Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
139/07.1PZLSB.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
REABERTURA DE AUDIÊNCIA
NULIDADE DE SENTENÇA
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
CONEXÃO SUBJECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Iº Apesar da verificação de conexão subjectiva entre os processos (art.25, CPP), não deve ser ordenada a respectiva apensação quando, não ocorrendo as vantagens próprias da conexão objectiva, relacionadas com a facilitação da produção da aprova e descoberta da verdade material, um dos processos tenha natureza urgente, esteja pronto para julgamento, ao contrário do outro, resultando da apensação prejuízo para a celeridade processual daquele e para o interesse da ofendida;
IIº O art.328, nº6, CPP, ao determinar a perda de eficácia da prova, em caso de interrupção da audiência por período superior a trinta dias, consagra o princípio da continuidade ou da concentração da audiência, considerando o legislador que a imediação e a descoberta da verdade são prejudicadas pela interrupção da produção de prova por períodos longos, ao tornar impossível a captação de uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado sobre toda a prova.
IIIº Em relação à audiência reaberta nos termos do art.371, CPP, deve respeitar-se o prazo daquele art.328, nº6, sob pena de perda de eficácia da prova já produzida, pois na deliberação final vai ser ponderada não só a prova suplementar, mas toda a prova produzida em julgamento;
IVº Quanto à leitura da sentença mais de trinta dias após o fim da produção da prova e aos casos de sentença que subindo em recurso é anulada por falta de indicação dos factos provados e não provados ou falta de fundamentação e desce ao mesmo tribunal para suprir o dito vício, a jurisprudência vem entendendo que não ocorre nulidade, porque se presume que a deliberação tenha sido tomada logo após o encerramento da discussão (art.365, nº1, CPP), quando a prova ainda estava fresca na mente do julgador;
Vº No caso, tendo o tribunal encerrado a discussão em 15Julho e designado para leitura da sentença o dia 25Agosto, reabrindo nesta última data a audiência para produção de prova suplementar, não pode ter aplicação o entendimento referido em IVº, uma vez que é de presumir que não houve deliberação imediata ou no mais curto prazo possível (art.365, CPP), pois a ter ocorrido tal deliberação imediata, a necessidade de prova suplementar, considerando a complexidade do processo e o volume da prova produzida, teria sido manifestada, no máximo, alguns dias após o encerramento da discussão;
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº A- 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº139/07.1PZLSB, da 1ª Secção do 5º Juízo Criminal de .., em que é arguido, J..., o tribunal, por sentença de 5Nov.10, decidiu:


…condeno o arguido J... pela prática do crime de maus-tratos a cônjuge, previsto e punido pelo art.152°, nºs 1 e 2 do Código Penal vigente à data da prática dos factos, na pena de 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE PRISÃO.
Ao abrigo do disposto nos artigos 50°, 53° e 54° do Código Penal decido suspender a execução da pena de prisão, por igual período, sujeita a regime de prova.
Ao abrigo do disposto nos artigos 152°, nº6 do Código Penal, 35°, 36° da Lei nº112/2009, de 16.09, l°, alínea e), 4.° e 7° da Lei nº33/2010, de 2.09, mais condeno o arguido na pena acessória de PROIBIÇÃO DE CONTACTOS COM A VITIMA, PELO PERÍODO DE 2 (DOIS) ANOS.
A execução da pena acessória será fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, nos termos fixados nos mencionados diplomas.
.....”.

2. Desta decisão recorre o arguido, J..., motivando o recurso com as seguintes conclusões:
2.1 O arguido mantém o interesse na apreciação do recurso interlocutório interposto a fls, 712 e seguintes, relativamente à decisão proferida em momento prévio à abertura da sessão de audiência e julgamento agendada para o dia 4 de Maio de 2010, pelo qual foi indeferida a apensação destes autos aos autos de processo-crime com o número 132/07.4JBLSB, que correm termos … e à decisão proferida em momento prévio à abertura da sessão de audiência e julgamento agendada para o dia 17 de Maio de 2010, pelo qual foi indeferida a arguição de nulidade da decisão referida;
2.2 O referido recurso e a questão da apensação de processos mantém toda a sua pertinência, visto que no âmbito do processo 132/07.4JBL58 ainda não foi realizada a audiência de discussão e julgamento;
…..

