Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8654/20.5T8LSB-A.L1-6
Relator: MARIA TERESA MASCARENHAS GARCIA
Descritores: PARTE REMANESCENTE
TAXA DE JUSTIÇA
CONTA DE CUSTAS
PRECLUSÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, valendo interpartes, não tem efeito vinculativo extra-processual, mas não deixa de ter objectivos orientadores e persuasivos erga omnes (art. 13.º do CC e art. 695.º, n.º 3, do CPC).
II. O requerimento da parte, a pedir a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, nos termos do art. 6.º, n.º 7, do RCP, deve ser feito antes do trânsito em julgado da decisão final do processo ou dentro do prazo para o incidente de reforma da decisão quanto a custas.
III. A preclusão da faculdade de requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça após a notificação da conta de custas encontra a sua razão de ser na própria natureza do processo como sequência ordenada e progressiva de actos tendente a uma decisão final dotada de estabilidade.
IV. Tal entendimento não ofende o princípio da proibição do excesso, uma vez que restringe de forma adequada, necessária e proporcional o direito de acesso aos tribunais, com o fito de promover a racionalidade processual de que depende a capacidade do sistema judicial de dispensar uma tutela efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
“W Lda.” veio propor a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra S SAD, pedindo a condenação da Ré, no pagamento de 1.834.639,88 (um milhão oitocentos e trinta e quatro mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais resultantes do não pagamento das facturas identificadas e juntas à petição inicial acrescida de juros contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
A 11-02-2022 foi proferida sentença, nos autos, que decidiu julgar a acção improcedente, por não provada e, consequentemente, absolveu a Ré do pedido contra ela formulado.
Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Lisboa,  tendo o mesmo sido admitido e, a final, proferido Acórdão que, julgando improcedente a apelação, manteve a decisão recorrida, dispondo o seguinte quanto a custas:
“Custas da ação e do recurso a cargo da apelante (artigo 527º nº 1 e nº 2 do C.P.C.).”
Arguida a nulidade do acórdão com fundamento em pretensa nulidade por omissão de pronuncia, decidiu-se em conferência pela improcedência da referida arguição, tendo no dispositivo ficado a constar que as custas ficariam a cargo da reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Baixados os autos à Primeira Instância, foram os mesmos remetidos à conta e, nessa sequência, elaborada conta e emitida guia em 01-02-2024, da responsabilidade da Autora, no montante de € 79 050,00, com data limite de pagamento a 21-02-2024.
Em 08-02-2024 veio a Autora reclamar da conta de custas, requerendo a sua reformulação, atento o disposto nos arts. 6.º, n.º 7, 11.º e 31.º do Regulamento das Custas Processuais, alegando:
“1. Em relação ao mérito da pretensão da Autora, o valor da ação fixado na P.I. foi de 1.834.639,88 (um milhão oitocentos e trinta e quatro mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e oito cêntimos).
2. O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, estabelece que “Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”.
3. A complexidade da causa é apreciada à luz dos critérios estatuídos no n.º 7 do artigo 530.º do CPC, que prevê que integram o conceito de acções de especial complexidade, as que contenham articulados ou alegações prolixas; digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, ou; impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
4. Na presente ação discutiu-se, apenas e só, o incumprimento, pela Ré, de um contrato de fornecimento de prestação de serviços que celebrou com a Autora, a resolução desse contrato, e a consequente obrigação de ser pago o preço devido pelos serviços prestados, no montante de € 1.834. 639,88 (um milhão oitocentos e trinta e quatro mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), acrescido dos respetivos juros de mora.
5. Conforme consta da douta sentença proferida em Primeira Instância, as questões a decidir foram tão somente a natureza do contrato celebrado entre as partes e obrigação dele decorrentes para as partes; e o incumprimento contratual e as respetivas consequências.
6. A audiência de julgamento foi realizada em 3 dias e compreendeu, a inquirição de apenas, 2 das testemunhas arroladas pela Autora, 5 das testemunhas arroladas pela ré e 1 testemunha comum das partes.
7. Foram ainda prestadas declarações de parte pela Autora.
8. Na fase de recurso, também apenas se discutiu a questão do incumprimento e da resolução do contrato, conforme P.I.
9. Os articulados e as alegações das partes não foram prolixas; a questão não era de grande complexidade jurídica, nem importaram a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; nem implicou a audição de um elevado número de testemunhas, nem a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
10. A audiência de discussão e julgamento realizou-se nos dias 10 de Novembro de 2021, 17 de Novembro de 2021 e 10 de Dezembro de 2021 e a sentença foi proferida no dia 11 de Fevereiro de 2022, cerca de 2 meses depois.
