Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7398/2006-2
Relator: NETO NEVES
Descritores: ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
INCUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O ADL constitui um contrato indirecto em que o tipo de referência é o aluguer e o fim indirecto a compra e venda a prestações com reserva de propriedade, sendo-lhe inaplicável o regime do art.º 1045, do Código Civil.
II – Com efeito, nestes casos, o “aluguer” não traduz o rendimento obtido do bem pela cessão do seu gozo, antes constitui uma prestação calculada em função de um plano de amortização de uma dívida de financiamento (dívida de capital) e respectiva remuneração (juros) e outros encargos, pelo que não tem cabimento indemnizar a retenção indevida do bem através do pagamento de “alugueres”, tanto mais que, com o decurso do tempo, o valor de capital, juros e lucro foi sendo amortizado e o bem está a ser parcial e gradualmente pago.
(G.A)
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

            I – G, Instituição Financeira de Crédito, SA, que incorporou por fusão W, Lda e W, SA, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra P, pedindo a condenação deste a proceder à imediata entrega do veículo automóvel de matrícula TO, sob pena de a respectiva apreensão ser ordenada e realizada judicialmente, e ainda a pagar-lhe a quantia de € 2.137,52 de indemnização contratual, nos termos dos artigos 804º, 807º e 564º, ex vi do artigo 1045º, todos do Código Civil, liquidada na data da propositura da acção e a que, calculada nos mesmos termos, se vier a apurar correspondente ao período de tempo decorrido desde a propositura da acção até à efectiva entrega do veículo.
            Alegou ter celebrado com o R. um contrato de aluguer desse veículo, que adquiriu expressamente para o efeito, pelo período de 60 meses, mediante o pagamento de uma primeira prestação no valor de € 3.295,92 e as restantes 59 no de € 534,38 cada, a pagar até ao dia 5 de cada mês e com início em 4.6.2002 e termo final em 4.6.2007.
            Entregue o veículo ao R., deixou ele de pagar os “alugueres” vencidos em 5.10.2004, 5.12.2004 e 5.1.2005, num total que, com juros de mora, perfaz o montante de € 1.826,64.
            Em face da falta de cumprimento das suas obrigações, a Autora resolveu o contrato, ao abrigo do Decreto-Lei nº 354/86, de 23 de Outubro e da cláusula 10ª, 2 das Condições Gerais do contrato, por declaração enviada por carta registada com AR, datada de 21.1.2005 e recebida em 25.1.2005.
            Reclama, como efeito da resolução, a devolução do veículo, tendo para o efeito interposto procedimento cautelar que foi deferido, e indemnização pela perda do rendimento normal correspondente à utilização do mesmo (venda ou realuguer) e pela imobilização, tanto da viatura, determinante da sua depreciação e desactualização, como do capital aplicado na sua aquisição, a qual determina com recurso ao disposto no artigo 1045º do Código Civil, isto é, pelo valor do aluguer mensal desde a data em que o R. estava obrigado a restituir o veículo até à da sua efectiva entrega à Autora.
            Citado, o R. não contestou, tendo por isso sido proferido despacho, nos termos do artigo 484º, nº 1 do Código de Processo Civil, declarando confessados os factos articulados pela Autora.
            Seguiu-se a prolação de sentença, que julgou procedente o pedido de condenação na entrega do veículo, mas improcedentes os pedidos atinentes à indemnização, com fundamento na inaplicabilidade ao contrato dos autos do dispositivo do artigo 1045º do Código Civil.
            Interpôs a Autora o presente recurso de apelação, cujas alegações finalizou com as seguintes conclusões:
            1. O presente recurso tem como objecto a parte da sentença que absolveu o Réu dos pedidos formulados nas alíneas B) e C) da petição inicial, por entender que o art° 1045° do CC não se aplica aos contratos de aluguer de longa duração.
2. O contrato dos autos, celebrado livremente pelas Partes, é um contrato de aluguer de longa duração.
3. O Réu poderia ter celebrado um contrato de financiamento "puro" (mútuo) adquirindo logo a propriedade do veículo, ou um contrato de locação financeira, com o qual ficaria titular de um direito potestativo de aquisição do veículo automóvel, ou mesmo uma locação-venda nos termos previstos no art° 93672 do CC.
4. A celebração do contrato dos autos não constituiu um método alternativo de financiamento para o Réu.
