Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS M. G. DE MELO MARINHO | ||
Descritores: | PETIÇÃO INICIAL EFEITO JURÍDICO PRETENDIDO DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL DEVER DE COOPERAÇÃO OBRIGAÇÕES DA PARTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/11/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. A al. e) do n.º 1 do art. 552.º do Código de Processo Civil impõe a inclusão, na petição inicial, de um espaço final do qual conste a indicação precisa, rigorosa, clara, concisa e autonomizada do que se pretende do Tribunal, ou seja, do efeito jurídico pretendido; II. O pedido sempre deverá ter um conteúdo isolado e autónomo que compreenda a concretização clara e sincrética do visado, não relevando pretensões constantes do articulado sem expressão final na referida sede; III. Os deveres de gestão processual e cooperação, apesar de reforçados na última versão do Código de Processo Civil, não desresponsabilizaram as partes nem operaram a redução das exigências qualitativas relativas ao exercício do mandato judicial. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO A FEDERAÇÃO …, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou acção «declarativa» contra o CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA …, Nº …, EM LISBOA, e OUTROS, neles também melhor identificados. Na petição inicial, a Demandante formulou o seguinte pedido: Nestes termos e nos melhores em Direito, Requer-se que os RR sejam condenados: - a realizar e a custear as obras necessárias à reparação dos terraços de cobertura pertencentes à frações "B" e "C” assegurando-se a sua adequada impermeabilização, bem como, que procedam à reparação danos existentes no interior das instalações da Autora, fruto das infiltrações, em prazo a fixar pelo tribunal; - ou em alternativa, que sejam condenados a pagar à Autora uma indemnização necessária e suficiente, à reparação dos danos verificados no interior da fração da Autora e no valor relativo ao custo da eliminação das causas da infiltração de águas, facultando, para o efeito o acesso da autora aos terraços aqui em causa, valores a determinar em execução de sentença; - ou ainda, caso a A venha a realizar as mencionadas reparações na pendência da ação, a pagarem-lhe a quantia que vier a despender na realização daquelas, acrescida de juros contados da efetivação das mesmas até efetivo e integral pagamento. Mais se requer que os RR seja fixada aos RR uma sanção pecuniária compulsória, no valor de € 150,00 por cada dia de atraso na realização das reparações e desde a data da citação. O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as ocorrências processuais tidas por relevantes, nos seguintes termos: Federação … intentou a presente ação, contra, entre outros, condomínio do prédio sito na …, nº …, Lisboa, pedindo que os RR. Sejam condenados a realizar e a custear as obras necessárias à reparação dos terraços de cobertura pertencentes às frações B e C, assegurando-se a sua adequada impermeabilização, bem como que procedam à reparação dos danos existentes no interior das instalações da A. fruto das infiltrações, em prazo a fixar pelo tribunal. Foi proferido despacho saneador que absolveu o Réu CONDOMÍNIO dos pedidos contra si formulados. É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por FEDERAÇÃO …, que alegou e apresentou as seguintes conclusões, aperfeiçoadas face à ilegalidade das inicialmente incorporadas nos autos: I- O Douto Despacho Saneador absolve o R Condomínio dos pedidos contra si deduzidos nos presentes autos, considerando-o parte ilegítima, sustentando esta decisão, entre outros fundamentos, no facto de considerar que nos pedidos formulados pela recorrente na sua petição inicial, não se incluiu a reparação das fissuras na laje, discordando a recorrente, neste particular, com tal veredicto. II- Conforme bem consta do corpo do Douto Despacho Saneador, na presente ação está em apreciação tudo o que respeita às causas que dão azo às infiltrações por via dos terraços, o que incluiu, tal como bem consta na p.i. apresentada pela recorrente, as fissuras na laje, nomeadamente nos artigos 26º, 28º e 31º daquele articulado. III- Em face do contido no corpo da p.i. apresentada pela recorrente, mostra-se objetiva e explicitamente contemplada no pedido formulado nesta ação, a reparação das fissuras na laje, a saber, quando aí se fez constar “…reparação dos terraços de cobertura…”, porquanto os terraços estão intrinsecamente ligados à laje que os sustenta. Na verdade, na noção de terraços está implícita a sua função de cobertura e proteção, compreendendo necessariamente a sua estrutura, ainda que se possam tratar de terraços intermédios, como é o caso dos presentes autos. IV- Entendendo, por isso, a recorrente que, neste particular, o tribunal a quo fez uma errada interpretação do pedido formulado por aquela, porquanto o pedido por si formulado na p.i. inclui necessariamente a reparação da laje dado esta estar subjacente aos terraços, violando, deste modo, o n.