3. O Ministério Público respondeu, concluindo pelo não provimento do recurso, após o que este foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

B- Recurso Intercalar:
1. Na sequência de requerimento do arguido, pedindo a apensação destes autos ao Pº nº125/07.4JBLSB, da .., o Mmo. Juiz, por despacho de 4Maio10, indeferiu o requerido (fls.658), o que motivou invocação de nulidade, indeferida por despacho de 17Maio10 (fls.696).

2. Recorreu o arguido, motivando o recurso com as seguintes conclusões:
2.1 Existe, entre o presente processo (no qual o arguido se encontra acusado de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. no artigo 152º, nº 2 do CP, com referência à alínea a) do nº 1 do mesmo artigo, à data dos factos, e actual artigo 152º, nº1, alínea a) do CP), e o processo n.º 132/07.4JBLSB (no qual o arguido se encontra acusado por um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos arts.131, e 132, nºs 1 e 2 e) e j), do CP, e por um crime de ocultação de cadáver), conexão subjectiva e objectiva, nos termos dos arts. 24.º, n.º 1, al. b), do CPP, e 25.º do CPP.
2.2 Não se verifica qualquer impedimento legal à conexão de processos.
2.3 Acresce que, no caso em apreço, não se verifica qualquer fundamento para decretar a separação de processos nos termos do art. 30.º, n.º 1, als. b) e c), do CPP (ou quaisquer outros), por não estar em causa o interesse do arguido num julgamento em tempo razoável, nem a pretensão punitiva do Estado ou da ofendida.
2.4 Verificada a referida conexão, o tribunal tem que ordenar a apensação de processos, sob pena de nulidade por violação das regras de competência do tribunal (art. 119.º, al. e), do CPP).
2.5 Não declarando a conexão e não conhecendo da e reparando a nulidade oportunamente arguida, violaram as decisões recorridas os arts.24, nº1, al.b), 25, 28, al.a), e 29, do CPP, consubstanciando tal violação, ademais, nulidade insanável, nos termos da alínea e), do art. 119.º do CPP, também violada pelas decisões recorridas.
2.6 Violaram ainda as decisões recorridas o disposto naquelas disposições e no art.30, nº1, als. b) e c), do CPP, ao considerarem que se verificavam, no caso em apreço, os respectivos pressupostos que permitiriam a separação de processos e que os mesmos impedem in casu a apensação de processos.
2.7 Finalmente, violou a decisão de 17 de Maio de 2005 o disposto no art.5, nº2, al. a), do CPP, bem como o princípio da legalidade da lei criminal, na vertente da proibição de aplicação retroactiva, consagrado no art.29, nº1, da CRP, de que aquela regra é manifestação, e o princípio das mais amplas garantias de defesa contido no art.32, nº1, da CRP, ao interpretar o art.28, da Lei 112/2009, de 16/09, no sentido em que o mesmo impede a conexão de processos, mesmo em processos iniciados em momento anterior à vigência desta lei e que versem sobre factos anteriores a esta data, uma vez que tal aplicação retroactiva prejudica manifestamente a posição processual do arguido, prejuízo que pode ser atempadamente evitado determinando-se a apensação deste processo ao processo nº132/07.4JBLSB, da …, padecendo, pois, de inconstitucionalidade que aqui se argui.

3. O Ministério Público respondeu, concluindo pelo não provimento do recurso, após o que este foi admitido, com subida diferida.

