Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
503/18.0JAFUN-E.L1-5
Relator: SANDRA OLIVEIRA PINTO
Descritores: INSTRUÇÃO
ADMISSIBILIDADE
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
ARGUIDO
INUTILIDADE DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INUTILIDADE
Sumário: I- O requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido tem que apresentar os argumentos que o requerente repute pertinentes à demonstração de que a acusação é infundada, obstando por essa via à sua submissão a julgamento.
II- Admitida que foi a abertura da instrução relativamente a alguns dos arguidos, não havia razão para recusá-la relativamente ao recorrente, cujo RAI se mostra muito semelhante aos dos demais.
III- Não é lícito realizar no processo atos inúteis (cf. artigo 130º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal) – e determinar, neste momento, que o processo regressasse à fase da instrução (quando é certo que o Tribunal a quo já se pronunciou sobre todas as questões suscitadas no RAI), configura, claramente, uma inutilidade e evidente perda de tempo.
IV- Por assim ser, mostra-se também inútil a decisão a proferir no presente recurso, devendo a circunstância de ter, entretanto, sido proferido despacho de pronúncia que esgotou as questões contempladas no RAI rejeitado, conduzir à extinção da instância.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
1. O arguido AA, nascido a ........1997, filho de BB e de CC, natural da freguesia do..., solteiro, ..., titular do cartão de cidadão n.º ..., foi acusado (juntamente com outros 43 arguidos), por despacho proferido em 19.01.2025, no processo nº 503/18.0JELSB, da prática, em concurso efetivo e em coautoria material (art. 30.º nº1 e 77.º, nº1 do Cód. Penal), com referência aos artigos 14.º, nº1 do Cód. Penal e 26.º, 3ª alternativa do Cód. Penal, e com referência aos artigos 110.º n.º 1, al. b), nº 3 e n.º 4 do Código Penal:
(…)
→ Um crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 299.º, n.º 1, 2 e 3, 5 do Código Penal;
→ Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, nº 1 e n.º 2, al. a) e b)do Código Penal, por referência aos artigos 202.º, alíneas a) e b do mesmo diploma.
→ Um crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a), b), d), e) e f), do Código Penal, com referência ao art. 255.º, al. a), ambos do Código Penal.
→ Um crime de falsidade informática p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 3, da Lei do Cibercrime (Lei nº 109/2009, de 15 de janeiro), por referência ao artigo 2.º, alíneas a) e b), da mesma lei.
Através de requerimento apresentado em 17.03.2025, veio requerer a abertura da fase de instrução.
Distribuído o processo no Tribunal Central de Instrução Criminal (Juiz 9), foi, em 29.04.2025, proferida decisão que “rejeito[u] o requerimento de abertura de instrução apresentado nestes autos pelo arguido AA com fundamento na sua inadmissibilidade legal, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 286º, n.º1 e 287º, n.ºs 2, a contrario sensu, e nº 3, ambos do Código de Processo Penal” – mais se determinando a abertura de instrução requerida pelos arguidos DD, EE e FF, com designação de data para debate instrutório.
2. Inconformado, veio o arguido interpor recurso desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso tem por objecto o douto despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, com fundamento na sua alegada inadmissibilidade legal nos termos do artigo 287.º n.º 3 do Código de Processo Penal.
B. O Recorrente não se conforma com a decisão e entende que o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação.
C. O Arguido apresentou o requerimento de abertura de instrução, no qual expôs, de forma fundamentada, a sua discordância relativamente à decisão de acusar do Ministério Público.
D. No respectivo requerimento de abertura de instrução, o Arguido expôs, de forma clara e objetiva, os factos que lhe foram imputados na acusação e demonstrou que os mesmos não foram objecto de qualquer prova, nem sequer indiciária.
E. Relativamente à acusação da prática do crime de associação criminosa, o Arguido no requerimento de abertura de instrução, indicou que não foi feita prova da existência de um plano concertado entre os arguidos desde 2015, da alegada liderança do AA, da existência de uma estrutura organizada e estável, nem da prática de atos pelo ora recorrente após ....
F. Pretendia, assim, o Arguido evitar o julgamento quanto ao crime de associação criminosa, por não estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal.
G. Quanto à acusação da prática do crime de burla qualificada, o Arguido também indicou, entre outros aspectos, a ausência de prova de que retirava a maior parte dos rendimentos da alegada atividade criminosa, de que esta se manteve até ..., de que fazia dela modo de vida, e da existência de um prejuízo patrimonial elevado.
H. Pretendia, assim, o Arguido ver afastada a qualificação agravada da burla, admitindo ser submetido a julgamento apenas pela prática de burla simples.
I. Relativamente a acusação da prática do crime de falsificação de documentos, o Arguido invocou a violação do princípio non bis in idem, por consubstanciar uma dupla punição com o crime de burla.
J. Quanto ao crime de falsidade informática, o Arguido demonstrou que não foi feita qualquer prova de que a sua conduta preencha os elementos típicos do crime.
K. O requerimento visava, pois, obstar à submissão a julgamento, face à ausência de prova e à incorreta apreciação dos elementos constantes dos autos.
L. Nos termos do artigo 287.º, n.º 2 do Código Processo Penal, o requerimento de abertura de instrução deve expor as razões de facto e de direito da discordância quanto à acusação.
M. Ora, o que o Arguido fez traduz-se afinal, ao encontro do desiderato legal, na discordância, com razões de facto e de direito, quanto ao descrito na acusação.
N. Ou seja, o requerimento apresentado cumpre exatamente essa finalidade legal.
O. Com efeito, o próprio despacho recorrido reconhece que o Arguido manifestou a sua discordância quanto à acusação, com base na alegada ausência de pressupostos legais e de indícios suficientes da prática dos crimes.
P. Contudo, o despacho acaba por rejeitar o requerimento com fundamento em inadmissibilidade legal, por alegadamente não servir as finalidades da instrução, incorrendo numa contradição insanável.
Q. Tal contradição torna o despacho ininteligível e, por isso, nulo, nos termos do artigo 97.º, n.º 5 do Código Processo Penal, por falta de fundamentação válida.
R. Acresce que, a fundamentação usada é exactamente igual à utilizada na rejeição dos requerimentos dos outros arguidos, revelando uma total ausência de apreciação individualizada e violando o dever de pronúncia fundamentada.
S. O Arguido entende ainda que o douto despacho é ilegal e consequentemente é nulo por violação do disposto no n.º 3 do artigo 287.º do Código Processo Penal.
T. As situações de inadmissibilidade legal são taxativas, devendo resultar inequivocamente da lei, como aliás é reconhecido pela jurisprudência dominante.
U. O requerimento apresentado não se enquadra em nenhuma das causas legais de rejeição.
V. Negar ao Arguido a possibilidade de expressar, de forma fundamentada, a sua discordância quanto à acusação, é esvaziar o conteúdo do artigo 287.º, n.º 2 do Código Processo Penal e negar o próprio sentido da fase de instrução.
W. O despacho recorrido é, assim, nulo, por violação do artigo 287.º, n.º 3 do Código Processo Penal.
X. Por força da decisão recorrida, os presentes autos encontram-se feridos de nulidade insanável prevista na alínea d) do artigo 119º do Código de Processo Penal por omissão da fase de instrução num caso em que a lei determina a sua obrigatoriedade.
Y. A jurisprudência dos tribunais superiores tem sido firme em reconhecer o carácter excecional e taxativo dos casos de inadmissibilidade da instrução, reafirmando que não se pode restringir indevidamente o direito à instrução.
Z. Destaca-se, a este propósito, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de ... de ... de 2023, proferido no processo n.º 6/22.9GDCTX-C.L1-9, onde se afirma que a instrução é um direito do Arguido e uma garantia constitucionalmente protegida, insuscetível de qualquer estreitamento arbitrário.
AA. A interpretação feita pelo tribunal a quo viola o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
BB. Viola também o disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, limitando, contra legem, o exercício do direito de defesa em processo penal.
CC. O despacho recorrido é ilegal e inconstitucional.
DD. Face ao exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Arguido.
TERMOS EM QUE, deve o presente Recurso ser julgado procedente, e em consequência:
a) Deve ser revogado o despacho, proferido pela Mm.ª Juiz de Instrução Criminal, de rejeição do Requerimento de Abertura de Instrução;
b) Deve ser proferido novo despacho que admita o Requerimento de Abertura de Instrução apresentado pelo Arguido;”
*
3. O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado, e efeito devolutivo.
4. O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção do decidido, sem formular conclusões.
*
5. Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, deu parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a resposta apresentada na 1ª instância.