5. Diversamente do pressuposto na sentença recorrida, relativamente ao "contrato de aluguer de longa duração" dos autos, não se mostra consagrada a possibilidade ou a obrigação de compra e/ou venda do bem locado no final do contrato.
6. Tem sido aceite pela Jurisprudência que este tipo de contrato é um contrato atípico, especial, e que não obedece a um figurino legal, sendo plenamente válido ao abrigo do princípio da liberdade contratual previsto no art° 405° do CC.
7. Tem sido também unanimemente aceite que a este tipo de contrato são aplicáveis as normas gerais do contrato de locação (vd. a título de exemplo o Acórdão do STJ de 05.12.1995).
8. A indemnização pedida visa precisamente a reparação do efectivo e real prejuízo que a Autora sofre com a não restituição do veículo - o valor da renda mensal que deveria ser paga.
9. Do não cumprimento da obrigação de restituição do veículo, a Autora não só não pode realugar o veículo, retirando dele a rentabilidade pretendida com a sua aquisição como também não o pode vender. O prejuízo da Autora não é só o não recebimento da renda, mas também o ver-se privada de um bem de que é proprietária e do qual não pode dispor.
10. A finalidade da indemnização em causa é indemnizar o locador pelo facto de o locatário continuar a usar, sem causa, a coisa locada, em prejuízo do locador. É uma indemnização que visa ressarcir a mora no cumprimento pelo Réu da obrigação de restituir o veículo à Autora.
11. Mas a disposição cuja aplicabilidade é posta em causa pela sentença recorrida não visa apenas ressarcir o locador: ela visa também compelir o locatário a, findo o contrato (seja por que chega ao seu termo, seja por resolução) a restituir a coisa locada, dissuadindo-o de reter na sua posse, ad aeternum, a coisa locada.
12. O novo regime do artigo 1045°, assumiu um carácter preventivo e sancionatório. Este carácter preventivo e sancionatório retira-se também da própria letra da lei ao determinar que a obrigação de indemnizar será sempre devida seja qual for a causa da não restituição.
13. Com o artigo 1045° do Código Civil, pretende-se sobretudo que o locatário tome, desde logo, conhecimento das consequências que para si advêm se não cumprir a obrigação prevista no artigo 1038° al. i) do Código Civil e, ainda dissuadi-lo a manter na sua posse coisa que não é sua, e a cujo gozo não tem direito, depois de terminado o contrato.
14. "Acresce que a obrigação da Ré se poderia mesmo basear nos princípios gerais consignados nos art°s 798° e 562° do C Civil (...) uma vez que, com o incumprimento do contrato, se tornou responsável pelos prejuízos causados ao credor, os quais se reconduzem, directamente à privação do veículo automóvel e à perda do seu valor locativo, ou no enriquecimento sem causa, previsto nos art°s 473° e ss do citado código, por ter deixado de haver causa justificativa para o enriquecimento da ré, resultante da continuação do uso do veículo" (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.10.1999).
15. Os contratos de aluguer de longa duração implicam para a locatária riscos avultados que têm de desembolsar elevados montantes na aquisição dos veículos automóveis que constituem bens de aceleradíssima desvalorização e sofrem um enorme desgaste pelo seu uso e pelo mero decurso do tempo. Assim, a locadora só com o integral cumprimento do contrato vê o seu risco inicial compensado.
16. Desta forma, este tipo de contrato inclui cláusulas indemnizatórias que desencorajam o seu incumprimento e que "motivam" as Partes ao seu cumprimento pois só assim se alcança a finalidade económica para que foram celebrados.
17. A manutenção da propriedade do veículo alugado é a principal garantia da locadora que, por se manter proprietária do mesmo, tem sempre direito à sua restituição. Assim, o não cumprimento desta obrigação pelo locatário, findo o contrato, faz "cair por terra" a principal garantia da locadora.
Nestes termos e nos mais de direito deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo julgar-se a acção totalmente procedente, condenando-se o Réu no pedido, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

            II – QUESTÃO A DECIDIR
            Resulta das conclusões transcritas – pelas quais, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 4 do Código de Processo Civil se delimita o objecto do recurso – que a questão a resolver é a de apurar se à indemnização por prejuízos decorrentes de incumprimento contratual do locatário determinante da resolução operada pelo locador, em contrato de aluguer de longa duração de um veículo automóvel pode ser aplicado o regime consagrado no artigo 1045º do Código Civil, para o contrato de locação civil.