11. As alegações de recurso da Apelante foram apresentadas no dia 18 de Março de 2022, o recurso foi admitido por despacho de 19 de Maio de 2022, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi elaborado em 21 de Dezembro de 2022 e notificado no dia subsequente, i.e., 22 desse mesmo mês.
12. A própria tramitação dos autos foi, diga-se, relativamente rápida, pois, iniciou-se com a apresentação da P.I. em 7 de Abril de 2020, e terminou com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação no dia 21 de Dezembro de 2022, ou seja, cerca de 2 anos e meio depois.
13. A taxa de justiça é um montante pecuniário aplicável como contrapartida exigida pela prestação concreta de serviços de justiça a cargo dos tribunais, no exercício jurisdicional.
14. A possibilidade de dispensa do remanescente da taxa de justiça foi consagrada pela Lei para acautelar o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, que tem assento no artigo 20.º da CRP, e que decorre dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP.
15. O legislador procurou acautelar situações injustas, em que a determinação da taxa de justiça, calculada apenas em função do valor da acção, se traduzisse num valor exorbitante, manifestamente exagerado, sem correspondência e proporcionalidade face ao serviço de administração da justiça prestado.
16. É cristalino que o montante da taxa de justiça a final, de € 79.050,00 é manifestamente desproporcional em função do serviço prestado, pelo que, em termos de juízo de proporcionalidade, razoabilidade e adequação, face à tramitação processada, ao comportamento processual das partes, aos valores da acção, das taxas de justiça já pagas (no montante de € 4.896,00), e ao valor do remanescente da taxa de justiça, mostra-se materialmente justificado o exercício de conformação casuística das custas, dispensando-se o pagamento da taxa de justiça na parte excedente ao valor tributário de € 275.000,00, o que se requer.
17. Por último, importa apenas ainda salientar que terá de se considerar que, quando a desproporção do valor das custas é grosseiramente atentatória do princípio da proporcionalidade, deve a pretensão de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça admitir-se em sede de reclamação da conta de custas, por interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa (cfr. Artigos 2.º e 20.º).
18. Neste sentido, a título de exemplo, refere-se que decidiram o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 29.04.2014, no processo n.º 2045/09.6T2AVR-B.C2, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 28.04.2016, no processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1-2 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 12.07.2018, no processo n.º 1973/16.7T8STR.E2.”
Termina requerendo:
a) A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 6º., nº. 7 e 14.º, nº. 9 do RCP, ordenando-se a reforma da conta de custas em conformidade.
b) A suspensão a obrigação de pagamento do remanescente até ser proferida decisão sobre a presente reclamação.
A 11-04-2024 foi lavrado Termo de Informação nos autos (art. 31.º, n.º 4, do RCP) com o seguinte teor: “Em 11-04-2024, e em referência ao requerimento apresentado pela Autora, salvo melhor opinião refere-se o mesmo ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça aplicada de acordo com o disposto no nº7 do artº6 e nº9 do Artº 14 ambos do R.C.P. , o que salvo o devido respeito não configura reclamação da conta elaborada, não sendo da nossa competência a decisão pelo solicitado, pelo que Vª Exª ordenará o que tiver por conveniente.”
Indo os autos com vista ao Ministério Público, foi proferida a seguinte promoção: “A Autora, notificada da conta de custas, veio, mediante requerimento apresentado em 8.02.2024, reclamar da mesma, solicitando a sua reformulação, com fundamento no disposto nos artgs. 6º, nº 7, 11º e 31º do RCP.
Pediu, concretamente,
- a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ordenando-se a reforma da conta de custas,
- a suspensão da obrigação de pagamento do remanescente até ser proferida decisão sobre a reclamação.
A Autora não invoca, pois, erro ou lapso da contagem do processo ou erro de interpretação/aplicação das regras que regem a sua contagem.
Temos assim que o que pretende é a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A pretensão foi, todavia, formulada após o trânsito em julgado da decisão final do processo, pelo que o direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça se encontra precludido.
Na verdade, conforme o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2022, publicado no DR, 1ª série, em 3.01.2022, a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o nº 7 do artg. 6º do RCP, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.
