Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1287/09.9TYLSB-A.L1-1
Relator: JOÃO AVEIRO PEREIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
MARCAS
RESPOSTAS AOS QUESITOS
FALSIDADE
CONTRAFACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Um mandatário que recebe uma decisão escrita sobre a matéria de facto, e que logo ali diz dispensar a sua ida à sala, aceita definitivamente uma tal notificação e faz criar nos restantes intervenientes processuais uma legítima convicção de que não impugnará a prática de um acto que só devido ao seu assentimento foi assim praticado.
II – Ao vir a posteriori e surpreendentemente arguir a falsidade da acta de leitura das respostas aos quesitos, incorre numa atitude abusiva por contrária aos princípios da boa fé, da lealdade e da confiança que devem existir nas relações processuais, em prol de uma sã administração da justiça.
III – Não se encontrando suficientemente fundamentadas em factos as alegadas suspeitas de contrafacção dos produtos da marca da requerente, fica sem justificação a prestação de informações pela requerida, prevista no art.º 338.º-H do código da propriedade industrial.
IV – E, do mesmo modo, carecem de fundamento as medidas de obtenção de prova, quando a requerente da providência cautelar não logra apresentar e demonstrar indícios suficientes de violação de direitos de propriedade industrial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

“A”, sociedade comercial norte americana, com sede em …, E.U.A., requereu esta providencia cautelar não especificada contra “B”, S.A., com sede na …, Lisboa, pedindo:
1) a apreensão de todos os produtos encontrados em todas as lojas da Requerida que contenham a reprodução da marca “C” ou qualquer outro sinal confundível;
2) a intimação da Requerida a abster-se imediatamente de usar a marca “C” da Requerente ou qualquer outro sinal semelhante, por qualquer modo na sua vida comercial;
3) a destruição a expensas da Requerida de todos os produtos apreendidos nas instalações da Requerida que contenham uma reprodução da marca “C” ou qualquer outro sinal semelhante;
4) a condenação da Requerida no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória calculada em €300 por cada dia que decorra sem se abster de usar a marca “C” da Requerente ou outro sinal semelhante na sua actividade comercial;
5) a notificação da Requerida para apresentar ao Tribunal todos os documentos contabilísticos relativos à aquisição, importação, armazenamento, venda e ou utilização de todos os produtos assinalados com a marca “C”;
6) a prestação da requerida de todas as informações relevantes sobre a comercialização dos produtos assinalados com a marca “C”.
Para o efeito, a Requerente alegou, em síntese, a titularidade da marca “C” e o facto de não ter dado autorização à Requerida para esta comercializar mochilas ou outros artigos com a marca “C”, comercialização esta que, segundo afirma, viola o direito de marca, causando desvio de clientela, lucros cessantes, havendo até fortes indícios de que tais mochilas são contrafeitas, concluindo assim a Requerente pela prática de concorrência desleal.
A Requerida opôs-se (fls. 43 e ss.), impugnando e defendendo a improcedência do requerimento inicial, por entender não existir contrafacção nem se verificar qualquer lesão grave do direito.
Ouvidas as testemunhas em audiência, foi proferida decisão de indeferimento da providência requerida.
Inconformada, a Requerente apelou e concluiu assim:
A. O presente recurso de Apelação vem interposto da sentença do 4º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa que indeferiu as providências cautelares requeridas no âmbito deste processo, com fundamento de que a prova testemunhal produzida nos autos demonstrou que os fornecedores da Requerida estão devidamente autorizados a comercializar produtos da marca “C”. Conclui-se na sentença recorrida que o direito da Requerente claudicou porquanto não ficou provada a falta de consentimento da titular da marca (em sentido amplo).
B. Foram dados como indiciariamente provados nestes autos os seguintes factos relevantes:
A Requerente é a titular dos registos de marca comunitária nº ... e nº ... “C”. (Facto C)
Os produtos “C” são distribuídos e comercializados na Europa através da sociedade belga denominada “D1”. (Facto G)
Os produtos “C” são distribuídos e comercializados em Portugal através da sociedade “E”, Lda. (Facto H)
A Requerida comercializou em Agosto e Setembro de 2009 mochilas com a marca “C”, nos seus hipermercados “F” e supermercados “G” em Portugal.(Facto I)
A Requerida fez campanha publicitária, incluindo a TV, para a promoção das vendas de mochilas “C” nesta época de início do ano escolar. (Facto K)
O preço normal de mercado das mochilas “C”, modelo ... , ronda os €45, conforme preço de venda ao público recomendado pelo distribuidor oficial em Portugal “E”, Lda. (Facto L)
No dia 12/09/2009, a Requerida vendeu as mochilas “C”, modelo ... , ao preço de €12.45 incluindo o IVA.( Facto P)
No dia 17/09/2009, a Requerida vendeu as mochilas “C”, modelo ... , ao preço de €4.98 incluindo o IVA. (Facto Q)
A Requerida vendeu 4576 mochilas. (Facto R)
As mochilas “C” vendidas pela Requerida são iguais às mochilas produzidas e comercializadas pela Requerente. (Facto S)
A Requerente não deu autorização à Requerida para vender produtos com a marca “C”. (Facto T)
A venda massiva de mochilas “C” nos Hipermercados “F”, a um custo bastante inferior ao do mercado, provocou e continua a provocar uma forte diminuição do volume de vendas do distribuidor oficial em Portugal – “E”, Lda. (Facto U)
A venda massiva em hipermercados a um preço bastante inferior ao preço de mercado está a degradar o valor comercial e a imagem de prestígio que a marca “C” goza junto dos consumidores. (Facto Y)
É política da Requerente evitar que os seus artigos “C” sejam vendidos em hipermercados e em supermercados. (Facto Z)
A Requerida tem um stock de mochilas no valor de €43.500,00. (Facto BB)
C. A matéria dada como indiciariamente assente pelo Tribunal de Primeira instância não merece qualquer reparo da Recorrente, mas o mesmo já não sucede no que respeita à matéria de facto dada como não provada.