º 3 do artigo 607 do CPC, não podendo, quanto a esta matéria, afastar o R condomínio desta ação. V- Ainda que assim não se entenda, o facto é que a ampliação do pedido sempre seria processualmente exequível até ao encerramento da discussão em 1ª instância, desde que esta seja o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, nos termos do previsto no n.º 2 do artigo 265º do CPC. VI- O Tribunal a quo não fundamentou a sua decisão, neste particular, na “insuficiência” da causa de pedir, tendo, inclusive, no douto Despacho Saneador aqui em crise, feito referência ao contido no artigo 26º da petição inicial, o qual referenciava necessariamente as fissuras na laje dos terraços, antes, acentua, que na sua ótica, o pedido formulado na p.i da recorrente não continha qualquer referência à reparação da laje que suporta os terraços aqui em crise. VII- A recorrente embora não perfilhando o entendimento do Tribunal a quo neste particular, cautelarmente e cumprindo a faculdade processual prevista no n.º 2 do artigo 265º do CPC, requereu a ampliação do pedido, aditando a tudo a que nele já se mostrava indicado, “a reparação das fissuras na laje”, faculdade processual esta legalmente admissível até ao encerramento da discussão em 1º instância e que se consubstanciou, inegavelmente, num desenvolvimento /consequência do pedido antes formulado pela recorrente na sua p.i. VIII- Entende a recorrente que o Tribunal a quo, ainda que perfilhasse o entendimento que o pedido daquela era `insuficiente”/”incompleto” (no que tange à inclusão da reparação da laje dos terraços), se atentasse à causa de pedir expendida pela recorrente na sua p.i. (cf. Artigo 26º, 28º e 31º da p.i.), deveria, à luz do princípio do dever de gestão processual, previsto no artigo 6º do CPC, ter convidado a recorrente a “aperfeiçoar” o seu pedido, até porque tal faculdade lhe era processualmente admissível até ao encerramento da discussão em 1ª instância, à luz do postulado pelo n.º 2 do artigo 265º do CPC, e não “sancionar” a recorrente, nos moldes em que o fez. IX- Tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre o que considerou “insuficiência” do pedido, concluindo pela ilegitimidade da recorrida condomínio neste pleito, quando, à luz do prescrito no n.º 2 do artigo 265º do CPC, a recorrente poderia, ainda, ampliar o pedido até ao encerramento em 1ª instância, fê-lo sobre uma questão cujo aperfeiçoamento, quer seja oficioso quer por iniciativa das partes, ainda era processualmente admissível, coartando, deste modo, a recorrente de um direito adjectivo que lhe assistia, concluindo-se, assim, pela nulidade do Despacho Saneador, neste particular, em conformidade com o disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 615º do CPC, violando, assim, o artigo 6º e n.º 2 do artigo 265º do CPC. Terminou pedindo a revogação da decisão impugnada. Tais conclusões aperfeiçoadas não receberam resposta sendo que o CONDOMÍNIO DA …, N.º …, EM LISBOA havia respondido às alegações iniciais sustentando, então, não dever «merecer qualquer censura o douto despacho saneador». Também os Réus CASTELA interpuseram recurso do qual, por despacho transitado em julgado, proferido por este Tribunal, foi decidido não se conhecer. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. São as seguintes as questões a avaliar: 1. O tribunal a quo fez uma errada interpretação do pedido formulado na petição inicial, já que este que incluía o de reparação da laje por esta estar subjacente aos terraços? 2. O Tribunal a «a quo» pronunciou-se sobre uma questão cujo aperfeiçoamento, quer oficioso quer por iniciativa das partes, ainda era processualmente admissível, o que gerou a nulidade da decisão impugnada nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil e violou o n.