Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
372/07.6GTALQ.L1-3
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: Verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, referido na al. a) do nº 2 do artº 410º, do CPP, se do texto da decisão recorrida se constata que nada se provou relativamente à situação social, pessoal e económica do arguido, que não esteve presente durante o julgamento.
Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 3ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. Relatório

Por acórdão do Tribunal Colectivo proferido no Processo Comum nº , que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de A..., o arguido A… foi condenado, pela prática em concurso real, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artºs 292º, nº 1 e 294º do CP e de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artº 137º, nº 1 do CP, nas penas de, respectivamente, 6 meses de prisão e 2 anos e 4 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 15 meses, com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
1. No dia 8 de Novembro de 2007, pelas 21.05H, o arguido A… conduzia o veículo pesado de mercadorias de matrícula 00-00-00, pertencente à firma Transportes…, Lda., no sentido de marcha Abrigada/A..., no exercício da sua actividade profissional de motorista e após ter ingerido bebidas alcoólicas;
2. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, o arguido conduzia aquele veículo a uma velocidade de cerca de 100 Km/hora;
3. Ao descrever a curva existente no local, para a sua esquerda, com contracurva em descida e localizada ao quilómetro 44,700 daquela via, não conseguiu controlar o veículo que conduzia e desta forma invadiu a faixa de rodagem de sentido contrário, por onde nesse momento circulava o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-00, conduzido por B…, o qual, nas descritas circunstâncias, circulava na sua mão de trânsito;
4. Desta forma, o arguido embateu frontalmente o veículo que conduzia na frente do veículo ligeiro conduzido por B…, a quem, atento o inesperado da manobra, não foi possível evitar a colisão;
5. Em consequência da descrita conduta do arguido, B… sofreu as lesões traumáticas crâneo-encefálicas, torácicas e abdominais, melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 144 e 150, das quais veio a resultar a sua morte;
6. O arguido apresentava uma taxa de 2,8g/l de álcool no sangue, facto que lhe toldava a capacidade de reacção e discernimento necessários à condução de veículos automóveis;
7. Por decisão proferida no processo comum com intervenção do Tribunal Singular com o nº .../98...., que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de ..., a 07/07/2000, transitada em julgado a 21/09/2000, foi o arguido condenado, pela prática em 1996 de um crime de peculato, p. e p. pelo artº 375º, nº 1 do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, pena essa que veio a ser julgada extinta pelo cumprimento a 27/09/2002;
8. Por decisão proferida no processo especial sumário com o nº .../03.0GTSTB, que correu termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ..., a 18/03/2003, transitada em julgado a 02/04/2003, foi o arguido condenado, pela prática em 10/03/2003 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 4 meses;
9. Por decisão proferida no processo especial sumaríssimo com o nº .../05.4GELSB, que correu termos no Tribunal Judicial de G..., a 24/01/2006, transitada em julgado a 24/01/2006, foi o arguido condenado, pela prática em 12/08/2005 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 7 meses.
Do referido acórdão o arguido A… veio interpor recurso devidamente motivado, tendo formulado, depois de convidado a aperfeiçoá-las, nos termos do art. 417º nº 3 do CPP, as seguintes conclusões:
1. Dispõe o nº 1 do art. 333 do CPP que "se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada, (...) a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade a sua presença desde o início da audiência".
2. Uma primeira ideia ressalta da leitura desta norma: a regra é que o julgamento deverá ter início na primeira data designada, ainda que o arguido falte. A audiência só poderá ser adiada se o tribunal considerar absolutamente indispensável a presença do arguido para a descoberta da verdade.
3. Contudo o arguido fica sempre com a possibilidade de prestar declarações, bastando que para o efeito o advogado constituído requeira que ele seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do art. 312 n° 2 do CPP — cfr. art. 333 nº 3 do CPP.
4. Dispõe ainda o art. 32 n° 1 da CRP que "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso". E o n° 5 que "o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório", sem prejuízo da previsão expressa também na CRP da possibilidade de poder ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento — art. 32 n° 6.
5. Daqui resulta que a presença do arguido no julgamento não é um direito indisponível. Ora, o que está em causa nestes autos, não é a lei ordinária impedir ou restringir de forma intolerável a possibilidade de o arguido prestar declarações no julgamento, mas a circunstância de o seu advogado constituído ter adoptado um determinado comportamento que, por força dos já citados nºs 1 e 3 do art. 333 do CPP, e ao abrigo do art. 312 n° 2 do CPP — cfr. art. 333 nº 3 do CPP, vale como não renúncia da faculdade do arguido prestar declarações.
6.É nula a audiência de julgamento — e, a subsequente decisão — realizada na ausência do arguido que para esse acto foi notificado e, faltou, tendo justificado a sua ausência e tendo requerido o início da mesma na segunda data agendada.
7. Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, esta só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a presença do arguido desde início da audiência – artigo 333.º n,° 1 do Código de Processo Penal (CPP)
8. Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.°, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 1174 – v. n.° 2 do artigo 333,°
9. Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, nos termos do artigo 333º, nº 4 2 citado, o arguido mantém o direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência, como estabelece o n.° 3 deste art. 333.°.
10. No âmbito do artigo 333.° do CPP o julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência só é possível se o arguido der o seu consentimento à realização da audiência na sua ausência.
11. Inexistindo esse consentimento, é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto no artigo 333.º nºs 1 e 2 do CPP.
12. O princípio do contraditório ao revelar-se como princípio e direito de audiência, assume-se como oportunidade de o participante processual influir o desenrolar do processo, através da sua audição pelo tribunal.
13. Conforme 61.º n.º 1 do CPP, o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processado e, salvas as excepções da lei, dos direitos – entre outros - de;
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disseram respeito,
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; (...)
