Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
| Descritores: | PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/21/2015 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | - O disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º do DL 133/2009 de 2 de Junho, corresponde a uma única condição que é a de a perda do beneficio de prazo ou a resolução do contrato e que se verifica, independentemente da outra condição referida na alínea b) do citado nº 1, quando exista o não pagamento de duas prestações sucessivas, e que o montante dessas duas prestações sucessivas seja superior a 10% do montante total do crédito a que o contrato em causa respeite. - É válida a cláusula expressa na alínea b) da Cláusula 7ª das Condições Gerais do contrato celebrado entre recorrente e recorrido, ou seja de que o não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, independentemente do montante total que elas representem em relação ao crédito concedido, feita que seja a comunicação a que alude a alínea b) do nº 1 do referido artigo 20º do D-L 133/2009, de 2 de Junho, implica a perda do beneficio de prazo e a resolução do contrato. (sumário elaborado pelo relator) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO Banco ... intentou acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato contra P..., pedindo a condenação deste a pagar ao autor a quantia de € 10.320,48, acrescida de € 560,07 de juros vencidos até 18 de Junho de 2014 e de € 22,40 de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda os juros que sobre a dita quantia de € 10.320,48 se vencerem, à taxa anual de 12,078% desde 19 de Junho de 2014 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair.
Em síntese, alegou que o autor, sendo uma instituição de crédito, no exercício da sua actividade comercial, por contrato constante de título particular datado 28.11.2013, concedeu ao réu crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo-lhe assim emprestado, com vista ao pagamento de débitos anteriores, a importância de € 6.815,89. Àquela importância acrescia juros à taxa nominal inicial de 7,999% ao ano, indexada à Euribor a 90 dias, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 120 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 5 de Janeiro de 2014 e as seguintes nos dias 5 dos meses subsequentes, sem prejuízo de o número de prestações poder ser superior ou inferior em função do acréscimo ou decréscimo da taxa de juro inicialmente acordada em função da variação da taxa Euribor, conforme expressamente consta da parte final da alínea b) da cláusula 4ª das condições gerais do contrato. A importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para a conta bancária, logo indicada pelo autor. Conforme expressamente acordado, a falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, tendo estas o valor constante do contrato, ou seja o valor de € 85,54 cada. Autor e réu expressamente acordaram, conforme consta da Cláusula 7ª alínea b) das Condições Gerais do referido contrato, que “Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas o Banco ... poderá considerar vencidas todas as restantes prestações incluindo nelas juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas Condições Especificas.” Atenta as actualizações da Euribor, a taxa de juro foi alterada para 8,05% no período de 01/10/2013 a 31/12/2013 e para 8,078% no período de 01/01/2014 a 31/03/2014. Mais foi acordado entre o autor e o réu que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 8,078% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 12,078%. Atentas as actualizações da taxa Euribor o prazo do contrato foi alargado de 120 para 121 prestações, sendo o valor da 121ª e última de € 55,68. O réu, das prestações referidas, não pagou a 1ª prestação e seguintes, vencida a primeira em 5 de Janeiro de 2014. O autor dirigiu ao réu carta datada de 8 de Maio de 2014, concedendo-lhe o prazo suplementar de 20 dias para pagar as cinco prestações então em atraso, vencidas respectivamente em 05/01/2014, 05/02/2014, 05/03/2014, 05/04/2014 e 05/05/2014, acrescidas dos juros de mora e comissão de gestão no valor total de € 511,72, comunicando-lhe a perda do benefício do prazo contratual. O réu não procedeu ao pagamento no prazo que lhe foi concedido.
O réu, citado pessoal e regularmente, não contestou, tendo sido declarados confessados os factos alegados pelo autor, nos termos do disposto no artigo 567º nº1 NCPC.
Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.
Não se conformando com a sentença, dela recorrera o autor, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - Face à norma ínsita no artigo 9º do Código Civil, deve e tem de entender-se que o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º do DL 133/2009 de 2 de Junho, corresponde a uma única condição, condição essa que é a de a perda do beneficio de prazo ou a resolução do contrato, expressas no corpo do nº 1 do citado artigo, condição que se verifica, independentemente da outra condição referida na alínea b) do citado nº 1, quando exista o não pagamento de duas prestações sucessivas, e que o montante dessas duas prestações sucessivas seja superior a 10% do montante total do crédito a que o contrato em causa respeite. 2ª - Impõe-se assim entender e considerar como perfeitamente válida a cláusula expressa na alínea b) da Cláusula 7ª das Condições Gerais do contrato em causa, celebrado entre recorrente e recorrido aos 28 de Novembro de 2013, ou seja de que o não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, independentemente do montante total que elas representem em relação ao crédito concedido, feita que seja a comunicação a que alude a alínea b) do nº 1 do referido artigo 20º do dito Decreto-Lei 133/2009, de 2 de Junho, implica a perda do beneficio de prazo e a resolução do contrato. 3ª - Consequentemente, deve entender-se, deve considerar-se que a sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º do citado Decreto-Lei 1334/2009, face à matéria de facto dada como provada nos autos, bem como igualmente errou ao considerar não aplicável o que consta da cláusula 7ª alínea b) das Condições Gerais do contrato em causa e, portanto, 4ª - Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, assim, revogar-se a sentença recorrida, e substituir-se a mesma por acórdão que julgue a acção totalmente procedente provada.