D. Na sentença recorrida foi dado como não provado que os distribuidores ou fornecedores da Requerente não tinham dado autorização à Requerida para comercializar produtos com a marca “C”.
E. O entendimento do Tribunal “A Quo” é incorrecto porquanto resulta claramente do depoimento das testemunhas nos presentes autos (designadamente os Senhores “H” e “I”) que nem a Requerente nem o seu distribuidor oficial no mercado europeu deram autorização à requerida ou aos seus alegados fornecedores para a comercialização de produtos da marca “C”.
F. O presente recurso de Apelação visa assim a reapreciação da prova testemunhal gravada durante a audiência de discussão e julgamento, devendo considerar-se integralmente reproduzidos os depoimentos das testemunhas “H” e “I” (CD Nº 77) e ainda algumas partes do depoimento da testemunha “J” (CD Nº 78).
G. A testemunha “H” menciona expressamente (na resposta às Perguntas 3 e 4) que não foi dada autorização ao “F” para vender produtos com a marca “C”: nem pela “A” (a titular das marcas), nem pela “D1” (distribuidor europeu para a qual a testemunha trabalha), nem por alguma empresa com a qual a “A” habitualmente trabalha.
H. A testemunha “H” refere também (respostas às Perguntas 11, 12 e 13) que a “A”, titular as marcas “C” faz parte do grupo “D” , uma empresa cotada na bolsa, e que não é possível perder-se o rasto a quantidades tão grandes como aquelas que se estima foram vendidas pelo “F”.
I. A testemunha “I” confirmou igualmente (na resposta à Pergunta 1) que não foi conferida nenhuma autorização aos hipermercados “F” para comercializar produtos com a marca “C”.
J. As testemunhas “H” e “I” são funcionários da empresa “D1”, o distribuidor oficial da “A” para o mercado europeu, e disseram claramente nos seus depoimentos que não havia sido dada autorização ao “F” ou aos seus alegados fornecedores para a comercialização de produtos “C”.
K. Portanto, o Tribunal “A Quo” não fez uma correcta aferição da prova testemunhal produzida na audiência, ao considerar como não provado que os distribuidores europeus da Requerente não tenham dado consentimento à Requerida para vender produtos “C”.
L. A Requerida alegou que os produtos “C” que comercializou nas suas lojas teriam sido adquiridos à empresa “L” (que os teria adquirido às empresas “M” e “N”, que por sua vez os teria adquirido à empresa “D2”) e à empresa “O” (sem especificar a origem dos mesmos).
M. A Requerida juntou fotocópias de diversas facturas relativas a transacções de produtos com a empresa “L”, e mais três facturas: uma emitida pela “D2”, outra pela “M” e outra pela “N”, sendo que os respectivos valores e quantidades foram rasurados.
N. As testemunhas arroladas pela Requerida afirmaram que foram adquiridos alguns produtos com a marca “C” à sociedade “L”, mas nenhuma testemunha foi capaz de confirmar a origem dos produtos “C” adquiridos pela “L” à “M” e à “N”. De notar que, por falta de iniciativa da própria Requerida, não foram ouvidas quaisquer testemunhas relacionadas com as empresas “M” e a “N”.
O. Ainda que a sociedade “L”, Lda. tenha vendido produtos com a marca “C” à Requerida, não ficou provado nos autos o necessário trato sucessivo entre “D2” Ltd “N” Limited / “M” Products Limited “L”.
P. Todas as facturas emitidas pela “L” à Requerida incluem bolsas de cintura com a marca “C”, sendo certo que as facturas emitidas pela “D2” à “M” e à “N” não incluem qualquer referência a bolsas de cintura. É assim evidente que a “L” tem outros fornecedores de produtos “C” que não foram identificados nos autos.
Q. A Requerida não produziu qualquer prova sobre a origem dos produtos alegadamente adquiridos à empresa “O”. No depoimento da testemunha “J”, arrolada pela Requerida, é dito claramente que não existe a mínima ideia sobre a origem de tais produtos. Por outro lado, por falta de iniciativa da Requerida, também não foi feito depoimento de qualquer testemunha ligada à “O”.
R. À Requerente competia alegar e demonstrar: (i) que é titular dos registos das marcas “C”; (ii) que a Requerida comercializa produtos assinalados com essa marca; e (iii) que a Requerente não deu autorização à Requerida para comercializar produtos com essa marca. Esses factos ficaram provados como resulta da factualidade assente (Factos C, I, K, P, Q, R, S, e T).