            III – FACTOS
            Prescindiu-se, na sentença impugnada, com invocação do disposto no artigo 484º, nº 3 do Código de Processo Civil, da enunciação dos factos provados.
            No entanto, em face da própria questão a decidir, afigura-se conveniente proceder a tal explicitação, a qual se passa a fazer, tendo em conta os factos provados documentalmente e por confissão nos termos do artigo 484º do citado Código:
a) A W alterou a sua denominação para G, Instituição Financeira de Crédito S.A. e incorporou por fusão as sociedades W, Lda e W - Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A., nos termos que constam do doc. 1 junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar apensado;
b) No exercício da sua actividade, a W celebrou, em 4.6.2002, com o R., o acordo escrito denominado contrato de aluguer n° A68166654, cuja cópia foi junta como doc. 2 do requerimento inicial do procedimento cautelar, que se dá por reproduzido;
c) No referido contrato, a W declarou alugar ao R. o veículo automóvel da marca ALFA ROMEO, modelo 156 MY SW 1.9 7TD, com a matrícula TO, que, nos termos da cláusula 4ª das Condições Gerais, o segundo livremente escolheu, bem como o respectivo fornecedor;
d) O prazo de aluguer acordado foi de 60 meses, obrigando-se o R. a pagar 60 alugueres, com uma periodicidade mensal, sendo o primeiro no valor de € 3.295,92 e os restantes 59 no valor de € 534,38 cada, incluindo o IVA respectivo, a serem pagos, pelo R. à W, até ao dia 5 de cada mês, com início em 4.6.2002 e termo em 4.6.2007;
e) Após a celebração do referido contrato, foi, nessa data, entregue o veículo ao R., que o passou a utilizar, conforme auto de recepção do veículo, nos termos que constam do doc. 4 junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar, que se dá por reproduzido.
f) Veículo que para o efeito a W adquirira, nos termos que constam do doc. 3 junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar, que se dá por reproduzido;
g) Nos termos acordados, a falta de pagamento de qualquer das rendas conferia à W a possibilidade de resolução do contrato, ficando o R. obrigado a restituir àquela o dito veículo automóvel, fazendo W seus os alugueres até então pagos, tendo ainda o R. que pagar à W as rendas em mora, bem como a indemnização prevista;
            h) Tal indemnização é a indicada na cláusula 10ª, nº 1 como sendo de valor não inferior a 50% dos alugueres vincendos e, no segundo parágrafo da mesma cláusula, de 50% desses alugueres;
            i) Contém ainda o contrato nas condições gerais uma cláusula (12ª), com a epígrafe “restituição do equipamento” do seguinte teor:
            No termo do presente contrato, o equipamento será restituído em bom estado de conservação e funcionamento, salvo as deteriorações inerentes a uma utilização normal […]
            A restituição do Equipamento deverá ter lugar nos cinco dias seguintes ao termo do contrato, sob pena de o Locatário ficar obrigado a pagar à Locadora uma indemnização igual a 1/30, 1/90 ou 1/180, respectivamente do montante do último aluguer mensal, trimestral ou semestral vencido, por cada dia que decorrer entre o termo do contrato e a efectiva restituição do Equipamento, sem prejuízo da faculdade que à Locadora assiste de reivindicar a entrega do equipamento;
            j) O R. não pagou à Autora as rendas vencidas em 5.10.2004, 5.12.2004 e 5.1.2005, no valor total, acrescido de juros de mora, de € 1.826,64;
l) A Autora declarou resolver o contrato, por incumprimento do R., por carta registada datada de 21.1.2005, cuja cópia foi junta como doc. 5 do requerimento inicial do procedimento cautelar e se dá por reproduzido, enviada para a morada que consta do contrato, com aviso de recepção, junto como doc. 6 do requerimento inicial dos mesmos autos, que se dá por reproduzido;
m) O R. não restituiu o veículo supra identificado, mantendo a sua detenção contra a vontade da Autora;
n) A propriedade do veiculo automóvel da marca ALFA ROMEO, modelo 156 MY SW 1.9 7TD, com a matrícula TO está registada a favor da Autora na Conservatória do Registo Automóvel, nos termos que constam do doc. 7 junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar, que se dá por reproduzido;
o) No procedimento cautelar citado, que correu com o nº da 3ª Secção da 1ª Vara Cível de Lisboa, foi em 9.5.2005 proferida decisão determinando a imediata apreensão e restituição à requerente (aqui apelante) do veículo dos autos, a qual teve lugar em 25.5.2005, conforme auto a fls. 61-62 do procedimento cautelar.