Nos termos do artigo 119.° n.º 1 do CPP, constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
c) A ausência do arguido (...), nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência»
14. Neste sentido, o tribunal "a quo" violou as normas jurídicas consagradas no art.º 333º n.º 1, 2 e 3, 24 e 32, no art.º 312º nº 2 e no art.° 61º nº. 1 todos do CPP, e ainda o art º 32° nºs 1 e 5 da CRP.
15. 0 artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova. Mas as provas não poderão ser analisadas arbitrariamente, serão sujeitas necessariamente a uma análise critica, a uma motivação fundada e uma racionalidade ponderada e equitativa,16. O Acórdão recorrido, não respeitou estes princípios, e de forma arbitrária afastou elementos essenciais, nos moldes especificados nas alegações que antecedem.
17. Antes de avançar na apreciação do recurso, importa fazer uma breve excursão pela realidade judiciária, a fim de que, aquilo que "incomoda” seja ponderado e o que "releva" seja apreciado.
18. Surpreende-se, uma enorme necessidade de justificação, que nasce da aparente confusão entre a eficácia dos procedimentos e a repercussão mediática, social e comunitária de condenação.
19. Recordamos a promoção e fundamentação que o Tribunal recorrido faz dos factos imputados ao recorrente, no "douto" acórdão, acima chamados à colação.
20.Obnubilou-se a prova produzida, e, a não produzida.
21. Vejamos o que diz sobre a sentença o Prof. Germano Marques da Silva, in curso de processo penal, tomo III, edição 2003, pgs. 293 e 294: " A sentença contém uma concisa exposição dos motivos de facto e de direito, com a indicarão das provas que fundamentam a decisão e a enunciação das razões pelas quais o Tribunal não considera atendíveis as provas contrárias (sublinhado no texto) e a doutrina é unânime no sentido de que não basta a mera indicação dos meios de prova.
22. Mais ainda… o art. 374 do CPP não se satisfaz com a mera enumeração dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, nem sequer daqueles que serviram para fundamentar a decisão que fez vencimento, é preciso muito mais!... a fim de que o Tribunal Superior possa apreciar o recurso, art. 410, 2, do CPP.
23. O tribunal a quo, apreciou a prova prestada, tendo entendido que o recorrente agiu com negligência consciente, quanto ao crime de condução em estado de embriaguez, pois atento a sua actividade, deveria ter conhecimento de que a sua actuação poderia conformar aquele tipo de crime,
24. Mas também entendeu, que o recorrente agiu com negligência inconsciente, quanto ao crime de homicídio por negligencia, uma vez que o arguido, face ao seu estado de embriaguez, não representou a possibilidade de que com a conduta ilícita por si adoptada _ conduzir em estado de embriaguez _ poderia vir a causar um acidente de viação, bem como a morte de alguém; O arguido não intuiu essa hipótese.
25. Conforme diz Teresa Beleza, em Direito Penal, II Volume, a págs. 209, "em relação à grande maioria dos crimes, qualificar uma certa situação mental do agente como dolo ou negligência, significa normalmente, escolher entre a punibilidade e a impunidade donde esta questão de resolver, caso a caso, se uma pessoa agiu com dolo ou se agiu apenas com negligência, é uma questão fundamental, em termos de direitos individuais e da segurança da aplicação da lei criminal." (SIC).
26. Do mesmo modo é dizer-se que a qualificação da negligência, de negligência consciente ou negligência inconsciente, revela graus de ilicitude distintos, níveis de culpa diferentes e consequentemente uma maior ou menor gravidade; donde se pode aferir que se uma pessoa agiu com negligência consciente ou inconsciente, é uma questão fundamental, em termos de direitos individuais e da segurança da aplicação da lei criminal; Porquanto terá que significar uma medida e uma pena diferente,
27. O Código Penal na sua parte geral (art. 15º CP) tipifica duas modalidades da mesma negligência: aquela em que o agente representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização (alínea a)); e aquela outra em que ele nem sequer representa tal possibilidade de realização (alínea b)), São respectivamente os casos de negligência consciente e de negligência inconsciente, De comum, têm a conduta, activa ou omissiva, não cuidada, a que o agente está obrigado (segundo as circunstâncias e de que é capaz).
28. Consagra ainda a punição por negligência do homicídio, o que sempre seria necessário, atendendo à excepcionalidade de tal incriminação, nos termos do art. 13º CP.
29. O tipo de ilícito do homicídio negligente não é preenchido quando o agente, com a sua conduta, não criou, não assumiu ou não potenciou um perigo típico para a vida da vítima.
30. Na concretização dos critérios de imputação objectiva da morte à conduta cabe desde logo particular relevo a violação de normas de cuidado da mais diversa ordem à gaita de observância de algum regulamento". Uma tal violação pode por isso constituir legitimamente indício do preenchimento do tipo de ilícito, mas não pode em caso algum fundamentá-lo.
31. A doutrina dominante vai no sentido de considerar que o tipo de ilícito negligente se preenche com a violação de um dever objectivo de cuidado, enquanto toda a questão da capacidade individualizada do agente para o observar deve ser remetida para a culpa.32. Essa faceta tem a ver com o relevo – ou com a falta dele –, logo ao nível do tipo de ilícito do homicídio negligente, das capacidades individuais do agente, quando superiores ou Inferiores às do homem médio.
33. Em matéria de tipo de ilícito negligente vale um critério generalizador relativamente aos agentes dotados de capacidades médias ou inferiores à média, um critério Individualizador relativamente a todos os agentes dotados de especiais capacidades (superiores à média).
34. Compreende-se que, relativamente ao homicídio negligente, funcione como causa de exclusão da culpa a incapacidade Individual do agente para corresponder aos deveres ínsitos no tipo de ilícito (sobre o critério individualizador na culpa negligente, todavia restringido, sem razão bastante, à incapacidade de compreensão).
