Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1041/23.5YLPRT.L1-2
Relator: FERNANDO ALBERTO CAETANO BESTEIRO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
CAUÇÃO
BOA-FÉ
ARRENDAMENTO
RENDA
CONTA BANCÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (art.º 663º, n.º 7, do CPC):
I. Constando das conclusões da alegação recursória a delimitação do objecto do recurso e o sentido da solução jurídica pugnada pelo recorrente, é de considerar que seria acto inútil, logo ilícito (cf. art.º 130.º do CPC), o convite ao aperfeiçoamento daquelas conclusões nos termos do art.º 639.º, n.ºs 1 e 3, do CPC.
II. O requerido que beneficie de apoio judiciário está desonerado de prestar a caução prevista no art.º 15º-F, n.º 5, do NRAU.
III. O princípio da boa fé no cumprimento das obrigações constitui um princípio geral do Ordenamento Jurídico, que se encontra consagrado, além do mais, no art.º 762º, nº 2 do Cód. Civil, e impõe-se “quer ao devedor da prestação, quer ao titular do direito correspondente, isto é, ao respectivo credor”.
IV. Por força do disposto no art.º 762º, n.º2, do Cód. Civil, a nova senhoria (que ingressou nessa posição por força da aquisição do locado) está vinculada ao dever de comunicar à inquilina, além do mais, a identificação da conta bancária para a qual pretende que seja transferido o valor mensal da renda devida, de modo a que possa cumprir a prestação do seu pagamento nos termos contratualmente fixados.
V. A ausência de realização de tal comunicação legitima a imputação do não cumprimento da obrigação de pagamento da renda à senhoria, credora, por força do disposto no art.º 813º do Cód. Civil, e o afastamento da mora do devedor, a inquilina.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I.
Por requerimento remetido electronicamente a 22-05-2023, Zip Reoco Resi Portfolio, S.A., com sede em Lisboa, intentou procedimento especial de despejo contra AA, BB e CC, pedindo a emissão de título para desocupação do locado.
Em síntese, alegou que:
- Em 01-09-2015, Solução Arrendamento – Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional, celebrou com os requeridos um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo certo, tendo por objeto a fração autónoma que identifica, com prazo de duração inicial de 5 (cinco) anos, renovável por 1 (um) ano, salvo denúncia das partes, titulado por documento cuja cópia anexou ao requerimento inicial;
- em 03-10-2018, foi celebrado um aditamento ao contrato de arrendamento, titulado por documento cuja cópia anexou ao requerimento inicial;
- a renda inicialmente prevista era de € 280,00, devendo ser paga ao primeiro dia útil do mês anterior a que a renda diga respeito;
- o imóvel locado foi-lhe transmitido por escritura pública de compra e venda, encontrando-se o registo de aquisição devidamente efectuado a seu favor, conforme consta na certidão que também apresentou;
- a transmissão do imóvel inclui a transferência da posição de locador, mantendo-se o contrato em todos os seus deveres e obrigações, nos termos previstos no Artigo 1057º do Cód. Civil;
- tem legitimidade para estar em juízo, uma vez que além de ter sido comprovada a sua titularidade sobre o imóvel objecto dos autos, tem interesse na desocupação do mesmo, nos termos previsto no art.º 30º do CPC;
- em cumprimento da Lei, através de carta registada com aviso de receção, em 05-01-2023 e, posteriormente em repetição da primeira carta, em 07-02-2023, por aquelas terem sido devolvidas, comunicou a cada um dos requeridos, atento o incumprimento, por culpa exclusivamente imputável aos mesmos, a resolução do contrato, nos termos previstos no art.º 1083º, n.º3, do Código Civil, ou seja, por falta de pagamento de rendas mensais superior a 3 (três) meses;
- a comunicação de resolução é plenamente dotada de eficácia, pois as referidas cartas foram enviadas para o domicílio convencionado, muito embora, tenham sido devolvidas com a indicação de “objecto não reclamado” - pelo que se considera a comunicação recebida, nos termos e para os efeitos dos Artigos 9º e 10º do NRAU;
-à data da resolução, em 05-01-2023, os requeridos eram devedores das rendas dos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2022 e Janeiro de 2023 (12 meses), no valor total de € 3.454,32;
- os requeridos não fizeram cessar a mora com o pagamento das aludidas rendas acrescido de 20% do seu valor no prazo de 30 dias estabelecido no art.º 1041º, n.º 1, e 1084º, n.º 3, do Código Civil;
- não tendo feito cessar a mora nem procedido à entrega voluntária do locado, devoluto de pessoas e bens, com todos os elementos pertencentes à locadora incluídos no contrato, os requeridos criaram a necessidade de se socorrer do presente procedimento para que a posse do imóvel lhe seja restituída.
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Os requeridos foram notificados pelo Balcão Nacional de Arrendamento (BNA), sendo a requerida AA a 11-10-2023 (cf. a/r cuja cópia consta dos autos).
Após a citação, a requerida AA, que beneficia de apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça, demais encargos do processo e da compensação do patrono nomeado, apresentou oposição, na qual, concluiu pela improcedência do procedimento e, caso assim se não entenda, pediu que seja concedido o deferimento da desocupação do locado por prazo nunca inferior a cinco meses.
Alegou, em síntese, que:
- em 03-10-2018, foi celebrado aditamento ao contrato de arrendamento referido pela autora, passando a própria a ser a única arrendatária;
- ficou acordado que a renda seria paga por débito directo, para a conta indicada pelo proprietário Solução Arrendamento – Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional;
- resulta das cláusulas 4. (RENDA) 4.1, 4.2 e 4.2.1 e 4.5, que a renda deve ser liquidada ao senhorio, sendo expressamente proibido pagar rendas a pessoas diversas do Senhorio, sendo que a renda é paga pela arrendatária por débito directo ou por outro meio que venha a ser notificado pelo senhorio com, pelo menos, 15 dias de antecedência;
- para efeitos de pagamento, (a requerida) entregou uma declaração/autorização para ser debitada na sua conta bancária o valor das rendas (cláusula 4.6);
- desde que se tornou 1ª Titular Arrendatária no contrato de arrendamento, as rendas sempre foram depositadas na sua conta bancária, estando o senhorio autorizado para, através de débito directo, receber as referidas rendas;
- sempre pagou pontualmente as rendas devidas, por débito directo;
- no ano de 2022, as rendas deixaram de ser debitadas da sua conta bancária através do débito directo anteriormente utilizado para o efeito, sendo que (a requerida) não alterou ou modificou o referido débito directo na sua instituição bancária;
- no seguimento da carta datada de 21-02-2022 enviada pela, HG PT SA (Hipoges), onde vem manifestar a oposição à renovação do contrato de arrendamento, é que tomou, nessa data, conhecimento que o locado tem um novo proprietário e senhorio, a requerente;
- em Março de 2022 (Doc 4) e Maio de 2022 (Doc. 5), respondeu à aludida carta dando conta de que, até aquela data, nunca lhe foi comunicado pela requerente formalmente de que se tratava de nova proprietária do locado e senhoria;
- acresce que nunca lhe foi solicitado o tempo, modo e lugar do pagamento das rendas;
- desde 21-02-2022, pretende proceder ao pagamento das rendas, conforme o acordado e estipulado, por meio de débito directo e não consegue porque a requerente não lhe indicou a nova conta bancária para a qual deve ser transferido ou depositado o valor mensal das rendas, nem procedeu à comunicação de como devem ser as rendas liquidadas;
- pelo que a requerente não cumpriu com as comunicações indispensáveis para que ficasse completamente esclarecida de como deveria proceder para efeito do pagamento das rendas;
- não recebeu qualquer comunicação da requerente de incumprimento definitivo do contrato referido;
- pretende proceder ao pagamento da renda, aguarda até à presente data a indicação de como deve proceder ou onde se dirigir para proceder ao mesmo e receber o respectivo recibo, não existe mora e é a requerente que se recusa a receber as rendas ou que impossibilita o seu recebimento;
- assim se não entendendo, sempre deve admitir-se o deferimento na desocupação do locado, posto que o mesmo constitui a casa de morada da sua família, sendo o seu agregado familiar constituído por dois filhos menores e por si, não dispõe de outra habitação em termos imediatos e tem necessidade e permanência no locado;
- encontra-se em situação de carência económica, de modo que beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, além de beneficiar de RSI no valor mensal de € 218,22;
- encontra-se desempregada desde 2021 e de baixa por motivo de doença.
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Por despacho proferido a 25-10-2023, determinou-se a notificação da requerente para, querendo, apresentar resposta à matéria de excepção deduzida na oposição, convocando-se o art.º 15º-H, n.º 3, última parte, da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na actual redacção.
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A 08-11-2024, a requerente respondeu impugnando factualidade alegada pela requerida e alegando, em síntese, que:
- não aceita a excepção alegada, por parte da requerida, de que a falta de pagamento das rendas não decorre de culpa da mesma, por não lhe ter indicado nova conta bancária para o efeito, e que o incumprimento do contrato é imputável a si e não à requerida, pois o contrato de arrendamento terminou com a sua resolução por falta de pagamento das rendas e a requerida não procedeu, como lhe competia, nem ao pagamento das rendas em atraso nem à entrega do locado;
- por outro lado, ao apresentar a oposição, a requerida não prestou caução dos valores peticionados até ao máximo de seis rendas, conforme disposto no art.º 15º-F do NRAU;
- o art.º 15º-F, n.º 4, do NRAU determina que, não se mostrando paga a taxa de justiça ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida, devendo haver lugar à emissão do título para desocupação do locado;
- apesar de beneficiar de apoio judiciário, designadamente na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a falta de caucionamento dos valores peticionados implica que a “oposição” seja tida por não deduzida e, por conseguinte, ser ordenado o seu desentranhamento;
- a requerida poderia ter evitado a resolução do contrato caso tivesse pago o montante em dívida, acrescido da penalização legal de 20%, no prazo de 30 dias (cfr. 1041º e 1084º, n.” 3, do Código Civil), o que não se verificou;
- a requerida dispunha da possibilidade de proceder de forma cautelar aos depósitos da renda a favor da nova proprietária, nos termos do art.º 17º do NRAU, o que não fez;
- a requerida não procedeu ao pagamento das rendas a si, como lhe competia e estava obrigada, pelo que o contrato de arrendamento cessou por resolução, por falta de pagamento de mais de três rendas, nos termos do artigo 1083º do Código Civil;
- não estão preenchidos os requisitos para justificar o direito ao diferimento da entrega do locado.
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A 18-11-2024, foi proferido despacho onde se determinou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa e apresentarem ou complementarem as suas alegações de direito, sem prejuízo de a requerente, querendo, apresentar desistência do pedido, que não obstará à propositura de outro procedimento especial de despejo baseado no contrato junto pela requerida, com os fundamentos que dele constam.
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As partes nada disseram.
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A 19-12-2024, foi proferida sentença que julgou o procedimento especial de despejo improcedente e absolveu os requeridos do pedido.