Foi cumprido o artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, sem resposta por parte do arguido.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
*
II. Objeto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
No caso, as questões trazidas à apreciação deste Tribunal prendem-se, por um lado, com a alegada falta de fundamentação do despacho recorrido, e, por outro lado, com o cumprimento, ou não, pelo arguido dos requisitos legalmente impostos para a formulação de requerimento de abertura de instrução – que aquele insiste ter cumprido cabalmente, ao contrário do entendimento expresso na decisão recorrida – e com a regularidade da respetiva rejeição com fundamento em inadmissibilidade legal.
*
III. Elementos do processo
iii.1. Decisão recorrida
É do seguinte teor a decisão recorrida (transcrição):
RAI do arguido AA
Regularmente notificado do despacho de acusação do Ministério Público veio o arguido AA requerer a abertura de instrução, com os fundamentos constantes do requerimento, que aqui se dão por reproduzidos e, em síntese, que a acusação é vaga mas confessa que fez levantamentos fazendo-os sem consciência da ilicitude e não há prova da prática do crime de falsificação de docuemnto de quem vem acusado e a falsificação de document é element essencial e típico do crime de burla logo causá-lo por dois crimes é puni-lo por dupla mesma actuação violando-se assim o princípio ne bis in indem assim como não há factos na acusação para a falsificação informática.
O Tribunal é competente e o arguido tem legitimidade processual para requerer a abertura de instrução sendo o seu requerimento tempestivo e estando o mesmo dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça.
Estabelece o artigo 287º, nº1, al. a) do Código de Processo Penal que “a abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação.”.
Refere o nº 2 do citado preceito que o “requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283º.”.
A instrução é uma fase facultativa de algumas formas de processo criminal, cuja abertura depende de requerimento que pode ser formulado apenas por determinados sujeitos processuais e nas circunstâncias legalmente previstas.
Conforme refere o artigo 286º do Código de Processo Penal a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito.
O âmbito desta discussão é, assim, limitado pelo objectivo que a lei estabelece para esta discussão.
Na fase de instrução está em causa, ao que nos interessa no caso vertente, a comprovação da objectiva legalidade da acusação, pela verificação da reunião de material probatório demonstrativo da existência de crime e do seu autor e pela formulação do juízo de prognose de forte probabilidade de condenação do arguido suspeito.
Trata-se, assim, de verificar se se confirma o acerto da decisão de acusar, se a acusação é a decorrência lógica dos elementos recolhidos no inquérito e aí analisados pelo Ministério Público.
Tal comprovação só pode realizar-se sob o horizonte do conjunto de razões de facto e de direito de discordância em relação à decisão do Ministério Público, vertidas no requerimento de abertura de instrução apresentado e a sua finalidade é a realização de um juízo sobre se se verificam os pressupostos legais para a submissão, ou não, da causa, ou uma sua parte a julgamento – neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Janeiro de 2014, Juíza Desembargadora Relatora, Maria do Carmo Silva Dias, processo nº 1878/11.8 TAMAI.P1, espelhando o entendimento de Pedro Anjos Frias, na Revista Julgar n.º 19 (Janeiro – Abril de 2013) no artigo intitulado “Um olhar destapado sobre o conceito de inadmissibilidade legal da instrução”.
Assim, no requerimento de abertura de instrução, terá de ser exposto um conjunto de razões que espelhe o desacerto do juízo indiciário que foi consequente na decisão de deduzir acusação, isto é, “as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação (…), bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito (…)”, de harmonia com o disposto no artigo 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Conforme referido no supra citado Acórdão a apresentar, v.g., uma mera versão ou contraversão factual – ainda que espelho de uma intenção verosímil alheada do inquérito, do que neste se passou e da decisão com que o mesmo findou obstaculiza-se a concretização da actividade de comprovação judicial da decisão em acusar cuja materialidade é conformada pelo disposto no artigo 288º, n.º4 do Código de Processo Penal que, justamente, remete para o supra citado n.º 2 do artigo 287º do mesmo diploma legal.
Assim, em resumo, terá que, para provar que a decisão de acusar/arquivar foi errada, pôr em causa o juízo indiciário.
Não basta, nesta fase, contestar a acusação, sendo necessário atacar os elementos factuais recolhidos no inquérito que fundaram a acusação, ou atacar a validade de tais meios de prova ou a análise que o Ministério Público fez de tais meios de prova.
O requerimento, como já referido, não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283º, n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/01/2014, relatora Maria do Carmo Silva Dias, in www.dgsi.pt, (embora em transcrição da decisão recorrida):
“não valem como repositórios de razões de discordância aqueles requerimentos oferecidos pelo arguido cujo conteúdo consista ou se limite:
— A apresentar uma mera versão ou contraversão factual — ainda que espelho de uma intenção verosímil — totalmente alheada do inquérito, do que neste se passou e da decisão com que o mesmo findou (contestação motivada);
— A repetir ou a completar o inquérito;
— A negar os factos vertidos na acusação pública, como a sua autoria, participação, etc. (simples contestação);
— A invocar factualidade nova trazida para dentro do processo apenas por meio do requerimento para a instrução (aliás, em flagrante violação do principio da lealdade sempre e quando: se garantiu ao arguido a sua audição e este nada disse nesse momento ou posteriormente (i); ou sempre que a existência ou possibilidade de constatação de tal factualidade ”‘nova” fosse notória a todas as luzes para qualquer decisor no momento do encerramento do inquérito, ou seja, que com ela pudesse e devesse contar (ii);
— A pretender antecipar a fase do julgamento, isto é, a pretender realizar na instrução tudo o que é típico (próprio) do julgamento, transformando-a num simulacro de julgamento;
— A pretender substituir a ideia matriz da comprovação preordenada à submissão ou não a julgamento do arguido por toda uma outra ideia que se concretize em apreciar se o arguido deve ou não ser condenado pelo crime que lhe é imputado.
O objecto da comprovação tem que ser concreta e especificadamente enunciado ou definido no/pelo requerimento do sujeito processual nela interessado, por força da conjugação do nº2 do artigo 287° com o nº 4 do artigo 288º ambos do Código de Processo Penal.
Assim, (…) sem exposição de razões de discordância com a natureza e recortes definidos obstaculiza-se a concretização da actividade de comprovação judicial da decisão em acusar.”
No caso vertente e após análise do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido requerente de instrução considera-se que não foi dado cumprimento ao imperativo legal supra enunciado, porquanto o que o referido requerimento evidencia é a discordância do despacho de acusação do Ministério Público por entender que se não verificam os pressupostos legais dos crimes nem indícios suficientes da sua prática.
Ora, a instrução visa a comprovação da decisão de acusar em ordem a submeter ou não a causa a julgamento e não se confunde, por isso, mesmo com a fase de julgamento nem com a contestação a deduzir em tal fase.
Ademais a fase de instrução tem de proporcionar de acordo com o artigo 286º do Código de Processo Penal uma verdadeira alternativa ao Juiz de Instrução, ou seja, a alternativa de acordo com as regras legais de submeter ou não a causa a julgamento sendo essa a consequência da comprovação judicial a efectuar.
Não sendo esta fase uma antecipação de julgamento, impugnar factos e apresentar uma contraversão alheada da globalidade do inquérito e da decisão que o encerrou é, em bom rigor, contestar a acusação e não uma discordância crítica que se subsuma ao disposto no n.º 2 do artigo 287º do Código de Processo Penal, não reclamando, por isso, a prossecução da actividade judicial de comprovação da decisão.
“A instrução não é um julgamento ´antecipado`, com o mesmo nível de garantias e direitos de defesa, com a mesma intensidade de produção e apreciação da prova. A instrução visa apenas a comprovação da acusação, isto é, saber se existe fundamento para abrir a fase de julgamento, que é a fase central e paradigmática do processo penal, segundo o modelo garantista herdado do iluminismo.” – Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1000.
Tal como se refere no Ac. da Relação de Évora de 08/10/2019 proferido nos autos de processo 1003/17.1GBABF-A.E1: “A instrução tem de se pautar pela finalidade de culminar, alternativamente, em que o processo siga, ou não, para julgamento, sob pena de redundar em fase sem virtualidade para atingir o desiderato que lhe está subjacente”.
A ausência, quer de fundamentação, quer de utilidade, da instrução, reconduzem-se a causas de inadmissibilidade da mesma.