35. Existe o vício previsto na alínea a), do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P. quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final (Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit. p. 69) ou, por outras palavras, quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito (Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 340).
36. Como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem — absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc.
37. Prova essencial à boa decisão da causa, no caso de condenação e aplicação de pena, conforme resulta expressamente da própria lei (artigos 369.º e segs. do C.P.P.), é a relativa aos antecedentes criminais do arguido, à sua personalidade e às suas condições pessoais. A lei prevê até a possibilidade de produção suplementar de prova, tendo em vista a determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar, para o que, sendo necessário, poderá ser reaberta a audiência (artigo 371.º do C.P.P).
38. Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua "arte de julgar". No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, 194 e seguintes),
39. Nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, é por apelo aos critérios da culpa e da prevenção geral e especial – que deve ser encontrada a medida concreta da pena, dentro da respectiva moldura abstracta, sendo certo que o n.º 3 do mesmo artigo prescreve que «na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena».
40. Da leitura da sentença recorrida extrai-se que nada foi apurado quanto às condições pessoais do arguido e à sua situação económica, factores de determinação da pena que, entre outros, constam do elenco não taxativo previsto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, como elementos relevantes a ponderar na determinação da pena.
41. Dos princípios da investigação e da verdade material resulta que ao tribunal cumpre investigar, independentemente da acusação e da defesa, com os limites previstos na lei, os factos sujeitos a julgamento, de forma a criar as bases necessárias para a decisão.
42.Quer isto dizer que o tribunal tem o poder-dever de, oficiosamente, socorrer-se do disposto no artigo 344.º, do C.P.P., para investigar os factos sujeitos a julgamento, procedendo, autonomamente, às diligências que, numa perspectiva objectiva, possam ser razoavelmente consideradas necessárias, de modo a se habilitar a proferir uma decisão justa, não lhe sendo consentido remeter-se a uma atitude passiva e meramente dependente da iniciativa probatória dos sujeitos processuais.
43. Ora, o tribunal a quo não procedeu a qualquer diligência para suprir o seu défice de conhecimento, sendo certo que dependeu de sua decisão entender que não carecia da presença do arguido.
44. Não se trata de exigir o impossível ou de impor que a sentença, sob pena de incorrer num vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, tenha de conter todos os elementos que, idealmente, deveriam ser considerados na sempre árdua tarefa de determinação da pena.
45. No caso vertente, todavia, ficou-se aquém do mínimo razoavelmente exigível, carecendo o acórdão recorrido de elementos que habilitassem o tribunal a quo a, conscienciosamente, levar a bom termo o procedimento de determinação individualizada da pena, dentro dos parâmetros legais, seja quanto à pena principal, seja quanto à pena acessória — pois para ambas, releva o conhecimento de quem é, afinal, o arguido: quais as suas condições pessoais (o que faz, situação familiar, etc.) e a sua situação económica.
46. Esta situação traduz-se na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, integradora do mencionado vício da alínea a) do artigo 410.º, n.º 2, do C. P. Penal, determinante do reenvio do processo para novo julgamento quanto ao recorrente, relativo às questões (de facto) pertinentes para a determinação da pena — condições pessoais e económicas do arguido — e, bem entendido, à questão (de direito) do reflexo desses factores na medida concreta das respectivas penas, principal e acessória (cfr. Ac. do S.T,J., de 06/11/2003, proc. Nº 03P3370, http://www.dgsi.pt).
47. Por ultimo, embora se aceite a exigibilidade de dignificação das preocupações do Estado, no que concerne à prevenção geral e especial, não podemos deixar que a reintegração social fique comprometida, descredibilizada, fragilizando-a a ponto de se deixar cair na praça pública uma Justiça que, apesar de exercida em nome do Povo, não é, nem pode ser Popular, sob pena de se subverterem todas as garantias de defesa em processo criminal, elevando à dignidade de "meios de prova" meras conjecturas e juízos de valor,
48. Em sede de escolha da pena preceitua o arte 70° do Cód. Penal nos seguintes termos "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
49. As finalidades da punição a atingir em sede de escolha da medida da pena são essencialmente preventivas; prevenção especial sob a forma de atingir a ressocialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da sociedade.
50. Como escreve o Sr. Prof. Figueiredo Dias Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, pág.333.:" Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias".
51. No caso em concreto, as exigências de prevenção especial são prementes atendendo a que o arguido já tem condenações anteriores pela prática de crimes.
52. Sendo ainda relevantes as necessidades a nível da prevenção geral atenta a frequência com que vêm sendo praticados crimes desta natureza, e que potenciadores da elevada sinistralidade rodoviária verificada no nosso país.
53. Estas fortes necessidades de prevenção, principalmente as de carácter especial, são de tal modo relevantes que desaconselham a aplicação da pena de multa que, face ao caso concreto, se revela insuficiente para assegurar as finalidades de punição.
54. Todavia, prescreve o n° 1 do falado art° 71° que "A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção"; logo acrescentando o nº 2 do mesmo preceito, a título exemplificativo, uma série de circunstâncias que depõem a favor ou contra o agente, circunstâncias que se reflectem na culpa.
55. Resulta daqui, que a culpa e a prevenção são os dois termos do binómio com o auxilio dos quais se há-de construir o modelo de medida da pena, sendo estes dois vectores temperados com as demais circunstâncias que rodearam o crime e que estão exemplificativamente enunciadas no nº 2 do referido artº 71º que nos hão-de dar a medida da pena, sendo certo que em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.
56. Em face ao que antecede e na falta de mais circunstancialismo, que não o constante do douto acórdão, a pena de prisão efectiva aplicada, excede a medida da culpa subjacente ao(s) crime(s).