S. A Requerida fundamenta a sua defesa na alegação de que os produtos “C” comercializados foram objecto de importações paralelas, razão pela qual vigoraria o princípio do esgotamento do direito (cfr. artigo 259º do CPI).
T. Tratando-se de uma excepção peremptória, competia à Requerida provar: (i) a cadeia de transacções dos produtos assinalados com as marcas “C”, até se chegar ao primeiro adquirente autorizado (pela Requerente) desses produtos; (ii) que os referidos produtos são oriundos do território da União Europeia.
U. Acontece que a Requerida não produziu qualquer prova a este respeito, o que se torna particularmente evidente quanto aos produtos alegadamente adquiridos à empresa “O” e às bolsas de cintura adquiridas à “L”.
V. Cumpre notar que a Requerente requereu ao Tribunal que ordenasse à Requerida, nos termos dos artigos 338º-C e 338º-H do CPI, a junção de toda uma série de informações e documentos, que são apenas do conhecimento pessoal da Requerida ou que estão exclusivamente na sua posse, que atestassem a origem, os canais de distribuição dos produtos vendidos com a marca “C” e o respectivo lucro.
W. Por despacho de 7 de Dezembro de 2009, após insistência da Requerente, o Tribunal proferiu o seguinte despacho “Por se afigurar fundamental para a decisão da causa, notifique a Requerida nos termos requeridos a fls. 213, aderindo-se aos fundamentos ali constantes, devendo aquela juntar os referidos documentos e prestar as referidas informações no prazo de dois dias”.
X. Não obstante o impulso processual da Requerente e a ordem judicial da Mª Juíza, a Requerida pura e simplesmente recusou-se a divulgar qualquer documento que revelasse a quantidade, a origem, os canais de distribuição e o preço de produtos vendidos com a marca “C”.
Y. Os artigos 519º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 344º, n.º 2 do Código Civil estabelecem expressamente a inversão do ónus de prova quando uma determinada parte tiver culposamente tornado impossível a prova a quem tivesse o ónus de a efectivar, designadamente recusando a exibição de documentos que apenas a mesma tenha em seu poder ou possa obter, sem prejuízo de outras sanções que a lei admita sejam aplicadas à desobediência ou falta de declarações.
Z. Perante a recusa da Requerida em cumprir tal despacho, o Tribunal não se dignou a inverter o ónus da prova (como lhe impunha a lei) e essa circunstância teve uma influência directa na causa, o que constituí uma causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 201º, nº 1 do CPC.
AA. O princípio do esgotamento do direito está previsto no artigo 259º, nº 1 do CPI (que resulta da transposição do artigo 7º da Directiva 9/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas), segundo qual os direitos conferidos pelo registo não permitem ao seu titular proibir o uso da marca em produtos comercializados, pelo próprio ou com o seu consentimento, no espaço económico europeu.
BB. Constitui jurisprudência unânime e definitiva do Tribunal de Justiça Europeu que o princípio do esgotamento do direito de marca apenas se aplica aos produtos originários do território da União Europeia e que o consentimento do titular da marca tem de ser expresso para cada produto.
CC. Competia por isso à Requerida demonstrar nos presentes autos que todos os produtos “C” comercializados nos seus estabelecimentos “F” e “G” eram provenientes do espaço europeu e que tinham sido adquiridos com o consentimento da Requerente.
DD. No dia 16/12/2009, encerrou-se a audiência de inquirição de testemunhas e de discussão da matéria de facto no presente procedimento cautelar, tendo sido fixado o dia 23/12/2009 para a “leitura da decisão”.
EE. Nos termos do disposto no nº 5 do artigo 304ºdo CPC, finda a produção da prova, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, observando, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 2 do artigo 653º, ambos do CPC. A lei excepciona o princípio geral da continuidade da audiência nos casos de força maior ou de necessidade, acrescentando que se não for possível concluí-la num dia, a continuação será marcada para o dia imediato, se não for domingo ou feriado, ainda que compreendido em férias (artigo 656º, nº 2, do CPC).
FF. A omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa (artigo 201º, nº 1, do CPC).
GG. No caso vertente, a decisão da matéria de facto ocorreu no dia 23/12/2009, uma semana depois do encerramento da discussão da matéria de facto. Esse hiato temporal deu origem a que o Tribunal não tenha tomado em consideração algumas das declarações das testemunhas arroladas pela Requerente e alguns factos supervenientes importantes para a decisão da causa.
HH. O Tribunal não teria dado como não provado que os distribuidores da Requerente na União Europeia não deram autorização à Requerida para vender produtos com a marca “C”, porque resultou claramente do depoimento das testemunhas “H” e “I” (trabalhadores precisamente para o distribuidor da Requerente na União Europeia) que não foi dada essa autorização.
II. O Tribunal deveria ter relacionado na matéria de facto assente que a Requerida adquiriu para venda bolsas de cintura com a marca “C”, conforme consta das facturas juntas aos autos pela própria Requerida.
JJ. O despacho proferido no dia 23/12/2009 que elencou os factos provados e não provados não se encontra física ou digitalmente assinado e não foi impresso no papel timbrado do Tribunal, sendo por isso nulo (cfr. artigos 157º, nº 1, 666º, nº 3 e 668, nº 1, al. a), todos do CPC).