Um requerimento de abertura de instrução nos termos em que foi apresentado pelos arguidos não serve as finalidades da instrução.
Recorre-se mais uma vez à decisão recorrida e objecto do referido Acórdão da Relação do Porto de 29/01/2014, e com a qual se concorda: “Assim, se o RAI apresentado (…) não tem aptidão para fundar e firmar as finalidades da instrução, deve ser rejeitado, pois que, o mesmo é dizer, com e em tais condições não pode haver lugar à instrução e esta é legalmente inadmissível (…) Assim se respeitará, de um lado, a natureza da fase de instrução, de outro, a celeridade processual, de outro ainda, a proibição da prática de actos inúteis e, por último, acentuar-se-á o princípio da auto responsabilização do sujeito processual”.
Assim, e pelos fundamentos expostos, entende-se que o requerimento de abertura de instrução nos termos em que foi apresentado é legalmente inadmissível.
Em face do exposto, rejeito o requerimento de abertura de instrução apresentado nestes autos pelo arguido AA com fundamento na sua inadmissibilidade legal, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 286º, n.º1 e 287º, n.ºs 2, a contrario sensu, e nº 3, ambos do Código de Processo Penal.
Sem custas por não serem devidas.
Notifique.”
iii.2. Requerimento de abertura da instrução (RAI)
É do seguinte teor o RAI apresentado pelo arguido AA (transcrição parcial):
“(…)
3. Contudo, a imputação ao ora Arguido da prática dos crimes, não corresponde à materialidade efectiva resultante dos factos carreados aos presentes autos de inquérito.
I. DA ACUSAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
4. A acusação começa por indicar no seu artigo 10.º que, em data não concretamente apurada, mas seguramente em 2015, os arguidos AA e GG decidiram levar a cabo um plano.
5. Porém não foi produzida qualquer prova que comprove que os arguidos, de facto, decidiram levar a cabo um plano.
6. A imputada existência de um plano carece de suporte probatório concreto, não podendo a acusação sustentar-se em meras suposições desprovidas de fundamento fático devidamente comprovado.
7. Mas, ainda que assim fosse, a imputação a outrém de um crime de associação crimimosa pressupõe, desde logo, a existência de um plano, e, ainda, de uma estrutura hierárquica, com funções devidamente determinadas com relevo para o papel que cada membro da associação desempenha no seu seio.
8. Inexiste qualquer prova concreta e inequívoca sobre a decisão e eventual concertamento entre os arguidos, quer de um plano, de uma organização, do posto que ocupavam e das funções desempenhadas no seu seio.
9. A acusação quanto a este ponto assenta, exclusivamente, em denúncia anónima que denuncia o AA como um dos cabecilhas do alegado grupo e o implica na falsificação de documentos.
10. No entanto, uma denúncia anónima, por si só, não pode ser valorada como meio de prova suficiente para sustentar uma acusação.
11. A denúncia (anónima) não é um meio de prova nem um meio de obtenção de prova, é, na verdade, o conhecimento que se pretende transmitir aos orgãos competentes que podem determinar a abertura de um inquérito, que, aqui, pretende carrear prova suficiente para sustentar a factualidade que foi denunciada.
12. Não tendo sido recolhida qualquer outra prova que confirme o alegado na denúncia, a acusação carece de fundamento, não se podendo admitir que um arguido seja acusado apenas com base em declarações anónimas não confirmadas por qualquer outro meio probatório.
13. Assim, qualquer ilacção retirada com base na denúncia deve ser considerada infundada e insuficiente para sustentar a acusação que logrou provar o que anonimamente foi imputado a AA.
14. A Acusação indica no seu artigo 29.º que GG e/ou AA desempenhavam funções de líderes do esquema criminoso, tendo recrutado outros arguidos.
15. Contudo, das declarações prestadas por todos os arguidos, e de todos os abundantes meios de prova indicados na acusação, não são imputados fatos dos quais se extrai uma posição de liderança e/ou de participação.
16. Não é indicada circunstância de tempo, modo e lugar de onde se possa extrair a posição de dominância do arguido AA e quais as ordens e em que termos as dava e a quem as dava.
17. Mais, os arguídos quando questionados acerca do AA, responderam que desconheciam.
18. Acresce também que o AAdesconhece a identidade de todos os arguídos com excepção dos arguidos GG e HH.
19. A acusação imputa ao arguido AA um papel de liderança no alegado esquema fraudulento.
20. Contudo, da prova recolhida, não resulta qualquer elemento que demonstre que o arguido exercia qualquer tipo de comando ou direção do suposto esquema.
21. Não foram identificadas comunicações, testemunhos ou qualquer outro meio de prova que o coloque numa posição de chefia ou coordenação.
22. Pelo contrário, a referência à sua alegada liderança provém, para além da denúncia anónima, das declarações do arguido EE, que aponta AA como líder do alegado esquema.
23. Aqui, na linha do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 26.04.2007, processo 3318/07-9, relator Ribeiro Cardoso ainda que o art. 344.º n.º 3 do CPP não preveja qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido, tem-se vindo a entender que as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações.
24. Todavia, não existe mais prova adicional do que a declaração do arguido EE, que procura afastar de si qualquer culpa, imputando a outros um papel de maior relevância no suposto esquema.
25. Não resulta também da prova produzida, que os arguidos estabeleceram uma organização entre si, com direcção, disciplina, hierarquia e atribuição de direitos e deveres comuns.
26. Não se consegue também concluir que existe um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa, uma vez que não se consegue retirar dos factos que os mesmos agiam como “sócios”, nem a que título, nem as funcões que cada um tinha na estrutura.
27. A propósito da distinção entre associação criminosa e mera comparticipação criminosa, e na linha do Prof. Figueiredo Dias: «O problema mais complexo de interpretação e aplicação que aqui se suscita é, na verdade, o de distinguir cuidadosamente – sobretudo quando se tenha verificado a prática efectiva de crimes pela organização – aquilo que é já associação criminosa daquilo que não passa de mera comparticipação criminosa. Para tanto indispensável se torna uma cuidadosa aferição, pelo aplicador, da existência in casu dos elementos típicos que conformam a existência de uma organização no sentido da lei (cfr. infra § 9 ss.) Em muitos casos porém tal não será suficiente. Sendo neles indispensável que o aplicador se pergunte se, na hipótese, logo da mera associação de vontades dos agentes resultava sem mais um perigo para bens jurídicos protegidos notoriamente maior e diferente daquele que existiria se no caso se verificasse simplesmente uma qualquer forma de comparticipação criminosa. E que só se a resposta for indubitavelmente afirmativa (in dubio pro reo) possa vir a considerar integrado o tipo de ilícito do artigo 299º. (Um bom critério prático residirá aliás em o juiz não condenar nunca por associação criminosa, à qual se impute já a prática de crimes, sem se perguntar primeiro se condenaria igualmente os agentes mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido e sem ter respondido afirmativamente à pergunta)».
28. De acordo com esta doutrina, proposta pelo Prof. Figueiredo Dias, não é correcto condenar-se por associação criminosa quem tenha já levado a cabo a prática de crimes, sem perguntar primeiro se se condenaria do mesmo modo os próprios componentes da associação mesmo que nenhum crime tivesse sido cometido e sem se ter respondido afirmativamente a tal questão.
Como exemplo:
29. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-1992, processo n.º 42222, BMJ n.º 414, pág. 232 – “O que releva no crime de associação criminosa é a conjugação de vontades. Trata-se de uma conjugação de vontades para a comissão de actos criminosos, de uma união de vontades para a prática abstracta de crimes, ou de conjuntos de crimes, independentemente da formulação de propósitos para a execução de crime determinado e pressupõe uma actuação conjugada e concertada dos agentes, por forma a traduzir os seus propósitos de, em conjunto, «fazerem vida» da actividade criminosa. Não se trata de uma associação acidental, para a prática de um acto criminoso, enquadrável na figura da co-autoria simples, nem de um somatório de associações acidentais, cada uma resultante de uma diferente resolução, igualmente com aquele propósito criminoso.”
30. Acresce que, a acusação afirma no artigo 10.º que "seguramente em 2015” os Arguidos decidiram levar a cabo um plano, mas o primeiro levantamento indevido atribuído ao arguido AA ocorreu apenas em ... e o primeiro levantamento indevido atríbuido ao arguido GG ocorreu apenas em ..., o que demonstra a total ausência de ligação direta entre os factos e a alegada concertação prévia.
31. Os arguidos AA e GG não efectuaram os levantamentos indevidos nas mesmas datas, o que demonstra que atuavam de forma autónoma e não como parte de um plano estruturado.