Termos em que se promove o indeferimento do sobredito requerimento.”
A 29-04-2024 foi proferido o seguinte despacho (DESPACHO RECORRIDO):
“Requerimento com a referência nº 38426846:
Notificada da conta de custas, veio a Autora apresentar reclamação da mesma.
Alega a Autora que a conta deve ser reformulada porquanto requere que seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que, importa a reforma da conta.
Foi elaborada informação.
Foi dada vista ao Ministério Público que pugnou pelo indeferimento do requerido.
Apreciando e decidindo.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, o exposto pela Autora não configura uma reclamação da conta, mas sim um requerimento com vista à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Como bem refere o Ministério Público, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser requerida antes do trânsito em julgado da decisão (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2022, de 03 de Janeiro de 2022).
Tendo em consideração a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi requerido após o transito em julgado da decisão final, ficou precludido o direito, motivo pelo qual se indefere o requerido.
Notifique.”.
Notificada de tal despacho veio a Autora dele interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
a) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e muito precipitada, tendo partido de pressupostos errados.
b) Entende a Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.
c) Com efeito, só após a elaboração da conta, a Recorrente teve conhecimento do valor do remanescente da taxa de justiça que foi liquidado, e que passou a Recorrente a ter a correta noção do montante que lhe era imputado a título de custas e de remanescente de taxa de justiça.
d) É também só a partir desse momento que o Tribunal pode aferir da proporcionalidade entre o valor do remanescente da taxa de justiça e o serviço efectivamente prestado e apreciar a verificação dos critérios para dispensa do pagamento desse remanescente, previstos no artigo 6.°, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.
e) Não existe nenhuma regra legal que indique o momento em que o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça deve ser deduzido.
f) O artigo 31.°, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais nada dispõe e nem enumera os vícios da conta de custas final que podem ser fundamento de uma reclamação e os elementos da conta que podem ser objecto dessa reclamação.
g) Consequentemente, a reclamação da conta de custas, prevista no artigo 31.°, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, permite a impugnação não só de vícios materiais, mas também de vícios de outra natureza de que padeça.
h) A este respeito, reitera a Recorrente que a reclamação da conta do Tribunal é o meio adequado ou, pelo menos, é um dos meios disponibilizados nos termos do artigo 6.°, n.º 7 e 31.° do Regulamento das Custas Processuais, para uma qualquer parte processual solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
i) Em face de tudo o que se expôs, a dispensa total ou parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida após a notificação da elaboração da conta final de custas.
j) E, como tal, o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça feito pela Recorrente é tempestivo.
k) Mesmo que assim não se entendesse – o que não se concede e apenas se refere a beneficio da discussão – terá de se considerar que quando a desproporção do valor das custas é grosseiramente atentatória do princípio da proporcionalidade, deve a pretensão de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça admitir-se em sede de reclamação da conta de custas, por interpretação conforme à Constituição.
l) Neste sentido, decidiram o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido Em 29.04.2014, no processo n.º 2045/09.6T2AVR-B.C2 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 28.04.2016, no processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1-2.
m) E assim é porque a norma do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais impõe ao juiz um poder dever, que tem de ser interpretado e aplicado à luz dos princípios constitucionais da proporcionalidade e acesso à justiça.
n) Nos presentes autos, não foram suscitadas questões jurídicas de complexidade acima do normal, não podendo o recurso interposto para a Relação configurar-se como tal, nem foram suscitados incidentes ou questões dilatórias tendentes a dificultar a normal prossecução dos autos com vista à decisão final, ao que acresce os valores da acção, das taxas de justiça já pagas (no montante de € 4.896,00) e ao valor do remanescente da taxa de justiça.
o) Resulta, pois, à saciedade que o montante da taxa de justiça final fixado é manifestamente desproporcional em função do serviço prestado, pelo que, ao contrário da decisão recorrida, se impõe a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.
p) Finalmente, e como resulta do próprio texto da decisão, esta funda-se claramente no decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2022, de 3 de Janeiro de 2022, disponível em www.dgsi.pt.
q) Porém, e à semelhança do que consta de dois dos votos de vencido de tal acórdão - Votos dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Ana Paula Boularot e Paulo Rijo Ferreira – considera-se que o legislador não estabeleceu no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, qualquer prazo para que as partes possam requerer ao Tribunal a prevista dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, bem como dela não decorre qualquer momento para que o Juiz use de tal poder/dever.