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Inconformada, a 06-01-2024, a requerente interpôs recurso que culminou com as seguintes conclusões (transcrição):
A. A Recorrente apresentou um requerimento de despejo, no Balcão Nacional do Arrendamento, hoje denominado Balcão do Arrendatário e do Senhorio, correndo a ação sob forma de procedimento especial de despejo.
B. No decorrer da fase administrativa não se verificou nenhum fundamento para a recusa do requerimento de despejo, nos termos do Artigo 15.º-C do NRAU.
C. Não se verificando motivos para a recusa do requerimento, o BNA procedeu ‡ notificação dos Recorridos para estes (i) desocuparem o locado e, sendo caso disso, pagarem ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada ou (ii) deduzirem oposição à pretensão e/ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto nos Artigos 15.º-N e 15.º-O (n.º1 do Artigo 15.º-D).
D. Apenas um dos Recorridos, a Recorrida AA, depois da notificação pelo Balcão Nacional do Arrendamento, hoje Balcão do Arrendatário e Senhorio, apresentou Oposição invocando que era a única arrendatária e, que nunca lhe foi comunicada a venda do imóvel, nem os dados para pagamento da renda, mas sem tão pouco prestar caução do valor de seis meses de renda, como se impunha, para que fosse considerada como apresentada a oposição.
G. Por seu turno, dispõe o artigo 10º da Portaria n.º 9/2013, de 10.11:
1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.
2 – O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.
H. Não se mostrando paga a caução prevista no n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, a oposição tem-se por não deduzida (n.º 4 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro).
I. Daí que o artigo 15.º-F, n.º 3 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, atualizada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, ao prescrever que “com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos números 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, apenas ressalva a primeira parte da norma, isto é, a isenção do pagamento da taxa de justiça nas situações em que ao requerente de apoio judiciário lhe tenha sido concedida dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (e não o pagamento da caução correspondente a seis rendas, menção que de resto se mostra entre vírgulas).
J. O apoio judiciário que eventualmente pudesse vir a ser concedido (pela Segurança Social) à Recorrida que deduziu oposição, mostra-se restrito ao respetivo âmbito, isto é, à modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (artigo 16º da Lei n.º 34/2004, de 29.07).
K. Assim, é manifesto que a Recorrida AA estava obrigada a comprovar o pagamento da caução prevista no artigo 15º F, n.º 3 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, atualizada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, e não o fez.
L. Nesta conformidade, tem-se por não deduzida a oposição apresentada, ao abrigo do artigo 15º F, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, atualizada pela Lei n.º 31/2012, de 14.08, pela que a sentença recorrida, igualmente omitiu de forma manifesta a pronúncia sobre esta questão processual, o que igualmente gera a nulidade da sentença.
M. O Tribunal de 1ª Instância fez errada apreciação e interpretação do contrato de arrendamento, tendo considerado o contrato celebrado em 01/09/2015, como deixando de vigorar em outubro de 2018, quando não é verdade, pois foi celebrado um aditamento ao mesmo em 03/10/2018, que apenas teve como finalidade a alteração de um dos titulares, para se manter como arrendatária a Recorrida CC e o marido desta, e ainda a Recorrida AA, pelo que a sentença recorrida, devia ter dado como provada a legitimidade para serem demandados no processo especial de despejo pela Recorrente, todos os Recorridos, inclusive o marido da Recorrida CC, caso fosse alegado que o locado era morada de família (Se a casa de morada de família for fixada num imóvel arrendado, o artigo 1682.º-B obriga também ao consentimento de ambos os cônjuges para que se possa resolver ou revogar o contrato, ceder a posição contratual ou subarrendar) e, em consequência pela condenação dos Recorridos e, não decidir absolver todos os Recorridos.
N. Mal andou também, o Tribunal a quo, ao decidir pela improcedência do pedido da Recorrente e ao declarar como existindo um outro contrato celebrado com a Recorrida AA, quando o contrato de arrendamento iniciado em 01/09/2015 mantém-se com as mesmas condições e termos, tendo alterado com o aditamento ao mesmo em 03/10/2018, apenas, um dos titulares DD, para figurar a sua companheira a Recorrida AA, juntamente com a Recorrida CC e o marido desta.
O. Tendo produzido efeitos as comunicações de resolução do Contrato de Arrendamento – sendo válidas, eficazes e tempestivas - deveria ter sido declarado procedente o processo especial de despejo, por cessação do Contrato em 07/03/2023.
P. Data em que o imóvel deveria ter sido entregue pelos Recorridos.
Q. A Recorrente e atual proprietária sempre manifestou o interesse na recuperação da posse do Imóvel, tendo lançado mão do procedimento especial de despejo.
R. Os Recorridos não pagaram as rendas correspondentes a, pelo menos, três meses, não obstante ser dever do arrendatário pagar a renda (artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil) e inexistir causa de suspensão de tal dever.
S. Ao abrigo do disposto no artigo 1083.º, n.ºs 1, 2, alínea e), e 3, do Código Civil, qualquer das partes pode fazer cessar a vigência do contrato de arrendamento por resolução, com base em incumprimento pela contraparte, sendo considerado inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda.
T. Sendo esta, precisamente, a situação demonstrada nestes autos, já que a mora alegada e provada é de, mais, três meses, havendo fundamento manifesto para a declaração de cessação do contrato de arrendamento por resolução.
U. Efeito da cessação do contrato de arrendamento é tornar-se imediatamente exigível a desocupação do locado e a sua entrega (artigo 1081.º, n.º 1, do Código Civil).
V. Os Recorridos BB, CC e AA demandados no procedimento especial de despejo, salvo o devido respeito, foram-no e bem, tendo em conta, que contrariamente ao dado como provado na douta sentença recorrida, as Recorridas CC e AA, celebraram e assinaram o aditamento ao contrato de arrendamento celebrado em 2018 e, não apenas a Recorrida AA.
W. Aditamento esse, que apenas alterou a titularidade do referido contrato de arrendamento celebrado em 2015, mantendo-se em vigor em relação às restantes condições e termos e, não como na douta sentença recorrida é referido erradamente que deixou de estar em vigor (negrito e sublinhado nosso).
X. A Recorrente, juntou de forma válida o contrato de arrendamento inicial e o aditamento ao mesmo, quando deu entrada do PED no BAS, aliás consta precisamente essa realidade no requerimento de descrição dos factos, pelo que a douta sentença, fez errada apreciação quer dos documentos juntos pela Recorrente, quer ainda, ao considerar que a Recorrente não podia fundamentar o seu pedido nesses dois documentos e demandar os três Recorridos, AA, CC e o BB, unicamente por considerar que o contrato celebrado em 01/09/2015, tinha deixado de estar em vigor, quando apenas ocorreu a substituição de um dos titulares desse contrato, em concreto do DD (companheiro da AA) pela Recorrida AA.
Y. E por essa razão a Recorrente não demandou o primeiro arrendatário DD, que conforme consta no contrato de arrendamento celebrado em 01/09/2015 estava em processo de divórcio com a Recorrida AA, e, em 03/10/2018, foi outorgado um aditamento ao contrato de arrendamento, onde consta que o DD, em união de facto com a Recorrida AA, deixa de ser titular do referido contrato, passando a vigorar a partir dessa data apenas as duas Recorridas AA e CC.
Z. Ou seja, tudo indicia que a Recorrida AA sempre residiu no imóvel, desde 01/09/2015 como companheira de DD e, depois, a partir de 03/10-2018, como uma das titulares do referido contrato de arrendamento e não a única, uma vez que a Recorrida CC passou a figurar também como arrendatária, ou melhor manteve-se.
AA. Mas atento ao contrato de arrendamento celebrado em 01/09/2015, que se mantém em vigor, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, alterando apenas a titularidade do mesmo, como já se disse, a Recorrida CC figura como estando em processo de divórcio com o Recorrido BB e, depois no aditamento ao referido contrato de arrendamento em 2018, que só serviu para substituir o arrendatário DD, repita-se, para passarem a constar como arrendatárias as Recorridas AA e a CC, casada com o Recorrido BB.
BB. Por outro lado, e, apesar de apenas constar como uma das arrendatárias a Recorrida CC, o Recorrido BB, figurando como seu marido, e para o caso, de a Recorrida vir invocar, que o locado era morada de família, a Recorrente tinha de acautelar e, bem, a notificação ao Recorrido BB e por conseguinte demandá-lo também nos presentes autos.
CC. Pelo exposto, padece de nulidade a douta sentença por erro de julgamento e omissão de pronúncia, que deveria ter dado como provado como válido o contrato de arrendamento e seu aditamento, que a Recorrente juntou, quando deu início ao PED e, por conseguinte, procedente o processo especial de despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas.
DD. O Tribunal a quo não fez correta aplicação dos factos e do Direito, devendo em consequência ser revogada a sua decisão e substituída por outra, que decida pela procedência do processo especial de despejo e condene os Recorridos na entrega do locado e no pagamento das rendas em atraso e nas vincendas até à data da entrega do imóvel.
EE. A douta decisão recorrida não deve manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e preceitos jurídicos competentes.
FF. A douta decisão decidiu por uma hipótese dos autos, de forma que, com a devida vénia, não pode deixar de considerar-se aleatória dos mais elementares preceitos da justiça e legalidade.
GG. Operada a resolução contratual e não tendo os Recorridos provado – como lhe incumbia – o pagamento das rendas vencidas entre fevereiro a dezembro de 2022 e janeiro de 2023 e, daí em diante, a sentença recorrida deveria ter sido no sentido da procedência do peticionado despejo como consequência da operada resolução o contratual em 07/03/23.
HH. Ainda que assim se não entendesse, porquanto sempre a intenção resolutiva é uma realidade processual nos autos reiterada, nos termos que acima já expusemos, então também por esta via seria de concluir nos mesmos termos.
II. O depósito liberatório no prazo de um mês previsto no artigo 1084º nº 3 do CC não se mostra efetuado nos autos – sendo que aos Recorridos, ou à Recorrida AA, que foi quem deduziu oposição, incumbia igualmente o ónus de provar tal realidade.
JJ. Por outro lado, e, apesar de apenas constar como uma das arrendatárias a Recorrida CC, o Recorrido BB, figurando como seu marido, e para o caso, de a Recorrida vir invocar, que o locado era morada de família, a Recorrente tinha de acautelar a notificação ao Recorrido BB e por conseguinte demandá-lo também nos presentes autos.
KK. Pelo exposto, padece de nulidade a douta sentença por erro de julgamento e omissão de pronúncia, que deveria ter dado como provado como válido o contrato de arrendamento e seu aditamento, que a Recorrente juntou, quando deu início ao PED e, por conseguinte, procedente o processo especial de despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas.