Não houve contra-alegações. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Fundamentação de facto
A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório que antecede.
B) Fundamentação de direito
A questão colocada pelo recorrente e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se a sentença interpretou e aplicou erradamente o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei 1334/2009, de 2 de Junho, e ainda se errou ao considerar não aplicável o que consta da Cláusula 7ª alínea b) das Condições Gerais do contrato.
Cumpre decidir. A sentença entendeu que, dado o fim de protecção contido no artigo 20º do DL 133/2009, de 2 de Junho e a sua natureza imperativa, é nula a disposição contratual em contrário constante da cláusula 7ª alínea b) das Condições Gerais.
Entre as partes foi celebrado um contrato de crédito ao consumidor, que se rege pelo DL 133/2009, de 2 de Junho, que transpõe para a ordem jurídica interna a directiva nº 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores. No preâmbulo do referido diploma refere-se que “na linha do disposto nos artigos 934º a 936º do Código Civil, estabelecem-se novas regras aplicáveis ao incumprimento do consumidor no pagamento de prestações, impedindo-se que, de imediato, o credor possa invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato”. Esta linha de orientação vem expressamente consagrada no artigo 20º (não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor) que preceitua no nº 1 o seguinte: “1- Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício de prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes: a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito”. b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
A cláusula 7ª, alínea b) das Condições Gerais do contrato em causa, dispõe: “Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas o B... poderá considerar vencidas todas as demais prestações, incluindo nelas juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionadas nas Condições Especificas, como expressamente fica acordado, desde que por escrito em simples carta dirigida ao (s) Mutuário (s) para a(s) morada(s) constante (s) do contrato lhes conceda um prazo suplementar de quinze dias de calendário para proceder (em) ao pagamento das prestações em atraso acrescidas da indemnização devida pela mora, com expressa advertência de que tal falta de pagamento neste novo prazo suplementar implica o dito vencimento por perda do benefício do prazo”.
No caso dos autos vem provado que o autor concedeu ao réu um empréstimo no montante de € 6.815,89 a ser pago em 120 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 5 de Janeiro de 2014 e as seguintes nos dias 5 dos meses subsequentes. Mais se provou que o réu não pagou qualquer prestação, pelo que o autor dirigiu ao réu carta datada de 8 de Maio de 2014, concedendo-lhe o prazo suplementar de 20 dias para pagar as cinco prestações então em atraso, vencidas respectivamente em 05/01/2014, 05/02/2014, 05/03/2014, 05/04/2014 e 05/05/2014, acrescidas dos juros de mora e comissão de gestão no valor total de € 511,72, comunicando-lhe a perda do benefício do prazo contratual. O réu não procedeu ao pagamento no prazo que lhe foi concedido.
Importa, antes de mais, saber se a cláusula 7ª alínea b) das Condições Gerais viola a norma imperativa contida no mencionado artigo 20º, mais especificamente a alínea a) do seu nº 1. Entendeu a sentença que se verificou a mencionada violação, pois, pese embora o credor tenha respeitado a previsão da alínea b) do nº1, do artigo 20º DL 133/2009, de 2 de Junho, enviando carta ao devedor para pagamento de 5 prestações, vencidas, o certo é que, tais prestações, no total, não perfazem valor superior a 10% do montante do crédito. Com efeito, o valor das prestações em falta perfaz, naquela data, 427,70 euros, sendo o montante do crédito de 6.815,89 euros.
