Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1850/24.8T8FNC.L1-4
Relator: PAULA POTT
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/08/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Faltas não justificadas – Infracção disciplinar por violação do disposto nos artigos 128.º n.º 1 – b) e 253.º do Código do Trabalho – Sanções disciplinares previstas no artigo 328.º do Código do Trabalho – Elementos da justa causa de despedimento exigidos pelo artigo 351.º n.º 1 do Código do Trabalho – Tipicidade da infracção disciplinar à luz do disposto no artigo 351.º n.º 2 – g) do Código do Trabalho – Necessidade de ponderação adicional do grau de culpa e das exigências de prevenção geral e especial à luz do disposto nos artigos 330.º n.º 1 e 351.º n.ºs 1 e 3 do Código do Trabalho
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Recorrente/ré
Panidoce – Panificadora de Câmara de Lobos Lda., titular do número único de pessoa colectiva e de identificação fiscal ... com sede na ...

Recorrido/autor
AA, titular do número de identificação fiscal, residente na ...

Decisão sumária
1. Afigura-se ser de proferir decisão sumária nos termos do artigo 656.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pelos seguintes fundamentos: a questão de direito a resolver é simples por já ter sido apreciada de modo uniforme e reiterado por esta secção, nos acórdãos proferidos nos processos 1851/24.6T8FNC.L1 e 1852/24.4T8FNC.L1 (não publicados à data), nos quais é parte a recorrente; a opção pela decisão sumária não representa uma compressão injustificada dos direitos das partes atenta a faculdade conferida pelo artigo 652.º n.º 1-c) e n.º 3 do CPC à parte que se considere prejudicada, de requerer que sobre a presente decisão recaia um acórdão.
2. Dito isto, o recurso é o próprio, subiu pelo modo e com o efeito adequados.
Sentença recorrida
3. Na presente acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, intentada pelo recorrido/autor, contra a recorrente/ré, por sentença de 15.10.2024 (referência citius 55902198), o Juízo do Trabalho do Funchal, Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão, pela qual julgou ilícito o despedimento:
“III. DISPOSITIVO
Nestes termos, tudo visto e ponderado, julgo a acção procedente por provada e, consequentemente, declaro:
a) a ilicitude do despedimento do Autor trabalhador AA pela Ré Panidoce, Panificação de Câmara de Lobos, Lda. em consequência, condeno a Ré a pagar;
b) as retribuições vencidas desde 06.04.2024 até ao trânsito em julgado da presente decisão, tendo-se em consideração o valor de retribuição mensal de 785€ (setecentos e oitenta e cinco euros);
c) o valor de 18.447,38€ (dezoito mil e quatrocentos e quarenta e sete euros e trinta e oito cêntimos) a título de indemnização pela ilicitude do despedimento;
Alegações da recorrente
4. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente (empregadora) dela veio interpor o presente recurso, mediante requerimento**com a referência citius 6008034 de 4.11.2024, formulando o seguinte pedido:
“(...) peticiona a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” substituída por outra que considere lícito o despedimento do autor/recorrido, julgando-se procedente e provada a presente apelação.”
** Rectificado mediante requerimento de 5.11.2024 com a referência citius 6009591, que o Tribunal leva em conta nos termos do artigo 146.º do CPC.
5. Nas suas alegações vertidas nas conclusões, a recorrente limita o presente recurso à questão de direito e discorda da decisão recorrida, essencialmente, na parte em que julgou não existir justa causa de despedimento, alegando, em síntese, que: as faltas injustificadas do recorrido (trabalhador), constituem uma infração disciplinar resultante da violação dos deveres previstos nos artigos 128.º n.º 1 - b) e 253.º do Código do Trabalho (CT); tal infracção disciplinar enquadra-se no disposto no artigo 351.º n.º 2 – g) do CT; a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação dos artigos 330.º n.º 1, 351.º n.º 1, n.º 2- g) e n.º 3 e 357.º n.º 4, do CT.
