Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MANUELA FIALHO | ||
Descritores: | NOTA DE CULPA DECISÃO DE DESPEDIMENTO JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO DEVER DE RESPEITO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1 - A deficiente formulação da decisão de despedir, em termos que violem o disposto no Art. 357.º/4 do CT, pode constituir um vício invalidante do procedimento disciplinar. 2 – Em presença de uma desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão de despedimento, com a identificação de factos novos de natureza não atenuativa da responsabilidade do trabalhador, a consequência a retirar é a da impossibilidade de considerar esses factos na formulação do juízo da justa causa de despedimento, devendo apreciar-se os demais. 3 – Não se regista abuso de direito em presença da invocação pelo Trabalhador de uma daquelas desconformidades, não obstante se apurar que parte da alegação improcede. 4 – O dever de respeito pressupõe a manutenção de uma conduta social adequada, podendo, em caso de grave violação, fundamentar justa causa de despedimento. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa: HIGH POINT – ADMINISTRAÇÃO E FORMAÇÃO, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., vem apresentar RECURSO. Pede a revogação da sentença. Formula as seguintes conclusões: -1- A Recorrentes instaurou Procedimento Disciplinar contra o seu trabalhador, aqui Recorrido. -2- A Nota de Culpa foi enviada ao Recorrido, por carta registada com aviso de receção, datada de 09 de janeiro de 2023, onde se articulam os factos imputados ao mesmo. -3- Tendo recebido a Nota de Culpa, o ora Recorrido produziu defesa ao mesmo no prazo legalmente previsto para o efeito, apresentando a competente resposta, não requerendo a realização de quaisquer diligências instrutórias. -4- Na instrução do procedimento disciplinar, foram ouvidas a Sra. AA, o Sr. BB, Sr. CC e DD. -5- A par e em simultâneo, foram juntos ao procedimento disciplinar, os seguintes documentos: - Ficha do Trabalhador; - recibos de vencimento de novembro, dezembro e subsídio de natal todos de 2022; -autos de inquirição; -o mapa com as informações obrigatórias de transmissão do local de trabalho (cláusula 15ª do IRCT aplicável) da Ilusotouch, entidade antecessora da aqui Recorrente; - recibos de vencimento de setembro, outubro e subsídio de férias, todos de 2022; recibo de vencimento de janeiro de 2023 e registos de horas de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2022; -recibo de vencimento de fevereiro de 2023; -informação do registo disciplinar. -6- O aqui Recorrido nunca consultou o procedimento disciplinar. -7- Atento o exposto, o aqui Recorrido, aquando da apresentação da sua resposta à nota de culpa (fls. 43 a 56 do procedimento disciplinar), além de refutar alguns factos constantes da nota de culpa, verteu “novos” factos para o procedimento disciplinar. -8- Uma vez que o Recorrido não requereu qualquer meio de prova, o instrutor nomeado diligenciou pelos meios de prova que entendeu necessários ao apuramento dos referidos factos “novos”, elencados na resposta à nota de culpa. -9- Neste sentido, o Mm. Tribunal a quo invocou “a invalidade do processo disciplinar na douta sentença, por terem sido considerados provados factos na decisão disciplinar que não constavam da nota de culpa ou da resposta à nota de culpa e que não se destinavam a atenuar a culpa do Recorrido e a consequente ilicitude do despedimento.” -10- O Mm. Tribunal a quo elenca, nas páginas 28 e 29 da douta sentença, os factos “novos” que constam como provados no relatório final e proposta de decisão, ademais, não considerou os meios de prova levados a cabo pelo instrutor, e as suas conclusões em face do que apurou. -11- Sempre se dirá que, ao trabalhador não foi violada qualquer garantia de defesa, uma vez que foi o próprio trabalhador que trouxe ao procedimento disciplinar, os “novos” factos, como já se disse, relativamente à remuneração, suposta alteração de morada e discriminação por parte da superior hierárquica. -12- Quanto aos demais factos elencados nas páginas 28 e 29, como sendo “novos”, não o são. -13- Aliás, não são mais do que uma concretização pelo Recorrido, dos factos que lhe foram imputados, não trazendo qualquer matéria nova, ou relevância que pudesse alterar a decisão, que sempre seria prolatada em face dos factos imputados na nota de culpa. -14- Assim cumpre referir que os factos elencados na douta sentença, na página 28, com os n.ºs 2 e n13, resultam da conjugação dos artigos 7.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º e 55.º da resposta à nota de culpa (fls. 43 a 56 do procedimento disciplinar), com os meios de prova levados a cabo pelo instrutor nomeado, expostos nos artigos 9.º, 10.º, 11.º e 13.º do presente recurso. -15- O mesmo acontece, aos factos elencados na douta sentença, nas páginas 28 e 29, com os n.ºs 6, 21, e 22, os quais resultam dos artigos 25.º, 27.º, 29.º, 30.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º e 57.º da resposta à nota de culpa (fls. 43 a 56 do procedimento disciplinar), em conjugação com os meios de prova diligenciados pelo instrutor nomeado, expostos nos artigos 9.º e 11.º do presente recurso. -16- Acresce ainda que, os factos elencados na douta sentença, na página 28, com os n.ºs 7, 8, 9 e 10, resultam dos artigos 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º, 56.º e 59.º da resposta à nota de culpa (fls. 43 a 56 do procedimento disciplinar), com os meios de prova levados a cabo pelo instrutor nomeado, expostos nos artigos 10.º, 11.º e 13.º do presente recurso. -17- No que concerne ao facto elencado na douta sentença, na página 29, com o n.º 20, resulta dos artigos 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 43.º e 44.º da resposta à nota de culpa (fls. 43 a 56 do procedimento disciplinar), com os meios de prova diligenciados pelo instrutor nomeado, exposto no artigo 11.º do presente recurso. -18- No que diz respeito, aos factos elencados na douta sentença, na página 29, com os n.ºs 24.º, 25.º, 29.º e 33.º, resultam dos artigos 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º e 49.º da resposta à nota de culpa (fls. 43 a 56 do procedimento disciplinar), com os meios de prova levados a cabo pelo instrutor nomeado, expostos nos artigos 10.º, 11.º e 13.º do presente recurso. -19- Isto posto, sempre se dirá que, com o devido respeito, o Mm. Tribunal a quo, não considerou atentamente, a resposta à nota de culpa apresentada pelo trabalhador, aqui Recorrido, e, as diligências instrutórias presididas pelo instrutor nomeado. -20- Sendo certo que o Mm. Tribunal a quo considerou violadas as normas constantes dos artigos 382.º e 357.