r) Não pode, pois, a Recorrente deixar de secundar os referidos votos de vencido, com os quais se concorda na íntegra e se dão, nesta sede, por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.
s) Por isso, o Tribunal de 1.ª instância decidiu incorrectamente quando considerou extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, denegando grave e manifestamente os princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito, tribunais e tutela jurisdicional efectiva, devendo essa mesma decisão ser revogada e ser deferido o pedido de dispensa da Recorrente (ou, caso assim não se entenda, reduzindo o valor total a 1/10), tendo em consideração que em parte alguma o despacho recorrido nega a verificação dos requisitos previstos no art. 6.°, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
t) Não pode, pois, colher a argumentação sustentada pelo Tribunal a quo na decisão proferida.
u) Entende a Recorrente que a decisão recorrida viola claramente os artigos 6.º, n.º 7, 30.º, n.º 1 e 31.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, os artigos 6.º, 149.º, n.º 1,193, n.º 3 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e ainda os artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
v) A Recorrente, à cautela, procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela instauração do presente recurso no montante de € 816,00, embora considere que o valor tributável do mesmo, considerada a sucumbência in casu, será o correspondente à conta de custas reclamada (€ 79.050,00).
Veio o  Ministério Público apresentar contra-alegações a 11-09-2024, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
1 – A reclamação de conta não foi processada por apenso, não se subsumindo no artigo 647º, nº 3, alínea c) do Código de Processo Civil, e a recorrente nada mais invocou.
2 – Consequentemente, o efeito do recurso não é o pretendido pela recorrente.
3 - Sentenciados e contados os autos, sendo as custas da responsabilidade da Autora, foi indeferida a reclamação de conta por esta apresentada.
 4 – O Tribunal considerou que o requerido configura um requerimento com vista à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e não uma reclamação da conta, pretensão apresentada após o trânsito em julgado da decisão final e, por isso, conforme o Acordão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2022, de 3 de janeiro de 2022, precludido o seu direito.
5 - A reclamação da conta de custas consiste num meio de reação à elaboração incorreta da conta, seja por erro de contagem, lapsos materiais ou inobservância das regras que regem a sua elaboração.
 6 – Consequentemente, não é meio processual adequado a obter a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
7 - Proferida decisão final, e atentas as regras que regem a elaboração da conta, a Autora podia conhecer antecipadamente o montante em que seria liquidado o remanescente da taxa de justiça.
8 – Vencida na causa, nada requereu até ao trânsito em julgado da decisão final, dispondo dos meios de reação no sentido de, de acordo com o seu entendimento, obter maior igualdade entre si e o Estado.
9 – O Tribunal recorrido não violou as normas legais invocadas.
Termina assim pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
No caso, a decisão directamente impugnada no recurso é o despacho da Exma. Sr.ª Juiz de Direito que julgou intempestivo o requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado após o trânsito em julgado da decisão final.
*
III. Os factos
Os factos relevantes para a decisão desta questão são os que constam do Relatório supra.
IV. O Direito
A primeira questão que a Recorrente vem suscitar prende-se com a oportunidade do requerimento por si apresentado a requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça nas acções em que, como a presente, o valor é superior a 275.000,00 €.
As custas processuais (lato sensu) compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, como dispõem o artigo 529º, n.º 1 do Código de Processo Civil e artigo 3º do Regulamento das Custas Processuais.
Isto porque, como já ensinava Alberto dos Reis ( in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II - Coimbra Editora, 1981, pág. 199), a garantia constitucional do acesso ao Direito, prevista constitucionalmente no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, não postula a gratuidade no acesso à justiça.
Com efeito, sobre os litigantes impende o ónus de pagar determinadas taxas para que possam pôr em marcha a máquina da justiça; e têm de satisfazer, no final do processo, todas as quantias de que o Tribunal se não haja embolsado por meio daquele adiantamento, cabendo ao legislador a fixação de tais quantias.
A possibilidade de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça surgiu com o art. 27.º do Código das Custas Judiciais (CCJ), na redacção do DL nº 324/2003, o qual dispunha, no seu  nº3, que – “Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente”.
Com efeito, o Código das Custas Judiciais (CCJ/96), na versão originária, não continha uma norma semelhante. Não obstante a inexistência de previsão legislativa, já nessa altura a jurisprudência do Tribunal Constitucional sustentava (no âmbito de diversos juízos de inconstitucionalidade) a necessidade de avaliação casuística no pagamento da taxa de justiça para além de determinado valor, por imposição do princípio da proporcionalidade e do acesso à justiça (a título exemplificativo Acórdãos n.º 227/2007, nº471/2007 e  nº 116/2008).