C- 1. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto teve vista.
2. Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
3. O objecto dos recursos, é o seguinte:
-Recurso Intercalar:
a) Existência de fundamento para apensação destes autos ao Pº nº132/07.4JBLSB;
b) Nulidade por violação das regras de competência do tribunal;

-Recurso da sentença final:
a) Violação do art.328, nº6, CPP;
b) Impugnação da matéria de facto;
c) Erro notório na apreciação da prova;
d) Qualificação jurídica dos factos;
* * *
IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor:
……
……

* * *
IIIº A) Recurso Intercalar:
1. Requerida, pelo arguido, a apensação destes autos ao Pº n.º 132/07.4JBLSB, com invocação do disposto nos arts.24, nº1, al. b) e 25.º do CPP, o tribunal recorrido, embora reconhecendo verificarem-se os pressupostos de conexão (art.25, CPP), indeferiu o requerido, por os presentes autos terem natureza urgente (art.25, do Lei nº112/09, 16Set.), ao contrário do outro processo, estar pronto a iniciar-se o julgamento destes autos e existir fundamento justificativo da separação de processos, derivado do retardamento que a conexão causaria a este julgamento, o grave risco para a pretensão punitiva do Estado e para o grande interesse da ofendida.
O arguido arguiu nulidade daquele despacho, com fundamento na violação das regras de competência do Tribunal, indeferida por despacho de 17Maio10.
Estando em causa dois processos, com o mesmo arguido, existe conexão subjectiva entre eles.
A conexão objectiva depende da existência de um só crime ou de um determinado nexo entre vários crimes.
O recorrente invoca o disposto na al.b, do nº1, do art.24, do CPP “O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando -se uns a continuar ou a ocultar os outros”.
Como saliente o Ministério Público, na sua resposta em 1ª instância, os crimes objecto dos dois processos não foram praticados na mesma ocasião e lugar.
Por outro lado, parece evidente que, em relação ao crime de maus-tratos em causa nestes autos e homicídio de terceira pessoa no outro processo, não pode afirmar-se “destinando -se uns a continuar ou a ocultar os outros”.
Alega o recorrente que a conexão objectiva resulta de, na própria acusação destes autos, se afirmar que “na sequência da conduta descrita, o arguido, movido por ciúmes, terá, em 6Dez.07, assassinado M…, que suspeitou manter um relacionamento com a assistente…”.
Não pode, porém, afirmar-se em relação aos crimes objecto dos dois processos que sejam “uns causa ou efeito dos outros”. Na verdade, os ciúmes que terão levado o arguido a matar em Dez.07, na conduta em julgamento no outro processo, não são objecto deste, pois não se está aqui a julgar uma conduta de ciúmes, mas maus-tratos consumados entre 1997 e 2007. Parece evidente que o arguido não praticou a acção objecto do outro processo (homicídio de terceiro em Dez.07), em virtude dos maus-tratos de que ele próprio é autor e em causa nestes autos.
É certo que a Lei nº59/98, ampliou o critério de conexão subjectiva, permitindo-a em relação a todos os crimes cometidos na área de uma mesma comarca (art.25, CPP).
Contudo, não ocorrendo as vantagens decorrentes da existência de conexão objectiva, relacionadas com a facilitação da produção da aprova e descoberta da verdade material, a vantagem decorrente da conexão subjectiva deve ceder perante o prejuízo que no caso concreto decorreria para a celeridade processual e para o interesse da ofendida, pois no momento em que foi proferido o despacho recorrido, como é referido no mesmo, o julgamento nos presentes autos estava pronto a ser realizado (tal despacho foi proferido em sessão da audiência de julgamento), enquanto no outro processo não existia data marcada.
A natureza urgente deste processo, está legalmente consagrada no art.28, da Lei nº112/2009, implicando a aplicação do regime previsto no nº2 do art.103, CPP (nº2, daquele art.28).
Não estando o outro processo preparado para julgamento, estando este no seu início e sendo processo urgente, ao contrário do outro, aceita-se que existia fundamento para separação, caso os processos estivessem já apensados, justificando-se a não apensação, apesar da conexão subjectiva.
Com o devido respeito, com a aplicação imediata daquela Lei nº112/09, não existe violação do princípio da legalidade, ou dos direitos de defesa do arguido (arts.29, nº1 e 32, da C.R.P.), pois estamos perante norma processual e embora, nestes casos, se possa dizer que a celeridade processual foi legalmente imposta a pensar no interesse da vítima, também é verdade que esse interesse se presume comum à defesa.
Não se impondo a apensação dos processos, com a realização do julgamento pelo tribunal recorrido, não se violaram as regras de competência do tribunal, sendo evidente não ter sido cometida a nulidade da al.e, do art.119, CPP.
Deste modo, improcede o recurso intercalar.