32. A acusação menciona ainda no artigo 37.º que os arguidos tinham “funções hierarquicamente superiores” sem especificar de que forma essa alegada hierarquia tinha influência sobre os actos praticados pelos restantes arguidos.
33. Assim, não existem factos tendentes à existência de uma associação criminosa.
34. Por fim, quanto à acusação da prática do crime de associação criminosa, a douta acusação refere no artigo 40.º que a “estrutura assim criada, manteve-se estável, coesa e organizada ao longo de vários anos, o que sucedeu pelo menos desde ...1.../2016 até, pelo menos, inícios de ...”
35. Dizendo também de forma genérica no artigo 30.º que “o AA, por volta do final do ano de ..., deixou de ter um papel com idêntico relevo na estrutura criminosa”
36. De referir que, a utilização de expressões vagas como "por volta do final do ano" demonstra a ausência de elementos objetivos que permitam delimitar com precisão os períodos da suposta atividade criminosa.
37. Com efeito, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 01.10.2013, relator João Gomes de sousa, no processo 948/11.7PBSTR.E1, que sustenta que se a alegação factual – em qualquer imputação penal - não pode ser facilitada pelo uso de fórmulas “vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras”, neste tipo de crime a exigência é maior dada a amplitude do tipo penal. Por isso, será de ter por não escritas aquelas formas de imputação genérica.
38. Similar, pois, ao caso que aqui nos ocupa.
39. A mera participação pontual em atos ilícitos pelo Arguído não configura, por si só, a integração num grupo criminoso estruturado.
40. Para que se verifique a associação criminosa, é necessário que o arguido tenha tido consciência e vontade de integrar um grupo com finalidade criminosa.
41. No caso do AA, não há qualquer prova que sustemte indício de que tivesse essa intenção ou de que agisse de forma coordenada com outros elementos.
42. O AA apenas procedeu, de forma autónoma e isolada, ao levantamento indevido de subsídios até ....
43. Não existe qualquer prova que demonstre a sua participação em qualquer atividade ilícita após essa data.
44. Não há qualquer prova de que o AA tivesse conhecimento da existência de tal estrutura ou da sua alegada permanência ao longo dos anos.
45. O simples facto de ter praticado atos isolados até ... não permite concluir, sem mais, que tenha aderido a uma organização criminosa com intenção de a manter ativa.
46. A acusação não traduz a imputação de qualquer factualidade concreta relacionada com factos constitutivos do crime de associação criminosa, mas sim referências meramente abstractas, conclusivas e vagas e, como se sustenta, deve ter-se por não escritas.
47. Assim, não pode ser o arguido AA acusado nos termos do n.º 3 do artigo 299 do Código Penal.
II. DA ACUSAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE BURLA QUALIFICADA
48. A acusação imputa ao arguído a pratica de um crime de burla qualificada.
49. De facto, o arguido procedeu ao levantamento indevido do subsídio social de mobilidade conforme descrito no artigo 46º da acusação.
50. O Arguido tinha apenas 18 anos quando realizou o primeiro levantamento indevido e 20 anos quando realizou o último.
51. O arguido era e é um jovem totalmente inserido na sociedade, sem antecedentes criminais, e que se preparava para vir residir em Lisboa.
52. Sem plena consciência da ilicitude dos atos que praticava, acabou por os encarar como uma forma de obter dinheiro que facilitaria a sua mudança para Lisboa.
53. Porém, importa referir que o valor total dos levantamentos indevidos ascende apenas a 5.203,79 euros, pelo que não se encontra preenchida a previsão do crime de burla qualificada prevista e punida na alínea a) do n.º 2 do artigo 218.º do Código Penal.
54. Mais se acrescenta que o arguido não fazia disto o seu modo de vida, não se dedicava sistematicamente a este tipo de conduta, nem obteve qualquer enriquecimento significativo, além do que a acusação sustenta.
55. A acusação refere no seu artigo 226.º que os arguidos retiravam, pelo menos, a maior parte dos seus rendimentos dessa actividade, que se manteve até meados de ....
56. No caso do AA, tal afirmação não corresponde de todo à realidade, pelo que, importa determinar com rigor, máximo, a sua participação no arrazoado que a acusação deduzida define.
57. O Arguido quando veio residir para Lisboa, tinha um trabalho remunerado que manteve, como será atestado através dos atos de instrução requeridos.
DA ACUSAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS
58. A acusação indica no artigo 18.º que os arguidos angariados pelo arguido EE, designadamente, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR, cederam os seus elementos de identificação, os quais teriam sido remetidos para os Arguidos GG e AA, que os usaram para falsificar a documentação necessária ao levantamento do subsídio social de mobilidade.
59. No entanto, não foi produzida qualquer prova que demonstre que o arguido AA tenha falsificado qualquer documento referente a esses e a quaisquer outros indivíduos.
60. Mais uma vez, a acusação limita-se a fazer uma imputação genérica e infundada, sem apresentar qualquer elemento concreto que demonstre a participação do Arguido na falsificação de documentos de terceiros.
61. O AA confessa que procedeu ao levantamento indevido do subsídio social de mobilidade, sendo esse o único contexto em que manipulou documentos, sem nunca os alterar, de todo.
62. Porém, o crime de falsificação é um acto preparatório e executório do crime de burla.
63. Assim, o acto de falsificar documentos para que desta forma uma terceira pessoa acredite na veracidade dos mesmos, consubstancia o conceito de astúcia em provocar engano sobre factos, elemento essencial e típico do crime de burla previsto no artigo 217.º do Código Penal.
64. Portanto, acusar o arguido da prática do crime de burla e do crime de falsificação de documentos será, puni-lo duplamente pela mesma actuação, violando-se assim o princípio non bis in indem.
65. Assim, deve ser proferido despacho de não pronúncia quanto à prática do crime de falsificação de documentos.
III. DA ACUSAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE FALSIDADE INFORMÁTICA
66. O arguido vem acusado da prática do crime de falsidade informática, p.p. no artigo 3.º da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro).
67. No entanto, a acusação não explicita de que forma a conduta do arguido se enquadra nos elementos típicos desse crime.
68. A norma em questão pune quem "com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem”.
69. Contudo, a acusação não demonstra que o arguido tenha manipulado qualquer sistema informático ou alterado dados de forma ilícita e não lhe são imputados fatos concretos que levem a imputação pretendida.
70. Mais uma vez, inexistem factos concretos que sustentem a prática deste crime.
TERMOS EM QUE
deverá ser ordenada a abertura de instrução e praticados os atos de instrução requeridos, deve ser ser proferido despacho de não pronúncia por não se verificarem os pressupostos subsumíveis à prática do crime de associação criminosa p.p. pelo artigo 299.º, n.º 1, 2 do Código Penal, do crime de burla qualificada p.p. pelo artigo 218.º n.º 1 e n.º 2 al. a) e b) do Código Penal, do crime de falsificação de documentos, p.p. pelo artigo 256.º n.º 1, als. a), b), d), e) e f) do Código Penal e do crime de falsidade informática, p.p. pelo artigo 3.º n.º 1 e 3, da Lei do Cibercrime.
Atos de Instrução Requeridos:
Devem ser ouvidos em sede de instrução para atestar que, ao contrário do que a acusação sustenta, o arguido AA quando se mudou para Lisboa, vindo da ..., tinha um trabalho estável e remunerado, as seguintes testemunhas:
1. SS, ...;
2. TT, ...;
3. UU, ....”
iii.3. Decisão Instrutória
Em 12.05.2025 foi proferida decisão instrutória, com o seguinte teor (transcrição parcial):
“[…]
5. Nos requerimentos de abertura de instrução foram invocadas a excepção da incompetência territorial, a nulidade da acusação, que há concurso aparente entre o crime de falsidade informática e crime de falsificação de documento e entre crime de burla e crime de falsificação de documento e que a acusação não tem o elemento subjectivo do crime de falsidade informática.
a) excepção da incompetência territorial
Esta excepção já foi apreciada e decidida por despacho de 08.04.2025 pelo que o Tribunal não a vai apreciar de novo.
*
b) a nulidade da acusação
O arguido DD e o arguido FF alegam que a acusação é nula porque é vaga quanto a cada um dos arguidos.
O artigo 283º, nº3 do Código de Processo Penal tem a indicação dos elementos que têm de constar da acusação, sob pena de nulidade, entre os quais se incluiu, na alínea b): “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua pratica, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.