LL. Conforme melhor consta nos autos, a Recorrente comunicou a cada um dos Recorridos, atento o incumprimento, por culpa exclusivamente imputável aos mesmos, a Resolução do Contrato, nos termos previstos no número 3 do Artigo 1083º do Código Civil, ou seja, por falta de pagamento de rendas mensais superior a 3 (três) meses.
MM. Pese embora as cartas de resolução, datadas de 05/01/2023 enviadas aos Recorridos CC e seu marido BB, tenham sido devolvidas com a indicação de “objeto não reclamado”, quanto à carta de resolução remetida à Requerida AA, foi aberto o processo de reclamação junto dos CTT, ao qual foi atribuído o nº SR0016525174, por não ter sido rececionado o AR assinado pela Requerida, ainda que, da pesquisa de objeto no site dos CTT apareça a indicação de que a missiva foi rececionada.
NN. No entanto, em cumprimento das disposições legais do artigo 9º e 10º do NRAU, a Recorrente remeteu cartas de repetição remetidas a cada um dos Recorridos, datadas de 07/02/2023, que foi recebida em 08/02/23 pela Recorrida AA, tendo as cartas de repetição dos Recorridos CC e BB, sido, novamente, devolvidas com a indicação “objeto não reclamado”.
OO. A comunicação é plenamente dotada de eficácia, pois as referidas cartas foram enviadas para o domicílio convencionado, muito embora, tenham sido devolvidas com a indicação de “objeto não reclamado” - pelo que, se considera a comunicação recebida, nos termos e para os efeitos dos Artigos 9º e 10º do NRAU, devendo serem consideradas válidas, eficazes e com produção de efeitos.
PP. Pelo que a douta sentença, ao não se pronunciar sobre as comunicações de resolução do contrato de arrendamento e com a indicação dos valores em dívida, por parte da Recorrente, incorreu em omissão de pronúncia e por conseguinte geradora de nulidade da mesma.
QQ. À data da Resolução, em 05/01/2023, era(m) o(s) Requerido(s) devedores das rendas dos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2022 e Janeiro de 2023 (12 meses), no valor total de € 3.454,32 e, não tendo feito cessar a mora como lhes competia e a isso estavam obrigados, operou de forma clara e sem qualquer dúvida, a cessação do contrato de arrendamento com fundamento na resolução por falta de pagamento de rendas, trinta dias depois da segunda carta, que sendo de 07/03/23, o contrato cessou em 07/04/23.
RR. Os Recorridos, foram validamente notificados da resolução do contrato de arrendamento e, sendo o pagamento de renda a principal obrigação na relação locatícia, poderiam ter feito cessar a mora – evitando assim o fim do Contrato - no prazo de 30 (trinta) dias estabelecido na Lei e também transmitido, com o pagamento de 20% de indemnização previsto no n.º 1 do Artigo 1041º e no n.º 3 do Artigo 1084º, ambos do Código Civil, o que não se verificou.
SS. Não tendo os Recorridos feito cessar a mora mediante pagamento das rendas em falta e, nem tão pouco, procedido à entrega voluntária do imóvel locado, devoluto de pessoas e bens, com todos os elementos (propriedade da Proprietária) incluídos no Contrato – obrigação prevista na Lei e no Contrato – não restou à aqui Recorrente a alternativa, senão, de se socorrer do procedimento especial de despejo, junto do BAS, para que lhe seja restituída a posse do imóvel, e bem assim, para reaver o valor das sobreditas rendas vencidas e não pagas pelos Recorridos.
TT. E, por conseguinte, devia a douta sentença, ter dado como provado que as comunicações de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, enviadas e, bem, as todos os Recorridos, foram eficazes e produziram os seus efeitos.
UU. E tendo as comunicações de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas, sido recebidas, nos termos e para os efeitos dos Artigos 9º e 10º do NRAU, deveriam ter sido consideradas válidas, eficazes e com produção dos respetivos efeitos e, por conseguinte, devia a douta sentença ter dado como procedente o presente processo especial de despejo e condenar os Recorridos a entregarem o locado, livre de pessoas e bens e, bem assim, no pagamento dos valores das rendas em dívida até à entrega efetiva do imóvel, nos termos do artigo 1045 do Código Civil.
VV. A principal obrigação do inquilino é a de pagar a renda correspondente ao espaço cedido e, caso entre em mora no pagamento igual ou superior a três meses de renda, tal situação pode ser fundamento para o senhorio proceder à resolução do contrato mediante comunicação formal nesse sentido, como aconteceu no presente processo.
WW. Se este vier, no prazo de um mês após a receção da comunicação, a liquidar a totalidade dos valores em dívida a resolução ficará sem efeito, mas o inquilino só poderá fazer uso desta faculdade uma única vez.
XX. Diversamente, se o inquilino não proceder ao pagamento naquele prazo, a resolução opera os seus efeitos.
YY. Mas para tal comunicação de resolução ser válida e eficaz, o senhorio terá de respeitar o prescrito no Regime do Arrendamento Urbano, devendo fazê-lo mediante uma de três formas, consoante exista, ou não, domicílio convencionado estabelecido pelas partes no contrato, sendo que se entende por domicílio convencionado o que é estabelecido contratualmente para efeitos de comunicações, considerando-se a parte notificada quando a carta seja remetida para tal local, mesmo que não a venha a receber efetivamente.
ZZ. E foi o que a Recorrente fez, ao enviar as comunicações de resolução extrajudicial do contrato de arrendamento, informando os Recorridos dos valores de rendas em dívida.
AAA. Resulta dos factos que à data das cartas de resolução, os Recorridos estariam em dívida para com a Recorrente, quanto aos valores das rendas relativas aos meses de fevereiro a dezembro de 2022 e janeiro de 2023.
BBB. Ora, a falta de pagamento da renda no tempo e lugar próprios constitui violação do referido princípio da pontualidade, por parte do arrendatário, face ao qual o senhorio pode fazer cessar o contrato, por meio de resolução judicial ou extrajudicial (cfr. Artigos 1079.º, 1080.º, 1083.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CC, e 14.º e 15º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro).
CCC. Logo, no caso de o arrendatário não pagar ao senhorio a renda acordada durante três meses, forma-se na esfera jurídica deste o direito potestativo de resolver o contrato de arrendamento – artigo 1079.º do CC (na Redação da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro).
DDD. Esse direito, sendo a causa da resolução o não pagamento das rendas, pode ser exercido judicial ou extrajudicialmente (art.º 1047.º do CC, na Redação da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro).
EEE. No caso em apreço, em face das comunicações, ficou demonstrado pelas comunicações da Recorrente, enviadas, através das cartas de 05/01/23 e depois em repetição no dia 07/02/23 que os Recorridos ininterruptamente, não procederam ao pagamento das rendas desde fevereiro a dezembro de 2022 e janeiro de 2023, e bem assim as vincendas, fazendo nascer na esfera jurídica da Recorrente o direito de resolução do contrato nos termos do art.º 1083º nº 3 do CC.
FFF. Perante tal acionamento do direito potestativo que assistia à senhoria, para obstar a tal direito preceitua o artigo 1084º, nº 3, do CC, que quando a resolução pelo senhorio, opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês.
GGG. Acresce que a par de tal norma, estatui-se no artigo 1048º nº 4 do CC que o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido extrajudicialmente, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1084.ºdo mesmo diploma.
HHH. Assim, face à resolução extrajudicial haverá que considerar a remissão feita no art.º 1048º nº 4 do CC para o previsto no art.º 1084º nº 3, pelo que à resolução operada nestes autos nos termos sobreditos, poderia o arrendatário obter a cessação dos seus efeitos desde que pusesse “fim à mora no prazo de um mês”.
III. Donde, perante a resolução. competiria aos Recorridos purgar a mora, e é nesta questão que manifestamente não assiste razão na douta sentença, que omitiu completamente a apreciação desta questão.
JJJ. Em momento algum, os Recorridos fizeram prova de que fizeram cessar a mora, no prazo de trinta dias e, nem procederam ao depósito das rendas, no prazo da oposição, como lhes competia e a isso estavam obrigados.
KKK. Pelo que, como já se disse, só pelo facto de não ter prestado caução do valor equivalente a seis meses de renda, deveria a oposição apresentada pela Recorrida AA, não ser recebida, mas sim desentranhada.
LLL. O procedimento especial de despejo deveria ter sido julgado procedente, por provado, com fundamento na resolução do contrato de arrendamento em 07/03/23, em face das comunicações enviadas pela Recorrente, a todos os Recorridos, que deveriam ter sido consideradas válidas e eficazes e, por conseguinte, com produção de efeitos.
MMM. E se as cartas enviadas aos Recorridos CC e ao marido BB, vieram devolvidas, em cumprimento da lei, devem ser consideradas eficazes e, por conseguinte, cessado o contrato de arrendamento com fundamento na resolução por falta de pagamento de rendas.
NNN. Pelo que erradamente julgou o Tribunal de 1º instância ao considerar estes Recorridos desobrigados de qualquer obrigação perante a Recorrente, quando figuram como titulares do contrato, juntamente com a Recorrida AA.
OOO. E quanto a esta Recorrida, não pode colher a tese de que não sabia a quem pagar as rendas, pois no mínimo, quando recebe a 08/02/23 a carta de resolução em repetição da primeira carta remetida em 05/01/23, devia ter procedido ao pagamento das rendas em atraso, no prazo de trinta dias, acrescida do valor correspondente a 20% referente à mora.
PPP. O que manifestamente não fez, como provado nos autos está, mas sempre poderia, no caso de recusa no recebimento, se efetivamente fosse uma arrendatária cumpridora e diligente, proceder ao depósito liberatório.
QQQ. No caso dos autos, já não estamos perante o nº 4 do artigo 1083º, mas sim perante o nº 3, logo, relativamente ao depósito dito liberatório tem que ser realizado no prazo de um mês a contar da notificação da resolução pelo senhorio – cf. artigo 1084º nº 3.
RRR. E esse depósito será liberatório e porá fim à mora, caso obedeça ao previsto no artigo 1042º do CC, ou seja, além do pagamento do valor das rendas devidas, deverá ainda o arrendatário proceder ao pagamento da indemnização correspondente a 20% do valor em dívida.
SSS. Não o tendo feito, operou a resolução do contrato de arrendamento, no dia 07/03/23, estando atualmente os Recorridos a ocuparem um imóvel sem qualquer título.
TTT. Desta matéria de facto que devia ter sido considerada provada, pelo Tribunal a quo, andando mal a douta sentença recorrida, resulta à evidência que a decisão de resolução do contrato de arrendamento foi comunicada de forma válida aos Recorridos e produziu efeitos, uma vez que seguiu todos os trâmites que a lei obriga sejam cumpridos para que a comunicação se tornasse eficaz.
UUU. Ora, da matéria de facto não se conclui que tenha sido efetuado qualquer depósito ou pagamento de renda, que fizesse caducar o direito de resolução do contrato por parte da Recorrente.