B) Recurso da decisão final:
1. Tendo a audiência decorrido ao longo de várias sessões, alega o recorrente que ocorreu interrupção por período superior a 30 dias entre 15Julho10 e 7Out.10.
Como refere o recorrente, depois de várias sessões da audiência de julgamento, separadas por períodos inferiores a trinta dias, na sessão de 15Julho10, foram inquiridas várias testemunhas, o arguido prestou declarações e, após alegações orais, foi determinada nova interrupção da audiência para continuação no dia 25Ago.10, com leitura da sentença (fls.963).
Na sessão do dia 25Ago.10, aberta a audiência, a Mma. Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Ponderando toda a prova produzida …, determino:
1. Que se proceda à reabertura da audiência para a produção de prova suplementar com vista à determinação da pena a ser aplicada;
2. Solicite ao IRS elaboração do relatório social (art.370, CPP) e ainda a informação a que se refere o art.35, nº4…;
3. A tomada de declarações complementares ao arguido”.
Em seguida designou o dia 24Set.10 para continuação da audiência, tendo proferido despacho, no dia anterior à data designada, concedendo ao arguido prazo para exercer o contraditório em relação ao relatório social junto e designando o dia 1Out.10, para continuação da audiência.
Em 29Set.10, aquela data foi dada sem efeito e designado o dia 7Out.10, para inquirição das técnicas do IRS e cinco das testemunhas indicadas pelo arguido, ao abrigo do disposto no art.371, nº2, CPP., o que se cumpriu na data designada.
Perante este quadro, importa saber se, face ao tempo decorrido entre as sessões de 15Julho10 e 7Out.10, a prova produzida perdeu eficácia, como pretende o recorrente.
Ao contrário do que refere o Ministério Público, na sua resposta em 1ª instância, não releva para o efeito a sessão de 25Ago.10 (que para o caso seria irrelevante, uma vez que nessa data já tinha sido ultrapassado o prazo de trinta dias), pois da respectiva acta não consta que nesse acto tenham sido tomadas declarações ao arguido sobre o objecto do processo, mas tão só que o mesmo prestou “… consentimento conforme o disposto no art.36, nº1 e 3, da Lei nº112/09 …”.
De acordo, com o art.328, nº6, CPP “O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada”.
Consagra este preceito o princípio da continuidade ou da concentração da audiência. Considerou o legislador que “a imediação e a descoberta da verdade são prejudicadas pela interrupção da produção de prova repetidas vezes ou por períodos longos, pois ela torna impossível a captação de uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado sobre toda a prova”.
O facto da prova estar documentada não obsta àquela perda de eficácia, como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº11/2008: DR nº239, de 11Dez.08 Nos termos do artigo 328, nº6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma”.
Como refere aquele douto acórdão do STJ “todo o processo aquisitivo da informação em que se consubstancia a produção de prova como relação directa e imediata entre o meio de prova e o julgador perde definição e esbate-se com o distanciamento temporal. Deixa de ter sentido a afirmação de uma imediação no plano jurídico quando tal imediação é negada pela neurofisiologia e pelos mecanismos da memória.
….
A memória de trabalho possui capacidade limitada e intervalo de curto armazenamento. É capaz de manter actividades diferentes de informação pelo tempo necessário para a execução de uma tarefa complexa. O seu elemento principal, o «executivo central», tem como uma das principais funções activar e integrar as representações na memória de longo termo.
O legislador ao fixar o prazo de 30 dias como limite inultrapassável certamente que se fundamentou na contribuição da ciência na definição do espaço temporal dentro do qual permanecem as percepções pessoais que fundamentam a atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova.