57. Por outro lado, a não suspensão da execução da pena aplicada, pode pôr irremediavelmente em causa e tornar mais difícil a ressocialização do arguido, ora recorrente, sendo que, se encontram consagradas na Lei, nomeadamente no Código Penal, outras penas e medidas que realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
58. Pelo que, o tribunal "a quo" não respeitou o consagrado nos artigos 70º e 71.º do C.P., e ainda o disposto nos artigos 340º, 368.º, 369º e 410° n.º 2 alínea a) do C.P.P..
Termos, em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deverá ser o Acórdão recorrido, revogado parcialmente, no que concerne à escolha e medida da pena aplicada, e em seu lugar deverá o Recorrente, ser:
i. Condenado pela pratica do crime de condução em estado de embriaguez em uma pena de prisão, suspensa na sua execução por um período perto do seu limite máximo legal;
j. Condenado pela pratica do crime de homicídio por negligencia em uma pena de multa próxima dos seus limites máximos.
O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo, relativamente ao mérito do recurso, pugnado pela respectiva improcedência e pela manutenção do decidido.
O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.
A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso em presença, no sentido de ser reconhecida razão ao recorrente na arguição da nulidade da audiência de julgamento com fundamento na ausência do arguido e da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, decorrente de não se terem apurado factos atinentes às chamadas condições pessoais do arguido.
Tal parecer foi notificado ao recorrente, para sobre o mesmo se pronunciar, querendo, nada tendo respondido.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação

Nos recursos, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.
A sindicância do acórdão recorrido, expressa pelo arguido A… nas suas conclusões de recorrente, pode ser resumida, se bem se entende, nos seguintes aspectos:
a) Nulidade insanável (art. 119º al. c) do CPP) da audiência de julgamento e, consequentemente, da decisão proferida no termo da mesma, por ter decorrido na ausência do arguido;
b) Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão (art. 410º nº 2 al. a) do CPP), por dela não constarem factos relativos às condições pessoais e à situação económica do arguido;
c) Discordância da escolha e medida das penas, que lhe foram aplicadas, peticionando a sua condenação, pelo crime de condução em estado de embriaguez, numa pena de prisão fixada próximo do máximo legal aplicável, suspensa na sua execução, e, pelo crime de homicídio por negligência, situada próxima do máximo da moldura punitiva.
Relativamente à arguição da nulidade da audiência de julgamento, importa referir que as nulidades e irregularidades processuais devem, por via de regra, ser arguidas perante o Tribunal que as praticou, ao qual incumbe, na mesma ordem de ideias, a competência para delas conhecer.
Como tal, a arguição de nulidades por via de recurso só deve ter lugar nos casos especialmente por lei, como seja o do art. 379º nº 2 do CPP, referente às nulidades da sentença.
No entanto, porque na tese do recorrente estará em causa uma das nulidades tipificadas no art. 119º do CPP, as quais, de acordo com o disposto no proémio deste artigo, podem ser declaradas em qualquer fase do processo e independentemente de arguição, entendemos não haver óbice a que se conheça da verificação de tal nulidade, em sede de recurso.
Convirá, então, ter presentes algumas disposições da lei de processo penal, com relevo para o ajuizamento da questão a apreciar.
Como já se disse, o art. 119º do CPP fere de nulidade insanável a verificação de qualquer das situações tipificadas nas suas alíneas, sendo a al. c) do seguinte teor:
A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
O nº 1 do art. 334 do CPP estatui:
É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 333º e nos nºs 1 e 2 do artigo 334º.
Por seu turno, os nºs 1, 2 e 3 do art. 333º do CPP são do seguinte teor:
1 – Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.
2 – Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ouse a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos nºs 2 a 4 do art. 117º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do art. 341º, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar ao rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no nº 6 do art. 117º.
3 – No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência da audiência e, se ocorrer n primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do nº 2 do art. 312º.
As disposições dos nºs 1 e 2 do art. 334º do CPP reportam-se, respectivamente, aos casos em que o processo tenha sido reenviado da forma sumaríssima para a forma comum e em que o arguido tenha a dado o seu consentimento a que a audiência decorra sem a sua presença, sendo, por isso, manifestamente inaplicáveis à situação em apreço.
Por seu turno, os nºs 2 e 3 e 4 do art. 117º do CPP, a que se refere o acima transcrito nº 2 do art. 333º, dispõem:
2 – A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3 – Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.
Os nºs 4 e 6 do mesmo artigo, também mencionados no texto do art. 333º, tratam da hipótese de faltas motivadas por doença, pelo que tão pouco revestem interesse para a apreciação da questão que nos ocupa.