VVV. Nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC é nula a sentença que deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
WWW. O Tribunal a quo não podia pura e simplesmente deixar de se pronunciar sobre as comunicações de resolução do contrato de arrendamento remetidas a todos os Recorridos, que foram válidas e eficazes, omissão essa que fere a decisão proferida de nulidade.
XXX. Mas igualmente, a Mta Juíza a quo não podia interpretar o contrato de arrendamento de forma errada, pois o aditamento de 03/10/2018, apenas alterou um dos titulares, mantendo-se o contrato em vigor nas restantes condições e termos acordados entre as partes outorgantes, passando a figurar como arrendatárias as Recorridas CC que se mantem e a AA e, não apenas esta última.
YYY. Operada a resolução contratual e não tendo os Recorridos provado – como lhe incumbia – o pagamento das rendas vencidas entre fevereiro a dezembro de 2022 e janeiro de 2023 e, daí em diante, a sentença recorrida deveria ter sido no sentido da procedência do peticionado despejo como consequência da operada resolução contratual em 07/03/23.
ZZZ. Ainda que assim se não entendesse, porquanto sempre a intenção resolutiva é uma realidade processual nos autos reiterada, nos termos que acima já expusemos, então também por esta via seria de concluir nos mesmos termos.
AAAA. O depósito liberatório no prazo de um mês previsto no artigo 1084º nº 3 do CC não se mostra efetuado nos autos – sendo que aos Recorridos, ou à Recorrida AA, que foi quem deduziu oposição incumbia igualmente o ónus de provar tal realidade.
BBBB.Mas igualmente a sentença recorrida não podia errar no julgamento e na interpretação do contrato de arrendamento e seu aditamento, ao considerar o contrato celebrado em 1/09/2015 revogado e não válido e, por conseguinte ao decidir, entendemos nós mal, que a Recorrente não podia fazer-se valer do referido contrato e do aditamento, decidindo também por esta razão pela improcedência do processo por falta de legitimidade dos Recorridos AA, CC e marido desta.”
No termo da peça processual em referência, conclui-se pelo provimento do recurso, pela revogação da sentença recorrida e pela sua substituição por decisão que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por resolução por falta de pagamento de rendas, cujas comunicações foram enviadas tempestivamente, foram eficazes e produziram os seus efeitos de acordo com a lei pelo senhorio) e, consequentemente condene os recorridos nos pedidos formulados.
*
A requerida AA, a 25-01-2025, respondeu, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
- O Recurso ora apresentado (não) preenche os pressupostos exigido no artigo 639º, nº 1 e nº 2 do CPC;
- A prova produzida e apreciada em sede de despacho saneador teve uma apreciação correcta;
- O despacho saneador transitou em julgado;
- A Recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto;
- O Recurso não versa sobre qualquer matéria de direito;
- A Recorrente não pede a alteração da decisão sobre a matéria de facto nem a reapreciação da decisão de direito;
- A douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” não merece qualquer reparo, devendo manter-se a mesma.
*
A 28-01-2025, o recurso foi admitido, com subida nos autos e com efeito devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 617º, n.º 1, e 641º, n.º 1, do CPC, tendo sido refutada a nulidade da sentença recorrida alegada em sede de recurso.
*
II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º 4, 636º e 639º, n.º 1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art.º 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões:
1. Saber se ocorre a nulidade da sentença recorrida, invocada pela recorrente, referente a omissão de pronúncia, prevista no art.º 615º, n.º 1, al. d), do CPC;
2. Saber se ocorre fundamento para a procedência do pedido de despejo formulado pela requerente;
3. Em caso de resposta positiva à questão anterior, saber se existe fundamento para o diferimento da desocupação do locado.
*
2.
Antes da apreciação das questões acima enunciadas, existe uma questão prévia de que cumpre conhecer, respeitante à admissibilidade do recurso.
Na verdade, como resulta do que acima consta, a recorrida invoca que o requerimento de recurso não cumpre o ónus consagrado no art.º 639º, nº1 e 2, do CPC, sendo prolixo, desde logo nas conclusões, o que pode obstar ao seu conhecimento.
Reconhece-se que a recorrente, na peça que constitui o seu recurso de apelação, não cumpriu integralmente o disposto no art.º 639º, n.º 1, do CPC, posto que as conclusões que apresenta são reprodução quase integral do que alega previamente como fundamentos e revelam-se extensas e repetitivas.
Como tem vindo a ser entendido pelo STJ de modo pacífico, tal vício não constitui uma situação de falta de conclusões, não dando lugar à imediata rejeição do recurso (art.º 641º, n.º2, al. b) do CPC), antes conduz à formulação de um convite ao aperfeiçoamento das conclusões, no sentido da sua sintetização, ao abrigo do art.º 639º, n.º3, do CPC (cf.: ac. STJ de 13-12-2022, processo n.º 2952/21.8T8OAZ.P1.S1, acessível em dgsi.pt; Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 3ª edição, 2024, pág. 829, nota 8, onde se menciona mais jurisprudência em abono da posição assumida).
Por outro lado, na esteira do defendido no acórdão de 11-07-2024 (processo n.º 9492/21.3T8LSB), desta Relação, entende-se que, constando das conclusões da alegação recursória a delimitação do objecto do recurso e o sentido da solução jurídica pugnada pelo recorrente, é de considerar, “tendo em conta o disposto no art.º 5.º, n.º 3, do CPC, que seria acto inútil, logo ilícito (cf. art.º 130.º do CPC), o convite ao aperfeiçoamento daquelas conclusões nos termos do art.º 639.º, n.ºs 1 e 3, do CPC”.
No caso em apreço, das conclusões apresentadas pela recorrente é possível apreender as questões que constituem o objecto do recurso e o sentido da solução jurídica que a recorrente para elas defende, o que a recorrida, na resposta ao recurso por si apresentada, evidencia compreender, sobre tal se pronunciando.
Entende-se, pelo exposto, que, no caso em apreço, não existe fundamento que obste ao conhecimento do recurso.
*
3.
A factualidade dada como provada na decisão impugnada é a seguinte:
1. Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional transmitiu à requerente o direito de propriedade sobre a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar direito, com entrada pelo n.º ... da Rua A, Samouco, inscrito a seu favor pela AP. ... de 2022/02/01 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...
2. Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional alegadamente era gerida por Norfin – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A..
3. Em 01/09/2015, Norfin – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A., em representação de Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional deu de arrendamento a DD e à requerida CC, a referida fração autónoma, para fins habitacionais, mediante o pagamento da renda de € 280,00, pelo prazo de 5 anos, renovável por iguais e sucessivos períodos, sem prejuízo de denúncia por qualquer dos contraentes.
4. Em 03/10/2018, a primitiva senhoria e os primitivos arrendatários celebraram novo acordo relativamente ao referido contrato, pelo qual o revogaram e a requerida AA passou a ser a única arrendatária da mencionada fração autónoma.
*
A fundamentação de facto constante da sentença recorrida tem o seguinte teor, que se transcreve.
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise de toda a prova documental junta aos autos pelas partes, com especial relevância para a certidão do registo predial comprovativa da compra e venda celebrada entre a requerente e Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, o contrato de arrendamento objeto dos presentes celebrado em 2015 e o aditamento ao contrato junto pela requerida aos autos celebrado em 2018, não impugnado pela requerente. Todos os demais factos foram considerados irrelevantes para a decisão da causa, juízos conclusivos e/ou matéria de direito.”
*
4.
A sentença – e, por força do disposto no art.º 613º, n.º3, do CPC, os despachos judiciais – pode padecer de duas causas distintas de vícios: por conter erro no julgamento dos factos e do direito – o denominado error in judicando –, tendo, como consequência, a sua revogação pelo tribunal superior; por sofrer de um erro na sua elaboração e estruturação ou por o decisor ter ficado aquém ou ter ido além do que lhe cabia decidir (thema decidendum), sendo a consequência a nulidade, conforme previsto no art.º 615º do CPC. Nas primeiras situações referidas, ocorrem vícios do acto de julgamento; nas segundas situações mencionadas, verificam-se vícios formais, externos ao acto de julgamento propriamente dito, antes relacionados com a sua exteriorização ou com os seus limites.
Uma das causas de nulidade da sentença inclui a denominada omissão de pronúncia, que se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art.º 615º, n.º1, n.º1, al. d)), o que se coaduna com o estatuído no art.º 608º, n.º2, do CPC, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
As “Questões” referidas no último artigo mencionado são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112), sendo que não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143).”
Importa, assim, distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos apresentados pelas partes para defesa da solução que defendem para cada questão a resolver. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão" (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, p. 143).
As questões postas, a resolver, "suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)" (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, "as "questões" a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões" (Ac. do STJ, de 16-04-2013, processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1, acessível em dgsi.pt) e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Assim, a omissão de pronúncia reconduz-se às questões de que o Tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou da invocação de um argumento pela parte sobre os quais o Tribunal não se tenha pronunciado.
A nulidade em referência só ocorrerá quando não exista pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as exceções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo, contudo, da questão (cf. ac. do STJ de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, acessível em dgsi.pt).
A referida nulidade da sentença por omissão de pronúncia não ocorre, no entanto, quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (cf. ac. do STJ de 03-10-2002, processo n.º 02B1844, e ac. do STJ de 11-10-2022, processo n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, ambos acessíveis em dgsi.pt), o que se compreende, posto que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (cf. ac. do STJ de 08-03-2001, processo n.º 00A3277, acessível em dgsi.pt).
Também "não se verifica a nulidade de uma decisão judicial quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou" (cf. ac. do STJ de 20-03.2014, processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1, acessível em dgsi.pt).”
Passando ao caso dos autos, constata-se que a recorrente arguiu a nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, al. d), do CPC, invocando que o Tribunal a quo proferiu a sentença impugnada sem se pronunciar sobre:
- os efeitos processuais decorrentes da omissão de demonstração do pagamento, por parte da requerida AA, da caução prevista no art.º 15º-F, n.º 3, do NRAU, designadamente, o previsto no n.º 4 do mesmo artigo, no sentido de a oposição pela mesma apresentada ter-se por não deduzida (conclusão L);
- a demonstração do contrato de arrendamento e aditamento que invocou no requerimento inicial, bem como sobre a sua validade, o que também qualifica como de erro de julgamento (conclusões CC e KK);
- as comunicações de resolução do contrato de arrendamento remetidas aos recorridos, que são válidas e eficazes (conclusões PP e WWW).
No que respeita ao primeiro fundamento acima enunciado, importa reter que a recorrente, em sede de resposta à oposição, junta a 08-11-2023, alegou que a recorrida não prestou a caução prevista no art.º 15º-F, n.º3, do NRAU, mediante depósito dos valores peticionados até ao máximo de seis rendas, pelo que, conforme disposto no número 4 do mesmo artigo, a oposição tem-se por não deduzida, havendo lugar à emissão de título para desocupação do locado.