Saliente -se aqui que o prazo referido — 30 dias — é assumido como realidade directamente conexionada com as aquisições científicas sobre a memória o que permite a inferência que o legislador pretendeu tal prazo como realidade científica e natural e não uma mera criação processual, ligando a sua contagem a itens que nada tem a ver com tal realidade”.
Porque tem a ver com o espaço temporal dentro do qual permanecem as percepções pessoais que fundamentam a atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova, compreende-se que a jurisprudência venha entendendo que a leitura do acórdão mais de trinta dias após o fim da produção da prova não constitua nulidade Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 28Out.09, Relator Cons. Maia Costa (sumário acessível em www.stj.pt) “… IV - O facto de a leitura do acórdão ter sido feita mais de 30 dias após o fim da produção da prova também não constitui nulidade. Com efeito, conforme jurisprudência uniforme deste STJ, a regra do nº6 do art.328º do CPP refere-se apenas à fase da produção da prova, pretendendo o legislador que esta seja concentrada, de forma a proporcionar ao julgador a evocação fácil do conjunto das provas produzidas oralmente, devendo a deliberação seguir-se imediatamente ao termo da produção da prova (art. 365.º, n.º 1, do CPP).
V - A sentença constitui uma nova fase de julgamento, que pressupõe a prévia deliberação, nada obstando a que seja lida e depositada para além do prazo de 30 dias após a deliberação. Não constitui, pois, nenhuma nulidade ou irregularidade o facto de o acórdão ter sido lido mais de 30 dias depois do encerramento da produção de prova. e que o mesmo prazo não se aplique aos casos de sentença que subindo em recurso é anulada por falta de indicação dos factos provados e não provados ou falta de fundamentação e desce ao mesmo tribunal para suprir o dito vício. Nestes casos a prova produzida anteriormente é válida independentemente do tempo que o tribunal levar para proferir nova sentença, pela razão que o juízo sobre os factos provados se mantém intocado Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed., pág.827 e jurisprudência aí citada..
Na verdade, independentemente da data em que é lida a sentença, a deliberação é logo seguida ao encerramento da discussão (art.365, nº1, CPP), pelo que, mesmo que o acto de publicação seja muito posterior àquele encerramento, presume-se que a deliberação tenha sido tomada quando a prova ainda estava fresca na mente do julgador, razão por que a publicação de uma sentença mais de trinta dias após o encerramento da discussão, só por si, não determina a perda da eficácia da prova produzida Com refere o Ac. do S.T.J. de 30Mar.06 (Pº nº780/06 - 5ª Secção, Relator Cons. Pereira Madeira):
“ …
III - A simples leitura da sentença, em regra, não contenderá com a eficácia da prova, a qual já foi oportunamente registada aquando da pressuposta elaboração daquela, e por isso, pouco importará, para tal efeito, que a leitura venha a ter lugar depois dos falados trinta dias.
IV - O mesmo sucederá quando confrontados que sejam os momentos de produção da prova e da elaboração e/ou prolação da sentença, por um lado, e da deliberação que a precede, por outro, já que, independentemente da data em que aquela seja proferida, a deliberação é logo seguida (art. 365.º, n.º 1) e ninguém pode garantir que o não foi no caso sub judice.
V - A perda de eficácia da prova está ligada a uma presunção legal implícita, segundo a qual o decurso de tal prazo apagará da memória do julgador os pormenores do julgamento, prejudicando desse modo a base da decisão factual, de tal modo que, aí sim, será possível o entendimento de que o único remédio para um tal esquecimento presumido passará pela repetição da audiência. …”..
