Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
978/12.1TDLSB.L1-5
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: INQUÉRITO
ARQUIVAMENTO DOS AUTOS
RECLAMAÇÃO HIERÁRQUICA
INSTRUÇÃO DO PROCESSO
ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - Do art° 278° do CPP (n°2) resulta que o assistente ou denunciante com a faculdade de se constituir assistente, se optar por não requerer instrução (pois que, depois de decorrido o prazo, essa "opção" seria redundante), em vez de ficar à espera que decorra o prazo de 20 dias para requerer abertura de instrução e requerer intervenção hierárquica superior nos termos do n°1, pode reclamar logo hierarquicamente no prazo que teria para requerer abertura de instrução e que seria, logicamente, de 20 dias a contar da notificação do arquivamento (por exclusão cronológica, arquivamento esse que seria o determinado pelo despacho do M°P° antes da sua submissão a reclamação).

II - De acordo com a coerência do texto legislado não haveria dúvida alguma em como o prazo de 20 dias para requerer abertura de instrução se conta a partir da notificação do despacho de arquivamento e não da notificação do despacho do superior hierárquico que, em reclamação por opção da assistente, o mantenha.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA — 5ª SECÇÃO (PENAL)

I-RELATÓRIO
1.1- S...,S.A. apresentou queixa-crime contra o seu ex-funcionário R... pela prática em 13 Dezembro de 2011 de um crime de acessão ilegítima ou de coisa achada, p.e p. no art° 209° do CP com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. Tratava-se de procedimento dependente de queixa e é correspondentemente aplicável o disposto nos art° 206° (restituição da coisa) e 207° (acusação particular nos casos ali previstos) do CP.‑

Organizado inquérito, o M°P° proferiu a 12.02.2013 ( fls 90 a 93 dos autos) despacho de arquivamento, com base no entendimento de que os factos imputados não constituíam crime, quando muito apenas seria uma questão cível relacionada com o eventual incumprimento de uma obrigação contratual de natureza laborai.

Notificados o arguido e mandatária por carta de 13.2.2013, veio aquele a 13 de Março reclamar hierarquicamente (fls 126 e ss), ao abrigo do art° 278° n°2 do CPP, apresentando discordância da subsunção jurídica efectuada pelo M°P° quanto aos factos indiciados.

O superior hierárquico, a 18.3.2013 manteve na íntegra o despacho reclamado. Nele salientou ainda ter decorrido o prazo de pedido de abertura de instrução. A reclamante foi notificada por carta simples/PD enviada a 19-3-2013.

A 16 de Abril a denunciante veio então requerer ao JIC a sua constituição como assistente e, simultaneamente, a abertura de instrução.

Por despacho judicial de 25.6.2013 entendeu-se não admitir o requerimento de abertura de instrução por estar ultrapassado o prazo legal e, tendo optado por reclamar hierarquicamente do despacho de arquivamento nos termos do art° 278° n°2 do CPP, recusou a possibilidade de requerer a abertura de instrução, o que teria de haver feito no prazo de 20 dias a contar da notificação do arquivamento inicial.

1.2 — Deste despacho vem agora interposto o presente recurso pela ,entretanto constituída, assistente, a qual conclui a sua (extensa, prolífica e excessiva) motivação, aqui sintetizada apenas quanto ao que do despacho recorrido se alcança e que se atêm apenas à questão da tempestividade do RAI:

" (... a recorrente requereu abertura de instrução no prazo de 20 dias seguintes à notificação da decisão (última) do M°P° de arquivamento do inquérito e, por isso, tempestivamente.

Esse direito é-lhe conferido mesmo quando opte primeiro pela reclamação hierárquica, caso em que se veria em situação de desigualdade com os direitos do arguido que sempre teria direito, em caso de acusação, ver apreciada a mesma pelo JIC e tendo como apoio a posição de Pinto de Albuquerque , « Comentário do CPP à luz da CRP e da CEDH», Lisboa, 2011, p. 750., violando o despacho recorrido, assim, os art°s 3° ( legalidade), 13° (igualdade) e acesso ao direito e tribunais( 20°) da CRP.(...)"

1.3- Em resposta disse o M°P°, em síntese, não merecer provimento o recurso.

1.4- Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o NIT° emitiu parecer no mesmo sentido. 1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.

II- CONHECENDO

2.1-O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410°, n.°2 do CPP[1]

Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida [2].