A este propósito, importa ter presentes os seguintes elementos fácticos, que resultam do processado dos autos:
a) Em 6/3/08, o arguido A… prestou TIR, com as menções prescritas pelo nº 3 do art. 196º do CPP (fls. 187);
b) Em 29/10/08, o Exmº Juiz do 2º Juízo do Tribunal Judicial de A... proferiu despacho recebendo a acusação deduzida contra o mesmo arguido e designando, de acordo com a sugestão formulada pelo Exmº Juiz de Círculo, para a realização da audiência de julgamento o dia 10/12/08 e para o eventual adiamento ou continuação desse acto processual o dia 21/1/09, sempre pelas 9h15m (fls. 399 a 402);
c) Para notificação pessoal ao arguido do agendamento da audiência de julgamento e do início do prazo para apresentação da contestação e do rol de testemunhas, foi expedida carta simples com prova de depósito, que foi depositada em 13/11/08, na morada por ele indicada ao prestar TIR (fls. 407, 408 e 412);
d) Da notificação então enviada ao arguido constava advertência expressa do prazo legal de justificação da falta à audiência, previsto no art. 117º nº 2 do CPP;
e) Tal notificação foi também remetida à ilustre defensora do arguido então em funções, Dra. C…, por carta registada, expedida para o seu domicílio profissional em 31/10/08 (fls. 140);
f) Em 4/12/08, a ilustre advogada Dra. D… requereu a junção aos autos de procuração outorgada pelo arguido a seu favor e o adiamento da audiência para a segunda data designada, invocando encontrar-se impedida na primeira data em virtude de compromissos judiciais anteriormente agendados;
g) Em 10/12/08, pelas 9h55m, verificando-se a falta de comparência do arguido e da sua ilustre mandatária, pelo Exmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo foi proferido despacho determinando a emissão de mandados de detenção do arguido, a fim de assegurar a sua comparência em tempo útil na audiência de julgamento, a qual determinou se iniciasse de imediato (fls. 442 e 443);
h) No mesmo despacho, o Exmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo conheceu do pedido de adiamento da audiência, que considerou extemporâneo, à luz do disposto no art. 155º do CPC, e determinou que defesa do arguido na audiência fosse pela ilustre advogada, que vinha exercendo as funções de defensora oficiosa do mesmo e que se encontrava presente (idem);
i) Na mesma data, pelas 12h10m, depois de ouvidas as pessoas presentes, pela Sra. Funcionária Judicial foi dado conhecimento do resultado das diligências efectuadas pela GNR no sentido da detenção do arguido, sendo que, na morada profissional, foi dito aos elementos daquela Guarda que o arguido ali não trabalhava desde Agosto do ano então em curso e, na morada pessoal, ninguém se encontrava em casa (fls. 445);
j) A audiência foi interrompida pelas 13h20m do mesmo dia, por despacho do Exmº Juiz Presidente que designou para a sua continuação o dia 6/1/10 pelas 13h30m, com a prolação do acórdão (fls. 447);
k) Em 11/12/08, o arguido fez dar entrada nos autos, por correio electrónico, um requerimento em que comunicava que não tinha comparecido à audiência de julgamento agendada para o dia anterior, em virtude de ter tido de estar presente no funeral de um seu tio, e a respectiva declaração comprovativa, emitida pela agência funerária (fls. 464 a 467);
k) Em 26/12/09, deu entrada nos autos um ofício da PSP acompanhado de certidão do resultado das diligências feitas no sentido da detenção do arguido no local da sua residência, com vista à sua comparência em juízo, a qual dava conta, além do mais, de não ter sido possível averiguar se o arguido ali residia ou não (fls. 486 a 488).
O nº 3 do art. 196º do estipula que do termo de identidade e residência deve constar que ao arguido que o presta foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº 2, excepto se o arguido comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor nem todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333º do CPP.
A morada referida no nº 2 do artigo em referência é a residência, o local de trabalho ou outro domicílio que o arguido tenha declarado para o efeito de lhe serem feitas notificações por via postal simples.
A questão que coloca, no sentido de ajuizar da verificação da invocada nulidade insanável, é a de saber se, perante a concreta situação processual verificada, o Tribunal estava ou não vinculado, no termo da sessão de julgamento efectuada em 10/12/08, a determinar a realização de uma sessão suplementar, sem contar com a da leitura da decisão, a fim de conferir ao arguido o ensejo de prestar declarações em audiência, à luz das normas que determinam a obrigatoriedade (tendencial) da sua presença nesse acto processual, não discutindo o arguido, se bem se entende, a admissibilidade do início da audiência sem a sua presença.
É evidente que a norma que estabelece a regra geral da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento tem por finalidade a garantia dos exercício dos direitos de defesa, que ao mesmo assistem e que são merecedores de tutela constitucional dispensada pelo nº 1 do art. 32º da CRP.
Contudo, o poder conferido ao Tribunal pelo nº 2 do art. 116º do CPP de determinar a detenção de pessoa notificada para comparência em juízo (arguido ou não), que tenha deixado de comparecer e não tenha justificado a falta nos termos prescritos pela lei de processo, obedece a uma teleologia diferente da tutela dos direitos do arguido.
Com efeito, o Tribunal exerce ou não tal poder consoante considere necessário e adequado a assegurar a audição da pessoa faltosa, sempre orientado pelo objectivo de garantir a aquisição probatória indispensável à descoberta da verdade e à correcta decisão da causa.
Convém não confundir o que são as normas que obrigam o Tribunal a garantir o exercício pelo arguido do direito que lhe assiste de estar presente na audiência de julgamento e os poderes-deveres do Tribunal em matéria de produção probatória, nomeadamente, através das declarações do arguido se este estiver disposto a prestá-las, sendo que a possibilidade conferida ao Tribunal de determinar a comparência em juízo do arguido ou de outra pessoa sob detenção claramente releva deste último domínio.
Nesse contexto, e salvo o devido respeito, não podemos concordar com a opinião expressa pela Digna Procuradora-Geral Adjunta no sentido de que o imperativo da tutela do direito do arguido a estar presente na audiência teriam imposto ao Tribunal o dever de, em face da informação inconclusiva fornecida pela PSP, efectuar novas diligências no sentido de localizar o paradeiro do arguido, a fim de lhe conferir novo ensejo de comparecer nesse acto processual.
Na verdade, o arguido foi regularmente notificado da data designada para realização do julgamento, não compareceu e não apresentou, dentro do limite temporal prescrito pelo nº 2 do art. 117º do CPP, a justificação da falta, ainda que o tenha feito tardiamente.
Por muito delicado e doloroso que possa ter sido para o arguido o facto que esteve na origem da sua não comparência, o mesmo não se nos afigura idóneo a preencher uma situação de justo impedimento, a que se refere o nº 2 do art. 107º do CPP, pois não era de molde a impedir objectivamente o arguido de comunicar em devido tempo ao Tribunal a sua impossibilidade de comparecer.