KK. No dia 23/12/2009, os mandatários das partes não tiveram qualquer contacto com a Digma. Magistrada presumivelmente autora do despacho em análise, tendo esse despacho sido entregue em mão pela escrivã do Tribunal do Comércio de Lisboa aos mandatários da Requerente e da Requerida, apenas com a indicação verbal de que a sentença deveria ser proferida lá para Janeiro de 2010.
LL. Compulsados os autos, verifica-se, no entanto, que da “acta da leitura da matéria de facto” consta que “aberta a presente audiência de julgamento, a Mª Juiz procedeu à leitura da resposta à matéria de facto provada e não provada que antecede”.
MM. Como, ao contrário do que consta da acta, não chegou a ser proferido despacho determinando da abertura da audiência de julgamento, nem se procedeu à leitura da matéria de facto provada e não provada, a Requerente impugnou por falsidade a “acta da leitura da matéria de facto”, tendo indicado como testemunhas do incidente, o Exmo. Sr. Dr. “P”, mandatário da Requerida, a Exma. Sr. Escrivã Auxiliar desse Digmo. Tribunal, “Q” e o Exmo. Sr. “R”, todos já devidamente identificados nos autos.
NN. Na sentença recorrida, o Tribunal “A Quo” limitou-se a dizer que a invocação da acta constitui um venire contra factum proprium e rejeitou liminarmente o incidente da falsidade.
OO. O tribunal deveria ter aberto e julgado o referido incidente, ouvindo designadamente as testemunhas que foram arroladas para o efeito.

A Recorrida contra-alegou e concluiu do seguinte modo:
1. O recurso é extensivo à matéria de facto, mas aceita-se a matéria de facto assente, não se identificam os factos novos que se devem considerar como provados a aditar à matéria assente e, não se identifica as concretas passagens do depoimento das testemunhas, que permitem concluir no sentido do facto novo que se pretende dever ser dado como provado e que não o foi.
2. Devendo o recurso ser rejeitado por não cumprir com o disposto no artigo 685.° - B do Código de Processo Civil.
3. A testemunha “I” confirmou que as sociedades”N”, Lta e ”M”, Ltd., adquiram produtos à “C”.
4. A testemunha “J”, também confirma que: "Da nossa parte temos a certeza da parte a “L”, de acordo com os documentos que nos foram apresentados, que pela origem das mochilas elas vieram da origem “C”. Em relação ao outro fornecedor “O”, a resposta que temos é que só perante uma intimação judicial ela fornecerá esse tipo de elementos, as facturas que comprovam essa origem."
5. A testemunha “I”, nas respostas 6 a 11 transcritas nas alegações de recurso, também confirmou que as mochilas expostas para venda no “F” são idênticas às vendidas pela “C”.
6. Dos documentos juntos, resulta a autenticidade dos produtos, nomeadamente:
- de fls. 78 – e-mail de “S”, representante do fornecedor “L” que esclarece o circuito comercial dos produtos;
- de fls. 79 a 145 – facturas de aquisição dos produtos até à fonte “C”;
- de fls. 270 e 271 – mapa com o circuito comercial das mercadorias;
- de fls. 255 – factura de aquisição dos produtos ao fornecedor “O”;
- de fls. 256 – e-mail de “T”, representante da “O”, onde diz que os produtos fornecidos pela “O” são autênticos e que deve proteger as fontes de fornecimento que constituem o segredo do negócio no mercado de importação.
7. Dos factos constantes no requerimento inicial e da prova produzia, nenhum indício resulta que os produtos expostos para venda são contrafeitos.
8. Face ao princípio do esgotamento do direito da marca e as importações paralelas, a Recorrida pode adquirir os produtos a qualquer comerciante, desde que sejam produtos autênticos.
9. Face ao princípio do esgotamento do direito da marca e as importações paralelas a Recorrida não carece de autorização da Recorrente para proceder à venda dos produtos.
10. Por isso mesmo não basta dizer que a Recorrente não deu autorização à Recorrida para comercializar os produtos.
11. Para a Recorrente neste caso há contrafacção porque não deu autorização à Recorrida para vender os produtos
12. Mas, a Recorrida não carece de qualquer autorização para comercializar produtos autênticos.
13. Constitui pressuposto do direito invocado pela Recorrente que a Recorrida comercializasse produtos contrafeitos.
14. Devendo a Recorrente carrear para os autos os factos suporte que materializam a contrafacção.
15. A própria Recorrente que diz que os produtos vendidos pela recorrida são iguais aos comercializados pela “C”.
16. Não havendo contrafacção não se verificam os factos constitutivos dos direitos que a Recorrente pretende exercer.
17. Nem tão-pouco se verificam as alegadas excepções peremptórias invocadas pela Recorrente a fls. 47 das alegações de recurso e nas conclusões S, T, U e CC.
18. A Recorrida deu cumprimento ao despacho comunicado pelo ofício de 07-12-09, com a referência 1487123, para "... em 2 dias dar cumprimento ao determinado na acta de audiência de 19/11/2009 ", não sendo verdadeiras as conclusões V a Z.
19. Não se verifica a inversão do ónus da prova pretendido nas fls. 44 a 47 das alegações e nas conclusões V a Z, porque os documentos relativos à introdução no mercado dos produtos comercializados pela “O”, não estão na disposição da Recorrente mas sim da “O”.