            IV – O DIREITO
            Torna-se evidente que ficou apurada matéria de facto conducente à caracterização de um contrato de aluguer de veículo automóvel celebrado por escrito entre a antecessora da Autora, nela fundida posteriormente, e o R..
            Denominaram as partes tal contrato simplesmente como de “Aluguer nº ”, mas o mesmo encontra-se redigido, na parte referente às Condições Gerais, em termos de configurar um clausulado pré-impresso proposto pela locadora ao locatário para adesão, assim se desviando da classificação muito comum dos contratos de aluguer de longa duração (ALD), que se tem constituído como espécie contratual corrente no comércio jurídico, mas atípica do ponto de vista legal.
            Pese embora, também ao invés do que é bastante corrente, não terem estipulado no próprio documento escrito um valor residual, que seria devido caso o locatário optasse, no termo normal de vigência do contrato, por adquirir a titularidade do respectivo direito de propriedade – o certo é que a leitura de todo o clausulado permite surpreender todas as demais características objectivas de um tal contrato.
            Assim, o veículo foi adquirido pela locadora por escolha pelo locatário, que igualmente elegeu o seu fornecedor e com ele acordou características técnicas e garantias (v. cl. 4ª das Condições Gerais), o prazo fixado para a vigência do contrato é de sessenta meses, o que corresponde ao frequente valor útil de um veículo automóvel, e o aluguer fixado corresponde, indubitavelmente, à remuneração do capital investido pela locadora na aquisição, que, de facto, financiou.
            Não existe a menor menção no articulado à opção de compra do bem pelo locatário, que não é inerente à figura do aluguer (ao invés da locação financeira), mas é corrente que contemporaneamente com o contrato de aluguer (e sem nesta a tal fazerem alusão) as mesmas partes celebrem um contrato-promessa de compra e venda, a actuar apenas no termo da vida normal do contrato (contra o pagamento do “valor residual”) ou uma promessa unilateral de venda.
            Apesar da inocuidade do texto contratual fixado, maxime nas ditas “Cláusulas Gerais”, em relação a este figurino negocial atípico mas muito corrente, a sua finalidade transparece na cláusula 9ª, 3º parágrafo, que rege para o caso de sinistro do bem, ao mencionar-se o valor não amortizado do mesmo à data do sinistro.
            Ou seja, os ditos alugueres são prestações que visam a amortização de um capital de financiamento, e englobam a remuneração do mesmo, incluindo o (elevado) risco inerente a este tipo de financiamento, por se tratar de bens móveis facilmente perecíveis de grande desgaste e desvalorização pelo uso normal no decurso do tempo.
            O que vem de dizer-se serve para arredar desde já o que transparece do contexto das doutas alegações da apelante, que pretende subsumir o contrato dos autos simplesmente ao regime da locação, como se a finalidade prosseguida tivesse sido tão só a cedência do gozo de um bem e não a sua eventual aquisição (só assim se compreende que se falasse em amortização do valor de aquisição do bem), através de um financiamento por uma entidade que só adquiriu o bem para o entregar à contraparte e não meramente para dele extrair um rendimento periódico.
            Aqui chegados, e depois de reputar de somenos, para o caso, a questão de saber se esta figura contratual atípica se rege ou não pelo regime do contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor (Decreto-Lei nº 354/86, de 23 de Outubro, que a apelante também invoca designadamente como fundamento legal do exercício do direito de resolução contratual por não cumprimento por parte do R. ora apelado) – questão em relação à qual existem divergências nas jurisprudência e na doutrina [1] - importa aderir à visão que do contrato é dada por Pedro Paes de Vasconcelos [2](que é seguida aliás substancialmente na sentença apelada) segundo o qual o ALD constitui um contrato indirecto, em que o tipo de referência é o aluguer e o fim indirecto a compra e venda a prestações com reserva de propriedade (fim que no caso sub judice não está explícito mas que na realidade molda o negócio, na definição substantiva das obrigações assumidas pelas partes, desde a aquisição do veículo sob encomenda do locatário à composição financeira da prestação pecuniária a cargo do mesmo).
            Ora, nesta perspectiva, afigura-se que a jurisprudência que nos últimos anos, maxime no Supremo Tribunal de Justiça, tem sido proferida no sentido de considerar inaplicável ao contrato de aluguer de longa duração o regime do artigo 1045º do Código Civil, deve ser seguida. [3]
            Com efeito, o artigo 1045º do Código Civil visa, em princípio, a situação em que o contrato de locação chegou ao seu termo e o locatário não cumpriu a obrigação de restituir a coisa locada, prevista no artigo 1038º, alínea f) do mesmo Código, assim privando o locador de fruir ou usufruir novamente da mesma, pelo que a indemnização deve ser medida exactamente pela perda do valor locativo.
            Quando o “aluguer” não é apenas, e sobretudo não essencialmente, o rendimento obtido de um bem, pela cessão do seu gozo, que é retribuído mediante o pagamento do valor locativo (artigo 1022º do CC), mas uma prestação calculada em função de um plano de amortização de uma dívida de financiamento (dívida de capital) e respectiva remuneração (juros) e outros encargos, então não tem cabimento indemnizar a retenção indevida do bem através do pagamento de “alugueres”, tanto mais que, com o decurso do tempo, o valor de capital, juros e lucro foi sendo amortizado e o bem está a ser parcial e gradualmente pago.
            Não se nega que, quando a obrigação de restituir o bem é antecipada por força da resolução do contrato pelo locador, devido a incumprimento do locatário, o primeiro deixa de receber a parte correspondente de amortização, juros e lucro que fora repartido pelos “alugueres” vincendos, e que, se a restituição consequente da resolução não for realizada no prazo devido, não poderá sequer colocar de novo, de imediato, o bem no mercado de venda ou de ALD.
            Mas tal dano é já abrangido pela indemnização prevista para a resolução fundada em incumprimento do locatário [4] e que aliás as partes estipularam na cláusula 10ª das Condições Gerais, primeiro ao estabelecerem que não seria inferior a 50% do valor dos “alugueres” vincendos [v. alínea h) da matéria de facto], criando, não uma cláusula penal, mas uma estipulação de agravamento de responsabilidade (v. Acórdão citado da Relação de Lisboa, de 16.9.2004), mas que na parte final da mesma cláusula fixaram em percentagem certa, como se de cláusula penal se tratasse.
            E mesmo a cláusula 12ª das Condições Gerais do contrato foi significativamente “esquecida” pela apelante, como fundamento do pedido indemnizatório, preferindo apelar para o artigo 1045º do Código Civil.
            Na verdade, tal cláusula 12ª surge tão só vocacionada para a situação de o bem não ser restituído no termo final normal do contrato, tal como o artigo 1045º do Código Civil, mas este não corre o risco, que aquela manifestamente apresenta, de ser considerada abusivo, dada a fonte legal da sua normatividade.
           