Assim, traçado o quadro legal temos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis no âmbito dos poderes desta Relação.

2.2-Está em discussão para apreciação , em síntese, a seguinte questão:

A assistente em crime semi-público (acesso de coisa achada- art° 209° CP) requereu abertura de instrução depois de ser notificada do despacho que decidiu, em reclamação hierárquica ao superior do MP°, do despacho de arquivamento. Este confirmou o despacho de arquivamento.

O JIC indefere o RAI por extemporaneidade e a assistente vem recorrer para a Relação.

Diz o despacho recorrido que a assistente optou pela reclamação hierárquica nos termos do 278° n°2 do CPP e, se quisesse instrução, teria de o fazer em alternativa àquela, no prazo de 20 dias a contar da notificação do arquivamento do M°P° e antes da confirmação deste arquivamento pelo superior hierárquico.

A assistente entende que para o RAI o prazo só conta a partir da notificação da decisão do superior hierárquico.

Quid juris?

2.3- A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL

Em resposta à questão formulada diremos de antemão que a posição assumida no despacho recorrido é correcta e corresponde à adequada exegese processual.

Previamente, anotaremos aqui, porém, que embora o processo não seja elucidativo sobre se a reclamação hierárquica foi interposta ainda dentro do prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento, assumiremos que o foi e que a questão a resolver se mede nos termos da previsão do art° 278° n°2 e não do n°1 do art° 278° do CPP.

Ou seja, que a reclamação hierárquica foi interposta dentro do prazo de 20 dias que, a ter optado pela abertura de instrução, a assistente teria para o efeito. Caso contrário, teríamos por assente com maior firmeza ainda, que a assistente seguramente nessa hipótese não poderia requerer abertura de instrução se o superior hierárquico M°P° mantivesse o arquivamento.
Tal decorreria da clareza literal da norma do n°1 do art° 278° do CPP onde se refere, logo de início:
"No prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida(...)"

Ora, se ab initio, 20 dias após o arquivamento o RAI já não poderia se-lo, nunca por nunca o poderia ser depois de o superior hierárquico decidir manter o arquivamento.

Posto isto, confrontemo-nos agora com a situação prevista no n°2 do art° 278° do CPP.

Dispõe o art° 278° do CPP:

«1 - No prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida, o imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento.

2 - O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente podem, se optarem por não requerer a abertura da instrução, suscitar a intervenção hierárquica, ao abrigo do número anterior, no prazo previsto para aquele requerimento.»

Ora, deste preceito (n°2) resulta que o assistente ou denunciante com a faculdade de se constituir assistente, se optar por não requerer instrução (pois que, depois de decorrido o prazo, essa "opção" seria redundante), em vez de ficar à espera que decorra o prazo de 20 dias para requerer abertura de instrução e requerer intervenção hierárquica superior nos termos do n°1, pode reclamar logo hierarquicamente no prazo que teria para requerer abertura de instrução e que seria, logicamente, de 20 dias a contar da notificação do arquivamento (por exclusão cronológica, arquivamento esse que seria o determinado pelo despacho do M°P° antes da sua submissão a reclamação).

Literalmente e de acordo com a coerência do texto legislado não haveria dúvida alguma em como o prazo de 20 dias para requerer abertura de instrução se conta a partir da notificação do despacho de arquivamento e não da notificação do despacho do superior hierárquico que, em reclamação por opção da assistente, o mantenha.

A coerência semântica do texto assim exige esta conclusão.
Alega a assistente que ficaria em desigualdade com o arguido, pois que sempre este poderia requerer controle judicial da acusação enquanto a assistente estaria assim impedida de o fazer quanto ao despacho de arquivamento.

Mas esquece que põe as coisas em planos jurídicos diferenciados. O arguido pode requerer controle judicial da acusação e a assistente pode também fazê-lo, na parte em que o M°P° não acuse em procedimento criminal não dependente de acusação particular (art° 287° n°1,a) e b) do CPP). Além do mais, sendo facultativa a instrução, a assistente tem a possibilidade de a não requerer mas, mesmo não o fazendo, (direito este a que a lei lhe permite renunciar até dentro do prazo que teria para requerer a abertura de instrução) ainda pode submeter o despacho de arquivamento a controle hierárquico, sendo certo que, em caso de acusação do M°P°. o arguido só o poderia fazer por via judicial e nunca por via hierárquica.