Posição do recorrido no presente
6. O recorrido não contra-alegou.
Parecer do Ministério Público
7. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 22709271 de 12.2.2025), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, no qual pugnou por que seja concedido provimento ao recurso, defendendo, em síntese, que, tendo em conta o número de faltas injustificadas e o grau de culpa do trabalhador, verificam-se os pressupostos da justa causa de despedimento, sendo tal sanção proporcional à infracção disciplinar em causa.
8. As partes não responderam ao parecer mencionado no parágrafo anterior.
Delimitação do âmbito do recurso
9. Tem relevância para a decisão do recurso a seguinte questão, vertida nas conclusões:
A. Justa causa de despedimento
Factos
10. Os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração pela qual foram enunciados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões.
11. Factos provados constantes da sentença recorrida:
1. A Ré empregadora dedica-se ao fabrico e comércio de produtos de panificação e confeitaria.
2. Em 8 de janeiro de 1988, admitiu ao seu serviço o Autor trabalhador, o qual sob as suas ordens direção e fiscalização exerceu as suas funções de forneiro nas instalações situadas na ....
3. Cumprindo o seguinte horário de trabalho: Segunda a Sexta-feira das 21.30 horas às 4. 30 horas; Sábado das 21.30 horas às 2.30 horas; Folga ao Domingo.
4. Mediante a retribuição mensal ilíquida de 785€.
5. Por carta registada de 12 de janeiro de 2024, a entidade empregadora comunicou ao Autor trabalhador a instauração de procedimento disciplinar e de proceder ao seu despedimento com justa causa.
6. No dia 19 de janeiro de 2024 o Autor trabalhador foi notificado da Nota de Culpa.
7. O Autor trabalhador apresentou resposta com data de 1 de fevereiro de 2024.
8. O Autor trabalhador deixou de comparecer no local de trabalho, nos dias seguintes: 13.1.2023; 7.4.2023; 8.6.2023; 10.6.2023; 1.7.2023; 15.8.2023; 4.10.2023; 5.10.2023; 1.11.2023; 1.12.2023 e 8.12.2023.
9. O que fez sem dar qualquer justificação ou apresentar justificação à Ré entidade patronal, como era sua obrigação, apesar de interpelado para o efeito.
10. O Autor trabalhador foi advertido de tal situação e que poderia incorrer em procedimento disciplinar, no entanto, continuou a faltar, o que fez sem dar qualquer satisfação ou apresentar justificação à entidade patronal.
12. Factos não provados constantes da sentença recorrida:
A demais factualidade resultou como não provada, nomeadamente a existência de acordo para a não comparência do Autor trabalhador nos dias em que faltou.
Quadro legal relevante
13. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Código do Trabalho ou CT
Artigo 128.º
Deveres do trabalhador
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d) Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;
h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;
j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.
Artigo 253.º
Comunicação de ausência
1 - A ausência, quando previsível, é comunicada ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias.
2 - Caso a antecedência prevista no número anterior não possa ser respeitada, nomeadamente por a ausência ser imprevisível com a antecedência de cinco dias, a comunicação ao empregador é feita logo que possível.
3 - A falta de candidato a cargo público durante o período legal da campanha eleitoral é comunicada ao empregador com a antecedência mínima de quarenta e oito horas.
4 - A comunicação é reiterada em caso de ausência imediatamente subsequente à prevista em comunicação referida num dos números anteriores, mesmo quando a ausência determine a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado.
5 - O incumprimento do disposto neste artigo determina que a ausência seja injustificada.
Artigo 328.º
Sanções disciplinares
1 - No exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções:
a) Repreensão;
b) Repreensão registada;
c) Sanção pecuniária;
d) Perda de dias de férias;
e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade;
f) Despedimento sem indemnização ou compensação.
2 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras sanções disciplinares, desde que não prejudiquem os direitos e garantias do trabalhador.