Esta exigência de indicação tão completa quanto possível na acusação dos factos imputados ao arguido destina-se a assegurar a fixação perante o tribunal do objecto da causa, delimitando a sua actividade cognitiva e decisória e possibilita, por outro lado, o conhecimento pelo arguido da actividade criminosa que lhe é atribuída, para que dessa imputação se possa defender da forma que tiver por conveniente.
Nos autos, a acusação deduzida pelo Ministério Público contém todos os elementos exigidos pelo artigo 283º, nº3 do Código de Processo Penal nomeadamente, a narração dos factos, os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crime, a identificação dos autores, a identificação dos crimes imputados aos arguidos bem como os respectivos preceitos legais e os elementos de prova.
Pelo exposto, improcede a alegada nulidade da acusação.
[…]
III – A FASE DE INSTRUÇÃO
1 - O artigo 286º, nº1 do Código de Processo Penal preceitua que a instrução visa a comprovação judicial da decisão final proferida em sede de inquérito (acusação ou arquivamento) em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
O processo penal tem estrutura acusatória (artigo 32º, nº5 da Constituição da República Portuguesa) pelo que não é incumbência do Juiz de Instrução Criminal empreender nesta fase processual atos que sejam de investigação, nem repetir diligências que são responsabilidade do Ministério Público, o qual, por força da lei, é o titular da fase processual de inquérito.
O artigo 308º, nº1 do Código de Processo Penal prevê que se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, caso contrário, profere despacho de não pronuncia.
O juiz de instrução está substancial e formalmente limitado aos factos pelos quais tenha sido anteriormente deduzida acusação (pública e/ou particular) nos autos ou que tenham sido descritos no requerimento de abertura de instrução uma vez que a lei comina, no artigo 309º do Código de Processo Penal, com a sanção de nulidade, a decisão instrutória, na parte em que pronuncie o arguido por factos que constituam uma alteração substancial relativamente àqueles.
O artigo 283º, nº2 do Código de Processo Penal que é aplicável à instrução por via do artigo 308º, nº2 do mesmo diploma legal dispõe que: “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Nesta fase processual de instrução tem-se em vista a formulação de um juízo seguro acerca da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, juízo esse que será de pronúncia ou de não pronúncia, consoante se conclua, respectivamente, pela existência da suficiência ou insuficiência de indícios da pratica de factos subsumíveis a um ou mais tipos de ilícito criminal.
Não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e tão só, indícios, sinais, da prática de um crime por determinada pessoa que justifiquem a decisão da prossecução do processo até à fase de julgamento.
Quer para a acusação quer para a pronuncia, a lei não exige a prova, no sentido de certeza da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime donde se pode formar a convicção de que existe a probabilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.
O juízo de pronuncia não se consubstancia na certeza judiciária da verificação dos factos, com a consequente condenação de determinado agente, mas antes num juízo de prognose de que tal condenação virá, muito provavelmente, a ocorrer após a realização de julgamento.
Embora não se exija a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento a decisão de pronuncia também não se pode bastar com um mero juízo subjectivo.
De facto, a mesma tem de se fundar num juízo objectivo fundamentado nas provas dos autos pelo que da apreciação crítica das provas recolhidas há-de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos constantes da acusação ou da pronúncia.
Como refere Figueiredo Dias in “Direito Processual Penal”, I, 1974, pág. 133, a suficiência dos indícios que legitima a submissão de alguém a julgamento só ocorrerá quando “seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”.
A este respeito refere também Germano Marques da Silva in “Do processo Preliminar”, pág. 347 e 348, “o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido”.
Tal juízo de prognose à existência de uma condenação terá sempre de integrar o núcleo irredutível da decisão instrutória, sem o qual, a submissão de determinada pessoa a julgamento seria atentatória da sua dignidade (artigo 27º da Constituição da República Portuguesa) dado que tal submissão não é um ato inócuo na esfera jurídica do sujeito processual visado.
Refira-se, ainda, que o juízo que estribe a decisão de não pronuncia, pode ter na sua génese, para além da suprarreferida insuficiência de indícios que sustentem a pratica de determinado tipo de ilícito criminal, fundamentos de ordem adjetiva ou processual que obstem à prossecução dos autos para a fase de julgamento, v.g. a inadmissibilidade legal do procedimento criminal, verificação de vício processual, com a virtualidade de obstar ao conhecimento do mérito da acção penal e ao que nos interessa a apreciação de razões que contendam com a verificação/comprovação judicial típica desta fase processual.
*
2 – BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NATUREZA JURIDICA DOS CRIMES EM APREÇO
Os arguidos estão acusados da prática de crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 299.º, n.º 1, 2, 3 e 5 do Código Penal, crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, nº 1 e n.º 2, al. a) e b), ambos do Código Penal, por referência ao artigo 202.º, alíneas a) e b do mesmo diploma, crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, als. a), b), d), e) e f), do Código Penal, com referência ao artigo 255.º, al. a), ambos do mesmo diploma legal, crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e 3 da Lei do Cibercrime (Lei nº 109/2009, de 15 de janeiro), por referência ao artigo 2.º, alíneas a) e b), do mesmo diploma legal e crime de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo artigo 368.º - A, nº1 e nº 1, al. c), e d), nº 2, nº 3, nº 4, nº 8 do Cód. Penal.
[…]
Da relação de concurso aparente entre o crime de falsidade informática, crime de falsificação de documento e crime de burla
O artigo 30º do Código Penal dispõe que:
1 – O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2 – Constituiu um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
3 – O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.”.
O Direito Penal distingue o concurso de normas e o concurso de crimes.
O concurso de crimes pode ser real ou ideal, heterogéneo ou homogéneo.
O concurso de normas pode ter a forma de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
O Código Penal Português assenta nas seguintes opções fundamentais de política-criminal no tocante ao regime da pluralidade de infracções:
a) a lei não regula o concurso de normas, nem estabelece as suas formas expressamente;
b) a lei equipara o concurso ideal e real de crimes;
c) a lei equipara o concurso homogéneo e heterogéneo de crimes;
d) a lei consagra o crime continuado como uma excepção ao concurso de crimes;
e) a lei distingue o concurso de crimes em relação à reincidência tendo aquele por referencia a pratica de vários crimes antes do transito em julgado da condenação.
O concurso de normas (também designado por concurso aparente ou concurso legal de crimes) consiste na subsunção formal dos factos a uma pluridade de tipos criminais, sendo a aplicação de um desses tipos incriminadores suficiente para punir o facto.
O Código Penal não regula o concurso de normas, mas apenas o concurso de crimes como resulta da expressão “de tipos de crimes efectivamente cometidos”.
As formas do concurso de normas são a especialidade, a subsidiariedade e a consunção.
A relação de especialidade verifica-se quando duas normas se encontram numa relação de género e espécie, ou seja, quando duas normas têm os mesmos elementos típicos, mas uma delas apresenta ainda outros elementos distintivos que a particularizam.
A relação de especialidade existe nos seguintes casos:
1) na relação entre o tipo fundamento e os tipos qualificado, agravado ou privilegiado;
2) na relação entre o tipo simples e o tipo complexo (como no caso do roubo, que se compõe de furto e de coacção);
3) na relação entre o crime fundamento e o crime especifico improprio correspondente (como no caso do furto e do peculato) e 4) na relação entre o tipo penal da lei penal especial e o tipo penal do Código Penal correspondente (como no caso da corrupção e da corrupção desportiva).
A consequência da especialidade é a de que a norma especial (norma dominante) pretere a norma geral (norma dominada).
A relação de subsidiariedade verifica-se quando duas normas se encontram numa relação de grau, representando a norma dominada uma forma menos grave de violação do bem jurídico e a norma dominante uma forma mais grave de violação do mesmo bem jurídico.
A consequência da subsidiariedade é a de que a norma (dominada) só é aplicada se a pena mais grave não couber ao facto por força de outra norma (dominante).
A relação de consunção verifica-se quando as normas se encontram numa relação de inclusão material, ou seja, quando o conteúdo de um facto ilícito típico inclui normalmente o do outro facto ilícito típico e a punição do primeiro esgota o desvalor do todo o acontecimento.
Os casos de consunção são os seguintes:
1) facto concomitante não punido, por exemplo, por se tratar de crime instrumental para a realização de um crime-fim como na ofensa corporal da mulher grávida vítima de aborto não consentido ou no dano causado na roupa da vítima do homicídio ou
2) facto posterior não punido como por exemplo, o dano de coisa furtada.