O legislador estabelece assim um direito que o assistente pode ou não querer exercer, bem como uma opção de altematividade que não de sucessividade.

Por aqui, não percebemos por que razão a assistente sente desigualdade, quando afinal a existir, ela resulta mais em desfavor do arguido que daquela.

Depois, a posição em se sufraga (Pinto de Albuquerque, Com° do CPP, pága 724) além de não ser claro (embora se admita possível que o seja no sentido alegado ao aludir mais à frente ao "certeiro" voto de vencido em Ac do STJ) que tal seja defendido por este ilustre comentador, da anotação n° 7 ao are 278° do CPP o que se lê mais parece ser a citação de uma posição nesse sentido defendida em Ac TRL de 15.10.2002, CJa XXVII, 4,134) mas seguida de citação exactamente em contrário do AC STJ de 15.12.2004 ( in Ac STJ , XII, 3, 246), com indicação, aí sim, de ter sido "certeiro" o voto de vencido ali exarado.

Aceita-se, porém, que esse comentador alinhe no sentido do voto alegadamente "certeiro", mas que não fez vencimento.

De todo o modo, a jurisprudência publicada folgadamente dominante, segundo pesquisa por nós efectuada, indica claramente uma orientação consistente em sentido contrário.

Vejam-se:

a) DEC SUMÁRIA Porto, 14/06/2010 ( Ângelo Morais)

"C..) a única leitura e interpretação consentida pelas disposições conjugadas dos art°s 278° n°1 e n°2 e 287° n°1, ambos do Cód, Proc. Penal, é a de que o despacho decorrente da intervenção hierárquica não é, nem formal, nem materialmente, um despacho de arquivamento. (...)"

b) AC TRP 02/06/2013 ( Maria do Carmo Silva Dias)

"(...) só quando já não puder ser requerida a abertura de instrução (devendo para tanto ter-se em conta o art. 287°, n° 1, alínea b), do CPP) ou quando o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente optarem por não requerer a instrução (o que significa que não querem apresentar requerimento de abertura de instrução, no prazo estabelecido no art. 287°, n° 1, alínea b), do CPP) e reclamarem tempestivamente para o superior hierárquico, é que este (no caso de não ter actuado oficiosamente) pode "controlar" (apreciar) internamente a decisão do titular do inquérito, seu inferior hierárquico.

Da referida norma decorre que só quando haja lugar à fase facutativa da instrução (que perante o arquivamento de crime público ou semi-publico só pode ser requerida pelo assistente no prazo estabelecido no art. 287°, n° 1, alínea b), do CPP, sem prejuízo do mesmo nesse prazo praticar acto que signifique renúncia à instrução) é que o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente pode reclamar para o superior hierárquico do titular do inquérito que proferiu o despacho de arquivamento, o que obviamente pressupõe e exige o cumprimento do prazo peremptório estabelecido no art. 278° do CPP.
Por isso, as opções facultativas da apresentação de requerimento de abertura de instrução ou da apresentação de requerimento a suscitar a intervenção hierárquica são modos de reacção alternativos (e não cumulativos, nem sucessivos) ao despacho de arquivamento do titular do inquérito. O assistente (sendo uma das condições para ser admitido como tal) que é representado por Advogado, tem de fazer a sua opção perante as alternativas que lhe são conferidas pela lei, as quais tutelam e salvaguardam suficientemente os seus direitos, aliás, em conformidade com o estabelecido na CRP, nomeadamente do seu art. 180; por isso, não pode o assistente subverter a vontade do legislador, requerendo, primeiro, a intervenção hierárquica e, depois, requerendo a abertura de instrução, esquecendo inclusivamente o prazo estabelecido no art. 287°, n° 1, alínea b), do CPP, de 20 dias contado do despacho de arquivamento do titular do inquérito.
Se queria submeter o despacho de arquivamento do titular do inquérito a "comprovação judicial", então tinha que ter optado pela apresentação atempada do requerimento de abertura de instrução. Tendo antes optado pela intervenção hierárquica então isso significa que renunciou a uma apreciação judicial daquele despacho de arquivamento do titular do inquérito (por isso, só ao próprio assistente pode ser imputada a renúncia a uma apreciação judicial daquele despacho de arquivamento). A dedução da renúncia à fase facultativa da instrução toma-se uma evidência quando o assistente, ainda no prazo aludido no art. 287°, n° 1, al. b), do CPP, em vez de requerer a abertura de instrução, opta por requerer a intervenção do superior hierárquico ao abrigo do art. 278° do CPP.