20. Se dúvidas houvesse quanto à contrafacção dos produtos da “O”, o Tribunal teria deferido o requerimento apresentado pela Recorrida a de fls. 253 e 254, no sentido de ser notificada a “O” para apresentar os documentos relativos à introdução dos produtos no mercado.
21. Não estão reunidos os pressupostos para o decretamento da providência e deferimento do recuso interposto:
- Em primeiro lugar, não se fundamenta mesmo indiciariamente a invocada contrafacção do produto que lesa o direito de propriedade da marca da Recorrente;
- Em segundo lugar, ao abrigo do esgotamento do direito e das importações paralelas, Recorrente e a Recorrida têm idêntico direito de venda ao público de mochilas originais.
22. A Recorrente, não pretende impugnar o despacho de 23-12-09 que fixa os factos, mas o despacho anterior de 16-12-09, que remete a produção do primeiro para momento posterior.
23. O despacho que remeteu a leitura da decisão final, incluindo a decisão de facto, para o dia 23-12-09, foi ditado para acta na presença do mandatário da Recorrente, que entendeu na perfeição o seu sentido.
24. No dia 16 de Dezembro de 2009, o mandatário da Recorrente não deduziu qualquer nulidade quanto à não continuação da audiência com a leitura da decisão de facto, que essa circunstância poderia prejudicar o exame ou decisão da causa, como agora sustenta.
25. Logo, o mandatário da Recorrente aceitou o despacho de 16 de Dezembro de 2009, que remeteu a leitura da decisão para momento posterior, estando a eventual irregularidade sanada.
26. O artigo 653.° e o artigo 304.° n.º 5 do CPC, não estabelecem qualquer limite ou prazo máximo para a produção do despacho sobre a matéria de facto.
27. A Recorrente não explica e fundamenta porque é que a não continuidade da audiência prejudicou a decisão de facto.
28. Constitui jurisprudência pacífica que a violação do princípio da continuidade da audiência não constitui nulidade mas uma simples irregularidade.
29. No dia 23-12-09, o mandatário da Recorrida consentiu que o despacho com a matéria assente poderia ser entregue em mão sem necessidade de leitura em sala, e certamente foi essa a decisão do mandatário da Recorrente.
30. Assim se justifica o contexto do despacho de 23-12-09 e o seu enquadramento na acta, e a pretensa nulidade ou falsidade da acta nenhum efeito prático tem.
***
Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir as questões que emergem das conclusões da Recorrente: 1) das alegadas nulidades: a) por não inversão do ónus da prova; b) por a decisão de facto ter sido proferida uma semana depois do encerramento da discussão da matéria de facto; e c) por falta de assinatura do juiz e de papel timbrado do tribunal; 2) da alegada falsidade da acta de leitura da matéria de facto; 3) da impugnação da matéria de facto dada como não provada.

II – Fundamentação
A – Factos indiciariamente provados:
- A Requerente é uma sociedade comercial norte americana que se dedica ao fabrico e comercialização de artigos de vestuário e acessórios para desporto e actividades ao ar livre e de aventura.
- A Requerente comercializa alguns dos seus produtos sob a marca “C”
- A Requerente é titular entre outros dos seguintes registos de marca:
- marca comunitária n.º ... “C” pedida em 01.04.1996, concedida pelo instituto de harmonização no mercado interno em 23.03.1998 que assinala os seguintes produtos da classe 18: "sacos de desporto para todos os fins, bagagem sem armação, malas de bagagem, mochilas, malas de fim-de-semana, sacos de equipamento, porta fatos, bolsas de cintura, sacos para roupa, malas de viagem e pastas";
- marca comunitária n.º ... pedida em 21.10.1996, concedida pelo instituto de harmonização no mercado interno em 16.12.1998 que assinala os seguintes produtos da classe 18: "sacos desportivos multiusos, bagagem mole, estojos de bagagem, mochilas, sacos para criança, sacos com armação, mochilas, sacos de cintura, sacos para vestuário, malas de fim-de-semana, malas de viagem e pastas".
- A “C” é há vários anos uma marca líder na Europa e em Portugal no segmento de mochilas e malas.
- A “C” é uma marca ligada ao estilo de vida urbano, jovem e irreverente.
- A “C” á reconhecida pelos jovens como uma das melhores marcas mundial de malas, mochilas, sacos e acessórios.
- Os produtos “C” são distribuídos e comercializados na Europa através da sociedade belga denominada “D1” com estabelecimento em …, Bélgica.
- Os produtos “C” são distribuídos e comercializados em Portugal através da sociedade “E” Lda. com sede em centro empresarial … Av. …, …, Sintra.
- A Requerida comercializou em Agosto em Setembro de 2009 mochilas com a marca “C”, nos seus hipermercados “F” e supermercados “G” em Portugal.
- A Requerida é uma sociedade comercial integrada no grupo “U” que se dedica á grande distribuição, assumindo a gestão da cadeia de hipermercados “F” e supermercados “G” constituída por uni total de 26 lojas.
- A Requerida fez campanha publicitária, incluindo a tv para promoção das vendas de mochilas “C” na época de início do ano escolar.
- O preço normal de mercado das mochilas “C” modelo ... ronda os 45€ conforme preço de venda ao público recomendado pelo distribuidor oficial em Portugal, “E” Lda.