A alegação em referência respeita à arguição de questão que o Tribunal recorrido devia ter apreciado, posto que apta a contender com o decidido sobre o mérito da causa, na medida em que, como alega a recorrente, da sua procedência poderá resultar a ausência de oposição relevante no processo e, por via disso, a solução do litígio ser afectada.
Além de ter sido arguida em momento processual adequado, em sede de resposta à oposição, trata-se de questão de conhecimento oficioso.
Não tendo conhecido da questão mencionada, forçoso se mostra, salvo o devido respeito, concluir que a sentença recorrida padece da nulidade apontada pela recorrente, prevista no art.º 615º, n.º 1, al. d), do CPC.
Não obstante o referido, por força do disposto no art.º 665º, n.º1, do CPC, deve esta Relação proceder à correcção do vício da decisão recorrida, passando-se, em conformidade, a conhecer da questão acima identificada, constando dos autos os elementos necessários a tal (cf. no mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, 2022, Livraria Almedina, p. 386 e ss.).
Importa salientar que a oposição foi deduzida após 11-10-2023 (data em que a requerida AA foi notificada) e antes de 25-10-2023 (data em que foi proferido despacho a ordenar a notificação da requerente para se pronunciar sobre a matéria de excepção constante de tal peça), estando em vigor e sendo, por isso, aplicável ao caso o art.º 15º-F do NRAU com a redacção dada pela Lei n.º 56/2023, cuja vigência se iniciou a 07-10-2023, por força do disposto no art.º 55º do mesmo diploma, e se mantém.
O artigo 15º-F do NRAU, na versão referida, tem a seguinte redacção:
1 - O requerido pode opor-se à pretensão de despejo no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
2 - A oposição é apresentada no BAS por via eletrónica.
3 - Com a oposição, o arrendatário identifica:
a) As pessoas a quem, nos termos da lei, o respetivo direito seja comunicável;
b) O respetivo regime de bens vigente, quando aplicável;
c) Outras pessoas que, licitamente, se encontrem a residir no locado;
d) Qualquer das situações que motivem a suspensão e ou diferimento da desocupação do locado nos termos do artigo 15.º-M; e
e) Se o locado corresponde à casa de morada de família.
4 - No prazo para a oposição, pode o requerido deduzir incidente de intervenção principal provocada, nos termos dos artigos 316.º a 320.º do CPC, verificados os respetivos pressupostos.
5 - Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.º 3 e 4 do artigo 1083.º do Cód.Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
6 - Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.
7 - A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efectue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.
Já o art.º 13º da Portaria nº 49/2024, de 15-02, dispõe que:
1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição ao requerimento de despejo, nos termos do n.º 5 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redacção actual, é efectuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na sua redacção actual, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.
2 - O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.
Antes do preceito acabado de referir, designadamente na data em que a oposição foi junta aos presentes autos, o art.º 10º da Portaria nº 9/2013, de 10-01 (revogada pela Portaria nº 49/2024, de 15-02) dispunha que:
1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (leia-se n.º 7 do mesmo artigo na versão dada pela Lei n.º 56/2023), é efectuado através dos meios electrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, após a emissão do respectivo documento único de cobrança.
2 - O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.
Como se refere no acórdão desta Relação de 24-09-2024, processo n.º 11580/24.5T8LSB-A.L1-7, acessível em dgsi.pt, a interpretação conjugada do art.º 15º-F e da Portaria n.º 9/2013, de 10-01 (sendo que a actual não difere em essência da anterior) deu origem a duas posições jurisprudenciais.
Para uma das posições, face à contradição entre a norma do NRAU, que dispensa o pagamento da caução para efeitos de admissibilidade da oposição ao despejo nas situações em que o demandado beneficia de apoio judiciário, e da Portaria 9/2013, de 10-11, que mantém a necessidade do pagamento da aludida caução para que a oposição possa ser admitida, ocorre uma “contradição entre normas de diferente hierarquia, devendo prevalecer a norma de hierarquia superior, no caso a do NRAU pelo que, caso o inquilino beneficie de apoio judiciário, o mesmo está isento de prestar a caução a que alude o nº5 do Artigo 15º-F do NRAU.” (cf. acórdão de 24-09-2024, acima mencionado).
No sentido referido, encontra-se o acórdão do TRL de 28-04-2015, processo n.º 1945/14.6YLPRT-A.L1-7 (acessível em dgsi.pt), com o seguinte sumário:
I - A interpretação do nº 3 do art.º 15º-F do NRAU, com recurso aos elementos gramatical e teleológico ou racional, leva-nos a concluir que, com ele, o legislador isentou o beneficiário de apoio judiciário da prestação de caução, em moldes a regulamentar por ulterior Portaria.
II – Já a Portaria nº 9/2013, de 10.01, que, segundo o dito preceito legal, deveria definir os termos dessa isenção, acabou por, contrariando aquela norma, exigir, no seu art.º 10º, o pagamento da caução, independentemente de o arrendatário gozar daquele benefício.
III – Existe, pois, um conflito de normas de hierarquia diversa - uma de lei ordinária da assembleia da República e outra ínsita em Portaria que é regulamento de fonte governamental -, gerador do vício da ilegalidade e que se resolve fazendo preferir “a norma de fonte hierárquica superior (critério da superioridade: lex superior derogat legi inferiori”.
IV – Assim, beneficiando de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o arrendatário está isento de demonstrar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição ao pedido de despejo.
No Acórdão do TRC de 20-04-2021, processo n.º 233/20.3YLPRT.C1 (acessível em dgsi-pt), referiu-se: “Verifica-se, pois, que os segmentos normativos se apresentam, na parte sublinhada, total, inequívoca e inconciliavelmente, contraditórios.
Na verdade, a Lei isenta o beneficiário de apoio judiciário da caução.
Já a Portaria obriga este a satisfazer a caução, mesmo que lhe tenha sido concedido tal benefício.
E nem se diga, como defendeu o Sr. Juiz recorrido na decisão prévia à presente, que a Portaria operou uma interpretação do estatuído na lei 6/2006.
Primus, porque a letra daquela Lei não é duvidosa, antes sendo claramente inequívoca no sentido de isentar da caução o beneficiário do apoio judiciário. Pelo que não pode ser aventada qualquer hipótese exegética que não tenha na letra da lei um respaldo ou um mínimo apoio verbal – art.º 9º nº2 do CC. Não há, pois, qualquer dúvida que exija esclarecimento através de uma interpretação.
Secundus, porque a interpretação legal vinculativa é apenas a interpretação autêntica; e esta apenas pode ser operada por diploma com igual ou superior valor hierárquico, o que não é o caso.
Encontramo-nos, assim, perante uma antinomia real de normas.
Por outro lado, e no âmbito da pura interpretação da lei.
Neste domínio, e considerando a ratio legis e outros elementos da hermenêutica jurídica, como sejam o lógico e teleológico, pode chegar-se à conclusão que uma norma encerra, em si mesma, ou por comparação com outras, uma contradição insanável e conduz a um resultado não pretendido e que até pode apresentar-se, atentas as finalidades do sistema, como nocivo.
Neste caso pode o intérprete operar uma interpretação ab-rogante.
Na interpretação ab-rogante, o intérprete: «após a busca do sentido possível conclui que há uma contradição insanável, donde não resulta nenhuma regra útil…por ter escapado ao legislador uma incongruência na regulamentação ou uma incompatibilidade (lógica: não pode ser assim, ou valorativa: não deve ser assim) entre vários textos, há, desde o início, uma falta de sentido… Verificados estes pressupostos o intérprete deve declarar a lei morta» - Oliveira Ascensão, in O Direito, Ed. Gulbenkian, 2ª ed. p. 373 e sgs. (…)
Retornando ao caso vertente reitera-se que a norma da Portaria contraria frontalmente a norma da Lei.
Por conseguinte, e por apelo à prioridade hierárquica desta norma, ela deve prevalecer.
Acresce que a isenção de prestação da caução ex vi de ter sido concedido ao inquilino o benefício do apoio judiciário, se apresenta, como se viu, uma pretensão assumidamente pretendida pela lei 6/2006.
E bem se compreende a sua ratio e finalidade.
Quanto aquela razão de ser, porque a concessão do apoio jurídico radica na falta ou míngua de meios económico financeiros; e não havendo que distinguir sobre as consequências deste défice económico, em função das finalidades a que se reporta: custas do processo ou pagamento de renda. Afinal estamos a falar de, e a tratar com pessoas e não apenas de números ou valores; e a pessoa com défice económico é a mesma: o opoente.
O direito e a sua interpretação não podem apenas ser perspetivados em termos meramente economicistas; urge, outrossim, apreciar e decidir com base num mínimo ético.
Se se conclui que o opoente não tem cabedal económico para pagar honorários a advogado e, inclusive, as custas dum processo público a entes públicos, mal se compreende que se lhe exija suportar uma caução para tutelar interesses meramente privados.
Nesta conformidade, e aqui já entramos no âmago daquele referido fito, há que convir que se tal penúria pecuniária existe, de tal sorte que lhe atribui jus a litigância gratuita e a pagamento de honorários a advogado, outrossim, logicamente, e ao menos, por igualdade de razão, ela deve valer para o eximir do pagamento da caução. Até porque, se assim não fosse, o inquilino, por falta de meios, podia perder a ação e ser despejado ainda antes de se discutir a substância da questão, dilucidação esta que, se se concretizasse, até lhe poderia dar-lhe ganho de causa e, assim, se obstaculizando ao despejo.”
No mesmo sentido, vejam-se, a título de exemplo, os acórdãos do TRL de 10-02-2015, processo n.º 1958/14.8YLPRT.L1-1, de 19-02-2015, processo n.º 4118/14.4TCLRS.L1-2, de 26-04-2016, processo n.º 4024/15.5YLPRT.L1-7, do TRP de 03-03-2016, processo n.º 3055/15.0YLPRT.P1, e de 27-06-2018, processo n.º 2719/17.8YLPRT.P1, todos os acessíveis em dgsi.pt.
O mesmo entendimento foi assumido no acórdão do STJ de 23-04-2024, processo n.º 1182/22.6YLPRT.L1.S2 (acessível em dgsi.pt), onde se afirma, que, por força do disposto no art.º 15º-F do NRAU, apenas o inquilino que tenha capacidade económica é que fica sujeito à prestação da caução, “encontrando-se protegidos os casos de não prestação de caução por dificuldade económica”, no sentido de que “a compressão do direito de defesa do inquilino apenas contempla a prestação de caução num determinado valor (limite máximo de seis meses de renda) e sempre que os inquilinos estejam em condições económicas de a poderem prestar.”
Posição idêntica é a assumida em António Menezes Cordeiro (Coord.), Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, 2014, Almedina, p. 441.
Outra posição defende que a concessão do apoio judiciário ao oponente arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida e não o dispensa do depósito da caução legalmente estipulada, no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso.