Há que interpretar ao disposto no artigo 20º do DL 133/2009. No que respeita à interpretação da lei, o artigo 9º do Código Civil preceitua no seu nº 1 o seguinte: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
A interpretação literal, enquanto modalidade de interpretação cingida ao texto, desconsidera outros elementos interpretativos relevantes. Embora o texto tenha uma dupla função de ponto de partida e de limite da interpretação, deve ser sempre utilizado conjuntamente com o elemento lógico, para que seja testada a coerência do significado literal com os valores fundamentais do ordenamento jurídico e com os objectivos prosseguidos pelo legislador com a norma em causa. O elemento gramatical ou o texto da lei é apenas o ponto de partida da interpretação, dependendo a fixação do sentido com que o texto deve valer de um conjunto de elementos interpretativos – histórico, sistemático e teleológico – que se referem à conjuntura em que a lei foi elaborada (elemento histórico), à unidade do sistema jurídico (elemento sistemático) e aos objectivos visados pelo legislador com a solução que consagrou (elemento racional ou teleológico). O Código Civil, ao remeter no artº 9º nº1 para as “condições específicas do tempo em que é aplicada” aderiu ao actualismo, considerando que é legítimo ao intérprete ter em conta a evolução sócio-económica verificada entre o momento da sua elaboração e o momento da sua aplicação, transpondo para o condicionalismo actual o juízo de valor feito pelo legislador na norma a interpretar e ajustando o significado da norma à evolução entretanto sofrida[1].
Com efeito, o legislador teve em vista, no artigo 20º do DL 133/2009, primordialmente, garantir que o credor só pode invocar a perda do benefício de prazo ou a resolução do contrato se ocorrerem as circunstâncias cumulativas das alíneas a) e b) do seu nº 1. A alínea a) não contém duas condições cumulativas mas apenas uma” falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito”. Compreende-se que assim seja, isto é, que seja dada protecção ao consumidor que deixe de pagar duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito, mas já não se justifica que subsista a mesma protecção relativamente àquele consumidor que deixe de pagar mais do que duas prestações sucessivas, qualquer que seja o montante dessas prestações não pagas. Este consumidor relapso, reincidente, não merece aquela protecção quanto à perda do benefício do prazo e à resolução do contrato. Foi o que aconteceu no caso dos autos, em que não foi paga qualquer prestação. À data da instauração da acção mostravam-se vencidas e não pagas cinco prestações sucessivas e, posteriormente, mais nenhuma prestação foi paga. O facto de essas cinco prestações sucessivas não representarem mais do que 10% do montante total do crédito concedido, não significa que não tivesse havido perda do benefício do prazo ou a possibilidade da resolução do contrato, face à comunicação que o autor fez ao réu por carta de 08 de Maio de 2014, concedendo-lhe o prazo suplementar de 20 dias para pagar as cinco prestações então em atraso, vencidas respectivamente em 05/01/2014, 05/02/2014, 05/03/2014, 05/04/2014 e 05/05/2014, acrescidas dos juros de mora e comissão de gestão no valor total de € 511,72, comunicando-lhe a perda do benefício do prazo contratual. Se o montante das prestações em dívida só exceder 10% do montante total do crédito quando se vencer, por exemplo, a 5ª, 16ª ou 24ª prestação, deverá o credor aguardar o final dessas prestações para poder invoca a perda do benefício do prazo e a resolução do contrato? É evidente que não, pois tal significaria uma forte penalização do credor para ver reconhecido judicialmente o seu crédito e constituiria um injusto benefício para o devedor relapso e pouco escrupuloso. Não é essa, como já deixámos disto, a ratio do artigo 20º do DL 133/2009. Assim, é válida a Cláusula 7ª alínea b) das Condições Gerais do contrato em causa.
SÍNTESE CONCLUSIVA - O disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º do DL 133/2009 de 2 de Junho, corresponde a uma única condição que é a de a perda do beneficio de prazo ou a resolução do contrato e que se verifica, independentemente da outra condição referida na alínea b) do citado nº 1, quando exista o não pagamento de duas prestações sucessivas, e que o montante dessas duas prestações sucessivas seja superior a 10% do montante total do crédito a que o contrato em causa respeite. - É válida a cláusula expressa na alínea b) da Cláusula 7ª das Condições Gerais do contrato celebrado entre recorrente e recorrido, ou seja de que o não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, independentemente do montante total que elas representem em relação ao crédito concedido, feita que seja a comunicação a que alude a alínea b) do nº 1 do referido artigo 20º do D-L 133/2009, de 2 de Junho, implica a perda do beneficio de prazo e a resolução do contrato.
III - DECISÃO
Atento o exposto, julgando-se totalmente procedente a apelação, revoga-se a sentença recorrida e condena-se o réu, ora recorrido, a pagar ao autor, ora recorrente, os montantes constantes do pedido formulado na petição inicial. Custas pelo apelado.
Lisboa, 21/05/2015
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa
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