º, do Código do Trabalho, argumento que, com o devido respeito não poderá colher. -21- Ao invés do que sucede nos artigos anterior, o Mm. Tribunal a quo deveria ter relevado todos os autos de inquirição e documentos juntos ao procedimento disciplinar, por força dos factos invocados na resposta à nota de culpa apresenta pelo Recorrido. -22- Nesta senda, a decisão do Mm. Tribunal a quo, não condiz com o factos elencados, muito menos com a prova produzida no referido procedimento disciplinar, pelo que deveria ter sido considerado válido o procedimento disciplinar, e em consequência lícito o despedimento do aqui Recorrido. -23- Sempre se dirá ainda quanto a esta matéria que, a Recorrida ao invocar que a decisão contém factos novos, os quais foram trazidos por esta na sua defesa, no seguimento da nota de culpa, no âmbito do procedimento disciplinar, consubstancia, abuso de direito. -24- Os factos “novos” que o Recorrido alega constarem da decisão, não tendo os mesmos sido levados em consideração na nota de culpa, foram factos que vieram trazidos ao procedimento pelo próprio Recorrido na resposta à nota de culpa, no âmbito do procedimento disciplinar. -25- Factos esses que obviamente teriam de ser levados à decisão, porquanto a mesma dever reportar-se também ao teor aduzido na defesa do trabalhador, aqui Recorrido. -26- Ora, a invocação desses putativos factos “novos”, pela Recorrida, nada mais consubstanciam abuso de direito, na sua figura de “venire contra factum proprium” nos termos do previsto no artigo 334.º, do Código Civil. -27- Veja-se neste sentido, o Ac. STJ, de 12.11.2013 (Proc. 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1): “São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao agente; a boa-fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma atividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objetiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.” -28- Mas mesmo que assim não se entenda, por dever de cautela e patrocínio, sempre se dirá que, caso se considere que os factos elencados nas páginas 28 e 29 da douta sentença, são “novos”, e como tal não constam na nota de culpa ou na resposta à nota de culpa, deveria ser, ainda assim o referido procedimento disciplinar válido. -29- Por imperativo legal e decorrência do contraditório, na decisão disciplinar não podem ser invocados factos que não constem dessa nota de culpa, ou da resposta à nota de culpa, exceto se atenuarem a responsabilidade do trabalhador, pese embora a jurisprudência tenha vindo, ultimamente, a entender que a mera desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão não acarreta, inelutavelmente, a invalidade do procedimento disciplinar e a ilicitude do despedimento, acarretando, eventualmente, apenas a inatendibilidade dos factos desconformes na apreciação judicial da justa causa de despedimento. -30- Atento o Ac. STJ de 09.10.2019 (2123/17.8T8LRA.C1.S1): “A desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão final que conclui pelo despedimento não conduz, de modo necessário, à declaração de invalidade de todo o procedimento disciplinar, cumprindo averiguar, na economia de ambas as peças processuais, em que factos assenta tal desconformidade e em que medida eles se refletem no direito de defesa do trabalhador.” -31- Em suma, não há dúvidas que os factos “novos” trazidos pelo Recorrido, não relevaram para a decisão disciplinar proferida, mas ainda que tivessem relevado, a consequência não é a da invalidade do procedimento disciplinar, entendimento que não foi o acolhido pelo Mm. Tribunal a quo. -32- Pelo contrário, deveria o Mm. Tribunal a quo considerar o procedimento disciplinar válido e em consequência o despedimento do Recorrido lícito, por provada a justa causa. -33- A Recorrente promoveu o Procedimento Disciplinar com a finalidade de proceder ao despedimento – alicerçado em justa causa – do Recorrido, atentos nos factos que chegaram ao seu conhecimento; -34- Provados os factos de que vinha o Recorrido acusado, a Recorrente decidiu despedi-lo com fundamento em justa causa. -35- O Recorrido impugnou judicialmente o seu despedimento, uma vez a falsidade dos factos de que vinha acusado, e tendo-lhe o Tribunal a quo dado razão, revogou a decisão proferida em sede de Procedimento Disciplinar, considerando ter sido ilícito o despedimento do Recorrido. -36- O Recorrido vinha acusado dos seguintes factos: (…) -37- O Mm Tribunal a quo deu como provado (com relevância para a matéria): - o facto referido em 1. do artigo anterior (48 dos factos provados); - o facto referido em 2. do artigo anterior (49 e 50 dos factos provados); - parcialmente o aduzido em 3. do artigo anterior, no que concerne à afirmação “ o teu filho bate-te e descarregas em mim”. (53 dos factos provados); - o referido em 4. Do artigo anterior (54 dos factos provados); -38- O Mm Tribunal considerou os seguintes factos não provados (com relevância para a matéria): - O Autor não chamou “filho da puta” ao Sr. CC (!!!) -39- Quanto aos restantes factos com relevo para a matéria: - O Mm Tribunal considerou provado que o Requerido tinha encerrado os punhos, não para bater na sua Supervisora mas para se autocontrolar; - Quanto à ameaça proferida pelo Recorrido à Supervisora, D. AA “eu apanho-te na estação”, o Mm Tribunal não se pronunciou! -40- Desde logo, não se percebe como é que o Mm Tribunal a quo não deu como provado que o Recorrido disse à Supervisora: “ És a capanga do filho da puta do senhor CC que me rouba as horas”, preferindo, dar como não provado que o Recorrido não chamou de filho da puta ao Sr. CC (patrão deste). -41- De facto e em face, da prova gravada quanto a este facto, transcritas em 10.º, 11.º e 12.º destas alegações, este facto deveria ter sido dado como provado. -42- Não se percebe como é que o Mm Tribunal a quo deu como provado o n.º 52, da douta sentença proferia: “A supervisora AA continuou aos gritos com o Autor e este cerrou os punhos, não para bater na sua Supervisora mas para se autocontrolar ”, alicerçando-se, tão só, nas declarações de parte do Recorrido para o efeito, e não levando em consideração quaisquer dos depoimentos das testemunhas que assim o contradisseram, e cujos depoimentos estão transcritos em 16.º destas alegações. -43- A par e em simultâneo, o Mm Tribunal não se dignou dar como provado ou não provado, um facto que parece de relevante importância, mais precisamente, a ameaça proferida pelo Recorrente à AA, ao dizer-lhe: “ eu apanho-te na estação”. O qual em face do depoimento isento e cristalino da AA (transcrito em 18.º destas alegações -, deveria ter sido considerado pelo Mm Tribunal a quo como provado. -44- A decisão do Mm Tribunal a quo, 20.º, viola o preceituado nos artigos referidos no artigo precedente, bem como do art.º 128.