Em resultado que se vem expondo, entendemos ter sido correcta a análise jurídica que fundamentou a opção efectuada na sentença recorrida para recusar procedência à pretensão indemnizatória da apelante com base na inaplicabilidade do artigo 1045º do Código Civil ao contrato de ALD dos autos.
            E, sendo essas as razões, também a cláusula 12ª, aliás não invocada, não pode servir para fundamentar tal pretensão. [5]
            Impõe-se, assim, julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença na parte impugnada.

            V – DECISÃO
            Nestes termos, acordam em julgar improcedente a presente apelação, confirmando a sentença recorrida.
            Custas da apelação pela recorrente.

            Lisboa, 28 de Junho de 2007
António Neto Neves

Isabel Canadas

José Maria Sousa Pinto
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[1] V. Sebastião Nóbrega Pizarro O contrato de locação financeira, Coimbra 2004, pág. 44-45.
[2] In Contratos Atípicos, 1995, págs. 245-246
[3] V. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.4.2002, proc. 02B812, Relator Moitinho de Almeida, de 16.11.2004, Proc. 05ª1421, Relator Silva Salazar e de 9.5.2006, Proc. 06ª1018, Relator João Camilo e da Relação de Lisboa, de 16.9.2004, Proc. 8053/2004-7, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, vide o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.5.2006.
[5] O que não significa que a apelante não poderia ter obtido uma indemnização a coberto da cláusula 10ª, caso a tivesse peticionado.