3 - A aplicação das sanções deve respeitar os seguintes limites:
a) As sanções pecuniárias aplicadas a trabalhador por infracções praticadas no mesmo dia não podem exceder um terço da retribuição diária e, em cada ano civil, a retribuição correspondente a 30 dias;
b) A perda de dias de férias não pode pôr em causa o gozo de 20 dias úteis;
c) A suspensão do trabalho não pode exceder 30 dias por cada infracção e, em cada ano civil, o total de 90 dias.
4 - Sempre que o justifiquem as especiais condições de trabalho, os limites estabelecidos nas alíneas a) e c) do número anterior podem ser elevados até ao dobro por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
5 - A sanção pode ser agravada pela sua divulgação no âmbito da empresa.
6 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 3 ou 4.
Artigo 330.º
Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar
1 - A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.
2 - A aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade.
3 - O empregador deve entregar ao serviço responsável pela gestão financeira do orçamento da segurança social o montante de sanção pecuniária aplicada.
4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 2 ou 3.
Artigo 351.º
Noção de justa causa de despedimento
1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;
m) Reduções anormais de produtividade.
3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Artigo 357.º
Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 - Recebidos os pareceres referidos no n.º 5 do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
2 - Quando não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o prazo referido no número anterior conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução.
3 - (Revogado.)
4 - Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
5 - A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.
6 - A decisão é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador, à comissão de trabalhadores, ou à associação sindical respectiva, caso aquele seja representante sindical ou na situação a que se refere o n.º 6 do artigo anterior.
7 - A decisão determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida.
8 - Constitui contraordenação grave, ou muito grave no caso de representante sindical, o despedimento de trabalhador com violação do disposto nos n.ºs 1, 2 e 5 a 7.
Apreciação do recurso
A. Justa causa de despedimento
14. A recorrente defende que existe justa causa de despedimento do recorrido, por se ter provado que o recorrido deu várias faltas injustificadas, interpoladas e que, tendo sido advertido do relevo disciplinar da sua conduta, continuou a faltar sem justificação. Na óptica do recorrente estão preenchidos os pressupostos da justa causa de despedimento previstos no artigo 351.º do CT e a sanção é proporcional à luz do disposto no artigo 330.º n.º 1 do CT.
15. O Tribunal a quo julgou que não obstante o relevo disciplinar da conduta do recorrido, a sanção de despedimento aplicada não preenche todos os requisitos da justa causa de despedimento.
16. Para resolver o problema suscitado pela recorrente o Tribunal da Relação começa por levar em conta os contornos fácticos da situação.
17. O recorrido trabalha para recorrente desde 8.1.1988 (cf. facto provado 1), ou seja, há mais de 30 anos.
18. O horário de trabalho do recorrido, entendido como o período normal de trabalho diário, incluindo o descanso semanal, nos termos previstos no artigo 200.º do CT, é de Segunda a Sexta-feira, das 21.30 horas às 4.30 horas e aos Sábado das 21.30 horas às 2.30 horas, com folga ao Domingo (cf. facto provado 3). O recorrido prestava trabalho nocturno na acepção do artigo 223.º n.º 1 do CT.
19. Extrai-se do facto provado 1 que a recorrente se dedica à indústria e comércio de panificação e pastelaria. A actividade de panificação é regulada, além do mais, pelo do DL 33/87 de 17.1.1987, aplicável na Região Autónoma da Madeira, ex vi Decreto Regulamentar Regional 11/88/M de 19.4.1988.
20. Resulta dos factos provados 8 e 9 que o recorrido faltou injustificadamente 11 vezes interpoladas, no ano de 2023 (cf. artigos 128.º n.º 1 – b) e 253.º do CT). Dessas 11 faltas, 8 ocorreram em dias feriados obrigatórios (cf. artigo 234.º do CT). Com efeito, foram em dias feriados as faltas dadas pelo recorrido nos dias 7.4.2023, Sexta Feira Santa, 8.6.2023, Corpo de Deus, 10.6.2023, Dia de Portugal, 15.8.2023, Assunção de Nossa Senhora, 5.10.2023, Implantação da República, 1.11.2023, Dia de Todos os Santos, 1.12.2023, Restauração da Independência e 8.12.2023, Imaculada Conceição.