º n.1,. al.a),b),c),e) e h) e n.2, do Código do Trabalho. -45- Considerando-se provados os factos nestas alegações referidos, verifica-se a justa causa para despedimento do Recorrido. -46- Essa é a conclusão a que chega a doutrina e a jurisprudência, a qual em síntese, se cita: - “ Justa causa para o direito de resolução será qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, i.e.., todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correção e de lealdade na relação associativa (Baptista Machado, Pressupostos da resolução por incumprimento, em Homenagem ao Prof. Doutor Teixeira Ribeiro, II, Coimbra, 1979, p.361). - Ac. STJ; Proc. 99S220 de 06.04.2000: “I - O trabalhador que chama ladrão a um seu superior hierárquico, sócio gerente da empresa, no estabelecimento onde trabalhava e onde se encontravam outros trabalhadores da empresa e clientes, assume um comportamento que, justifica o seu despedimento.” EE nos autos supra identificados, notificada do recurso interposto pela R. vem apresentar Contra – Alegações sustentando que que o recurso interposto pela Recorrente deve ser rejeitado ou, assim não se entendendo, julgado improcedente. O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer do qual emerge, por um lado, que assiste razão à Recorrente quando alega não ocorrer invalidade do procedimento fundada no incumprimento da parte final do nº 4 do artigo 357º do CT, e, por outro, que relativamente à matéria de facto impugnada pelo Recorrente, se lhe afigura dever a mesma ser mantida e que que o presente recurso não merece provimento devendo a sentença recorrida ser mantida na sua íntegra. * Seguidamente apresentamos um breve resumo dos autos: Nestes autos de ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em que é Autor EE e Ré HIGHPOINT – ADMINISTRAÇÃO E FORMAÇÃO SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., foi realizada audiência de partes em que não foi possível acordo. A Ré apresentou articulado motivador de despedimento e cópia do processo disciplinar movido ao Autor. A Ré alegou, em síntese, que em 24 de Novembro de 2022, a supervisora do Autor fez uma participação sobre o seu comportamento, o qual foi considerado grave e motivou que a Ré desse início a um inquérito prévio e que suspendesse de imediato o Autor. No dia 09 de Janeiro de 2023 foi enviada ao Autor a comunicação da instauração do procedimento disciplinar, acompanhada da nota de culpa, a qual foi recebida pelo Autor em 11 de Janeiro de 2023. O Autor respondeu à mesma, foram realizadas as diligências de instrução e proferida decisão final, que considerou que a matéria de facto provada era fundamento para aplicação da sanção disciplinar de despedimento. Mais alega que o comportamento do Autor foi violador dos seus deveres de trabalhador e de tal modo grave, que merecedor da sanção aplicada à luz do direito aplicável. Termina pugnando pela declaração da licitude do despedimento do Autor por estar demonstrada a necessária justa causa inerente a este. O Autor contestou peticionando que: A. Fosse declarada a invalidade do processo disciplinar instaurado ao Autor e em consequência, fosse a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização em substituição da reintegração correspondente a 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade; B. Fosse julgada não provada a justa causa invocada para o despedimento do Autor e que a Ré fosse condenada a pagar ao Autor uma indemnização em substituição da reintegração correspondente a 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade; C. Que fosse julgado procedente o pedido reconvencional e a Ré fosse condenada a pagar ao Autor o valor de € 385,56 a título de diferenças salariais, acrescido de juros vencidos e vincendos. Alegou, em suma, que não houve inquérito prévio, porquanto o mesmo não está documentado e que não foi entregue ao Autor a comunicação da suspensão preventiva, pois a Ré enviou a carta para a morada antiga do Autor, sendo certo que o Autor comunicou oportunamente a morada atualizada à sua entidade patronal. Mais alega que só se pode considerar como recebida a comunicação de despedimento pelo Autor em 03 de Abril de 2023, último dia possível de poder ser levantada a carta pelo Autor. Alega ainda que na decisão final do processo disciplinar, não houve pronúncia sobre os factos alegados pelo Autor e a Ré acrescentou factos que não constavam da nota de culpa, nem da resposta à nota de culpa, o que viola o disposto no artigo 357º, n.º 4 do Código de Trabalho e torna o procedimento disciplinar ilícito. Ainda que se considere que o procedimento é lícito, alega o Autor que os factos considerados provados no procedimento disciplinar não ocorreram como provados, que o Autor apenas estava zangado por não lhe estar a ser pago o valor acordado e não praticou os factos descritos, nem praticou nenhuma infração disciplinar, pelo que deve ser considerada improcedente a justa causa de despedimento invocada. Por fim alega os factos que fundamentam o seu pedido reconvencional para a diferença salarial, nomeadamente, são devidos € 20,00 mensais segundo o contrato coletivo aplicável desde Outubro de 2022 até 18 de Março de 2023, data da cessação do contrato. Terminou pelo peticionado. A Ré respondeu ao pedido reconvencional, alegando que apenas quanto ao mês de Setembro poderá haver uma diferença salarial, por ter sido transmitido pela anterior empresa um valor errado de salário, mas quanto aos demais meses, foi pago o valor integral da remuneração devida ao Autor. Termina pugnando pela improcedência do pedido reconvencional. Realizou-se a audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação procedente por provada e, consequentemente: a. Declarou ilícito o despedimento do Autor, EE e consequentemente, condenou a Ré, HIGHPOINT – ADMINISTRAÇÃO E FORMAÇÃO SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA: a1) no pagamento a EE das retribuições que este deixou de auferir desde 03 de Abril de 2023 até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas as seguintes quantias, a liquidar em incidente próprio, acrescido de juros de mora desde tal liquidação: - Quantias que o Autor tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; - Subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao Autor, devendo a Ré entregar essa quantia à segurança social. a2) no pagamento de uma indemnização pela ilicitude do despedimento, em substituição da reintegração, no montante de € 6.314,96 (seis mil trezentos e catorze euros e noventa e seis cêntimos), acrescido de juros de mora desde a data do trânsito em julgado da presente decisão. b) Condenou a Ré a pagar ao Autor: - € 1.070,57 (mil e setenta euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de diferença salarial de Setembro de 2022, da diferença do subsídio de alimentação de Janeiro de 2023, da retribuição de 1 a 3 de Abril de 2023, do subsídio de alimentação, de férias não gozadas e remanescente do subsídio de férias vencidas a 01 de Janeiro de 2023 e dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação do contrato, acrescido de juros desde 03 de Abril de 2023 até integral pagamento. - Os juros devidos sobre o montante de € 807,49 entre 28 de Fevereiro e o dia 13 de Março de 2023. - Os juros devidos sobre o montante de € 1.703,82 desde 03 de Abril até 19 de Setembro de 2023. *** As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões: 1ª – O processo disciplinar não é inválido? 