Para mais, na actual lei de processo, a referida comunicação não obedece a qualquer forma especial, pelo que uma simples comunicação telefónica do arguido ou de terceiro teria sido suficiente.
Nesta ordem de ideias, seria indubitavelmente levar longe demais a tutela do direito do arguido de estar presente na audiência de julgamento, pois permitir-lhe-ia «venire contra factum proprium», admitir que o mesmo pudesse valer-se de uma suposta nulidade, que foi originada exclusivamente pelo seu comportamento contrário à lei, ao faltar ao julgamento para que tinha sido notificado e não justificar atempadamente a falta.
É verdade que o nº 3 do art. 333º do CPP confere ao arguido o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, que se tenha iniciado sem a sua presença, mas o exercício de tal direito encontra-se condicionado pela manifestação de vontade prevista na parte final dessa disposição legal.
Ora, da acta da audiência de julgamento lavrada a fls. 442 a 447 não transparece que a ilustre defensora do arguido presente nesse acto processual tenha requerido a sua continuação para a segunda data agendada, a fim de permitir ao seu patrocinado prestar declarações.
Nestas condições, terá de concluir-se que as normas jurídicas, que garantem o exercício pelo arguido do direito de estar presente na audiência de julgamento, não impunham ao Tribunal «a quo» a realização de uma segunda sessão de julgamento destinada a conferir ao arguido ora recorrente o ensejo de comparecer nesse acto processual e de prestar declarações se assim o entendesse.
Por conseguinte, a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido encontra-se legitimada à luz da lei de processo, pelo que não foi praticada a nulidade insanável prevista no art. 119º al. c) do CPP.
Uma vez excluída a nulidade da audiência de julgamento, importa ajuizar a arguição do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, de que o acórdão estaria inquinado, na tese do recorrente, por não ter dado como provado factos relativos às condições pessoais e económicas deste.
Com efeito, a ausência de prova da condição social, pessoal e económica do arguido, em caso de decisão condenatória, tem vindo a ser reconduzida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, podendo indicar-se a título meramente exemplificativo, como defensor de tal tese, o Acórdão da RP de 1/10/08, documento RP200810010814048 da base de dados do ITIJ.
O nº 2 do art. 410º do CPP, na parte que interessa à questão agora mencionada, dispõe:
Mesmo nos casos em que a lei restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) ...;
c) ….
O Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/95 (DR, I-A Série de 28/12/95) veio fixar jurisprudência no sentido de os vícios tipificados no normativo legal agora enunciado serem do conhecimento oficioso do Tribunal «ad quem», mesmo quando o recurso esteja limitado à matéria de direito.
Segundo o Acórdão do STJ de 13/5/98 (CJ, Acs. do STJ, VI, tomo 2, pág. 199), a locução «decisão» inserida no texto da al. a) do nº do art. 410º do CPP, deve ser entendida como a decisão justa que ao caso deveria caber e não como a decisão concretamente proferida e objecto do recurso, sendo, portanto, com referência à primeira e não à segunda que deverá ajuizar-se da suficiência da matéria de facto provada.
Estando em causa, no presente recurso, um pedido de reversão da decisão formulada no acórdão recorrido, relativa à escolha e á determinação da medida das penas em que o recorrente foi condenado, importa recordar os normativos legais que fixam os critérios orientadores desse processo decisório.
Para tal efeito, relevam os arts. 70º e 71º do CP.
O primeiro dos referidos artigos dispõe:
Se ao crime forem aplicadas, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Por seu turno, o segundo dos mencionados normativos, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui:
1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
Por outro lado, tendo o recorrente peticionado a suspensão da execução da pena de prisão, que venha a ser-lhe aplicada, convém ter presentes os pressupostos legais dessa medida suspensiva, tal como se mostram definidos no nº 1 do art. 50º do CP:
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No processo de formação pelo Tribunal dos juízos de valor, que, nos termos das disposições legais ora transcritas, tem de estar na base da escolha da pena, da determinação da medida concreta desta e da suspensão da execução da pena privativa de liberdade, caso opte pela sua aplicação, sempre terá um papel relevante, ainda que não necessariamente determinante, a consideração daquilo a que vulgarmente se chama as «condições pessoais» do condenado, as quais podem englobar, entre outros aspectos, o seu enquadramento familiar, a sua inserção laboral, a sua situação económico-financeira, o seu nível de escolaridade e de formação profissional, eventuais problemas de saúde física e psíquica, existência de hábitos de consumo de estupefacientes, álcool ou substâncias semelhantes e, se for esse o caso, os esforços que o arguido tenha empreendido no sentido de superar essas adições.
Nesta perspectiva, a ausência total de factos provados relativos às «condições pessoais» do arguido A… é de molde a integrar uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, em todos os referidos aspectos.
A formulação desta conclusão não pressupõe - saliente-se - que o Tribunal tivesse tido de decidir necessariamente no sentido pretendido pelo arguido no presente recurso, caso tivesse tido conhecimento dos factos em falta, mas tão somente que a formação de uma decisão justa sobre a questão controvertida teria requerido a consideração, na medida do possível, dessa factualidade.
Neste contexto, a verificação do vício, a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, depende da medida em que o texto do acórdão impugnado, por si mesmo ou conjugado com os dados da experiência comum, deixe transparecer que o Tribunal «a quo» exerceu da forma que lhe incumbia os seus poderes de averiguação oficiosa, acerca da matéria cuja carência de demonstração se constatou.
A esse respeito dispõe o nº 1 do art. 340º do CPP:
O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Afigura-se-nos ser hoje pacífico, em sede jurisprudencial, que o poder conferido pela disposição legal agora transcrita é um verdadeiro poder-dever e não uma mera faculdade, devendo o Tribunal exercê-lo de forma exaustiva.
