesa; assim como no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (que também é direito interno, por força do artigo 8º da Constituição da República)”.
Em concretização dessa garantia, o art. 61º do C.P.Penal dispõe que “o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;”.
Por conseguinte, a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento (art. 332º, nº 1 do CP.Penal), tendo a dispensa da sua presença sempre um caráter excecional, com vista a estabelecer uma concordância prática entre as garantias de defesa com a realização da justiça penal através dos Tribunais.
O art. 332º, nº 1 do C.P.Penal dispõe que “é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 334.º”.
E, o art. 333º do C.P.Penal dispõe que:
“1 - Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.
2 - Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.os 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º ...6 do artigo 117.º
3 - No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º ...2 do artigo 312º”.
A regular notificação exigida pelo nº 1 deste preceito legal pressupõe a observância das formalidades contempladas no artº 113º, nº 3 do C.P.Penal (tendo em conta, além do mais, a residência declarada pelo arguido aquando da prestação do TIR), do que a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal a recebeu e tomou conhecimento do respetivo conteúdo.
Revertendo ao caso dos autos, a notificação do arguido para comparecer à audiência de julgamento designada para o dia 18.04.2023, pelas 09:30, foi efetuada por carta que foi depositada no recetáculo da morada fornecida pelo arguido no seu TIR.
O arguido entrou em situação de reclusão em 28.03.2023 - depois da data em que prestou o TIR (05.04.2021) e após a notificação (20.03.2023) para comparecer à audiência de julgamento (designada para o dia 18.04.2023) – pelo que, aquando do início da audiência de julgamento, encontrava-se em situação de reclusão há 20 dias.
Apesar de o arguido estar obrigado a comunicar, no prazo de cinco dias, a alteração da morada ou “o lugar onde possa ser encontrado”1 (art. 196º, nº 3, al. b) do C.P.Penal) e estar ciente da advertência expressa (feita aquando da prestação do TIR, de que o incumprimento dessa obrigação legitima a realização da audiência na sua ausência - artº 333º do C.P.Penal), apenas comunicou a sua situação de reclusão (através do seu Exmo Defensor Oficioso), em 26.06.2023.
Pelo que, em 18.04.2023, mostravam-se cumpridas as formalidades para a notificação do arguido (feita por via postal simples, enviada para a morada constante do TIR)2.
Não obsta ao exposto a circunstância de, no dia 18.04.2023, duas testemunhas terem informado verbalmente o tribunal a quo de que o arguido se encontrava, nessa data, detido numa prisão em ....
Com efeito, tendo o arguido a obrigação de comunicar ao processo o local onde se encontra (atentas as obrigações decorrentes do TIR por si prestado), o que poderá fazer diretamente, através de requerimento enviado por via postal registada (art.º 196º, nº 3, al. c) do C.P.Penal), ou solicitar ao estabelecimento prisional que faça essa comunicação, como forma de obstar à realização do julgamento na sua ausência, não procedeu em conformidade até 18.04.2023.
O mencionado requerimento “deverá ser assinado pelo arguido, assim conferindo a este documento particular a força probatória vertida no art. 374.º/1 CC [daí que a “indicação, pela mãe de um arguido e pela advogada de outro, de moradas diversas das constantes nos TIR por aqueles prestados, sem que ambas disponham de poderes especiais de representação para esse efeito, não prevalecem, inter processualmente, nomeadamente para os fins previstos nos artigos 196.°, n.° 3, al. c), segmento final”, cf. ac. RC, 20.04.2015 (PAULO VALÉRIO)]” (in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo III, pág. 137).
Transpondo para o caso dos autos as considerações expostas, consideramos que a reclusão do arguido no ... (entre a data em que prestou TIR e a data em que se iniciou o julgamento) não o impossibilita nem afasta a sua obrigação de comunicar ao processo o local onde se encontra3 (atentas as obrigações decorrentes do TIR por si prestado e a circunstância de não se encontrar impedido de o fazer4) o que, em 18.04.2023, não havia feito nem é apreensível, da informação fornecida pelas testemunhas, que o arguido pretendesse ser notificado nesse local.