21. As faltas em dias feriados convocam a aplicação do disposto no artigo 236.º do CT, nos termos do qual têm de encerrar ou suspender a laboração nos dias feriados as actividades não permitidas aos Domingos. A esse propósito, porém, não é litigioso entre as partes nem é objecto do presente recurso, que a recorrente laborava em dias feriados.
22. Dito isto, estando em causa saber se existe justa causa de despedimento, o conceito geral de justa causa de despedimento previsto no artigo 351.º n.º 1 do CT é composto por três elementos: o comportamento ilícito, grave em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo, do trabalhador (elemento subjectivo); a impossibilidade prática e imediata da subsistência do vínculo laboral (elemento objectivo); a existência de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores – cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 966 a 973.
23. Por seu lado, o artigo 351.º n.º 2 do CT enumera situações típicas de justa causa, prevendo de modo autónomo, na alínea g), as faltas injustificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou cujo número atinja, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco. Tendo o recorrido dado 11 faltas injustificadas, interpoladas, no mesmo ano civil, esse comportamento enquadra-se na situação típica de justa causa de despedimento prevista no artigo 351.º n.º 2 – g), segunda parte, do CT, independentemente de se provar ou não o prejuízo ou risco para a empresa.
24. Porém, o preenchimento de um dos tipos constantes da lista estabelecida no artigo 351.º n.º 2 do CT, incluindo o previsto na alínea g), segunda parte, não é condição suficiente para que se considere verificada a justa causa de despedimento. Adicionalmente, requer-se a prova do grau de culpa e a prova do elemento objectivo da justa causa. Sobre esse aspecto, o Tribunal acompanha aqui a seguinte doutrina:
“(...) O preenchimento de um dos tipos constantes da lista não é condição necessária, nem suficiente, para que se considere verificada uma justa causa de despedimento.
É assim que, por exemplo, indicando o art.º 351º/2-g) a prática de cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas num ano como possível justa causa, “independentemente de prejuízo ou risco”, a jurisprudência tem mantido a orientação que, de resto, lhe é sugerida pela noção contida no n.º 1 do mesmo artigo: a de não se bastar com a simples materialidade do comportamento, ainda que literalmente subsumível num pretenso “tipo legal” de justa causa [...]“ a de, enfim, requerer o preenchimento de condições de culpa e de gravidade objectiva para o preenchimento do mesmo “tipo legal” [...]. No caso específico da citada al. g), haverá mera desvalorização do elemento prejuízo (real ou potencial) na apreciação da gravidade dos factos [...]“mas não se pode excluir a relevância do grau de culpa nem o alcance de outros factores de gravidade, como os respeitantes à prevenção especial e geral.”cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, páginas 731 a 732 e jurisprudência aí mencionada.
25. No que respeita ao elemento subjectivo da justa causa, resulta do facto provado 10 que o recorrido, apesar de em data não apurada ter sido avisado da relevância disciplinar do seu comportamento, continuou a faltar sem apresentar justificação. O que faz presumir (cf. artigo 351.º do Código Civil) que, pelo menos a partir da altura em que foi avisado e relativamente a um número não apurado das faltas em questão que se lhe seguiram, o recorrido agiu dolosamente. Pelo que, dentro dos limites do provado, afigura-se que o grau de culpa foi médio. Em consequência, verifica-se o elemento subjectivo da justa causa, acima enunciado no parágrafo 22.
26. Quanto ao elemento objectivo da justa causa, acima enunciado no parágrafo 22, convém recordar que impende sobre a recorrente o ónus da prova dos factos que o integram (cf. artigo 342.º n.º 1 do Código Civil). Trata-se aqui de saber se existe impossibilidade prática e imediata da subsistência do vínculo laboral.