A argumentação invocada para sustento dessa posição tem os seguintes termos, que se alcançam no acórdão do TRL de 26-10-2023, processo n.º 1971/22.1YLPRT.L1-2, acessível em dgsi.pt:
Apesar de não ser muito feliz a redação conferida ao nº. 3, do art.º 15º-F, do NRAU (Lei nº. 6/2006, de 27/02, atualizada pela Lei nº. 31/2012, de 14/08), uma cuidada análise de tal normativo leva-nos necessariamente a concluir que o benefício do apoio judiciário aí enunciado só poderá referir-se à obrigação do pagamento de taxa de justiça, e não à obrigação de prestar caução pelo valor das rendas em atraso;
Com efeito, por definição, o instituto do apoio judiciário tem por abrangência o pagamento de custas e encargos reportados a um processo judicial, não abarcando dívidas ou encargos de outra natureza, de que o seu beneficiário seja titular, mas apenas daqueles para que foi expressamente previsto na lei;
A necessidade de prestação de caução para que a oposição deduzida pelo arrendatário possa ser considerada, de valor equivalente ao das rendas em atraso (com limite máximo de seis rendas), tem por desiderato garantir ao respetivo credor o direito ao pagamento das rendas em falta;
Ora, o apoio judiciário não isenta o arrendatário do pagamento de rendas em dívida, pelo que, beneficiando de apoio judiciário, não faria sentido isentá-lo do pagamento da caução legalmente prevista;
Tal interpretação, que já decorria da análise daquele nº. 3, do art.º 15º-F, do NRAU, veio a ser confirmada e esclarecida (que não contraditada) pelo nº. 2 do art.º 10º, da Portaria nº. 9/2013, de 10/01, ao referenciar expressamente que “o documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário;
Adrede, resulta claramente do estatuído no nº. 5, do mesmo art.º 15º-F, que a interpretação não pode ser outra, ou seja, que o citado nº. 3, do mesmo normativo não dispensa o beneficiário do apoio judiciário do pagamento da caução;
Efetivamente, se assim fosse, não se entenderia como aquele nº. 5 veio referenciar que a oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo;
Pois, de acordo com tal entendimento, este normativo, após a prolação de decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, teria que necessariamente prever o pagamento, por parte do requerido arrendatário, não só da taxa de justiça, mas ainda da caução;
O que não foi previsto, num claro juízo de pressuposição de que a caução já havia sido liquidada;
Por fim, num derradeiro argumento, parece evidente que a limitação da caução até ao valor máximo correspondente a seis rendas (e não da totalidade do valor das rendas reclamadas pelo requerente locador) terá tido por base a intenção do legislador em não limitar ou inviabilizar o direito de defesa dos arrendatários de menores recursos;
Porém, acaso o benefício do apoio judiciário abarcasse a caução, inexistiria qualquer razão para o legislador operar tal limitação, pois a tutela do direito de defesa do arrendatário de menores recursos seria operacionalizada por aquele mecanismo.”
No mesmo sentido, vejam-se, além do acórdão do TRL de 26-10-2023 referido, o acórdão do TRL de 02-06-2016, processo n.º 1347/15.7YLPRT.L1-6.
Pinto Furtado, em Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 2ª Ed., Almedina, 2020, p. 872, manifesta concordância com a segunda posição, referindo que: “Na verdade, quando o preceito refere que deve proceder-se ao pagamento da caução, “salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria de membro do Governo responsável pela área da justiça”, este passo interpretado no seu todo, não determina que o requerido está, sem mais, isento de pagamento de caução, nos casos de apoio judiciário, mas unicamente, que o estará naqueles que venham a ser referidos por portaria.
Quer dizer, o texto, quando analisada a totalidade da sua expressão linguística não contém uma afirmação acabada, de isenção de pagamento de caução, em caso de apoio judiciário – mas, unicamente, uma delegação em portaria, a emitir, daquelas eventualidades em que a isenção venha a ser fixada.”
Manifesta-se concordância com a primeira posição referida, no sentido de que, em sede de procedimento especial de despejo, o inquilino que beneficie de apoio judiciário está dispensado da prestar a caução prevista no art.º 15º-F do NRAU para efeitos de admissibilidade da sua oposição, aderindo-se à argumentação acima referida em seu abono bem como à expendida no referido acórdão do TRL de 24-09-2024, processo n.º 11580/24.5T8LSB-A.L1-7, com os seguintes termos:
Discordamos da posição de Pinto Furtado porquanto as condições do exercício do direito de defesa em procedimento especial de despejo não podem ser “delegadas” em Portaria. Com efeito, o regime do arrendamento urbano constitui matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (Artigo 165º, nº 1, al. h), da Constituição) de modo que só pode ser regulado por Lei ou, havendo autorização legislativa, por Decreto-lei do Governo.
A competência regulamentar do Governo (Artigo 199º, al. c), da Constituição; normação secundária) não serve para inserir normação inovatória, de caráter interpretativo e integrativo, como é o caso porquanto, nos termos do nº 2 do Artigo 13º da Portaria nº 49/2024, exige-se que o inquilino preste caução mesmo que lhe tenha sido deferido o benefício do apoio judiciário. Ou seja, a Portaria vem enunciar um regime que não só é inovatório face ao Artigo 15º-F, nº5, do NRAU como, sobretudo, o contraria porquanto do elemento literal deste preceito resulta que, caso o inquilino beneficie de apoio judiciário, está isento do pagamento da caução. Dito de outra forma, a Portaria poderia concretizar os termos em que opera a isenção, mas não simplesmente negá-la em absoluto. Não ocorre regulamentação de uma isenção, mas apenas a rejeição desta.
Acresce que o segmento em causa do nº 5 do Artigo 15º-F do NRAU, na parte final em que remete para Portaria, está a conferir a uma portaria o poder de integrar o preceito em causa, em violação do disposto no nº 5 do Artigo 112º da Constituição.
Em suma, o nº 2 do Artigo 13º da Portaria nº 49/2024, de 15.2, padece de inconstitucionalidade orgânica (Artigo 165º, nº 1, al. h) e nº2, da Constituição), razão pela qual se recusa a aplicação de tal norma (cf. Artigo 280º, nº 1, al. a), da Constituição).
No que tange ao argumento sistemático, assente na coerência do regime designadamente atenta a redação do nº 7 do Artigo 15º-F do NRAU, o mesmo improcede. Com efeito, constituiria uma contradição valorativa bem mais gravosa e intolerável obrigar o inquilino (que beneficia de apoio judiciário) a pagar a caução de seis meses de renda. Tal equivaleria a considerar o inquilino pobre perante o Estado e abonado perante o inquilino, em benefício exclusivo deste.”
Em reforço da posição perfilhada e em sintonia com o invocado no acórdão do TRL de 28-04-2015, processo n.º 1945/14.6YLPRT-A.L1-7, acima mencionado, o resultado a que a segunda posição acima aludida conduz deve ser afastado, posto que se traduz, para o inquilino, numa afectação significativa do seu direito a ver discutida no processo a sua posição sobre a pretensão de despejo, motivada pela sua incapacidade económica em prestar a caução em referência, em contradição com o art.º 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Ao invés, a posição perfilhada vai de encontro ao aludido preceito constitucional, obstando a que o inquilino, por força da sua incapacidade económica, esteja impossibilitado de ver discutida no processo a sua posição sobre a pretensão de despejo, e tem acomodação na letra do art.º 15º-F, n.º 5, do NRAU.
Entende-se, pelo exposto, que a requerida, que beneficia de apoio judiciário, se encontra desonerada de prestar a caução prevista no art.º 15º-F, n.º 5, do NRAU, na versão actualmente vigente, nada obstando ao conhecimento da oposição pela mesma deduzida no processo.
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Passando ao conhecimento do segundo fundamento de nulidade da decisão impugnada acima elencado, importa reter que a recorrente alega, nessa sede, que ocorre omissão de pronúncia da sentença recorrida por não apreciar a demonstração do contrato de arrendamento e aditamento que invocou no requerimento inicial, bem como sobre a sua validade, o que também qualifica como de erro de julgamento.
Da fundamentação constante da decisão impugnada resulta que nela se assumiu a celebração, válida e eficaz, do contrato de arrendamento invocado pela recorrente em sede de requerimento inicial.
Da mesma fundamentação também se afere que a aludida decisão reconheceu a validade e eficácia do acordo de aditamento ao aludido contrato de arrendamento, também junto com o requerimento inicial e nele invocado pela recorrente.
Do referido resulta que a alegada omissão de pronúncia não ocorre, tendo o Tribunal se pronunciado sobre os dois enunciados referidos pela recorrente.
Questão diferente é a da valoração jurídica realizada na sentença recorrida sobre os dois acordos mencionados, da qual a recorrente discorda, posto que respeita ao mérito da decisão, que apenas se mostra susceptível de integrar erro no julgamento e não o vício constante do art.º 615º, n.º 1, al. d), do CPC.
Não se vislumbra, face ao exposto, a ocorrência da nulidade da decisão por omissão de pronúncia arguida pela recorrente.
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No que respeita ao terceiro fundamento de nulidade da sentença recorrida, releva que a recorrente alega que a mesma não se pronuncia sobre a relevância jurídica das comunicações de resolução do contrato de arrendamento, por si efectuadas perante os requeridos e que alega no requerimento inicial, e que tal gera o vício consagrado no aludido art.º 615º, n.º 1, al. d), do CPC.
Da fundamentação da decisão impugnada afere-se que nela se assume que a relação locatícia subjacente ao pedido de despejo se reconduz, apenas, à emergente do contrato de arrendamento invocado no requerimento inicial, que este foi revogado a 03-10-2018, que as rendas que a recorrente alega como não pagas se venceram após tal data e que, por isso, não existe qualquer responsabilidade por tal que possa ser assacada à requerida CC, única das demandadas que é parte no aludido contrato de arrendamento, pelo que o pedido de despejo se mostra improcedente quanto a si.
Por outro lado, também resulta da fundamentação da decisão impugnada que, nesta se considerou que os outros dois demandados, BB e AA, porque não outorgaram o aludido contrato de arrendamento, não são responsáveis pelo seu incumprimento e que, por isso, a pretensão de despejo é improcedente quanto aos mesmos.
Considerando o percurso argumentativo constante da decisão impugnada, constata-se que o conhecimento da relevância jurídica das comunicações de resolução do contrato de arrendamento invocadas no requerimento inicial se mostra comprometida, posto que dependente da vigência de tal contrato no momento em que essas comunicações foram efectuadas. Tendo o tribunal recorrido entendido que o contrato de arrendamento invocado no processo havia sido revogado e que, por isso, a pretensão de despejo se mostrava improcedente, ficou-se prejudicada a relevância da comunicação de resolução em data posterior.
Como acima se afirmou, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia não ocorre quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra.
Sendo a situação referida a que ocorre nos autos, no segmento da decisão impugnada acima identificado, forçoso se mostra concluir que a nulidade da sentença impugnada por omissão de pronúncia arguida pela recorrente não se verifica.
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5.