Acresce que, estando em causa um direito que assiste ao arguido, o comportamento processual do seu Exmo Defensor Oficioso (que nada requereu perante a ausência daquele, nem perante a informação verbal trazida aos autos pelas testemunhas, nem tão pouco reagiu ao douto despacho de não indispensabilidade da presença do arguido, como podia ter feito) indicia a possibilidade de, naquele momento, ser do interesse do arguido não vir prestar aos autos a informação de que se encontrava detido, nem pretender estar presente na audiência de julgamento5, pelo que bem ajuizou o tribunal recorrido ao considerar que o arguido estava devidamente notificado.
Por conseguinte, é de considerar regularmente notificado da data designada para a realização da audiência de julgamento o arguido que se encontra em reclusão após a data desta notificação (por via postal simples, enviada para a morada constante do TIR), uma vez que não estava impossibilitado (em virtude da reclusão) de comunicar ao processo o local onde se encontra.
Tendo faltado injustificadamente à audiência de julgamento, o tribunal a quo considerou que a sua presença não era necessária para a descoberta da verdade, nos termos do art. 333º, nº 1 do C.P.P, e deu início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a sua presença.
Ora, face à sua falta injustificada à audiência de julgamento, ao incumprimento da obrigação de comunicar o lugar onde se encontrava e à ausência de iniciativa processual por parte do seu Exmo Defensor Oficioso (que nada requereu perante a ausência daquele nem perante a informação verbal trazida aos autos pelas testemunhas, nem tão pouco reagiu ao douto despacho de não indispensabilidade da presença do arguido, como podia ter feito), não era exigível ao tribunal a quo que tomasse, nesse momento, quaisquer medidas para assegurar a sua presença.
Não se verifica, pois, a nulidade insanável prevista na al. c) do art.º 119º do C.P.Penal, dado que a ausência do arguido não ocorreu num caso em que a lei exige a sua comparência.
No entanto, embora o tribunal a quo tenha decidido, em 18.04.2023, que a audiência de julgamento podia começar sem o arguido estar presente, a tenha iniciado e tenha designado para a sua continuação o dia 27.06.2023, o Exmo Defensor Oficioso do arguido requereu, em 26.06.2023 (REFª: 45963144), que fosse assegurada “junto da justiça espanhola a presença do arguido em julgamento, em novas datas a designar para o efeito”.
Como vimos, a audiência de julgamento encontrava-se a decorrer na ausência do arguido por este se encontrar devidamente notificado e o tribunal recorrido ter decidido que a sua presença, desde o início da audiência, não era imprescindível à descoberta da verdade material.
Todavia, o arguido mantinha o direito (irrenunciável) de intervir em qualquer momento da audiência (art. 343º, nº 1 do C.P.Penal), bastando para tal a ela comparecer ou comunicar validamente e em tempo essa sua pretensão.
In casu, apesar de o Exmo Defensor Oficioso nada ter requerido na sequência da informação prestada verbalmente pelas testemunhas e do subsequente despacho proferido em 18.04.2023, com a apresentação do requerimento de 26.06.2023 alterou validamente a sua posição sobre o assunto e transmitiu ao tribunal a vontade do arguido estar presente em julgamento.
Resulta do exposto que esta pretensão manifestada pelo Exmo Defensor oficioso do arguido (que se encontrava ausente) é formulada por quem, naquele ato, o representava para todos os efeitos possíveis, nos termos do art. 334º, nº 4 do C.P.Penal.
Por outro lado, tal pretensão corporiza o exercício do direito fundamental do arguido de estar presente em todos os atos processuais que lhe digam respeito e de prestar declarações até ao encerramento da audiência, conforme estabelecem, respetivamente, os art. 61º, nº 1, al. a) e 333º, nº 2 do C.P.Penal (que integram o conjunto de direitos que constituem o núcleo fundamental e irredutível dos direitos de defesa do arguido em processo penal, cujo modo de exercício só ao próprio cabe definir).
Ao indeferir a pretensão do Exmo Defensor do arguido, o tribunal a quo suprimiu o direito deste de estar presente em todos os atos processuais que lhe digam respeito, nos termos do art. 61º, nº 1, al. a) do C.P.Penal, como é o caso das duas últimas sessões de julgamento.
A ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do art. 119º do C.P.Penal.
No que respeita aos efeitos da declaração de nulidade, os mesmos estão previstos no art. 122º do C.P.Penal, do qual resulta que as nulidades traduzem não só a invalidade do ato em que se verificam mas também todos aqueles que dele (ato) dependerem e as nulidades possam afetar.
“Estabelece a comunicação do vício do primeiro ato aos sucessivos circunscrevendo os seus efeitos aos que dele dependem ou por ele sejam afetados e se determina que o juiz, uma vez declarada a invalidade, os atos em concreto inválidos e os atos originária e subsequente, determine a repetição, se necessária e possível – de algum desses atos, aproveitando os atos que ainda puderem ser salvos do efeito do ato inválido” (Acórdão do TC nº 192/2002, de 8 de maio mencionado in “Código de Processo Penal – Comentários e notas práticas”, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, pág. 309)
O aproveitamento pelo juiz de todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito do inválido insere-se no princípio de economia processual.
No caso em apreço, a declaração da nulidade implica a invalidade das sessões da audiência de julgamento realizadas neste processo nos dias 27.06.2023 e 13.07.2023, bem como dos atos subsequentes (designadamente a prolação do acórdão), devendo o mesmo tribunal proceder à respetiva repetição (art. 122º, nº 1 e 2 do C.P.Penal).
*
Por força da nulidade insanável declarada, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelo recorrente.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA, e, em consequência:
a) declarar a verificação da nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c) do C.P.Penal; e
b) a consequente invalidade das sessões da audiência de julgamento realizadas neste processo nos dias 27.06.2023 e 13.07.2023 e dos atos que delas dependem (designadamente a prolação do acórdão);
c) ordenar que o mesmo tribunal proceda à respetiva repetição (art. 122º, nº 1 e 2 do C.P.Penal), diligenciando pela comparência do arguido nas datas que vier a designar.
Sem tributação.
*
Lisboa, 21 de maio de 2024
Luísa Oliveira Alvoeiro
Alda Tomé Casimiro
Ana Cláudia Nogueira
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1. Como bem se diz no “Voto de Vencido” que consta do Acórdão do TRG de 18.12.2012, Proc. nº 706/08.6GAFLG.G1: “Este procedimento é exigível em quaisquer circunstâncias em que o arguido não esteja afectado nos seus poderes de expressão de vontade (coma ou doença que o incapacitasse, por exemplo) e mesmo que seja “forçado” a mudar ou ser mudado para outro lugar ou residência, incluindo para um estabelecimento prisional … O arguido, ele sim, é que sabia que tinha em curso o presente processo, no qual tinha, e continuou a ter, obrigação de actualizar a sua localização”.
2. “A advertência ao arguido de que “as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº 2” revela uma solução compromissória entre os interesses da administração da justiça, as garantias do contraditório, o processo equitativo e fair process. Procura-se um equilíbrio entre todos estes interesses. A utilização da via postal simples, consagrando uma presunção de notificação após o depósito na caixa de correio na morada indicada pelo arguido, aliada a uma prévia advertência, parece acolher esse equilíbrio … Com essa advertência o arguido passa a estar ciente do modus como as autoridades irão comunicar consigo. Após esta informação vigora um princípio de autorresponsabilização do arguido” - “Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal”, Tomo III, pág. 135.
3. O que visa garantir a disponibilidade e contactibilidade dos arguidos, responsabilizando-os por isso, em termos de notificações futuras.
4. No “Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal”, Tomo III, pág. 140, são mencionados, como exemplos de acontecimentos impeditivos de fazer tal comunicação, a ocorrência de um acidente de viação, o estado de doença e anomalia psíquica. “
5. Com efeito, se o arguido quiser estar presente na audiência, comunica ao tribunal a sua nova situação e é convocado nos termos do art. 114º do C.P.Penal e, se não quiser estar presente, não comunica e é representado pelo defensor (tanto na situação de reclusão, como em qualquer outra).