º 2 do artigo 6.º do mesmo Código? II. FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto Vem provado que: 1. No dia 23 de fevereiro de 1981, na assembleia de condóminos foi deliberado aprovar a seguinte proposta: “Independentemente da qualificação dos terraços dos 1ºs andares, direito e esquerdo (terraços sobre a Visual) serem ou não partes comuns do prédio, as despesas relativas aos referidos terraços que futuramente surjam sejam suportadas apenas pelos condóminos que dos mesmos se servem, que são os condóminos das fracções autónomas designadas pelas letras A, B e C”; 2. Os proprietários das fracções A, B e C impugnaram judicialmente aquela deliberação e (…) a acção foi julgada improcedente por decisão transitada em julgado, constando da matéria de facto considerada provada na ação de impugnação que “os terraços sobre a fracção A, face à contextura dos materiais que os compõem, vão paulatinamente perdendo a impermeabilização e permitindo a infiltração de água que cumpre vedar; 3. Consta da matéria de facto considerada provada na acção referida no número anterior que «os terraços sobre a fracção A, face à contextura dos materiais que os compõem, vão paulatinamente perdendo a impermeabilização e permitindo a infiltração de água que cumpre vedar». Fundamentação de Direito 1. O tribunal a quo fez uma errada interpretação do pedido formulado na petição inicial, já que este que incluía o de reparação da laje por esta estar subjacente aos terraços? Extrai-se, com nitidez, do pedido formulado pela Recorrente nos autos em que se gerou o recurso que a pretensão por si deduzida visou a «adequada impermeabilização» dos terraços de cobertura pertencentes às fracções “B” e “C” e a reparação de danos interiores na sua fracção. O mais são pedidos alternativos de indemnização ou de pagamento de despesas de reparação a expensas próprias. A al. e) do n.º 1 do art. 552.º do Código de Processo Civil impõe a inclusão de um espaço final, na petição inicial, do qual conste a indicação precisa e autonomizada do que se pretende do Tribunal. Desse espaço lógico tem que constar a indicação precisa, rigorosa, clara e concisa do efeito jurídico pretendido, com o sentido referenciado no n.º 3 do art. 581.º do Código apontado. Tal é a importância da devida e insofismável dedução do pedido que o art. 186.º do mesmo encadeado normativo (art. 193.º do Código de Processo Civil de 1961) comina com nulidade de todo o processo (com fundamento em ineptidão da petição inicial) a apresentação de petição à qual falte ou relativamente à qual seja ininteligível a indicação do pedido. Entre as muitas conclusões que daqui podemos extrair, a mais importante, porque mais relevante para a enformar a decisão a proferir, é a de que tem que haver na petição uma área específica para a formulação do pedido, o qual sempre terá um conteúdo isolado e autónomo que compreenda a concretização clara e sincrética do visado, não relevando pretensões constantes do articulado sem expressão final na referida sede – a não ser assim, sempre se dispensaria o pedido e bastariam tais articulados. Na expressão feliz de JOÃO DE CASTRO MENDES, in Direito Processual Civil, vol. II, Lisboa, AAFDL, 1980. pág. 287, impõe-se a formulação de «solicitação (…) de uma actuação judicial determinada (condenação, declaração, execução, arresto ou outra), solicitação que está na base do processo». Temos, assim, com relevo para o que está sob ponderação, que, se a Demandante da acção queria pedir algo mais do que pediu, teria que fazê-lo de forma clara, em sede do espaço técnico e lógico seu pedido. Para isso estava representada por profissional do foro. Sibi imputet. Nenhum relevo tem, para o efeito visado, qualquer outra referência aí não incluída e menos o têm um quadro de menções de construção do discurso argumentativo de sustentação da pretensão ou meras referências de enquadramento de sentido ambíguo e sem expressão na pretensão final que é, in casu, apenas a transcrita supra. Não tem qualquer sentido, pois, a busca serôdia, desesperada e deslocada de afirmações que não se fez na sede própria e no espaço tecnicamente adequado. Os processos judiciais não vivem de tais ambiguidades e intervenções difusas. Antes requerem clareza, lisura, lealdade e transparência, designadamente com vista a construir simetria e adequado contraditório, assim permitindo que as partes Demandadas se defendam de tudo e não sejam surpreendidas por pretensões ocultas, vontades secretas e contextos-surpresa. Nenhuma razão assiste à Recorrente a este nível, sendo claramente negativa a resposta à questão proposta. 