As duas alternativas de reacção ao despacho de arquivamento pelo titular do inquérito asseguram o direito a um processo justo e equitativo, mostrando-se essa opção do legislador (escolha essa que se insere no âmbito da sua liberdade de conformação) em consonância com as normas constitucionais aplicáveis, v.g. arts. 20°, n° 1 e n° 4, 32° e 18° da CRP.
Por isso, forçoso é concluir que foi assegurada a tutela dos direitos do assistente, o qual os exerceu como entendeu.

para além de não estar previsto na lei (o que se compreende, por os mecanismos previstos, por um lado no art. 278° do CPP e por outro no art. 287°, n° 1, ai. b), do CPP, serem alternativos e não cumulativos) que o requerimento a suscitar a intervenção hierárquica é causa de suspensão ou de interrupção do prazo para requerer a abertura de instrução[l2].
Aliás, se fosse essa a intenção do legislador, assim o estabelecia expressamente numa das disposições (v.g. art. 278° ou art. 287°) do CPP, o que, porém, não sucedeu. Como decorre igualmente do ac. de fixação n° 2/96, de 6.12.1995 (publicado no DR I A de 10.1.1996), cuja jurisprudência" se "conserva na actualidade"[13], apesar das alterações legislativas que aumentaram o prazo de 5 dias para 20 dias, não há dúvidas que «A disciplina autónoma do processo penal em matéria de prazos prescinde da figura da dilação», sendo o prazo para requerer a abertura da instrução (previsto no n° 1 do artigo 287° do Código de Processo Penal) peremptório. Essa jurisprudência reforça o entendimento já avançado de que o prazo para requerer a abertura de instrução (de 20 dias, que pode ser prorrogado nos termos e condições previstas no art. 107°, n° 6, do CPP, não sendo este último caso o destes autos) conta-se (no caso do requerente ser o assistente) da notificação          do       arquivamento          determinado         pelo         titular          do         inquérito.
Tudo isso mostra bem que, face ao estabelecido no art. 287°, n° 1, alínea b), do CPP, o despacho de arquivamento é apenas o do titular do inquérito, o qual não carece de ser "integrado pela decisão do superior hierárquico", nem necessita de qualquer "estabilização" (através v.g. de decisão de superior hierárquico ou do simples decurso do prazo para requerer a intervenção hierárquica) para se tornar definitivo, ao contrário do alegado pelo recorrente na resposta ao parecer do Sr. PGA. Para efeitos da contagem do prazo aludido no art. 287°, n° I, al. b), do CPP apenas interessa a notificação do arquivamento proferido pelo órgão competente para o efeito, ou seja, pelo Ministério Público que, na altura em que for encerrado o inquérito, for o seu (do inquérito) titular. Daí, também, resulta que, quando no prazo aludido no art. 287°, n° 1, alínea b), do CPP, ou seja, no prazo de 20 dias a contar da notificação do arquivamento pelo titular do inquérito, o assistente reclamou para o superior hierárquico daquele, ao abrigo do art. 278° do CPP, esse seu (do assistente) requerimento apenas pode ser interpretado como traduzindo a sua opção de não requerer e, portanto, renunciar à abertura de instrução (já que o não haver lugar à fase facultativa da instrução, a par dos demais requisitos legais, é pressuposto para poder accionar o mecanismo da intervenção hierárquica). No mesmo sentido acabou por decidir o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n° 501/2005 (in DR II Série de 23.11.2005), quando concluiu que "a norma do n.° 1 do artigo 287.° do CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo de 20 dias para o assistente requerer a abertura da instrução se conta da notificação do despacho de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público e não da notificação do despacho que, em intervenção hierárquica, o confirme, também não viola o n.° 7 do artigo 32.° nem o n.° 4 do artigo 32.° da Constituição."