- O distribuidor oficial em Portugal “E” Lda. vende esse modelo de mochila “C” directamente ao público ao preço de € 45.
- Em Portugal, o preço oficial de revenda da mochila “C” modelo ... é de € 22,50 .
- O distribuidor europeu “D1” vende esse modelo de mochila “C” directamente nos mercados grossistas ao preço de € 18,70.
- No dia 12.09.2009 a requerida vendeu as mochilas “C”, modelo ... ao preço de €12,45, incluindo o IVA.
- No dia 17.09.2009, a Requerida vendeu as mochilas “C” modelo … , ao preço de € 4,93 incluindo o IVA.
- A Requerida vendeu 4576 mochilas.
- As mochilas “C” vendidas pela Requerida são iguais às mochilas produzidas e comercializadas pela Requerente.
- A Requerente não deu autorização à Requerida para vender produtos com a marca “C”.
- A venda de mochilas “C” nos Hipermercados “F” a um custo bastante inferior ao do mercado provocou e continua a provocar uma forte diminuição do volume de vendas do distribuidor oficial em Portugal - “E” Lda.
- Situação agravada pelo facto de ocorrer no inicio da época escolar, em que existe uma grande procura deste tipo de artigos.
- Em 2008, o volume de facturação do distribuidor oficial em Portugal foi de € 1.647.083,84 dos quais € 1.206.984,37 correspondem ao período de regresso às aulas.
- No ano de 2009 o volume de facturação do distribuidor oficial em Portugal no mesmo trimestre caiu para 884.568,85.
- A venda em hipermercados a um preço bastante inferior ao preço de mercado está a degradar o valor comercial e a imagem de prestígio que a marca “C” goza junto dos seus consumidores.
- É política da Requerente evitar que os seus artigos “C” sejam vendidos em hipermercados e em supermercados.
- A Requerida suspendeu a venda das mochilas no dia 1 de Outubro. - A Requerida tem um stock de mochilas no valor de € 43.500,00.

B – Apreciação jurídica
1) Das alegadas nulidades da sentença
a) A inversão do ónus da prova tem lugar, além do mais, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações – art.º 344.º, n.º 2, do código civil.
Portanto, antes de mais, é preciso que a contraparte actue culposamente e que, dessa forma, torne impossível a prova àquele que tem o ónus de a produzir. A recusa de cooperação para a descoberta da verdade, se o recusante for parte, dá ao tribunal o poder de apreciar livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente daquele n.º 2 do art.º 344.º do código civil – art.º 519.º, n.º 2, do CPC.
No caso dos autos, a Requerente conclui que a Requerida se recusou a cumprir o despacho de 7 de Dezembro de 2009, em que lhe era ordenado que juntasse documentos pretendidos pela Requerente a fls. 213 e que prestasse as informações aí também referidas. A Requerente vai mais longe, pois considera que a Requerida lhe tornou culposamente impossível a prova e que o Tribunal não se dignou inverter o ónus da prova, nos termos dos artigos supra citados. E, assim, a consequência que a Recorrente pretende daqui retirar é a nulidade da sentença.
De acordo com as regras gerais sobre a nulidade dos actos, contidas no art.º 201.º do CPC, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (n.º 1).
Ora, no caso, nem se demonstra que houve recusa da Requerida em prestar a informação e, portanto, muito menos há que falar em culpa da sua parte. Com efeito, esta veio aos autos, em consonância com o que lhe fora ordenado pelo Tribunal, prestar esclarecimentos, juntando uma factura e dando conta das dificuldades em conseguir que os seus fornecedores – “O” e “V”, SL - lhe prestem mais informações.
Deste modo, não se pode afirmar, com razão, que a Requerida se recusou a cooperar com o Tribunal, nem se lhe pode imputar a dificuldade de obter as informações pretendidas dos seus referidos fornecedores. Por conseguinte, não estão aqui reunidos os requisitos capazes de justificar a inversão do ónus da prova pretendida pela Requerente.
Logo, não foi cometida a nulidade que a Requerente invoca, improcedendo assim esta questão.
b) A Requerente alicerça também a nulidade da sentença na circunstância de a decisão de facto ter sido proferida uma semana depois do encerramento da discussão da matéria de facto. Alega mesmo a Apelante que o Tribunal não teria dado como não provado que os distribuidores da Requerente na União Europeia não deram autorização à Requerida para vender produtos com a marca “C”.
Em primeiro lugar, esta última afirmação não vem demonstrada, pois nada garante que a dilação verificada tivesse alguma influência no sentido das respostas. E isto é tanto mais assim, quanto é certo que a prova se encontrava gravada e, portanto, sempre à disposição do julgador, que a todo o tempo dela se poderia socorrer para melhor fundamentar as ditas respostas.
Por outro lado, admitindo-se a existência de uma irregularidade, face ao princípio da continuidade da audiência, tal irregularidade não mostra qualquer influência na decisão da causa, pelo que não constitui nulidade (art.º 201.º, n.º 1, do CPC). Acresce que o caso nunca poderia ser de arguição de nulidade, pois a marcação da continuação da audiência para leitura das respostas à matéria de facto foi feita mediante despacho (fls. 277) e o meio próprio para impugnar decisões judiciais é o recurso, não a nulidade. Ora, como a Requerente não recorreu desse despacho, de 16-12-2009, tal decisão tornou-se inatacável, tal como o acto praticado a coberto da mesma.