Assim, a eventual inércia dos sujeitos processuais ao nível probatório não exime o Tribunal do dever de, por sua iniciativa, determinar a produção dos meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e investigar todos os factos relevantes para uma decisão justa da causa, segundo as várias soluções em direito plausíveis, respeitando-se, no que se refere aos factos integradores do crime imputado e das circunstâncias agravantes deste, o quadro definido pela acusação, sem prejuízo das possibilidades de alteração dessa factualidade, de acordo com os procedimentos prescritos pelos arts. 358º e 359º do CPP.
Na fundamentação do juízo probatório, o acórdão recorrido expende (transcrição com diferente tipo de letra):
O Tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas: E…, o qual seguia atrás do veículo ligeiro conduzido por B…, a cerca de 20 metros de distância deste, o que aconteceu durante cerca de 5Km, a uma velocidade de, aproximadamente, 70/75 Km/hora, tendo-se apercebido das circunstâncias em que se deu o acidente, nos termos dados como provados, confirmando ainda as características da faixa de rodagem e o estado do tempo que se fazia sentir; F…, agente da Brigada de Trânsito da GNR, compareceu no local logo após o acidente ter ocorrido, tendo notado que o veículo pesado se encontrava imobilizado, fora de mão, e o veículo ligeiro na sua mão de trânsito, confirmando ainda as características da faixa de rodagem e o auto de participação por si elaborado, junto de fls. 53 a 55, e ainda o facto de se ter procedido à recolha de sangue do arguido, no Hospital de Vila Franca de Xira, para análise de quantificação de álcool no sangue e para exame de confirmação de substâncias psicotrópicas.
Baseou-se ainda o Tribunal nos documentos juntos de fls. 35 a 38, 49 a 51, 53 a 56, 59, 60, 73 a 86, 107 a 111, 112 a 126, 128 a 134, 144 a 150, 153, 160 e 350 a 352, cotejado o seu teor com os depoimentos prestados em audiência de julgamento.
O ter o Tribunal considerado que a taxa de 2,8 g/l de álcool no sangue fazia toldar a capacidade de reacção e discernimento necessários à condução segura de veículos automóveis por parte o arguido, baseou-se no facto de ser do conhecimento geral que a ingestão de bebidas alcoólicas, mesmo que a uma taxa de álcool no sangue de 0,5 ou 0,8 g/litro, afecta progressivamente as capacidades sensoriais, perceptivas, cognitivas e motoras, incluindo o controlo muscular e o equilíbrio do corpo, gerando por isso também lentidão nos tempos de reacção, situação que se agrava quanto maior for a quantidade de álcool ingerida.
No caso dos autos o arguido conduzia o veículo pesado de mercadorias com uma taxa de álcool no sangue de 2,8 g/l, muito superior à mínima prevista como contra-ordenação e superior ao dobro da estabelecida no artigo 292º do Código Penal, para o tipo-de-ilícito criminal de condução de veículo em estado de embriaguez (1,20 g/l). Sendo legítimo presumir, de harmonia com as regras da experiência comum (presunção judicial admitida pelo artº 351º do CC) que, além da velocidade a que seguia, foi determinante na ocorrência do acidente o facto de o arguido conduzir o veículo pesado com a taxa de álcool no sangue concretamente apurada.

Como pode ver-se, na parte do acórdão agora transcrita, não é feita qualquer referência às «condições pessoais» do arguido A…, nem às diligências que o Tribunal tenha empreendido no sentido de as averiguar, nem ainda ao eventual fracasso destas.
À primeira vista, tratando-se de matéria não alegada (o arguido não apresentou contestação), poderia pensar-se que o Tribunal não estava obrigado, no acórdão, a tomar posição sobre ela, quanto mais não seja fazendo menção das diligências feitas no sentido de a apurar e das razões por que as mesmas resultaram infrutíferas.
No entanto, existe na tramitação do processo penal um momento em que se impõe ao Tribunal o dever de decidir da produção de prova sobre os factos relativos às «condições pessoais» do arguido, independentemente de alegação.
Das disposições conjugadas dos nºs 1 e 2 do art. 369º e do nº 1 do art. 371º do CPP resulta que, quando verifique que se encontram reunidos os pressupostos da aplicação a determinado arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o Tribunal terá de ajuizar se é necessária a produção de prova suplementar dos factos relevantes para a determinação da espécie e da medida da sanção (nos quais se incluem as «condições pessoais» a que vimos aludindo), devendo proceder à reabertura da audiência, quando ajuíze em sentido afirmativo, ou passar de imediato a deliberar sobre a escolha e a medida da sanção, na hipótese contrária.
No processo de deliberação que esteve na origem do acórdão sob censura, o Tribunal Colectivo necessariamente se apercebeu de que estavam reunidos os pressupostos da aplicação de uma pena ao arguido A…, como efectivamente veio a suceder.
Uma vez feita tal verificação, impunha-se ao Tribunal decidir de imediato da escolha e da medida da pena (matéria em que se inclui, se ao caso couber pena de prisão não superior a 5 anos, a opção por suspender ou não a execução desta), se entender que dispõe já de todos os elementos necessários para o efeito, ou, se assim não for, determinar a produção de prova suplementar destinada a averiguar factos relevantes para a decisão a tomar.
Dado que o presente recurso não tem por objecto a impugnação do juízo probatório sobre a matéria de facto, não é permitido a este Tribunal valer-se dos registos dos elementos de prova pessoal produzidos em audiência de julgamento, em termos de poder assegurar-se se os mesmos revestiram alguma relevância probatória, relativamente aos factos atinentes às condições pessoais do arguido.