Em conclusão: o despacho de arquivamento do titular do inquérito só pode ser reapreciado ou pelo seu superior hierárquico (art. 278° do CPP) ou pelo Juiz de Instrução (arts. 286° e 287°, n° 1, alínea b), do CPP), não podendo o assistente usar dos dois mecanismos previstos na lei() que tudo melhor se compreende quando se tem noções claras sobre, por um lado, a natureza pública do processo penal, que, no caso português, tem uma "estrutura acusatória" mitigada (não vigorando o sistema acusatório puro), por outro lado, que cada sujeito processual tem uma posição própria no processo penal e, finalmente, que cada uma das Magistraturas (Ministério Público e sua hierarquia por um lado e Juízes por outro lado) tem a sua esfera própria de actuação, incumbindo-lhes observar as respectivas funções e incumbências que lhe são atribuídas por lei.
Obviamente que ao juiz, designadamente, o de instrução não incumbe "controlar o exercício da acção penal"[141 (quer por não ser superior hierárquico do Ministério Público, quer por a sua actuação não ser a de juiz/investigador).

Sendo independente e autónoma a actuação de cada uma das Magistraturas nas sucessivas fases do processo, não pode o juiz arrogar-se poderes que não tem, como se ainda vigorasse o sistema inquisitório (ou seja, não pode haver confusão de papéis, nem o juiz pode "usurpar" os poderes do Ministério Público), que era o que sucedia caso vingasse o pretendido pelo assistente à revelia da lei e da própria Constituição (vg. seu art. 32°, n° 5 e n° 7).
Por isso, podemos afirmar que bem decidiu o Sr. Juiz de Instrução quando concluiu pela rejeição do RAI.
Acrescente-se que, como diz Paulo Dá Mesquita[15], a "intervenção hierárquica integra um forma processual de comprovação do despacho do Ministério Público supletiva da judicial que se concretiza na fase de instrução, função que compreende um poder revogatório oficioso e um direito de reapreciação através do impulso endoprocessual de reexame por uma (e apenas uma) segunda instância do Ministério Público. Este regime tem dois corolários:
- O primeiro é a proibição de qualquer intervenção intra-orgânica revogatória das restantes decisões de mérito sobre a acção penal (e em particular do despacho acusatório que vincula externamente o Ministério Público em virtude da consagração do princípio da irretractabilidade da acção penal), isto é, o poder de revogação do acto processual de encerramento do inquérito cinge-se a determinadas decisões de arquivamento.
- O Segundo é que ultrapassado o prazo de revogação hierárquica os despachos de arquivamento que podem ser objecto de revogação intra-orgânica passam a estar dotados de efeitos de caso decidido rebus sic stantibus (ou quase caso julgado).
O regime de revogação intra-orgânico de decisões de arquivamento exprime desta forma o resultado da ponderação, pelo legislador, das exigências do controlo necessário à efectivação do ius puniendi estadual e do princípio da segurança jurídica, por seu turno subprincípio do Estado de Direito. Com efeito, decorrido o prazo peremptório de reparação intra-orgânica do despacho de arquivamento o inquérito apenas pode vir a ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos do despacho de arquivamento."

Nesta perspectiva ter-se-á igualmente de concluir que o assistente, quando provocou a intervenção hierárquica do titular do inquérito, prescindiu que o "controlo" do despacho de arquivamento (ou a sua reapreciação) fosse feita pelo juiz de instrução (renunciando, assim, o assistente à fase facultativa da instrução, que seria o meio de obter o "controlo" judicial daquela decisão que pretendia impugnar), razão pela qual o despacho do superior hierárquico que indeferiu a sua (do assistente) reclamação, conferiu ao despacho de arquivamento o efeito "de caso decidido rebus sic stantibus", só podendo "vir a ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos do despacho de arquivamento." (ver art. 279° do CPP). Ou seja, também por aqui se conclui que, apresentada reclamação hierárquica, já não era admissível depois (por a mesma ter sido indeferida) requerer a abertura de instrução. É que quer a intervenção do superior hierárquico, quer o requerimento de abertura de instrução, neste aspecto, tem a mesma finalidade (sendo disso exemplo, aliás, os termos em que o assistente configurou por um lado a intervenção hierárquica e, por outro lado, o requerimento de abertura de instrução, tendo em ambos o mesmo objectivo de obter a acusação da arguida): reapreciar se foi bem ou mal proferido o despacho de arquivamento pelo titular do inquérito, sendo que, no primeiro caso, quem decide é o superior hierárquico, enquanto no segundo caso, é o juiz de instrução e, portanto, neste último caso a reapreciação é judicial.              a               reapreciação                é               judicial.
Ac. do STJ de 17.1.2007acórdão deste Tribunal de 16.03.05, proferido no Recurso n° 147/05-3' Secção de que foi Relator o mesmo que subscreve este, o qual, por sua vez, seguiu de perto anterior acórdão também desta Secção, de 15.12.04, Recurso n° 2027/04.