No caso em apreço, porém, não é possível aquela presunção. Na verdade, caso tivesse sido cumprido o disposto naquele art.365, nº1, o reconhecimento da necessidade de prova suplementar não teria sido manifestado, apenas, quarenta dias depois do encerramento da discussão mas, no máximo, alguns dias após a mesma, já que estando em causa julgamento em tribunal singular e considerando a extensão da acusação e da prova produzida, não necessitava o tribunal de período muito longo para uma avaliação global da prova.
A elaboração da sentença pressupõe trabalho material que justifica, por vezes, a sua publicação algum tempo depois do encerramento da discussão, trinta dias ou mesmo mais, mas a deliberação, enquanto acto individual de análise e ponderação da prova, é muito mais rápido e deve ser o mais próximo possível do encerramento da discussão, “segue-se ao encerramento da discussão” na letra da lei, ou como refere Paulo Pinto de Albuquerque Ob cit. pág.924., sendo “… impossível a deliberação imediata, ela deve ter lugar no mais curto prazo possível”.
Refere a Mma. Juiz (fls.1041), que a audiência foi reaberta, apenas, “…para produção de prova suplementar com vista à determinação da pena a aplicar…”.
Contudo, como refere o recorrente, o legislador não consagrou um verdadeiro sistema de cesure total, em que houvesse uma separação absoluta entre a questão da culpabilidade e a da sanção, não impedindo que, posteriormente ao encerramento da discussão, por exemplo em consequência da produção de prova suplementar, o julgador venha a alterar a “decisão” que tinha tomado relativamente à questão da culpabilidade.
Por outro lado, quando o tribunal reconhece a necessidade de prova suplementar para determinação da sanção (arts.369, nº2 e art.371, CPP), não deixa de ponderar, para a questão em relação à qual essa prova suplementar é necessária, a prova já produzida, já que apenas vai ser produzida prova suplementar e não prova em relação a questão que não tenha sido objecto de prova anterior.
Assim, como refere Paulo Pinto de Albuquerque Ob cit. pág.826. , “… também a audiência reaberta nos termos do art.371, deve ter lugar dentro do prazo de trinta dias, sob pena de ineficácia da produção de prova já produzida”.
O art.328, nº6, ao estatuir “perde eficácia a produção de prova já realizada”, pressupondo que há prova ainda não realizada, permite aceitar que não seja aplicável nos casos em que a produção de prova já terminou (como são as hipóteses referidas, da interrupção para leitura da sentença em prazo superior a esse, ou de sentença anulada em recurso que vem a ser elaborada em prazo superior àquele), contudo, não deixa dúvidas sobre a sua aplicabilidade ao caso em apreço, em que a produção de prova sobre o objecto do processo ainda não tinha terminado, como o comprova a produção de prova suplementar.
Tendo o tribunal recorrido fundamentado a sentença em prova que perdera eficácia (art.328, nº6), é como se o tribunal fundamentasse a decisão em prova não produzida em audiência, o que determina a nulidade da sentença (arts.374, nº2 e 379, nº1, al.a, do CPP).
Nos termos do art.122, do CPP, a nulidade que se tem por verificada torna inválida a sentença e determina a repetição do julgamento, a fim de que sejam produzidos os meios de prova que, entretanto, perderam eficácia.
Em consequência, ficam prejudicadas as outras questões suscitadas.
* * *

IVº DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam:
a) Em julgar improcedente o recurso intercalar;
b) Em julgar procedente o recurso interposto da sentença final, declarando a nulidade da mesma e ordenando a repetição do julgamento.
c) Condena-se o recorrente em 3 UCs de taxa de justiça, pelo decaimento no recurso intercalar.

Lisboa, 22 de Março de 2011

Relator: Vieira Lamim
Adjunto: Ricardo Cardoso