2. O Tribunal a «a quo» pronunciou-se sobre uma questão cujo aperfeiçoamento, quer oficioso quer por iniciativa das partes, ainda era processualmente admissível, o que gerou a nulidade da decisão impugnada nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil e violou o n.º 2 do artigo 6.º do mesmo Código? Para que uma decisão seja nula ao abrigo do estabelecido na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, mister se torna que o Tribunal «deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Não sendo manifestamente vontade da Recorrente invocar a primeira vertente da norma, certamente que quis referenciar a segunda parte da mesma. A este respeito, cumpre referir que, não tendo apreciado, em sentido próprio, a excepção dilatória de caso julgado, que sempre teria que conhecer na sede em apreço – sendo o espaço do saneamento o adequado para o efeito nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 591.º, na al. a) do n.º 1 do art. 595.º, al i) do art. 577.º e art. 578.º, todos do Código de Processo Civil – o Tribunal «a quo» tratou, na decisão criticada, uma das condições de procedência da acção, o que fez ao abrigo do estabelecido na al. b) do n.º 1 do referido art. 595.º Em termos adjectivos, no que tange à inserção processual do acto, nada há, pois, a censurar. Quanto ao objecto, o Tribunal «a quo», invocando a autoridade do caso julgado anterior que afastava o condomínio da responsabilidade subjectiva pelo pedido realmente formulado, não tratou questão não suscitada, ou seja, da qual não pudesse conhecer. Antes fez incidir a sua atenção sobre o eixo do que lhe foi proposto avaliar. O mais, sempre se situaria ao nível das condições de procedência e nunca num quadro de nulidade pelo motivo invocado que, efectivamente, não se concretizou. Improcede, flagrantemente, esta primeira parte da questão suscitada. Quanto ao n.º 2 do art. 6.º do referido Código, que estabelece que «O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo», temos que, apresentado o pedido com determinados contornos, não tem qualquer sentido lógico e técnico que se sustente abranger tal dever o de sugerir à parte Demandante que, por exemplo, encontre mais um pedido, qualquer que seja, para fugir, por exemplo, à procedência de uma excepção de litispendência ou caso julgado. Tal está muito para além do dever de gestão processual e, mais ainda, do de cooperação previsto no art. 7.º do conjunto de normas sempre sob referência, antes se esperando, em domínios como o referido, que sejam os particulares conhecimentos técnicos que justificam a selecção, contratação e remuneração de profissionais do foro a providenciar ao sistema de justiça a necessária garantia de que as partes serão devidamente representadas em Juízo, sem inépcias ou esquecimentos. A tese brandida não tem suporte legal já que até esvaziaria de conteúdo e sentido o Direito adjectivo constituído com violação do disposto no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil por retirar sentido útil ao estabelecido na al. b) do n.º 1 do art. 595.º do Código de Processo Civil ao impor ao Tribunal que aguardasse sempre pela audiência de discussão e julgamento final após tentar suprir, de forma encarniçada e mediante escolha de uma parte a ajudar, todas as inépcias e omissões, só as sancionando na sentença final caso essa parte se revelasse impermeável e empedernida face às advertências, apoios e parcialidades. Tal leitura treslê a função do julgador e a abrangência dos aludidos deveres que, apesar de reforçados na última versão do Código de Processo Civil, não desresponsabilizaram as partes nem operaram a redução das exigências qualitativas relativas ao exercício do mandato judicial. É improcedente esta segunda vertente do recurso, sendo negativa a resposta global à questão em apreço. III. DECISÃO Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada. Custas pela Apelante. * Lisboa, 11.10.2018 Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator) Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta) António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto) |