Com efeito, sendo o referente da contagem dos prazos do art° 278° e do art° 287° gramaticalmente o mesmo - o despacho de arquivamento - e se, no caso do primeiro, o despacho de arquivamento não pode senão ser o previsto no antecedente art° 277°, não se vê como, no caso do segundo, o referente tanto possa ser esse despacho como o proferido no uso dos poderes de intervenção hierárquica, o qual, todavia, nem a lei nem a praxis designam de despacho de arquivamento. Se o visado fosse o despacho do superior hierárquico, a lei tê-lo-ia seguramente dito de forma expressa, como, para situação com alguma semelhança, acontece na hipótese do art° 686° do CPC. Por outro lado, a ideia de controlo sucessivo, duplo, não só continua com aquela explicação em sede de votação parlamentar da Lei, de que se visava uma dupla possibilidade de controlo - o que é substancialmente diferente da consagração de um controlo duplo, sucessivo -, como com uma das ideias base do novo Código de Processo Penal - a da celeridade processual -, como finalmente destoa do princípio geral em matéria de controlo das decisões judiciais de um só grau de recurso (como previa inicialmente o Código e ainda hoje é tendencialmente válido).

Em resumo:
Arquivado o inquérito nos termos do art° 277° do CPP, o respectivo despacho pode ser sindicado nos seguintes termos:

- no caso de processo por crime que não admita a constituição de assistente, exclusivamente por via hierárquica, nos termos do art° 278°, contando-se o prazo aí previsto da data daquele despacho;

- no caso de processo por crime que admita a constituição de assistente:

- por via judicial, através de requerimento de abertura da instrução;

- não tendo esta sido requerida, por intervenção hierárquica, a exercer apenas depois de decorrido o prazo para aquele requerimento.

- no caso de renúncia à abertura da instrução, por intervenção hierárquica eventualmente suscitada pelo interessado, sem possibilidade naturalmente de posteriormente se confrontar esta decisão com a abertura da instrução.

c) AC RP de 23/01/2013 ( no mesmo sentido, embora com voto de vencido por alegada violação da ainda não implementada Directiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2012 (estatuto da vítima e do ofendido, no seu "acesso à Justiça). Contudo, da argumentação aduzida no referido voto não é convincente que esteja minimamente em causa o objectivo daquela Directiva, não sendo verdade que, pela opção feita pelo legislador processual se esteja a cercear, de forma inaceitável, o direito do assistente a requerer a abertura de Instrução , visto que este tem sempre o direito a requerê-la, desde que não opte pela renúncia a fazê-lo (direito este que a Directiva não proíbe) e o faça dentro do prazo estabelecido por lei ( 20 dias após a notificação do arquivamento e não da decisão dele confirmativa pelo superior hierárquico)

d) AC RP 04/05/1995

e) Ac RLxa de 24/11/2011( Jorge Gonçalves)

"(...)I° O denunciante, com legitimidade para se constituir assistente, pode reagir contra o despacho de arquivamento, solicitando a intervenção hierárquica, nos termos do art.278, n°2, do Código de Processo Penal, ou requerendo a sua constituição como assistente e, em simultâneo, a fase de instrução, nos termos do art.287, do mesmo código;

(...)III° O termo inicial do prazo para requerer a instrução é a notificação do despacho do
magistrado que decidiu em primeira linha o arquivamento do inquérito e não da decisão da reclamação hierárquica;(...)"

Tendo pois em atenção a linha e o sentido argumentativo exposto, mostra-se acertado o despacho recorrido, o qual se mantém na íntegra.

III- DECISÃO

3.1.- Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.

3.2- Taxa de justiça criminal em 3 UC a cargo da assistente.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2013

Os Juízes Desembargadores

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator — (art 94° do_CPP) ,

Agostinho Torres

João Carrola

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[1] vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.19954 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95

[2] vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, pag. 98 e o Ac STJ de 13.03.91, proc° 416794, 3° sec., tb cit° em anot. ao art° 412° do CPP de Maia Gonçalves 12° ed; e Germano Marques da Silva, Curso Proc° Penal ,III, 2° ed., pág' 335; e ainda jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 1641-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, Cl/ST.1, ano de 1999. p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como S imas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5° ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.