Passando à apreciação da segunda questão acima enunciada (saber se ocorre erro de julgamento quanto à improcedência do pedido de despejo deduzido pela requerente e fundamento para a procedência do pedido de despejo), importa reter que, na sentença recorrida, se deu como provada a seguinte factualidade, já acima enunciada:
1. Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional transmitiu à requerente, por compra e venda, o direito de propriedade sobre a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar direito, com entrada pelo n.º ... da Rua A, Samouco, inscrito a seu favor pela AP. ... de 2022/02/01 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....
2. Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional alegadamente era gerida por Norfin – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A..
3. Em 01-09-01-2015, Norfin – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A., em representação de Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional deu de arrendamento a DD e à requerida CC, a referida fração autónoma, para fins habitacionais, mediante o pagamento da renda de € 280,00, pelo prazo de 5 anos, renovável por iguais e sucessivos períodos, sem prejuízo de denúncia por qualquer dos contraentes.
4. Em 03/10/2018, a primitiva senhoria e os primitivos arrendatários celebraram novo acordo relativamente ao referido contrato, pelo qual o revogaram e a requerida AA passou a ser a única arrendatária da mencionada fração autónoma.
Para a economia da presente decisão, releva que, por força do disposto art.º 662º, n.º 1, do CPC, a Relação pode modificar a decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser comprometida por quaisquer outras provas.
Como refere Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7ª edição, 2022, Almedina, p. 335-336), alteração aludida justifica-se “quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova, o que ocorre quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371º, n.º 1, e 376º, n.º1, do CC), o considere não provado, relevando para o efeito a prova testemunhal produzida ou presunções judiciais.
O mesmo deve acontecer quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art.º 358º do CC e arts. 484º, n.º1, e 463º do CPC), ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art.º 574º, nº.2, do CPC), optando por se atribuir prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios (v.g. testemunhas, documento particular sem valor confessório ou prova pericial). Ou ainda nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (v.g. preseunção judicial ou depoimento testemunhal, nos termos dos arts. 351º e 393º do CC), situações em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação da regra do direito probatório material (art.º 364º, n.º 1, do CC).
Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo, neste caso, da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.”.
Ora, a factualidade vertida no ponto 4 da matéria dada como provada na sentença impugnada mostra-se imprecisa face ao teor dos documentos, juntos com a petição inicial, não impugnados pelos requeridos, designadamente a requerida AA, que apresentou oposição. Tais documentos são os que titulam o contrato de arrendamento e o aditamento invocados na petição inicial bem como anexos a tal articulado, como da consulta do processo se afere.
Por outro lado, existe factualidade demonstrada nos autos, quer pelos aludidos documentos, que não foram impugnados, quer por ausência de impugnação (art.º 574º, n.º 2, do CPC), que devem ser considerados para o conhecimento da questão em referência.
Passa-se, por isso, a elencar a matéria de facto que se tem por pertinente, com aproveitamento da constante dos pontos 1 a 3 da sentença recorrida, com o aditamento, quanto ao número um da causa da transmissão.
1. Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional transmitiu à requerente o direito de propriedade sobre a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar direito, com entrada pelo n.º ...da Rua A, Samouco, inscrito a seu favor pela AP. ... de 2022/02/01 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º ...e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... – cf. cópia de documento registal junto com a petição inicial.
2. Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional alegadamente era gerida por Norfin – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A. – factualidade alegada no requerimento inicial não impugnada.
3. Em 01-09-2015, Norfin – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A., em representação de Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional deu de arrendamento a DD e à requerida CC, a referida fração autónoma, para fins habitacionais, mediante o pagamento da renda de € 280,00, pelo prazo de 5 anos, renovável por iguais e sucessivos períodos, sem prejuízo de denúncia por qualquer dos contraentes – cf. cópia do documento que titula o contrato em referência, junta com o requerimento inicial, não impugnado.
4. Nos termos da cláusula 4.2. do acordo mencionado, as rendas vencem-se no primeiro dia do mês anterior a que respeita – cf. cópia do documento que titula o contrato em referência, junta com o requerimento inicial, não impugnado.
5. Nos termos da cláusula 4.2.1. do acordo referido no ponto anterior, é expressamente proibida a realização de pagamentos de quaisquer quantias vencidas e devidas ao abrigo do presente contrato a pessoa diversa do Senhorio e/ou por forma diferente da prevista no presente contrato, não se considerando quaisquer eventuais pagamentos realizados nessas circunstâncias eficazes para o cumprimento das obrigações do Inquilino” – cf. cópia do documento que titula o contrato em referência, junta com o requerimento inicial, não impugnado;
6. Nos termos da cláusula 4.5. do acordo referido no ponto 3, a renda será paga pelo arrendatário mediante débito directo na sua conta bancária ou por outro meio que venha a ser notificado pelo Senhorio com, pelo menos, 15 dias de antecedência – cf. cópia do documento que titula o contrato em referência, junta com o requerimento inicial, não impugnado.
7. Nos termos da cláusula 4.6. do acordo referido no ponto 3, o Arrendatário entrega nesta data ao Senhorio a autorização de débito directo na sua conta que constitui o Anexo I ao presente contrato, devidamente preenchida e assinada conforme ficha bancária, autorizando por esta via o Senhorio a debitar todas as quantias que sejam devidas por motivo decorrente do contrato de arrendamento, incluindo rendas e respectivas actualizações, mais se obrigando e responsabilizando a manter em todos os momentos devidamente válida a referida autorização, sob pena de automático incumprimento definitivo do presente contrato, e a sua conta bancária provisionada de forma a permitir a solvência dos débitos – cf. cópia do documento que titula o contrato em referência, junta com o requerimento inicial, não impugnado.
8. Em cumprimento do acordo de arrendamento referido no ponto 3, DD e à requerida CC entregaram a Norfin – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A., em representação de Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, documento escrito, pelos mesmos assinado, onde declaram a autorização de débito directo mencionada na cláusula 4.6., acima referida – cf. cópia do documento que titula a declaração em referência, anexo ao requerimento inicial.
9. Por documento escrito datado de 03-10-2018, intitulado “Primeiro Aditamento ao Contrato de Arrendamento para Habitação Permanente”, Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, representada pela sua sociedade gestora Norfin – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Colectivo, S.A., acordou com DD, CC, AA, além de outros e do mais, no seguinte:
A. O Fundo e o arrendatário - DD – celebraram em 01-09-2015 um contrato de arrendamento para habitação permanente, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra ”C”, correspondente ao primeiro andar direito, com entrada pelo n.º..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua A, Samouco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º ..., inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...º - ponto 1;
B. As partes acordam em proceder à cessão da posição contrato de arrendatário no contrato de arrendamento de DD para AA – cf. cópia do documento que titula a declaração em referência, na cláusula terceira, ponto 1.
9. No documento referido no ponto anterior, na cláusula primeira, Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, e DD, declararam que, em função da cessão de posição contratual referida, declaram revogado o contrato de arrendamento entre si celebrado - cf. cópia do documento que titula a declaração em referência, na cláusula primeira.
10. No mesmo documento, os outorgantes declararam que, em função da cessão da posição contratual mencionada, AA constitui-se como arrendatária do contrato de arrendamento - cf. cópia do documento que titula a declaração em referência, na cláusula primeira.
11. No aludido documento, consta que o contrato de arrendamento passa a ter os seguintes intervenientes, além de outros:
- Senhorio: Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional;
- Arrendatário: AA; CC, actualmente casada com BB - cf. cópia do documento que titula a declaração em referência, na cláusula segunda.
12. Do mesmo documento, na cláusula terceira, ponto 1, consta que as alterações ao contrato de arrendamento constantes do presente aditamento integram-se no respectivo texto, dele passando a fazer parte integrante com efeitos a partir da data prevista para o início da sua vigência - cf. cópia do documento que titula a declaração em referência.
13. Consta do aludido documento, na cláusula terceira, ponto 3, que, salvo onde expressamente alterado no presente acordo, no mais mantém-se o disposto no contrato de arrendamento - cf. cópia do documento que titula a declaração em referência.
14. Em 2022, o valor da renda mensal referida no documento mencionado em 3 deixou de ser debitada directamente na conta bancária titulada pela requerida AA – cf. facto alegado no art.º 6º da oposição, não impugnado pela requerente em sede de resposta.
15. A requerida não alterou a autorização de débito directo na sua conta a que se alude no ponto anterior - cf. facto alegado no art.º 6º da oposição, não impugnado pela requerente em sede de resposta.
16. A requerente não comunicou à requerida a identificação da conta bancária para a qual deve ser transferido ou depositado o valor da renda mensal referida no documento mencionado em 3 - cf. facto alegado no art.º 14º da oposição, não impugnado pela requerente em sede de resposta.
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Da matéria de facto acima elencada resulta que, em 01-09-2015, entre Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, na qualidade de senhorio, e DD e a requerida CC, na qualidade de inquilinos, além de outro, foi celebrado um contrato de arrendamento para habitação, tendo por objecto a fracção autónoma identificada no ponto 1, mediante o pagamento da renda mensal de € 280,00 – cf. ponto 3 da matéria provada -, previsto nos arts. 1022º e 1023º do Cód. Civil, conforme assumido na decisão impugnada. Trata-se de matéria pacífica nos autos, sendo requerente e requerida unânimes na identificação da natureza jurídica do acordo em referência, tendo a sentença recorrida assumido tal identificação.
Por outro lado, dos pontos 9 a 15 da matéria de facto acima elencada, resulta que as partes em tal contrato de arrendamento, em 03-10-2018, acordaram em o primitivo arrendatário DD, transmitir a sua posição contratual para a requerida AA, passando a figurar como inquilinos esta e a requerida CC, primitiva inquilina.
Resulta, ainda, da mesma matéria de facto que o senhorio e o primitivo inquilino, DD, acordaram em revogar o contrato de arrendamento entre si celebrado, em função da cessão da posição contratual convencionada.
Entende-se que, das declarações negociais em referência, apreciadas à luz do critério do normal declaratário previsto no art.º 236º, n.º1, do Cód. Civil, se retira que as partes convencionaram a transmissão da posição de inquilino de DD a favor da requerida AA, mantendo-se a requerida CC nessa posição, por força do contrato de arrendamento celebrado em 01-09-2015.
Da mesma matéria de facto resulta, apelando-se ao mesmo critério interpretativo, que as partes visaram manter em vigor o contrato de arrendamento primitivo, celebrado a 01-09-2015, figurando as aludidas AA e CC, como inquilinas.
Para o referido aponta, de modo inequívoco, a declaração de cessão da posição contratual de inquilino, bem como a declaração de que as alterações ao contrato primitivo o integravam (ponto 13) e que o mesmo se mantinha (ponto 14), referência clara à sua vigência.
O referido não se mostra comprometido pela declaração, prestada pelo senhorio e pelo inquilino DD, de que revogavam o contrato entre si celebrado, posto que a mesma se coaduna com a transmissão da posição deste a favor da requerida AA e a liberação daquele do acordo em referência.