A consunção é pura quando o crime mais grave consome um facto concomitante/posterior menos grave mas a consunção é impura quando o facto concomitante/posterior é mais grave, razão pela qual os crimes em concurso são punidos com a moldura do facto concomitante/posterior.
Há uma relação de consunção (concurso aparente) entre os crimes de condução perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º) e de condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292º).
A consequência da consunção é a de que a norma consumptiva (norma dominante) pretere a norma consumida (norma dominada) pelo que pune-se pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
Em relação ao crime de burla qualificada (artigos 217º e 218º, nº 2, al. a), ambos do Código Penal) e crime de falsificação de documento (artigo 256º, nº 1, als. a), b), d), e) e f) do Código Penal), nos termos atrás analisados, importa agora saber se tais crimes são punidos (ou não) em concurso real (conforme consta da acusação).
Nesta matéria, importa chamar à colação a jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ (Fixação de Jurisprudência), de 05/06/2013 (relator: Santos Cabral; in DR, I Série, de 10/07/2013, pags. 4015 e ss.), segundo a qual: “A alteração introduzida pela Lei 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256º do Código Penal, estabelecendo um elemento subjectivo especial, não afecta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes”.
Concluindo, os arguidos praticaram, em co-autoria, na forma consumada e em concurso real ou efectivo, um crime de burla qualificada (artigos 217º e 218º, nº 1 e nº 2, als. a) e b), ambos do Código Penal) e um crime de falsificação de documento (artigo 256º, nº 1, als. a), b), d), e) e f) do Código Penal) e um crime de falsificação informática, previsto e punido pelo artigo 3º, nº1 e nº3 da Lei nº 109/2009, de 15 de janeiro.
Pelo exposto, improcede o alegado pelos arguidos quanto ao concurso entre crimes existindo entre os crimes referidos um concurso real ou efetivo e não um concurso aparente.
[…]
IV – OBJECTO DA PRESENTE INSTRUÇÃO
Delineadas as directrizes que de acordo com a lei emolduram esta fase processual importa, neste momento, apreciar as concretas questões suscitadas pelo arguido no seu requerimento de abertura de instrução sendo o objeto do processo nesta fase é delimitado pela acusação deduzida pelo Ministério Público e pelo referido requerimento.
Ademais importa apreciar os indícios recolhidos nos autos quer em fase de inquérito quer em fase de instrução para comprovação típica desta fase em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
A acusação discrimina os elementos probatórios extensos em que se sustenta e que se traduzem em prova de distinta natureza, mormente, testemunhal e documental como resulta do segmento de prova de tal despacho.
Cumpre, desde logo, afirmar que o manancial de prova trazida aos autos na fase de inquérito permite considerar suficientemente indiciados os factos vertidos na acusação pública, sendo certo que tal indiciação não foi sequer abalada ou fragilizada pela realização da fase de instrução.
Para tal conclusão concorrem, desde logo, os meios de prova indicados na acusação, designadamente as testemunhas, pericial e documental cujo teor confere credibilidade aos factos vertidos na acusação pública, em conjugação com as regras da experiência e da normalidade social.
E, tanto basta, na nossa perspectiva, para que se possa considerar que os factos vertidos na acusação quanto aos crimes imputados aos arguidos encontrem suporte probatório que os permite considerar suficientemente indiciados, sendo que em sede de instrução não foi produzida prova que infirmasse ou de alguma forma enfraquecesse a acusação.
Da apreciação global de todos os elementos probatórios carreados para os autos, concretamente os elencados no despacho de acusação, resulta encontrar-se fortemente indiciado nos autos a actuação dos arguidos com descrição precisa e o competente enquadramento jurídico improcedendo a alegação de a acusação ser vaga como alega o arguido DD no requerimento de abertura de instrução.
A acusação descrevendo de forma clara e precisa a actuação dos arguidos é clara também no enquadramento jurídico pelo que é improcedente o alegado pelo arguido FF no requerimento de abertura de instrução que não compreende a acusação nem os crimes contra si imputados claramente identificados no despacho de acusação.
O alegado pelos arguidos não contraria os indícios recolhidos de natureza documental e testemunhal e que numa análise ponderada e crítica sustentam suficientemente a narração contida no libelo acusatório e a sua imputação aos arguidos requerentes desta fase processual.
As declarações do arguido EE vieram dar credibilidade à factualidade descrita na acusação ao descrever a sua actuação após contacto do arguido GG que lhe falou do negócio que lhe iria “trazer benefícios da sua situação económica” como disse o arguido descrevendo a sua actuação para levantar as quantias e com quanto ficou para si dizendo que era o GG e AA que faziam as folhas e que ajudou a Polícia Judiciária não falando em nomes com medo do GG mas que há sete meses que trabalha no Estabelecimento Prisional e que “nunca trabalhei tanto na minha vida”.
Aqui chegados importa salientar que tal como já anteriormente mencionado, quer para a acusação quer para a pronuncia, a lei não exige a prova, no sentido da certeza da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe a probabilidade razoável de que foram cometidos os crimes pelos arguidos.
Assim, o juízo de pronuncia não se consubstancia na certeza judiciária da verificação dos factos, com a consequente condenação de determinado agente, mas antes num juízo de prognose favorável de que tal condenação virá, muito provavelmente, a ocorrer após a realização de julgamento.
À luz dos elementos de prova indiciária recolhidos e pelos motivos sobreditos, o Tribunal formou a sua convicção no sentido de que é mais provável que os arguidos requerentes da fase de instrução tenham cometido os factos que lhes são imputados na acusação pública havendo, à luz desses mesmos elementos, uma probabilidade qualificada destes virem a ser condenados pelos factos que lhes são imputados.
Entende-se com base na análise conjugada e de acordo com as regras legais que se impõem ao juiz dos elementos probatórios carreados aos autos se encontram indiciariamente reunidos todos os pressupostos da responsabilidade jurídico-penal que, num juízo de prognose favorável levarão à aplicação de uma pena aos arguidos requerentes da instrução pelo que é de concluir pela prolação de despacho em conformidade.
De notar, finalmente, que a presente decisão instrutória se refere não apenas aos arguidos que requerem a abertura da instrução, mas igualmente aos outros co-arguidos que não requereram a abertura da instrução, por força e nos termos do disposto no artigo 307º, nº 4 do Código de Processo Penal.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, decido pronunciar, pelas razões de facto e de direito constantes na acusação pública para cujo teor se remete e se dá por integralmente reproduzida (cfr. artigos 307º, nº1 e 308º, nº2, ambos do Código de Processo Penal) em processo comum para julgamento perante Tribunal colectivo os arguidos EE, VV, KK, WW, RR, XX, YY, AA, MM, ZZ, II, AAA, BBB, CCC, DDD, FF, EEE, FFF, GGG, JJ, NN, HHH, III, OO, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, QQ, RRR, SSS, DD, ..., TTT, UUU, VVV, WWW e XXX por estar suficientemente indiciada a prática dos crimes aí mencionados.”
*
IV. Fundamentação
iv.1. da alegada falta de fundamentação da decisão
Vem o recorrente invocar a existência de violação do artigo 97º, nº 5 do Código de Processo Penal, por entender existir contradição no despacho recorrido, ao considerar, por um lado, que o arguido manifestou a sua discordância quanto à acusação, com base na alegada ausência de pressupostos legais e de indícios suficientes da prática dos crimes, e, ainda assim, acabar por rejeitar o requerimento com fundamento em inadmissibilidade legal, por não servir as finalidades da instrução.
Com base em tais premissas, entende o recorrente que o despacho recorrido é ininteligível e por isso nulo, por falta de fundamentação válida.
Além disso, diz, a fundamentação usada é igual à utilizada na rejeição dos requerimentos de outros arguidos, o que, em seu entender, revela total ausência de apreciação individualizada, redundando, mais uma vez, em ausência de fundamentação.
Vejamos.
A necessidade de fundamentação das decisões mostra-se constitucionalmente consagrada no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, estando processualmente plasmada no artigo 97º, nº 5 do Código de Processo Penal. No entanto, como decorre do disposto no artigo 118º do Código de Processo Penal, não estando expressamente cominada a nulidade de tal eventual omissão de fundamentação, a mesma apenas poderia configurar-se como irregularidade.
Tal irregularidade carecia de ter sido arguida nos três dias posteriores à notificação do despacho em causa, como decorre do disposto no artigo 123º, nº 1 do Código de Processo Penal, o que não sucedeu, pelo que deve considerar-se sanada, mostrando-se extemporânea a sua invocação em sede de recurso.