O n.º 3 do art. 27 do CCJ, na redacção introduzida pelo DL 324/2003, visou, assim, conferir uma maior justiça em matéria de custas, constando expressamente do preâmbulo o objectivo de “ adopção de critérios de tributação mais justos e objectivos”.
Posteriormente a previsão do art. 27.º do CCJ (redacção conferida pelo DL 324/2003) veio a ter correspondência no actual Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo DL 34/2008, de 26-02) o qual, no seu art. 6.º, n.º 1, passou a definir como regra geral que “a taxa de justiça é fixada em função do valor e da complexidade da causa”, tendo posteriormente a Lei 7/2021 (de 13-02) aditado um n.º 7 ao art. 6.º, e um n.º 9 ao art. 14.º, com os seguintes teores:
art. 6 o nº 7: “Nas causas de valor superior a € 275.000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual da parte, dispensar o pagamento”.
art. 14 o nº 9: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”.
Não obstante – e na sequência da declaração de inconstitucionalidade, afirmada pelo Ac. do TC 615/2018, da norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo (obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14º, nº9, do RCP) – o legislador veio alterar o n.º 9 do art. 14.º do RCP, através da Lei 27/2019, de 28-03, passando o mesmo a ter a seguinte redacção: “9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”.
A questão de saber até que momento pode a parte interessada pedir, ou o Tribunal decidir, sobre a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, nunca foi pacífica na jurisprudência.
E por essa mesma razão – e dada a divergência jurisprudencial – o STJ, através do AUJ 1/2022 (de 03-01), fixou a seguinte uniformização: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
Deste segmento uniformizador resulta que o requerimento da parte, a pedir a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, deve ser feito antes do trânsito em julgado da decisão final do processo ou dentro do prazo para o incidente de reforma da decisão quanto a custas.
O AUJ 1/2022 identificou as seguintes correntes jurisprudenciais:
- uma corrente jurisprudencial que sustentava que a dispensa/redução só poderia ser pedida até ao trânsito em julgado da decisão, isto é, na própria decisão respeitante à responsabilidade pelo pagamento das custas processuais (acórdão recorrido no âmbito do Recurso para Uniformização de Jurisprudência – Ac. STJ de 11-02-2020 (proc. 1118/16.3T8VRL-B.G1.S1, Relator Henrique Araújo);
- uma corrente que sustentava que a dispensa/redução poderia ser pedida até dez dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão (acórdão fundamento no âmbito do Recurso para uniformização de jurisprudência - Ac. S.T.J de 23.10.2018, Processo n.º 673/12.1TVLSB.L2.S1, Relator Salreta Pereira);
- outra que sustentava que a dispensa/redução poderia ser pedida até à elaboração da conta de custas - Ac. do STJ de 03-10-2017, Revista n.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1;
- e, por fim, outra que defendia que o pedida tinha como limite de apresentação o prazo de reclamação da conta de custas, nos termos do art. 31.º do RCP (votos de vencido no acórdão fundamento e no Ac. de 11-12-2018, Revista n.º 1847/05.7TVLSB.L1.S2, ambos da Conselheira Ana Paula Boularot).
Não se desconhece, por isso, toda a divergência jurisprudencial – quer ao nível do STJ, quer nos Tribunais das diversas Relações -  transversal à questão em análise no presente recurso.
Não obstante é incontornável a afirmação da existência de um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência e uniformização por ele efectuada (sem embargo dos votos de vencido nele constantes) no sentido de a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ter lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo.
Ora, é certo que os acórdãos de uniformização que não são fonte de direito.
Não obstante, os Acórdãos de uniformização de jurisprudência são decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, que têm por objectivo, em nome da segurança jurídica, pôr termo a uma divergência ou contradição entre acórdãos proferidos por este Tribunal ou pelos Tribunais da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, com o objectivo de evitar que decisões judiciais, que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito, obtenham dos tribunais colegiais respostas diferentes.
Com isto quer-se dizer que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, valendo interpartes, não tem efeito vinculativo extra-processual, mas não deixa de ter objectivos orientadores e persuasivos erga omnes (art. 13.º do CC e art. 695.º, n.º 3, do CPC) – neste sentido ver Ac. STJ de 12-05-2016, Ac. STJ de 29-03-2022, Miguel Teixeira de Sousa, “Aplicação no tempo dos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência” in Blog do IPPC).