2ª – O Recrdº incorreu em abuso de direito? 3º - O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto? 4ª – Verifica-se justa causa para o despedimento? *** FUNDAMENTAÇÃO: Razões de lógica processual impelem-nos a iniciar a discussão pela questão que enunciámos em 3º lugar – o erro de julgamento da matéria de facto. Das conclusões apresentadas – local onde devem ser enunciados os concretos pontos de facto em discussão- emergem como impugnados dois pontos de facto, a saber: - És a capanga do filho da puta do senhor CC que me rouba as horas; - Eu apanho-te na estação. Como é sabido a impugnação da decisão que contém a matéria de facto obedece a um procedimento exigente que passa pela indicação dos concretos pontos de facto impugnados, dos concretos meios de prova a reapreciar e que imponham diversa decisão e da concreta decisão a proferir (Artº 640º/1 do CPC). Invoca o Recrdº a improcedência do recurso nesta parte porque, aduzida a falta de decisão quanto ao segundo ponto de facto, deveria ter sido invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia; e invoca a rejeição do recurso por incumprimento dos ónus em referência, defendendo que os mesmos devem cumprir-se nas conclusões. Decidindo! A referência à decisão que contém a matéria de facto inicia na conclusão 37 e termina na 44. Porém, só relativamente aos dois pontos de facto que acima transcrevemos se enuncia a concreta decisão pretendida. Quanto às demais referências fáticas não vemos que se registe alguma insurgência. Dada a função delimitadora do objeto do recurso que é exercida pelas conclusões, acima já referenciada, está assente na jurisprudência dos tribunais superiores que havendo impugnação da decisão que contém a matéria de facto, é nas conclusões que devem indicar-se os concretos pontos de facto sobre os quais incide a impugnação. O cumprimento dos demais ónus elencados no Artº 640º pode efetivar-se a partir da motivação, local apropriado para o desenvolvimento das razões que sustentam o recurso. Neste pressuposto, consideramos cumprido o ónus reportado no Artº 640º/1-a) do CPC no local próprio, e, bem assim, o da alínea c) do mesmo número. Quanto aos demais ónus – indicação das provas- compulsada a alegação, vemos que se indicam os depoimentos de BB, AA e as declarações de EE. Consideramos, pois, cumpridos os ónus referenciados. Vejamos agora se a decisão recorrida deixou de se pronunciar sobre o segundo ponto de facto. Compulsada esta constatamos que no elenco de factos provados e não provados não consta qualquer referência àquela matéria, matéria que integrava o ponto 27 da decisão de despedir e o Artº 27º/14 do articulado motivador. Deveria, pois, ter sido objeto de decisão. A omissão de pronúncia quanto a este ponto de facto não é, contudo, suscetível de gerar nulidade da sentença por referência ao disposto no Artº 615º/1-d) do CPC, antes devendo equacionar-se no âmbito do prescrito no Artº 662º do mesmo diploma, muito concretamente no Artº 662º/2-c). Tendo sido indicadas as provas a reapreciar, prosseguiremos, pois, no ajuizamento sobre a impugnação efetuada. Declarou a testemunha BB que ouviu insultos do Sr. EE para D. AA – falou do filho da puta (reportando-se ao filho da própria, que lhe batia) e depois falou do Sr. CC dizendo-lhe que ela o protegia e que ele era um filho da puta. Que ela era guarda-costas dele, proteção, uma coisa assim. Esclareceu que o Sr. CC é o patrão. Mais disse que ele fechava as mãos e abria, aproximando-se da AA. Sentiu que ele estava a intimidá-la. Quanto à testemunha AA, supervisora, relatou que, tendo o A. chegado ao trabalho às 9h30m (quando deveria entrar às 8h), o chamou à atenção, o que veio a desencadear uma altercação no âmbito da qual ele lhe disse que ela era a capanga do Sr. CC, que este lhe roubava horas, que era um filho da puta. No seguimento, começou a fechar os punhos e a tentar encostar a cabeça. O BB chegou e disse-lhe para ter calma. Ficou com medo naquela situação. Informou o Sr. CC e este disse-lhe que disse ao Trabalhador para se retirar. Ele continuou ali, foi para a linha de lavagem aos gritos a dizer que a apanhava na estação. Por isso nem foi à estação. Das declarações do Trabalhador perante a Srª Juíza decorre que nunca se deu bem com a AA, que no dia da discussão lhe respondeu torto, tendo dito asneiras e lhe chamou nomes e pediu-lhe desculpa, assumindo que deve ter dito alguma coisa como isso – a referência à capanga do filho da puta do Sr. CC. Em presença das provas apresentadas, não vemos razões para qualquer desconsideração das mesmas, que, aliás, se revelam abundantes no sentido do aqui propugnado, ou seja, considerar provada a matéria acima elencada. Aqui chegados, não podemos deixar de reportar os termos em que se preencheu a alínea o) dos factos não provados, a saber, o A. não chamou filho da puta ao Sr. CC. Matéria absolutamente inócua e que não contende com a decisão de provado supra decidida. Ainda no concernente à decisão que encerra a matéria de facto, sabido que é que a mesma deve ser enformada apenas por factos, conforme Artº 607º/4 do CPC, eliminar-se-á do acervo provado o seguinte ponto, por conter apenas conclusões: 291. *** OS FACTOS: Provaram-se os seguintes factos: 1 - A Ré, no âmbito da sua atividade comercial detém uma empresa que se dedica à higiene e limpeza de espaços públicos. 2 - Ao abrigo da sua atividade comercial e no âmbito de concurso público, no ano de 2022, à Ré foi adjudicada a prestação de serviços de higiene e limpeza, na Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia. 3 - A Ré iniciou a sua prestação de serviços no dia 03 de setembro de 2022, data em que ocorreu a transmissão do local de trabalho. 4 - Por via do contrato celebrado no âmbito do referido concurso, o Autor integrou os quadros da Ré, por via da transmissão do local de trabalho para esta, nas instalações da Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia. 5 - O Autor ocupou a categoria profissional de Lavador de Viaturas, cumpria para o efeito o horário 08:00h às 12:00h e das 13:00h às 17:00h de Segunda a Sexta, e, auferia a retribuição mensal de € 784,00. 6 - No dia 24 de novembro de 2022, chegaram ao conhecimento da Ré, determinados factos imputados ao Autor, que motivaram a abertura do Procedimento Disciplinar. 7 - A Supervisora da Ré, de nome AA, fez chegar a esta relatório da conduta do Autor, datado de 24 de novembro de 2023, referente aos dias 23 e 24 de novembro do mesmo ano, que consubstanciou os factos que a este vieram imputados. 