Deste modo, não ocorrendo a invocada nulidade, improcede esta questão suscitada pela Recorrente.
c) Esta invoca ainda uma nulidade por falta de assinatura do juiz na decisão da matéria de facto e pela circunstância de esta última não constar de papel timbrado do tribunal. Desde logo, por aqui se vê que a desburocratização da Justiça não é um melhoramento unanimemente aceite no foro.
Do exame de tal decisão e da respectiva acta, verifica-se que não ocorre a nulidade que a Recorrente aqui pretende ver reconhecida. Com efeito, no topo da primeira página está identificado o processo e o Tribunal – 4.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa -, as respectivas folhas (278-284) estão devidamente rubricadas e numeradas. Além disso, da acta que imediatamente se segue (fls. 285) consta que a M.ma Juíza procedeu à leitura da resposta à matéria de facto provada e não provada que antecede. Portanto, isto basta para se concluir que as folhas em que foram escritas as respostas à matéria de facto integram a acta. E, estando esta devidamente assinada através dos modernos meios electrónicos, nenhuma irregularidade se verifica, e muito menos com possibilidade de influir na decisão da causa (art.º 201.º do CPC).
Improcede assim mais esta questão suscitada pela Recorrente.

2) Da alegada falsidade da acta de leitura da matéria de facto
Insurge-se ainda a Recorrente contra o que diz ser a falsidade da acta, por os mandatários das partes não terem tido contacto com a M.ma Juíza tendo-lhes o despacho com a decisão de facto sido entregue pela Sr.ª Escrivã, constando da acta que houve leitura em audiência da matéria de facto provada e não provada. Mais conclui a Recorrente que, invocada a falsidade, o Tribunal se limitou a dizer que tal invocação constitui um venire contra factum proprium e que rejeitou o incidente.
Sobre esta matéria a Requerida pronunciou-se, logo a fls. 396, dizendo que foi perguntado ao seu mandatário se pretendia ir à sala ou se a decisão podia ser entregue em mão, tendo respondido que a decisão podia ser entregue, referindo ainda que certamente a mesma pergunta terá sido feita ao mandatário da Requerente.
Por sua vez, a decisão de rejeição do incidente é do seguinte teor:
impugnação da acta: como bem esclarece o mandatário da Requerida, o documento com a selecção da matéria de facto foi entregue pela ora signatária (que efectivamente se encontrava neste Tribunal como pode comprovar-se através do sistema citius) à funcionária judicial, para que assim, e como é prática corrente nos tribunais, os senhores advogados a pudessem examinar tranquilamente. Uma vez que os mesmos transmitiram à mesma funcionária que não viam necessidade de deslocação à sala de audiência pois nada pretendiam requerer, (aliás nem podiam pois como já ficou referido não é admissível a reclamação da matéria de facto) foi lavrada a acta em conformidade. A invocação da referida acta, mais não consubstancia um venire contra factum proprium, pelo que também por aqui improcede a alegada falsidade.
Em consequência, e improcedendo as invalidades invocadas, não há lugar a anulação do acto de produção de prova, logo indefere-se a requerida repetição do julgamento. Custas pela Requerente, nos termos legais.
Como se observa, a M.ma Juíza não se limitou a invocar o venire contra factum proprium, descreveu o enquadramento fáctico em que os ilustres mandatários tomaram conhecimento da decisão sobre a matéria de facto e dispensaram a sua ida à sala para leitura.
Efectivamente, não consta que o mandatário da Recorrente tenha nessa altura levantado o problema de a decisão lhe ser entregue em papel. Pelo contrário, como consta da decisão transcrita, e não vem posto em causa pela Recorrente, ambos os mandatários disseram à Sr.ª Funcionária que não viam necessidade de irem à sala, pois nada pretendiam requerer.
O princípio da cooperação impõe que na condução e intervenção no processo devem, não só os magistrados, mas também os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio – art.º 266.º, n.º 1, do CPC. Acresce que, como manda o art.º 266.º-A, do CPC, as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado naquele art.º 266.º.
Deste modo, um mandatário que recebe uma decisão escrita sobre a matéria de facto, e que logo ali diz dispensar a sua ida à sala, aceita definitivamente uma tal notificação e faz criar nos restantes intervenientes processuais uma legítima convicção de que não virá depois impugnar a prática de um facto a que deu o seu consentimento expresso e que só assim foi praticado devido a esse seu assentimento. Ora, vir a posteriori e surpreendentemente atacar um tal procedimento, configura uma atitude contrária aos princípios da boa fé, da lealdade e da confiança que devem existir nas relações processuais, em prol de uma sã administração da justiça. Tal conduta integra efectivamente o conceito de venire contra factum proprium e consubstancia por isso um abuso do direito (art.º 334.º do código civil), cujo efeito aqui é precisamente a falta do direito de arguir a falsidade. É que, salvo o devido respeito, a defesa dos interesses das partes não deve ser indiferente à ética, pois, a lei estabelece princípios, como os acima referidos, que têm de ser respeitados.