No entanto, tendo em conta o concreto conteúdo do acórdão proferido, a existência ou não desse relevo probatório conduzir-nos-á a uma mesma conclusão, do ponto de vista da verificação do vício da sentença a que nos vimos reportando.
Na verdade, caso os elementos de prova pessoal se tenham revelado idóneos a fazer prova daqueles factos cuja carência de demonstração se constatou, terá de concluir-se que o Tribunal não exerceu devidamente o seu poder-dever de averiguação oficiosa dessa factualidade e encontrar-nos-emos, por isso, perante uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Na hipótese inversa, impõe-se a conclusão de que o Tribunal não determinou, como lhe era exigido, a produção de prova suplementar tendente ao apuramento daqueles mesmos factos.
Da acima transcrita fundamentação do juízo probatório ou de qualquer outra passagem do texto do acórdão recorrido não consta qualquer referência a diligências que o Tribunal tenha mandado efectuar, no sentido de averiguar os factos relativos às «condições pessoais» do arguido A…, ao seu resultado improdutivo ou ainda às razões por que tais diligências não terão sido ordenadas ou se tenham mostrado inviabilizadas.
Assim, também no contexto desta segunda eventualidade, o acórdão em apreço apresenta-se inquinado pelo vício a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP.
Contudo, a insuficiência da matéria de facto, que o acórdão recorrido julgou provada, para a decisão, não se cinge às condições pessoais do arguido.
O impugnado acórdão condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de homicídio por negligência.
O tipo fundamental do primeiro dos referidos ilícitos é definido pelo nº 1 do art. 292º do CP, nos termos seguintes:
Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
Por seu turno, o art. 137º do CP, sob a epígrafe «Homicídio por negligência» estatui:
1 – Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 – Em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos.
O art. 13º do CP dispõe:
Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
O art. 14º do CP tipifica as diversas modalidades do dolo (directo, necessário e eventual) e o art. 15º define as diferentes formas que pode revestir a negligência (consciente e inconsciente).
Pensamos que é entendimento pacífico da jurisprudência dos Tribunais Superiores que os elementos integradores do nexo de imputação subjectiva (dolo ou negligência), nas suas diferentes variantes, constituem matéria de facto.
A distinção entre matéria de facto e matéria de direito é de evidente alcance prático na tramitação do processo penal, em particular, na fase de recurso.
Confrontada a factualidade que o acórdão recorrido deu como provada (não constando dele factos não provados), verifica-se que dela constam os elementos integradores do nexo de imputação subjectiva ao arguido das condutas que preenchem a tipicidade objectiva dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e de homicídio por negligência: dolo ou negligência, no caso do primeiro; negligência, no caso do segundo.
Só em sede de fundamentação jurídica é que o acórdão impugnado discutiu o nexo de imputação subjectiva, tendo concluído por imputar subjectivamente ao arguido o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a título de negligência consciente, e o outro ilícito, a título de negligência inconsciente.
Ora, essas considerações não são idóneas a suprir a abstenção da parte do Tribunal «a quo» de se pronunciar sobre a questão do nexo de imputação subjectiva na sua sede própria, isto é o juízo probatório, afirmativo ou negativo, sobre a matéria de facto.
Daí que também nesta parte se verifique a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, já que a matéria do dolo e/ou da negligência assume óbvia relevância para a formação da decisão da causa, num primeiro momento, para a determinação da punibilidade da conduta objectiva, e, num momento posterior, para a escolha e medida da sanção, em sentido lato.
Como já se disse o vício da insuficiência da matéria de facto é de conhecimento, pelo que o Tribunal pode dele conhecer, na parte respeitante ao nexo de imputação subjectiva, independentemente de arguição.
O vício detectado obsta a que este Tribunal conheça do mérito do recurso em presença.
O nº 1 do art. 426º do CPP estatui:
Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
O reenvio a determinar não afectará de modo algum a totalidade do objecto processual e terá um alcance estritamente limitado.
Nesta conformidade, importa que a primeira instância reaprecie a prova já produzida, em termos de concluir se da mesma resultam demonstrados factos integradores do nexo de imputação ao arguido das condutas subsumíveis na tipicidade objectiva dos crimes de condução em estada de embriaguez e de homicídio por negligência, já apuradas, e relativos às condições pessoais daquele de forma a possibilitar uma decisão justa sobre a punibilidade das referidas condutas e, em caso de juízo afirmativo, da escolha e medida da pena, e determine, se não for esse o caso, a produção dos meios de prova necessários e adequados para o efeito e, por fim, profira nova decisão, com base no conjunto dos factos que vierem a provar-se e aqueles já dados como assentes pelo acórdão recorrido.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não verificada a nulidade insanável prevista no art. 119º al. c) do CPP, em virtude de audiência de julgamento ter decorrido sem a presença do arguido, declarar verificado no acórdão recorrido o vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada e determinar o reenvio do processo para novo julgamento, limitado às seguintes finalidades
a) Reapreciar a prova já produzida, para o efeito de julgar provados ou não factos integradores do nexo de imputação ao arguido das condutas subsumíveis na tipicidade objectiva dos crimes de condução em estada de embriaguez e de homicídio por negligência, já apuradas, e relativos às condições pessoais, sociais e económicas daquele de forma a possibilitar uma decisão justa sobre a punibilidade das referidas condutas e, em caso de juízo afirmativo, a escolha e medida da pena;
b) Na hipótese negativa, determinar a produção dos meios de prova considerados necessários e adequados ao apuramento desses mesmos factos, no todo ou em parte;
c) Proferir nova decisão, com base na consideração conjunta dos factos dados como provados pelo acórdão recorrido e daqueles que venham a resultar demonstrados da reapreciação a efectuar ou dos novos meios de prova, que venham a ser produzidos.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 1010 (processado e revisto pelo relator)

Sérgio Bruno Povoas Corvacho
Maria José Costa Machado