8 - Ao Autor foi dirigida carta de suspensão preventiva sem perda de remuneração datada de 24 de novembro 2022. 9 - A entrega da carta não foi conseguida por motivo de: “O destinatário não atendeu”, tendo sido deixado aviso dos CTT na caixa postal do Autor o qual indica, a existência de uma carta para levantamento, na Loja CTT Baixa da Banheira. 10 - Não obstante a carta estar disponível para levantamento, a mesma não foi recolhida pelo Autor. 11 - No dia 15 de Dezembro de 2022 a carta encontrava-se no Centro Operacional de Viseu, correspondente à sede da Ré, não foi possível nova entrega em Viseu, tendo a carta ficado na Loja CTT S. José, em Viseu, até ao dia 19 de Dezembro de 2022, data em que a Ré procedeu ao seu levantamento, tendo sido concluído o processo de devolução ao remetente. 12 - No dia 09 de janeiro de 2023, foi enviada ao Autor, a comunicação escrita da instauração do procedimento disciplinar, acompanhada da respetiva Nota de Culpa com o seguinte teor: “1 - No seguimento do concurso público, no ano de 2022, à Autora foi adjudicada a prestação de serviços de higiene e limpeza, na Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia. 2 - A Autora iniciou a sua prestação de serviços no dia 03 de setembro de 2022, data em que ocorreu a transmissão do local de trabalho. 3 -A Autora, no âmbito da sua atividade comercial detém uma empresa que se dedica à higiene e limpeza de espaços públicos. 4 - O Arguido encontra-se a prestar o seu trabalho para a Autora, nas instalações da Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia. 5 - O Arguido ocupa a categoria profissional de Lavador de Viaturas, cumprindo para o efeito o horário 08:00h às 12:00h e das 13:00h às 17:00h de Segunda a Sexta, e, auferindo a retribuição mensal de € 729,00. 6 - Chegaram ao conhecimento da Autora, determinados factos imputáveis ao aqui Arguido. que pela sua gravidade levam à abertura do presente Procedimento Disciplinar. 7 - No dia 23 de novembro de 2022, foi solicitado ao aqui Arguido pela AA, que, durante o seu horário de trabalho e no cumprimento das funções que lhe foram atribuídas, efetuasse a lavagem do exterior da carruagem 2197014. 8 - O Arguido ignorou a ordem direta que lhe foi dada pela sua superior hierárquica, AA. Mais, 9 - O Arguido além de não executar o que lhe foi transmitido para fazer, ripostou dizendo que "não era nenhum escravo". 10 - No dia 24 de novembro de 2022, o Arguido chegou às 09:30h, uma hora e meia atrasado A par e em simultâneo, 11 - Não teve a preocupação de avisar diretamente a sua entidade patronal, pedindo ao colega de trabalho, FF, para indicar que iria chegar atrasado por levar a sua filha à escola, motivo pelo qual chegou atrasado. 12 - Nesse mesmo dia, assim que o Arguido se apresentou ao trabalho, a AA dirigiu-se ao mesmo, solicitando que escrevesse na folha de presenças o seu email. 13 - O Arguido afirmou à Supervisora, que não o faria. 14 - E ainda, lhe disse: "És a capanga do filho da puta do Sr. CC, que me rouba as horas!"; 15 - "O teu filho bate-te e descarregas em mim”. 16 - Não satisfeito com o que havia dito, o trabalhador fechou o punho, ameaçando a AA que lhe batia. 17 - No seguimento de tal acontecimento grave, a AA solicitou ao Arguido que despisse a farda e abandonasse o posto de trabalho. 18 - Mais uma vez, o trabalhador não acatou a ordem dada pela AA, tendo- lhe virado as costas e em tom muito alto, enquanto se afastava da mesma, disse-lhe: "Eu apanho-te na Estação!" à frente do Sr. BB. 19 - O trabalhador em assunto, é reincidente no que concerne ao comportamento de direção de insultos e injúrias, nas pessoas acima indicadas, mais precisamente quanto à sua superior hierárquica AA, bem como, ao Empregador Sr. CC. 20 - Pelo que, além de ilícito laboral, o trabalhador comete ilícito criminal. 21 - Não pode, a entidade patronal, compactuar com estes comportamentos que têm vindo a ser recorrentes. 22 - A Autora alertou o Arguido para o comportamento, que doravante deveria levar a cabo. 23 - Contudo, o mesmo não acarretou tal ordem, continuando constantemente a criar um mau ambiente no trabalho, constituindo mau exemplo para os restantes trabalhadores 24 - Assim, ao trabalhador foi dirigida carta de suspensão preventiva sem perca de remuneração no dia 28 de novembro de 2022. 25 - Contudo, a entrega da carta não foi conseguida por motivo de: "O destinatário não atendeu". 26 - Tendo sido deixado bilhete dos CTT o qual indica, a existência de uma carta para levantamento, do dia 30 de novembro a 12 de dezembro de 2022, na Loja CTT Baixa da Banheira. 27 - No dia 15 de dezembro de 2022, às 09:17h, os CTT Indicam que "O envio saiu para entrega. Motivo: O destinatário pediu nova entrega." 28 - No mesmo dia, às 17h40 os CTT mencionam "A entrega do envio não foi conseguida.". 29 - No dia 16 de dezembro de 2022, às 09:27h, os CTT indicam "A entrego do envio não foi conseguida. Motivo: O destinatário não atendeu."; "O envio está disponível para levantamento no Ponto de Entrega até dia 19 de dezembro" 30 - Não obstante a Carta estar disponível para levantamento, a mesma não foi recolhida pelo Arguido. 31 - Neste hiato de tempo, o Arguido dirigiu-se, juntamente com quatro Agentes da PSP, ao local de trabalho, por forma a coagir a AA, à assinatura da Folha de Ponto, todos os dias, sem prestar as horas de trabalho. 32 - Todavia, conclui-se, assim, salvo melhor opinião, que o Arguido se considera suspenso desde o dia 19 de dezembro de 2022. 33 - Uma vez que o motivo da não receção da carta formal de suspensão, se motiva por: "O envio não foi levantado.", por facto imputável ao Arguido, que não reclamou a sua correspondência. A par e em simultâneo, 34 - Porquanto, em momento algum, o trabalhador não teve o discernimento de se retratar, continuando com uma conduta pouco digna. Pelo exposto, 35 - O Arguido violou o dever de cumprir as ordens de serviço transmitidas pela empregadora, bem como o dever de cumprir com zelo e diligência o trabalho que lhe foi confiado, deveres esses apostos, respetivamente nas alíneas a), b), c), e) e h) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 128º do Código do Trabalho. 36 - Tais comportamentos do Arguido consubstanciam assim violação grave dos deveres a que está adstrito para com a Autora. 37 - O comportamento acima descrito é punível com a pena de despedimento por justa causa nos termos conjugados do n.º 1, das alíneas a), b), c), d) e l) do n.º 2 do artigo 351.º do CT. 38 - Termos pelos quais, e cotejada a argumentaria supra, é intenção da Autora proceder aplicação da sanção do despedimento sem indemnização ou compensação previsto na e) do n.º 1, da cláusula 40.º do CCT aplicável, usualmente denominado por despedimento com justa causa.” 13 - Na Ré não existe comissão de trabalhadores e o Autor não é representante sindical. 