Concordamos com a posição assumida pelo Pleno das Secções
Cíveis do STJ, no sentido de que a oportunidade de apresentação do requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça  é até ao transito em julgado da decisão final, momento a partir do qual se esgota o poder jurisdicional.

Quanto a eventual inconstitucionalidade da interpretação adoptada pelo AUJ 1/2022 – questão igualmente abordada pela recorrente nas suas conclusões de recurso – resta-nos apenas dizer que a este propósito já se pronunciou o Ac. do TC 324/2022, constando da fundamentação do mesmo que “…a preclusão da faculdade de requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça após a notificação da conta de custas encontra a sua razão de ser na própria natureza do processo como sequência ordenada e progressiva de atos tendente a uma decisão final dotada de estabilidade. A existência de prazos preclusivos do exercício de faculdades processuais e a imposição de ónus cuja inobservância é cominada com desvantagens são os mecanismos normais da marcha do processo, sem os quais a administração da justiça seria, não apenas intoleravelmente morosa, como em boa verdade inviável. «São, pois, imperativos de racionalidade e funcionalidade do próprio processo» que justificam «a disciplina da conduta dos sujeitos processuais, nomeadamente através da imposição de prazos razoáveis», uma vez que «[t]odo o direito processual constitui um encadeamento de atos ordenados a uma finalidade, a de se obter uma decisão judicial que componha determinado litígio» (Acórdão n.º 46/2019). Assim, a norma sindicada, ao disciplinar e facilitar a administração da justiça, prossegue uma dimensão objetiva do direito fundamental de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva – uma finalidade não apenas constitucionalmente legítima, como até certo ponto imperativa (v. a alínea c) do artigo 9.º e os n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição). [… ]
A possibilidade excecional de o interessado requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a notificação da conta de custas constituiria, neste quadro, um caso atípico de revisão da sentença em matéria de custas – atípico porque não previsto no elenco dos fundamentos de revisão consagrado no artigo 796.º do CPC −, com relevantes implicações em matéria de estabilidade do caso julgado, e consequente perturbação da sucessão entre o trânsito em julgado da sentença e a etapa subsequente e essencialmente mecânica de contagem do processo pela secretaria. […]
Por outro lado, o sacrifício imposto pela norma sindicada é moderado. Como se refere no Acórdão n.º 527/2016, «pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça prevista na Tabela I do RCP, por referência ao valor da ação», de modo que, «ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais (…), a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos». Este conhecimento é indispensável para que a parte condenada em custas possa requerer a dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos processos em que seja aplicável, no prazo para a reforma da sentença quanto a custas. Demonstra ainda que a eventual desproporcionalidade entre o valor da conta e o serviço prestado não é em caso algum imputável ao regime legal, que confere ao interessado um prazo razoável para exigir a aplicação do «mecanismo moderador» (Acórdão n.º 361/2015) previsto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Ao invés, aí onde se venha a verificar, tal desproporcionalidade deve-se exclusivamente ao efeito combinado da incúria do juiz no exercício de um poder-dever de controlo oficioso e da parte que negligencia a condenação em custas até ao momento da notificação para o respetivo pagamento. Em suma, o sacrifício imposto pela lei ao interessado não é o pagamento de uma taxa de justiça exorbitante, mas um ónus de diligência na defesa da sua posição, sendo certo que «a gravidade da consequência (…) é ajustada ao comportamento omitido», não se vendo «que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal» (Acórdão n.º 527/2016).
Conclui-se, assim, que a norma que constitui o objeto do presente recurso não ofende o princípio da proibição do excesso, uma vez que restringe de forma adequada, necessária e proporcional o direito de acesso aos tribunais, com o fito de promover a racionalidade processual de que, em última análise, depende a capacidade do sistema judicial de dispensar uma tutela efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos.” – (sublinhados nossos)
Concorda-se com a antecedente fundamentação, pelo que, em face de tudo o exposto – e tendo em atenção o momento em que a Autora /recorrente apresentou requerimento de reclamação da conta/dispensa de pagamento de remanescente da taxa de justiça – se julga, em conformidade com o decidido pela primeira instância, que:
- o Requerimento apresentado pela Autora a 08-02-2024 é extemporâneo, na medida em que foi apresentado após o transito em julgado da decisão final;
- esta interpretação não padece de inconstitucionalidade.