Em todo o caso, sempre se dirá que o despacho recorrido expõe, de forma adequada, o regime legal aplicável ao requerimento de abertura de instrução – com expressa menção das disposições legais aplicáveis, v.g. os artigos 286º e 287º do Código de Processo Penal – e esclarece por que razões considerou não cumprir o requerimento do arguido tais requisitos, sendo certo que a discordância do recorrente quanto ao seu sentido não tem o mérito de gerar a nulidade do despacho.
A circunstância de o arguido considerar insubsistente a fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo não tem o efeito de torná-la inexistente: o Tribunal pode ter errado na decisão, mas isso não significa que não tenha indicado as razões em que assentou a mesma.
Improcede, pois, o recurso neste segmento.
*
iv.2. da (in)admissibilidade legal da instrução
Como acima se referiu, a questão central a decidir no recurso interposto prende-se com a interpretação das exigências contidas no artigo 287º, nº 2 do Código de Processo Penal, relativamente ao conteúdo do requerimento de abertura da instrução e, por consequência, com a possibilidade de rejeição da mesma por inadmissibilidade legal, prevista no nº 3 do mesmo preceito.
A instrução, nos termos em que a lei vigente a regula, tem natureza judicial e não de atividade investigatória, destinando-se à comprovação judicial da decisão tomada pelo Ministério Público de deduzir, ou não, acusação (cf. artigo 286º, nº 1 do Código de Processo Penal) e não a constituir um complemento da investigação prévia à fase de julgamento, como já aconteceu no passado – vd. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.10.20101 - daí que o artigo 309º, nº 1 do Código de Processo Penal, disponha que a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução. A estrita vinculação temática do tribunal aos factos alegados, enquanto limitação da atividade instrutória, relaciona-se, assim, com a natureza judicial desta fase processual, sendo uma consequência do princípio da estrutura acusatória do processo penal e constituindo uma garantia de defesa consagrada no artigo 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.
A instrução, sendo jurisdicionalizada no sentido orgânico, uma vez que é da competência de um juiz, é também materialmente jurisdicional. Nas palavras de Pedro Soares de Albergaria2, “com ela não se visa o escrutínio de toda a atuação do MP ao longo do inquérito, mas apenas da decisão que o magistrado respetivo (ou o assistente, no caso de acusação particular) prolatar no final dele em ordem a submeter (acusação) ou não (arquivamento) o feito a juízo. (…) Em todo o caso, a sindicância da atuação do MP só é levada a efeito de modo mediato, indireto, na medida em que se projete na decisão (de acusação – do MP ou do assistente; ou de arquivamento – do MP) que puser termo ao inquérito: esta, a decisão, é que é o objeto imediato de apreciação e só dentro destes limites se mostra legítimo o controlo respetivo, em homenagem à autonomia constitucionalmente reconhecida à magistratura do MP (art. 219.º/2 CRP) e à estrutura acusatória do processo penal pátrio (art. 32.º/5 CRP).”3
Na perspetiva das garantias de defesa, a abertura da instrução corresponde, assim, ao exercício de uma faculdade, tendente a obter uma averiguação jurisdicional sobre a existência de indícios suficientes para promover o julgamento (indícios de que resulte uma possibilidade razoável de ao arguido ser aplicada pena ou medida de segurança), que fundamentam o despacho de acusação, nos termos do artigo 283º, nos 1 e 2, do Código de Processo Penal).
A atribuição da referida faculdade processual ao arguido pressupõe, por seu turno, que se tutela um interesse em não se ser submetido a julgamento4.
Não obstante, o Tribunal Constitucional tem repetidamente5 sustentado que “a Constituição não estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação da existência de razões que indiciem a sua presumível condenação. O que a Constituição determina no nº 2 do artigo 32º é que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação», pelo que o simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome e reputação.”
A instrução configura-se, pois, como uma fase processual facultativa e tematicamente vinculada, sendo que, quando requerida pelo arguido, tem necessariamente como objeto a acusação contra o mesmo deduzida.
Por outro lado, não pode olvidar-se que, no quadro do nosso processo penal, ao arguido é dada a possibilidade de intervir ativamente no inquérito, sendo certo que, mesmo que tenha sido aplicado o regime do segredo de justiça, em regra o Ministério Público não poderá deduzir acusação, sob pena de nulidade6, sem antes dar oportunidade de defesa ao arguido7, uma vez que “correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la” (cf. artigo 272º, nº 1 do Código de Processo Penal). E nessa inquirição, antes de prestar declarações, o arguido deve ser informado dos factos que lhe são imputados (cf. artigo 61º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal). Tal significa que, mesmo antes de ter sido deduzida acusação, o arguido, em regra, já teve oportunidade de se inteirar dos factos em causa e de apresentar a defesa que entender conveniente.
“Num regime com estas características, como agora é o nosso, tem o arguido oportunidade para logo na fase preliminar especificamente destinada à investigação exercer uma defesa informada ou, pelo menos, minimamente informada mesmo quando o inquérito corra em segredo8. Nessas condições será de considerar esbatida a necessidade de o arguido esperar pelo controlo judicial da acusação para aí exercer a defesa através da produção de nova prova. Do mesmo passo, sai reforçada a ideia de que a comprovação judicial deverá efetuar-se não tanto através da realização de novas diligências probatórias, mas sobretudo através de uma discussão acerca do material probatório que acusação e defesa carrearam para os autos.”9
Chegamos, assim, à questão de saber quais as características de que deve revestir-se o requerimento de abertura da instrução para que esta possa ter lugar e cumprir as finalidades que lhe são legalmente atribuídas, não podendo perder-se de vista que a mesma não deve corresponder a uma antecipação do julgamento.
Determina o artigo 287º, nº 2 do Código de Processo Penal que: “O requerimento [para a abertura da instrução] não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar.”.
“A possibilidade de o arguido requerer a abertura de instrução configura um direito de defesa do mesmo sustentado na CRP (art. 32.º) em termos de poder sujeitar a comprovação por um terceiro imparcial (o JI) a acusação que contra ele foi deduzida. A mais de ter por pressuposto essencial a dedução de uma acusação (do MP ou do assistente) e de por força dirigir-se ao escrutínio dela, a faculdade de o arguido requerer a abertura da instrução está expressamente limitada à hipótese de, pela procedência da pretensão, o feito não vir a ser introduzido em juízo (art. 286.º) – do que decorre que o requerimento de instrução que não seja autossuficiente neste desiderato não será admissível. Assente isto, já se nos afigura indiferente que a mesma se sustente numa distinta perspetiva sobre a matéria de facto ou sobre a questão de direito, sem que outra conclusão se possa extrair, quanto a este último aspeto, de argumento literal tirado da alínea a) do nº 1, ao referir-se apenas a “factos”, ou ao uso da copulativa “e” na expressão “razões de facto e de direito” constante do nº 2: qualquer questão jurídica é-o sempre por referência a determinados factos constantes do libelo, ainda que o arguido não queira nesse momento questioná-los.”10
Aceitando-se que a disposição em causa não pode valer apenas na parte em que prevê que o requerimento não se encontra sujeito a formalidades especiais, tem de se atribuir significado consequente à exigência de que contenha as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação. Ou seja, o requerimento de abertura da instrução tem que apresentar os argumentos que o requerente repute pertinentes à demonstração de que a acusação é infundada, obstando por essa via à sua submissão a julgamento.
Mais uma vez, com Pedro Soares Albergaria11, “sempre que o requerente, seja ele assistente ou arguido, não descreva, por súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação, ou não precise os factos que pretenda provar com os meios de prova que indique, em termos tais que impede o tribunal de proceder ao escrutínio da decisão prolatada no final do inquérito com vista à introdução, ou não, do feito em juízo, que é o fim a que se dirige a instrução (art. 286.º/1), escrutínio aquele que, não se olvide, é sempre “em alguma medida vinculado” (cf. art. 288.º/4), então, dizíamos, a decisão terá de ser a de rejeição do requerimento para abertura da instrução, por inadmissibilidade legal dela (art. 287.º/3). E isto sem que a inexistência de prévio convite a aperfeiçoamento possa ser tida como desproporcional ou violadora do disposto nos arts. 32.º/1/4 CRP.”12
Acresce que a estrutura acusatória do processo exige que a intervenção do juiz não seja oficiosa e, além disso, que tenha de ser delimitada pelos termos da comprovação que se lhe requer sobre a decisão de acusar ou, se não tiver sido deduzida acusação, sobre a justificação e a justeza da decisão de arquivamento.