14 - O Autor recebeu a comunicação da nota de culpa no dia 11 de Janeiro de 2023, na pessoa de GG. 15 - O Autor não consultou o procedimento disciplinar. 16 - No dia 27 de janeiro, o Autor, através da sua mandatária, apresentou resposta à Nota de Culpa requerendo, para o efeito, a junção aos autos, do registo disciplinar do Autor, não apresentando qualquer testemunha ou documento à mesma. 17 - No dia 30 de janeiro de 2023, a Ré proferiu despacho de abertura das diligências instrutórias, juntando ao procedimento disciplinar a resposta à nota de culpa, o registo de CTT para confirmação de data da receção da nota de culpa; o mapa de identificação de trabalhadores; os recibos de vencimento de setembro e outubro de 2022; o recibo de subsídio de férias de 2022; o recibo de vencimento janeiro de 2023 e o registo de horas setembro, outubro, novembro e dezembro de 2022. 18 – No âmbito do procedimento disciplinar foram ouvidas as testemunhas DD, AA e CC. 19 – No dia 16 de março de 2023 foi proferida decisão no procedimento disciplinar, considerando-se provada a seguinte matéria de facto: “1. O trabalhador foi admitido em 16 de setembro de 2016, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer funções na categoria profissional de Lavador de Viaturas/Empregado de Limpeza, nas instalações da Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia. No seguimento da adjudicação da prestação do serviço à HighPoint, foi entregue à mesma, as informações de todos os trabalhadores que ali desempenham funções por parte da Ilusotouch, empresa que lhe antecedeu. 2. Nesta sequência, foi informada a HighPoint de que o trabalhador residia na Avenida 1, trabalhava 40 horas semanais, auferia a retribuição base mensal no valor de €709,00 (setecentos e nove euros) e subsídio de alimentação na ordem dos 3,70€ (três euros e setenta cêntimos). Não obstante, o trabalho suplementar que o trabalhador poderia vir a prestar. 3. Para o efeito, o horário acordado para o desempenho das suas funções é das 08:00h às 12:00h e das 13:00h às 17:00h de Segunda a Sexta-Feira. 4. A AA é superior hierárquica do trabalhador, desde a admissão deste, tendo sido contratada posteriormente pela HighPoint, mantendo a categoria profissional. 5. A função principal do trabalhador, é a de remover o grafiti das carruagens, e, de seguida proceder à lavagem exterior dessas carruagens. Exceto, quando não existem carruagens para remover grafiti. 6. Nesse seguimento, por vezes acontece que a AA, encarregava o trabalhador, no decorrer do seu horário de trabalho, de ajudar a equipa de limpeza profunda de carruagens. E fá-lo, para gerir o trabalho solicitado pelo Cliente CP, nos interesses da empresa e como função afim ligada à Categoria Profissional do trabalhador. 7. Constata-se que 80% dos trabalhadores da Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia são de raça negra. 8. A AA nunca foi denunciada como sendo uma pessoa discriminatória. 9. O trabalhador nunca demonstrou o seu descontentamento, nem ofensa quanto à forma que alegadamente era tratado pela AA ao Sr. CC, ou, Supervisora Geral DD. 10. As Autoridades para as Condições de Trabalho nunca se dirigiram ao local de trabalho, para aferir da prática de assédio moral da AA. 11. O trabalhador juntamente com outro colega de trabalho solicitou à AA uma reunião com o Sr. CC, para discussão da retribuição base mensal. 12. Em outubro de 2022, o Sr. CC, deslocou-se à Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia, para se reunir com o trabalhador. 13. Nessa reunião, foi esclarecido ao trabalhador que a tabela de remunerações foi entregue pela Ilusotouch à HighPoint, o qual consta a remuneração base que é paga aos trabalhadores que exercem funções na categoria profissional de Lavador de Viaturas. Remuneração essa, assumida pela HighPoint a partir de setembro de 2022. 14. O Sr. CC, verificando o descontentamento do trabalhador, procedeu ao aumento de 20,00€ (vinte euros) na sua retribuição base mensal, auferindo o trabalhador, a partir de outubro de 2022, a retribuição base mensal de €729,00 (setecentos e vinte e nove euros). 15. No dia 23 de novembro de 2022, ao trabalhador foi dada ordem para remoção de grafiti e lavagem exterior da Carruagem 2197014, pela AA. 16. Pelas 16:00h, a AA verificou a remoção de grafiti na referida carruagem, mas a mesma não tinha sido lavada exteriormente. Neste sentido, a AA abordou o trabalhador sobre o porquê de a carruagem não ter sido limpa exteriormente conforme era habitual, respondeu o mesmo que já tinha dito ao Sr. BB que não era nenhum escravo, ignorando a ordem que lhe foi diretamente dada. 17. No dia 24 de novembro de 2022, o trabalhador chegou às 09:30h, uma hora e meia atrasado, não tendo avisado a sua superior hierárquica, AA. 18. Nesse mesmo dia, o trabalhador foi chamado ao gabinete da AA. 19. Ao trabalhador foi solicitado que escrevesse na sua folha de presenças o seu contacto eletrónico, o qual foi imediatamente recusado, tendo acrescentado que tinha já acordado com a Supervisora Geral DD que lhe enviaria o email, via WhatsApp. 20. A folha de presenças é pessoal, e acessível pelo gabinete da AA, apenas quando esta está presente. 21. Neste seguimento, a AA chamou o trabalhador à atenção pelo facto de ter chegado atrasado, e ainda, pelo facto de não ter limpado a carruagem que lhe tinha sido atribuída, no dia anterior. 22. A AA teve de solicitar a um trabalhador de outra equipa de limpeza, para proceder à limpeza daquela carruagem, sob pena de sanções por parte da CP. 23. Ademais, o trabalhador dirigiu-se à AA muito agressivo, encostou-lhe a cabeça, fechou o punho e disse “És a capanga do filho da puta do Sr. CC, que me rouba as horas!”; “O teu filho bate-te e descarregas em mim!”. 24. No seguimento destas expressões proferidas pelo trabalhador, a AA respondeu-lhe que só estava a fazer o seu trabalho e a cumprir ordens. 25. O Sr. BB apercebeu-se da iminência de agressão, tendo intervindo imediatamente, afastando o trabalhador da AA, quando este ameaçou que lhe batia. 26. Nessa sequência, a AA ordenou ao trabalhador que despisse a farda e saísse do seu posto de trabalho. 27. Acresce ainda que, quando a AA estava de costas para o trabalhador, o mesmo vociferou que esperava por ela e que, a apanhava na estação. 28. O trabalhador não acarretou a ordem dada pela sua superior hierárquica para sair do seu posto de trabalho, o qual a sua superior hierárquica não teve outra alternativa se não a de chamar as Autoridades. 29. Tendo o trabalhador tomado conhecimento da chamada para as Autoridades, saiu antes de as mesmas chegarem ao local de trabalho. 30. Neste seguimento, foi dirigida ao trabalhador carta de suspensão preventiva sem perda de remuneração, no dia 28 de novembro de 2022, para a morada constante da sua ficha de trabalhador. 31. O trabalhador não logrou levantar a carta, contudo, dirigiu-se aos CTT e pediu “nova entrega”, no dia 15 de dezembro de 2022, para a mesma morada. 