Em face do exposto, improcede o recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Para efeitos de recurso deve considerar-se o valor da conta de custas - € 79 050,00.
As custas devidas pela interposição do presente recurso são a suportar pela Autora/Recorrente - art. 527º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.
*
V. Decisão        
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam, na  total improcedência da apelação, em manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique e registe.
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Lisboa, 6 de Março de 2025
Maria Teresa Mascarenhas Garcia
Anabela Calafate
Jorge de Almeida Esteves
(vencido nos termos da declaração infra)

Voto de vencido
Votei vencido pois considero que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art.º 6º/7 do RCP, pode ser requerida no prazo de reclamação da conta de custas.
Concordo com o afirmado no acórdão da Relação de Lisboa de 04.06.2020 (processo nº 9677/15.1T8LSB.L1-2, in dgsi.pt), quando afirma que “É materialmente inconstitucional o regime decorrente do disposto no art.º 6.º n.º 7 do RCP, conjugado com o disposto no art.º 31.º do RCP, na medida em que tais normas negam à parte o direito de requererem a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente, na sequência da notificação da conta de custas, mesmo em casos em que a taxa de justiça excede de forma gritante, intolerável, a proporção entre o serviço de justiça prestado pelo Estado e a contrapartida pecuniária exigível dos sujeitos processuais, assim violando o princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e da tutela do direito de acesso à justiça (art.º 20.º da CRP)”.
Concordo também com o que está explanado no artigo “O preço da justiça e a sua desproporção: O tempo certo para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e os efeitos da dormência” [Catarina Borges da Ponte e Sandra Lopes, in Revista Julgar Online de dezembro de 2021 (https://julgar.pt/wp-content/uploads/2021/12/20211230-JULGAR-O-Pre%C3%A7o-da-Justi%C3%A7a-Catarina-Ponte-Sandra-Lopes-1.pdf)], onde se refere que:
“De forma eloquente, MANUEL RODRIGUES resume o que acabamos de transmitir no seu voto de vencido constante do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de fevereiro de 2019, processo n.º 1712/11.9TVLSB-B.L1-6: «Ainda na feliz expressão do citado Acórdão desta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14-01-2016, que subscrevemos integralmente, “seria por demais injusto e gravemente atentatório do princípio do contraditório enunciado no art.º 3.º do Código de Processo Civil, considerar – face a uma sentença que omite (eventualmente sem qualquer desvalor face ao Direito constituído) o tratamento de uma questão e cria uma aparência distinta da que motiva a reacção e perante um subsequente lapso do Tribunal – que a parte surpreendida já nem sequer pudesse reagir porque o Tribunal não disse nada sobre o assunto na sentença. Seria esta, também, uma forma acabada de denegar o direito à tutela jurisdicional efectiva, garantido no n.º 1 do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 2 do art.º 2.º do Código de Processo Civil.».
Sob este ângulo, o regime da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça poderia ser apreciado: i) na sentença final ou no acórdão, oficiosamente, ou na sequência da sua aplicação ter sido suscitada em momento prévio pela parte (cf. artigos 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil); ii) após a prolação da sentença, se esta omitir essa apreciação, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz (cf. artigo 614.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); iii) na sequência do incidente de reforma quanto a custas que a parte haja suscitado (cf. artigo 616.º, n.º 1, do mesmo diploma legal) iv) no próprio despacho em que o juiz se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso (cf. artigo 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); v) até à elaboração da conta; vi) após a elaboração da conta.
Independentemente do momento em que o faz, o que realmente releva – reitera-se – é que o julgador aprecie com rigor todas as circunstâncias suscetíveis de influir na decisão de dispensa - v.g. «a maior ou menor complexidade jurídica do litígio do ponto de vista material e processual, a extensão dos articulados, o número e extensão dos documentos, a realização de diligências de prova morosas, a análise de meios de prova complexos, a realização ou não de audiências, a existência ou não de alegações, a conduta processual das partes, o tempo despendido pelos magistrados no estudo e decisão do caso, o valor económico do pedido, o tempo e esforço despendido pelos serviços de secretaria» - de modo a garantir que as custas a suportar pelas partes não sejam desadequadas ao serviço judiciário prestado”.
Considero, portanto, que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi tempestivo.
Jorge Almeida Esteves