27. Na apreciação do elemento objectivo, o Tribunal leva em conta as circunstâncias previstas no artigo 351.º n.º 3 do CT, na medida em que se encontrem disponíveis nos autos e constem da nota de culpa junta com a referência citus 5777058 de 17.5.2024, desvalorizando o prejuízo ou risco causado à empresa e valorizando as exigências de prevenção especial e geral, pelas razões acima citadas no parágrafo 24. Adicionalmente, o Tribunal leva em conta que o artigo 357.º n.º 4 do CT exige que os factos que fundamentam a decisão disciplinar constem da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
28. Entre as circunstâncias previstas no artigo 351.º n.º 3 do CT que devem ser ponderadas, encontram-se o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do empregador (que neste caso será desvalorizado como já foi explicado), o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e outras circunstâncias relevantes para o caso em análise que, neste caso, são as exigências de prevenção geral e especial. Ou seja, ainda que o artigo 351.º n.º 2 – g) do CT não exija a existência de prejuízo para a empregadora para que a situação se enquadre no tipo de infracção aí previsto e ainda que no caso em análise se verifique o elemento subjectivo da justa causa, isso não afasta a necessidade de provar outras circunstâncias, incluindo as consequências da infracção disciplinar nas relações com a empregadora ou com os companheiros de trabalho e/ou as exigências de prevenção geral e especial, que, nos termos do artigo 351.º n.º 3 do CT, permitam concluir pela gravidade da infracção e, portanto, pela existência do elemento objectivo da justa causa de despedimento.
29. Ora, é forçoso constatar que não se provou, nem a nota de culpa o menciona, em que medida as faltas do recorrido afectaram o carácter das relações entre as partes ou entre o recorrido e os outros trabalhadores.
30. Apurado o preenchimento do tipo previsto no artigo 351.º 2 – g) do CT, as demais circunstâncias disponíveis nos autos e relevantes à luz do disposto nos n.ºs 1 e 3 desse preceito legal são o grau médio de culpa (já acima analisado no contexto do elemento subjectivo) e a antiguidade do trabalhador, superior a 30 anos, sem que se tenham apurado antecedentes disciplinares, nem consequências negativas no relacionamento entre as partes ou entre o recorrido e os companheiros de trabalho. Pelo que, as exigências de prevenção especial e geral são baixas e podem ser alcançadas mediante uma sanção disciplinar conservatória da relação laboral. Sendo esses os contornos da situação, afigura-se que não é irremediável a preservação da relação laboral uma vez que o grau de culpa do recorrido é moderado e as exigências de prevenção são baixas e podem, por isso, ser satisfeitas mediante a aplicação de outra sanção disciplinar menos grave.
31. Nessa apreciação o Tribunal leva em conta o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 330.º n.º 1 do CT e o leque de sanções disciplinares previsto no artigo 328.º n.º 1 do CT que permite à recorrente escolher outras sanções conservatórias da relação laboral, adequadas e proporcionais ao grau de culpa e às exigências de prevenção acima ponderadas.
32. Adicionalmente, o Tribunal leva em conta a jurisprudência constante dos acórdãos já proferidos por esta 4.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, nos processos 1851/24.6T8FNC.L1 e 1852/24.4T8FNC.L1, que julgaram ilícitos os despedimentos no âmbito de relações laborais existentes entre a recorrente, como empregadora, e cada um dos outros dois companheiros de trabalho do recorrido, como trabalhadores, que faltaram injustificadamente em circunstâncias comparáveis às que aqui estão em causa.
33. Em conformidade, afigura-se que não se verifica o segundo elemento da justa causa de despedimento, a saber, a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral.
34. Assim sendo, embora exista infracção disciplinar por violação do disposto nos artigos 128.º n.º 1 – b) e 253.º do CT, não se verifica a justa causa de despedimento por faltar o elemento objectivo acima analisado. Pelo que, a sentença recorrida não infringiu o disposto nos artigos 330.º n.º 1, 351.º n.º 1, n.º 2 – g) e n.º 3 e 357.º n.º 4, do CT.
35. Motivos pelos quais improcede o recurso e se mantém a decisão recorrida.
Decisão
I. Julgo improcedente o recurso e, em conformidade, mantenho a decisão recorrida.
II. Condeno a recorrente nas custas do recurso – cf. artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.

Lisboa, 8.4.2025
Paula Pott