32. A carta formal de suspensão não foi entregue, por facto imputável ao trabalhador, que não levantou a referida carta. 33. O trabalhador foi caracterizado como uma pessoa agressiva, tendo sido suspenso preventivamente desde o dia 19 de dezembro de 2022, para evitar que o pior pudesse acontecer, nomeadamente a agressão física. 34. O trabalhador nunca contactou a AA ou o Sr. CC no sentido de se retratar. 35. O trabalhador não tem antecedentes disciplinares.” 20 - No dia 17 de março de 2023, foi enviado ao Autor, o Relatório Final, a Proposta de Decisão, e, Decisão Disciplinar. 21 - Contudo, a entrega da carta não foi conseguida por motivo de: “O destinatário não atendeu”. 22 - Tendo sido deixado aviso dos CTT o qual indica, a existência de uma carta para levantamento, do dia 21 de março a 03 de Abril de 2023, na Loja CTT Baixa da Banheira. 23 - Não obstante a Carta estar disponível para levantamento, a mesma não foi recolhida pelo Autor. 24 – A Ré pagou o valor líquido de € 1.703,82 ao Autor em 19 de Setembro de 2023, correspondendo aos valores ilíquidos de € 784,00 a título de vencimento base, € 64,00 a título de subsídio de alimentação, € 784,00 a título de subsídio de férias de fim do contrato, € 178,18 a título de proporcional de subsídio de férias do ano da cessação, € 173,98 a título de proporcional de subsídio de Natal do ano da cessação, € 178,18 a título de proporcional de férias do ano da cessação e € 33,40 a título de trabalho suplementar. 25 – O Autor não teve direito a receber subsídio de desemprego e apenas conseguiu novo contrato de trabalho a partir de Agosto de 2023. 26 – A Ré reduziu a remuneração mensal líquida acordada do Autor e que sempre foi paga pelas empresas que a antecederam. 27 - Em Setembro e Outubro de 2022 o Autor nunca registou trabalho suplementar [ou seja, entrou e saiu do local de trabalho no horário habitual] e recebeu salários líquidos distintos em ambos os meses: € 914,85 em Setembro de 2022 e € 718,54 em Outubro de 2022. 28 - Nos recibos de Janeiro e Março de 2023 o Autor encontrava-se suspenso e a Ré continuou a pagar a quantia mensal de € 33,40 a título de trabalho suplementar. 29 – Eliminado 30 – O Autor sempre recebeu, da Ambijardim e da Ilusotouch, “trabalho suplementar” que nunca realizou. 31 - Aquando da transmissão do local de trabalho e da transferência do Autor – e dos demais trabalhadores – da Ilusotouch para a Ré, esta foi informada desse modo de pagamento da retribuição mensal e respetivos valores, que aceitou. 32 – A Ré decidiu dar um aumento de € 20,00 mensais ao Autor passando a sua remuneração base mensal a ser de € 729,00 a partir de Outubro de 2022. 33 – O Autor apenas pediu para falar com o responsável pelos pagamentos após receber o ordenado de Outubro de 2022, com um valor líquido inferior ao do mês anterior em € 200,00. 34 - O Autor foi admitido em 16 de Setembro de 2016, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções correspondentes à categoria de Lavador de Viaturas, nas instalações da Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia. 35 - O Autor, por força da adjudicação da prestação do serviço de limpeza de comboios a diversas entidades prestou trabalho para várias empresas, nomeadamente a Ambijardim II, a Ilusotouch e, desde 3 de Setembro de 2022, para a Ré. 36 - O Autor sempre exerceu as suas funções com zelo e diligência e manteve uma relação cordial com superiores hierárquicos e colegas de trabalho. 37 - Em data não concretamente apurada a empresa Ambijardim II atribuiu ao Autor a função de remoção de graffiti, o que implica o domínio de técnicas diversas das de limpeza geral de viaturas (seja exterior ou interior) e o manuseamento de produtos químicos diversos dos da limpeza geral e, na sua maioria, tóxicos. 38 - Em consequência das especificidades da função de remover graffiti e da inexistência de categoria profissional específica, a Ambijardim acordou com o Autor que lhe pagaria uma remuneração mensal bruta de, aproximadamente, 1.000,00 acrescida do subsídio de refeição, o que resultaria num vencimento líquido mensal entre os € 900,00 e os € 1.000,00. 39 - Aquando da adjudicação dos serviços de limpeza à empresa Ilusotouch, esta foi informada do acordado entre a Ambijardim e o Autor relativamente à remuneração e o pagamento da remuneração acordada foi mantido. 40 - Aquando da adjudicação dos serviços de limpeza para a Ré, a mesma também foi informada das condições remuneratórias do Autor. 41 - Após ter recebido o ordenado de Outubro de 2022 o Autor quis falar com a pessoa responsável pelo processamento dos ordenados, tendo solicitado esse contacto à sua supervisora AA. 42 - No início de Novembro de 2022 o Autor e o seu colega de equipa falaram com o Sr. CC, na Estação de Santa Apolónia. 43 - O Autor e a trabalhadora AA nunca tiveram uma relação laboral amistosa e, por vezes, também não era cordial; de tal modo, que o Autor chegou a sentir-se discriminado e maltratado pela sua superior hierárquica. 44 - Por vezes a AA dirigia-se ao Autor aos gritos, com tom de voz autoritário e este nunca lhe respondeu, preferindo “voltar costas” para evitar conflitos. 45 - No dia 23 de Novembro de 2022, o Autor e o colega de equipa estiveram a remover graffiti de carruagens. 46 - Após terem terminado a remoção do graffiti, pelas 16h40m a AA ordenou ao Autor e ao colega de equipa que procedessem à lavagem exterior da carruagem. 47 - A carruagem demora mais de 20 minutos a lavar e o horário de saída do Autor estava fixado às 17 horas. 48 - O Autor disse à AA que mandasse a equipa de limpeza de manutenção lavar a carruagem pois estavam parados e “não era escravo”; tal veio a suceder, mas o trabalhador Arguido e o colega de equipa foram ajudar os demais colegas a lavar a carruagem para que ficasse pronta no horário habitual de trabalho. 49 - No dia 24 de Novembro de 2022, por impossibilidade imprevista, o Autor teve de ir levar a filha menor ao infantário, o que implicava não conseguir chegar ao local de trabalho a horas. 50 - Chegado ao local de trabalho pelas 9h30m, a AA mandou chamar o Autor e, mandou-o escrever o e-mail na folha de registo de ponto. 51 - O Autor disse à AA que tinha falado com a Supervisora Geral – DD – e que iria enviar o e-mail diretamente a esta. 52 - A AA continuou aos gritos com o Autor e este cerrou os punhos, não para bater na sua Supervisora mas para se autocontrolar. 53 – O Autor disse à AA “És vítima de violência pelo teu filho e vens descarregar em mim?”. 53A - És a capanga do filho da puta do senhor CC que me rouba as horas. 53B - Eu apanho-te na estação. 54 - Nesse momento que a AA deu ordem ao Autor para despir a farda e sair do local de trabalho, o que o Autor não fez naquele momento. 55 – O Autor continuou a apresentar-se no local de trabalho nos dias subsequentes e até ao dia 19 de Dezembro de 2022, data em que recebeu um email da Ré com cópia da comunicação da suspensão. 