As declarações negociais, com o sentido referido, têm perfeita correspondência com o vertido no acordo escrito celebrado, em conformidade, pois, com o disposto no art.º 238º, n.º 1, do Cód. Civil.
Assim, ao invés do assumido na decisão impugnada, entende-se que não foi convencionada qualquer revogação do contrato de arrendamento celebrado em 01-09-2015, tal como defendido pela requerente no presente recurso e reconhecido pela requerida AA, desde logo em sede de oposição ao despejo.
Tendo presente o que acima se referiu, bem como o disposto no art.º 424º, n.º 1, do Cód. Civil, forçoso se mostra concluir que a requerida AA, em decorrência do acordo celebrado a 03-10-2018, ingressou na posição de inquilina no contrato de arrendamento primitivo, anteriormente titulada por DD, sendo certo que o requisito previsto em tal preceito está demonstrado, atenta a concordância dos demais intervenientes no acordo inicial, o mesmo ocorrendo com a exigência de forma estabelecida no art.º 425º do mesmo código (cf., a propósito dos requisitos da cessão da posição contratual, António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, 1990, AAFDL, p, 123 e ss.).
Constitui obrigação primária do arrendatário o pagamento da renda acordada nos termos e condições contratualmente fixados, de acordo com o disposto nos artigos 1038º, al. a), e 1041, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil.
Aqui chegados, importa reter que, em momento posterior aos acordos referidos, a requerente, Zip Reoco Resi Portfolio, S.A., adquiriu o direito de propriedade sobre o locado ao primitivo senhorio, Solução Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional – cf. ponto 1 da matéria de facto provada.
De acordo com o art.º 1057º do Cód. Civil, o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato de locação sucede nos direitos e obrigações do locador, isto é, senhorio, sem prejuízo das regras do registo.
Considerando o aludido preceito, forçoso se mostra concluir que a requerente, com a aquisição do direito de propriedade sobre o locado, por via de transmissão inter vivos da anterior titular (contrato de compra e venda), ingressou na posição de senhoria na relação jurídica decorrente do contrato de arrendamento em referência nos autos.
Do que se afirmou até ao momento, resulta que contrato de arrendamento invocado no presente procedimento manteve a sua vigência após a celebração, em 03-10-2018, do “acordo de aditamento”, tendo por partes, como senhorio, a requerente, e, como inquilinas, as requeridas AA, que deduziu oposição, e CC, como defendido pela primeira.
Aqui chegados, importa ter presente que a requerente invoca, como fundamento para o despejo que pretende, a omissão do pagamento de rendas vencidas por mais de três meses por parte das inquilinas e que, por força de tal, procedeu à resolução do contrato de arrendamento mencionado, mediante comunicação às inquilinas, assim operando a sua cessação e tornando exigível a desocupação e entrega do locado.
Cumpre atentar em que, por força do disposto no art.º 1083º, n.º 3, do Cód. Civil, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, sendo certo que, verificada tal circunstância, lhe assiste o direito a resolver o contrato por comunicação à contraparte, nos termos do art.º 1084º, n.º 2, do Cód. Civil, atento o disposto no art.º 1083º, n.º 1 e 2 do mesmo código.
Por sua vez, ao inquilino, quando a resolução seja operada nos termos mencionados, assiste a faculdade de fazer cessar a mora no prazo de um mês, nos termos do art.º 1042º, n.º 1, do Cód. Civil, aplicável por força do estatuído no art.º 1084º, n.º 3, do mesmo código.
Como resulta do acervo normativo referido, o direito à resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio com fundamento na falta de pagamento das rendas apenas se verifica quando o inquilino se encontra em mora em relação à obrigação respectiva.
A mora do inquilino ocorre quando a prestação de pagamento da renda, ainda possível, não tenha sido efectuada no tempo devido por causa que lhe seja imputável, por força do disposto no art.º 804º, n.º 2, do Cód. Civil. A mora do devedor ocorre, pois, quando exista um atraso culposo no cumprimento da prestação devida e subsista a possibilidade futura da sua efectivação (cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª edição, Almedina, 1998, p. 940-941.
Por força do disposto no art.º 799º, n.º 1, do Cód. Civil, estando em causa o cumprimento de uma obrigação contratual, a culpa do devedor no atraso no seu cumprimento presume-se, cabendo-lhe demonstrar que o mesmo não decorre de culpa sua.
Por outro lado, o senhorio, como credor da prestação mencionada, incorre em mora quando, sem motivo justificado, além do mais, não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação, atento o estatuído no art.º 813º do Cód. Civil.
Como refere Almeida Costa (obra citada, p. 967), “o atraso no cumprimento atribui-se ao credor, se este, injustificadamente, omite a cooperação necessária para que o devedor efectue a prestação – nos termos em que lhe caiba fazê-lo, segundo o caso.”
A culpa não constitui requisito da mora do credor.
A mora do credor libera o devedor da responsabilidade pelo não cumprimento da prestação.
Considerando a economia do contrato de arrendamento em referência nos autos, constata-se que o regime nele fixado afasta a regra supletiva constante do art.º 1039º, n.º 1, do Cód. Civil, posto que fixa o vencimento da obrigação de pagar a renda no primeiro dia do mês anterior ao que respeita e, como modo de cumprimento, o débito do seu montante, na conta bancária da inquilina AA, e sua transferência para a conta bancária da senhoria (cf. pontos 3 e 6 da matéria de facto supra fixada).
É pacífico nos autos que as rendas vencidas desde Fevereiro de 2022 não se mostram pagas.
Tendo presente a defesa apresentada pela requerida AA em sede de oposição, a questão que ora se coloca é a de saber se se constituiu em mora no cumprimento da obrigação de pagamento de rendas.
Na verdade, a requerida invoca que está impossibilitada de cumprir a obrigação em referência, posto que a requerente nunca lhe comunicou a identificação da conta bancária para a qual o valor das rendas, a debitar directamente na sua conta bancária, deve ser transferido, tal como estipulado no contrato de arrendamento, o que a impede de cumprir tal obrigação.
Apreciando a argumentação mencionada, importa referir que o princípio da boa fé no cumprimento dos contratos constitui um princípio geral do Ordenamento Jurídico, que se encontra consagrado, além do mais, no art.º 762º, nº 2 do Cód. Civil, “impondo-se, nos próprios termos da norma, em cada relação contratual, quer ao devedor da prestação, quer ao titular do direito correspondente, isto é, ao respectivo credor” (acórdão do TRP de 10-12-2013, processo n.º 1152/13.5YIPRT.P1, acessível em dgsi.pt).
Como refere Almeida Costa (obra citada, p. 891), por força da directriz da boa fé constante do preceito mencionado, “tanto a actuação do credor no exercício do seu crédito, como a actividade do devedor no cumprimento da obrigação devem ser presididos pelos ditames da lealdade e da probidade.
(…)
O conteúdo exacto do dever de boa fé terá de ser determinado em face das várias situações concretas.”
Por outro lado, o dever de boa fé não incide apenas sobre a obrigação principal, típica, da prestação, mas também sobre os deveres secundários, acidentais ou acessórios, quer do credor, quer do devedor (cf. o acórdão citado, louvando-se em Cunha de Sá).
Atentando no caso dos autos, releva que a requerente, não obstante ter adquirido o direito de propriedade sobre o locado, nos termos a que acima se fez referência, não comunicou à requerida a identificação da conta bancária para a qual deve ser transferido ou depositado o valor da renda mensal (cf. ponto 16 da matéria de facto provada), o que obsta ao cumprimento de tal prestação nos termos fixados no contrato de arrendamento.
Ora, por força do disposto no art.º 762º, n.º 2, do Cód. Civil, a requerente está vinculada ao dever de comunicar às inquilinas, além do mais, a identificação da conta bancária para a qual pretende que seja transferido o valor mensal da renda devida pelo locado, de modo a que possam cumprir a prestação do seu pagamento nos termos contratualmente fixados. Sem tal comunicação, não se vê como a requerida pudesse cumprir a prestação a que está vinculada.
A comunicação referida, porque receptícia, importa para a requerente o ónus da demonstração, não apenas de que a remeteu às destinatárias, mas também de que a mesma chegou ao seu conhecimento ou que, por culpa destas, não foi pelas mesmas recebida, como resulta dos arts. 224º, nº 1 e 2 e 342º, nº 1, do Cód. Civil.
Tal ónus não se mostra cumprido nos autos, posto que, desde logo, a realização da comunicação referida não está alegada e, por isso, não se encontra demonstrada.
O não cumprimento do ónus referido legitima a imputação do não cumprimento da obrigação de pagamento da renda à requerente, credora, por força do disposto no art.º 813º do Cód. Civil. Na verdade, da sua actuação, ou melhor, omissão (da comunicação mencionada) resulta a impossibilidade de a requerida poder cumprir a prestação de pagamento da renda a que está vinculada.
Considerando o referido, entende-se que o não cumprimento da prestação de pagamento das rendas não se mostra imputável à requerida e, por isso, que a mesma não se encontra em mora.
Como acima se referiu, o direito à resolução do contrato de arrendamento, por parte da requerente, que a mesma invoca por força do não cumprimento da obrigação de pagamento das rendas, apenas ocorre se se verificar a mora do inquilino, neste caso, a requerida, por força do disposto nos arts. 1083º, n.º 1, 2 e 3, do Cód. Civil.
Não existindo mora da devedora, inquilina, no cumprimento da aludida prestação, não dispunha a requerente do direito a resolver o contato de arrendamento em referência nos autos.
Em consequência do que se acaba de referir, forçoso se mostra concluir, face ao disposto no art.º 1081º, n.º1, do Cód. Civil, que à requerente não assiste o direito à desocupação e entrega do locado, por parte das requerida.
Cumpre, por fim, referir que a circunstância de a requerida não ter purgado a mora, designadamente, nos termos do art.º 1084º, nº3, do Cód. Civil, não obsta ao que acima se afirmou. Na verdade, tal faculdade, que assiste ao inquilino, tem como pressuposto a verificação da mora no cumprimento da prestação, o que, como acima referido, não ocorre no caso em apreço.
Conclui-se, assim, pela resposta negativa à segunda questão acima enunciada.
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6.
Considerando a resposta negativa à questão anteriormente apreciada, mostra-se prejudicado o conhecimento da terceira questão supra referida, atinente ao diferimento da desocupação do locado.
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7.
Assim, ainda que com fundamentação distinta, a decisão impugnada, no sentido da improcedência do procedimento especial de despejo, deve ser confirmada.
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8.
Considerando a improcedência da apelação, a recorrente deverá suportar as custas do recurso (art.º 527º, n.º 1 e 2 do CPC).
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III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso interposto pela requerente improcedente e, com fundamentação distinta, manter a sentença impugnada, proferida a 19-12-2024.
Custas do recurso pela recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 04-04-2025.
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Alberto Caetano Besteiro
António Moreira
Inês Moura