“A inadmissibilidade legal da instrução nem sempre resulta direta e obviamente de norma expressa (cf. art. 286º/3), mas mais frequentemente até da consideração do desenho e lugar da fase de instrução na estrutura (acusatória) jurídico-constitucionalmente sancionada do processo penal português – é dizer, não raro a inadmissibilidade legal da instrução resulta não propriamente de uma norma-regra (ainda o art. 286º/3), mas da correta compreensão e otimização dos princípios que caraterizam o processo penal pátrio, sendo o caso, nomeadamente, quando os termos do requerimento do arguido se mostrem, em si mesmos, insuficientes para obstarem à introdução do feito em juízo.”13
Ora, em face de tudo quanto fica exposto, e detidamente analisado o RAI apresentado pelo arguido AA, em confronto com os demais requerimentos apresentados por outros coarguidos, o que pode afirmar-se é que, na verdade, são idênticos os argumentos e pretensões por eles formulados, designadamente, por referência ao RAI apresentado pelo arguido EE, relativamente ao qual foi admitida a abertura da instrução.
Com efeito, em ambos os requerimentos (e, em rigor, nos demais), o que se observa é que os arguidos sustentam a inexistência de prova indiciária que permita imputar-lhes os crimes constantes da acusação, v.g., no que se refere ao crime de associação criminosa, rejeitando a existência de concertação organizada entre todos os arguidos, esgrimem argumentos no sentido de que os crimes de falsificação (e falsidade informática) devem considerar-se contidos nos crimes de burla (por constituírem o modo do respetivo cometimento), e ambos aceitam a prática de alguns factos, pretendendo obter na fase instrutória uma redução da imputação criminal (especificamente no que se refere aos crimes de burla – pelos quais ambos admitem vir a ser pronunciados, já que nenhum deles recusa ter procedido a levantamentos de valores a que não tinham direito).
Assim, admitida que foi a abertura da instrução relativamente a alguns dos arguidos, não havia razão para recusá-la relativamente ao recorrente, cujo RAI se mostra muito semelhante aos dos demais, pugnando, tal como sucede, v.g., com o RAI do arguido EE, por uma diversa conformação do objeto do processo, seja no que tange aos factos imputados (para os quais afirmam inexistir suporte indiciário, além de se encontrarem os mesmos descritos em termos genéricos), seja no que se reporta ao respetivo enquadramento jurídico (esgrimindo, todos, argumentos no sentido da existência de concurso de normas, e não concurso de crimes, relativamente aos crimes de burla qualificada, falsificação de documentos e falsidade informática).
Em coerência com o raciocínio seguido no despacho recorrido, do RAI do recorrente não se acham mais ausentes as razões de facto e de direito que sustentam a sua discordância relativamente à decisão de acusar por parte do Ministério Público, do que dos requerimentos dos coarguidos DD, EE e FF.
Nestes termos, é de concluir que não existia fundamento para rejeitar a abertura da instrução nos termos em que foi requerida pelo arguido AA.
Não obstante, o que se observa nos autos, v.g. em face da decisão instrutória proferida em 12.05.2025, é que todas as questões suscitadas no RAI do recorrente foram já apreciadas pelo Tribunal recorrido – o qual pronunciou todos os arguidos nos exatos termos constantes da acusação15, recusando, designadamente, que a acusação não contivesse todos os elementos exigidos pelo artigo 283º, nº 3 do Código de Processo Penal, que a prova indiciária recolhida no inquérito fosse insuficiente para sustentar a imputação ali operada, ou que o correto enquadramento jurídico dos factos impusesse a existência de consunção entre os crimes de burla (qualificada), falsificação de documento e/ou falsidade informática.
Deve notar-se, ainda, que na decisão instrutória se mencionou expressamente que, em conformidade com a previsão do artigo 307º, nº 4 do Código de Processo Penal, a mesma respeita “não apenas aos arguidos que [requereram] a abertura da instrução, mas igualmente aos outros coarguidos que não requereram a abertura da instrução” (e, por maioria de razão, também aos que a requereram e que viram o respetivo requerimento rejeitado, pois só assim poderá considerar-se cumprido o comando constante do preceito citado).
Assim, apesar de, formalmente, não ter sido admitida a abertura da instrução requerida pelo arguido AA, a verdade é que a instrução se realizou16 e nela foram examinadas todas as questões suscitadas no RAI deste arguido – posto que coincidente com os demais e ressalvado que, como expressamente se menciona no despacho de pronúncia, o exame a que se procedeu abrangeu toda a prova recolhida no inquérito e todos os arguidos acusados.
Inexiste, por isso, qualquer utilidade em determinar que se proceda à repetição da fase instrutória – cuja reabertura conduziria, necessariamente, ao resultado já alcançado nos autos.
Como se sabe, não é lícito realizar no processo atos inúteis (cf. artigo 130º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal) – e determinar, neste momento, que o processo regressasse à fase da instrução (quando é certo que o Tribunal a quo já se pronunciou sobre todas as questões suscitadas no RAI17), configura, claramente, uma inutilidade e evidente perda de tempo.
E, por assim ser, mostra-se também inútil a decisão a proferir no presente recurso, devendo a circunstância de ter, entretanto, sido proferido despacho de pronúncia que esgotou as questões contempladas no RAI rejeitado, conduzir à extinção da instância18.
É, pois, de concluir pela inutilidade do recurso.
*
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar inútil o recurso interposto pelo arguido AA, face à decisão instrutória proferida em 12.05.2025, com a consequente extinção da instância recursiva.
Sem tributação nesta instância, por não ter o arguido dado causa à inutilidade.
*
Lisboa, 09 de setembro de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Alda Tomé Casimiro
João Grilo Amaral
____________________________________________
1. No processo nº 11/09.0PKLSB.L1-9, Relatora: Desembargadora Maria do Carmo Ferreira, acessível em www.dgsi.pt.
2. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, Almedina, ..., pág. 1194 - § 2.
3. Neste exato sentido, vd., ainda, Nuno Brandão, “A Nova Face da Instrução”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2 e 3/2008, págs. 227-255 e acessível também em https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/455
4. Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 610/96, de 17.04.1996, Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
5. Pela primeira vez no Acórdão nº 31/87, e reiterado, entre outros, nos Acórdãos nos 474/94, 551/98, 459/00, 79/05 e 242/05.
6. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2006, de 23.11.2005, in Diário da República, I-A, de 02.01.2006, que fixou jurisprudência no sentido de que «A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Penal».
7. Cf. Paulo Dá Mesquita, Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, pág. 105 e ss.
8. Em sentido próximo, Paulo de Sousa Mendes, «Estatuto de arguido e posição processual da vítima» RPCC, 2007, Fasc. n.º 4, pág. 607 e s.
9. Nuno Brandão, loc. cit.
10. Pedro Soares de Albergaria, Comentário…, cit., págs. 1199-1200 - § 5.
11. Comentário…, cit., pág. 1206 - § 19.
12. Neste sentido, vd., ainda, o recente acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.07.2025, no processo nº 133/18.7JAFUN-A.L1-5, Relator: Desembargador Pedro José Esteves de Brito, acessível em www.dgsi.pt.
13. Vd. Pedro Soares de Albergaria, Ob. cit., págs. 1207-1208.
14. E é também o caso dos RAI dos arguidos FF e DD
15. Decisão que é, por isso, irrecorrível, nos termos previstos no artigo 310º, nº 1 do Código de Processo Penal.
16. E, também por isso, sempre seria de considerar insubsistente a nulidade convocada pelo recorrente (cf. artigo 119º, alínea d) do Código de Processo Penal).
17. Com a consequência de não poder afirmar-se que resultem prejudicados os direitos de defesa do recorrente, o qual, além do mais, esteve representado por advogado no debate instrutório (cf. ata de 12.05.2025, com a refª Citius 9357335).
18. Vd., com idêntico alcance, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 16.03.2022, no processo nº 412/20.3TELSB-D.L1-3, relatado pelo Desembargador Alfredo Costa, acessível em www.dgsi.pt., do qual citamos: “A inutilidade superveniente ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância. (…) Não viola qualquer preceito ou princípio da Lei Fundamental o estabelecimento – como pressuposto processual – do interesse em agir como condição para apreciação do mérito do recurso interposto, não traduzindo, seguramente, a violação do direito ao recurso a circunstância do Tribunal da Relação não apreciar o recurso que se torna subsequentemente inútil.