Portanto, não merece censura a rejeição do incidente e improcede assim mais esta questão.

3) Da impugnação da matéria de facto dada como não provada
Sobre esta questão, a Recorrente não se conforma com o facto de não se ter dado como provada a sua afirmação de que os seus distribuidores ou fornecedores não tinham dado autorização à Requerida para comercializar produtos com a marca “C”.
Em apoio da resposta contrária, a Recorrente funda-se nos depoimentos das testemunhas “H”, jurista da Requerente e “I”, director de vendas da Requerente, e ainda em “algumas partes” do da testemunha “J”, gestor de produto da Requerida.
Reexaminda a prova constante dos autos e especialmente o teor destes depoimentos gravados, pode desde já adiantar-se que a Requerente não tem razão. Com efeito, a primeira testemunha, funcionário da Requerente, à pergunta se sabia se a “A” deu autorização para a Requerida vender produtos da marca “C”, respondeu que não deu (we mostly never did so!). Todavia, a segunda testemunha, também funcionária da Requerente, não se mostrou tão afirmativa, pois, à mesma pergunta, respondeu não ter conhecimento que tenha sido dada essa autorização.
Estes depoimentos são, no entanto, contrariados pelos de outras testemunhas, particularmente pelo de “S”, sócio-gerente da “L”, empresa que forneceu mochilas aqui em análise à Requerida. Esta testemunha esclareceu a quem adquiriu tal mercadoria, estabelecendo, com referência ao diagrama de fls. 270, o circuito comercial percorrido por essas mochilas até chegarem à “L” e depois à Requerida:”D2, Ltd., “N” Limited ou “M” Products Ltd, “L” e, finalmente, “B”, S.A.. Esta testemunha, que disse já ter trabalhado com a ora Requerente, acrescentou que confirmou a origem das ditas mochilas.
Deste modo, e tendo em conta a restante prova produzida nos autos, forçoso é concluir não existirem elementos probatórios suficientemente consistentes que permitam alterar a resposta negativa que foi dada a esta matéria; isto é, não se encontra fundamento para considerar indiciariamente provado que os seus distribuidores da Requerente na União Europeia não deram autorização à Requerida para vender produtos com a marca “C”. Acresce que era à Recorrente que incumbia fazer a prova de tal facto negativo e não à Recorrida, pois a dificuldade da prova não inverte o respectivo ónus.
Não existe, pois, fundamento para qualquer alteração das respostas à matéria de facto, nem sequer o aditamento a que a Recorrente se refere, sem especificar nem individualizar, na sua conclusão II. E, portanto, a decisão de facto não merece censura, assim improcedendo mais esta questão levantada pela Recorrente.

4) Da improcedência da providência cautelar
Nos termos do art.º 338.º-I, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial, sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a: a) Inibir qualquer violação iminente; ou b) Proibir a continuação da violação.
O requerente tem de fornecer ao tribunal os elementos demonstrativos de que é titular do direito de propriedade industrial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação (n.º 2, do mesmo artigo)
Por outro lado, nos termos do disposto no art. 381 n1 do Código de Processo Civil, «sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado».
Resulta dos preceitos citados que são requisitos de procedência do procedimento cautelar em causa a violação, actual ou iminente, ou a existência de fundado receio de que outrem cause lesão grave ou dificilmente reparável do direito de propriedade industrial que se pretenda fazer valer em acção pendente ou a instaurar, direito esse a aferir em função da probabilidade séria da sua existência. Um tal receio, para ser justificado, tem de ser demonstrado por factos idóneos que autorizem a adopção de qualquer das providências requeridas e previstas na lei.
Nos presentes autos, a Requerente pretende, além do mais, evitar que a Requerida venda produtos com a marca “C”, por entender que isso lhe causa prejuízo, violando assim o seu direito de propriedade e de exclusivo, como titular do registo desta marca (artigo 224.º do CPI). A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas - artigo 222.º, n.º 1,do CPI, aprovado pelo DL n.º 143/2008, 25 de Julho.
Todavia, apesar de se ter provado, indiciariamente, que a requerente é titular do mencionado registo e que a Requerida, entre Agosto e Setembro, vendeu mochilas com a marca “C” nos seus hipermercados, não resulta demonstrado qualquer comportamento ilícito da apelada, pois não vêm suficientemente fundamentadas em factos as alegadas suspeitas de contrafacção dos aludidos produtos ou de concorrência desleal (art.º 317.º do CPI), nem pela prova efectuada se pode concluir em tal sentido. Tão-pouco se provou a alegada falta de autorização para a Requerida comercializar os referidos produtos da marca “C”.
Por outro lado, não apresentando aquelas suspeitas qualquer consistência fica sem justificação a prestação de informações (prevista no art.º 338.º-H do CPI) que a Requerente pretende da Requerida, e, do mesmo modo, carecem de fundamento as medidas para obtenção da prova, pois a Requerente não logrou apresentar e demonstrar indícios suficientes de violação de direitos de propriedade industrial, como requer o art.º 338.º-C do CPI.
Finalmente, improcedem todas as conclusões da Recorrente e, por isso, não merece censura o que decidido foi em primeira instância.
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IV. Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente e, por consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 22 de Julho de 2010

João Aveiro Pereira
Rijo Ferreira
Rosário Gonçalves