56 - Entre o dia 24 de Novembro de 2022 e o dia 19 de Dezembro de 2023 a AA não permitia que o Autor exercesse as suas funções – ficando este sentado todo o dia, sem nada para fazer – e tentava impedir o Autor de assinar o registo de assiduidade. 57 - Em dia que já não sabe concretizar, o Autor chamou a PSP para poder assinar o registo de assiduidade. 58 – A Ré deve ao Autor a quantia de € 20,00 a título de diferença salarial do mês de Setembro de 2022. 59 - A título de diferenças salariais respeitantes ao subsídio de refeição a Ré deve ao Autor a quantia de € 6,60 relativo a Janeiro de 2023. 60 - A Ré apenas pagou ao Autor a remuneração de Fevereiro de 2023, no valor líquido de € 807,49 após o dia 13 de Março de 2023. 61 – A retribuição base do Autor, à data da cessação do contrato, em Abril de 2023, era de € 784,00. *** O DIREITO: Apreciemos agora a invalidade do processo disciplinar. Concluiu-se na sentença pela respetiva invalidade por ofensa ao disposto no Artº 357º/4 do CT – ponderação de factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador. Considerou-se que, comparando vários pontos da nota de culpa se verifica que a mesma não contém todos os factos que integram a decisão final, contendo factos não alegados na resposta respetiva. Tudo conforme ponto 19º/2, 6 a 10, 13, 16, 20 a 22, 24, 25, 29, 33 do acervo fático. Alega a Recrte. que os factos “novos” foram trazidos ao procedimento pelo próprio recorrido na resposta à nota de culpa e, por outro lado, que nem sequer relevaram para a decisão disciplinar e que, ainda que tivessem relevado, a consequência não é a invalidade do procedimento. Vejamos! Foram levados à decisão disciplinar os seguintes factos, cuja inadequação aqui é posta em causa: 19 – No dia 16 de março de 2023 foi proferida decisão no procedimento disciplinar, considerando-se provada a seguinte matéria de facto: “ 2. Nesta sequência, foi informada a HighPoint de que o trabalhador residia na Avenida 1, trabalhava 40 horas semanais, auferia a retribuição base mensal no valor de €709,00 (setecentos e nove euros) e subsídio de alimentação na ordem dos 3,70€ (três euros e setenta cêntimos). Não obstante, o trabalho suplementar que o trabalhador poderia vir a prestar. 6. Nesse seguimento, por vezes acontece que a AA, encarregava o trabalhador, no decorrer do seu horário de trabalho, de ajudar a equipa de limpeza profunda de carruagens. E fá-lo, para gerir o trabalho solicitado pelo Cliente CP, nos interesses da empresa e como função afim ligada à Categoria Profissional do trabalhador. 7. Constata-se que 80% dos trabalhadores da Estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolónia são de raça negra. 8. A AA nunca foi denunciada como sendo uma pessoa discriminatória. 9. O trabalhador nunca demonstrou o seu descontentamento, nem ofensa quanto à forma que alegadamente era tratado pela AA ao Sr. CC, ou, Supervisora Geral DD. 10. As Autoridades para as Condições de Trabalho nunca se dirigiram ao local de trabalho, para aferir da prática de assédio moral da AA. 13. Nessa reunião, foi esclarecido ao trabalhador que a tabela de remunerações foi entregue pela Ilusotouch à HighPoint, o qual consta a remuneração base que é paga aos trabalhadores que exercem funções na categoria profissional de Lavador de Viaturas. Remuneração essa, assumida pela HighPoint a partir de setembro de 2022. 16. Pelas 16:00h, a AA verificou a remoção de grafiti na referida carruagem, mas a mesma não tinha sido lavada exteriormente. Neste sentido, a AA abordou o trabalhador sobre o porquê de a carruagem não ter sido limpa exteriormente conforme era habitual, respondeu o mesmo que já tinha dito ao Sr. BB que não era nenhum escravo, ignorando a ordem que lhe foi diretamente dada. 20. A folha de presenças é pessoal, e acessível pelo gabinete da AA, apenas quando esta está presente. 21. Neste seguimento, a AA chamou o trabalhador à atenção pelo facto de ter chegado atrasado, e ainda, pelo facto de não ter limpado a carruagem que lhe tinha sido atribuída, no dia anterior. 22. A AA teve de solicitar a um trabalhador de outra equipa de limpeza, para proceder à limpeza daquela carruagem, sob pena de sanções por parte da CP. 24. No seguimento destas expressões proferidas pelo trabalhador, a AA respondeu-lhe que só estava a fazer o seu trabalho e a cumprir ordens. 25. O Sr. BB, apercebeu-se da iminência de agressão, tendo intervindo imediatamente, afastando o trabalhador da AA, quando este ameaçou que lhe batia. 29. Tendo o trabalhador tomado conhecimento da chamada para as Autoridades, saiu antes de as mesmas chegarem ao local de trabalho. 33. O trabalhador foi caracterizado como uma pessoa agressiva, tendo sido suspenso preventivamente desde o dia 19 de dezembro de 2022, para evitar que o pior pudesse acontecer, nomeadamente a agressão física.” Esta matéria não integra a nota de culpa. E, quanto à resposta à nota de culpa, grande parte dela também ali não consta. Na verdade, consideramos que os pontos 6 e 7 não ferem o comando em apreciação, já que da resposta do trabalhador à nota de culpa consta, sob os números 16 a 20, embora não exatamente nas mesmas palavras, o fundo de quanto se fez consignar na decisão. Muito concretamente verificamos que o Trabalhador alegou ali que a Supervisora alterou a sua rotina de trabalho, ordenando-lhe tarefas não compreendidas nem afins das habitualmente exercidas, sem justificação e com maus modos – no mês de Novembro, para apanhar lixo da linha, no mesmo mês, a limpeza e manutenção em outras carruagens, quando existe uma equipa composta por 8 pessoas, ordenou-lhe também a limpeza exterior de outras carruagens, enquanto chovia, a equipa de manutenção é composta por 8 pessoas, das quais 2 são de raça negra… Por outro lado, e quanto à matéria que veio a integrar o ponto 16, a mesma coincide com quanto o Trabalhador alegara sob os números 23 e 24 da sua resposta, ou seja, que no dia 23/11/2022 a AA lhe ordenara que procedesse à lavagem da carruagem de que tinha removido o grafiti e que esta sabia que não havia tempo e foi nessa sequência que lhe disse que não era nenhum escravo. Já a matéria do ponto 21, está assumida no ponto 26 da resposta (o atraso). Ou seja, decorre daqui que a AA, encarregava o trabalhador, no decorrer do seu horário de trabalho, de ajudar a equipa de limpeza profunda de carruagens, o que significa que se apurou menos do que aquilo que o Trabalhador invocava e, nessa medida, não vemos que não possa preencher o elenco da decisão final. Quanto às percentagens referidas, há uma discrepância entre a quantidade de trabalhadores da CP e a da equipa de manutenção, mas, mais uma vez, parece-nos que a matéria se pode conter na alegação efetuada. E quanto à resposta do Trabalhador à supervisora, não restam dúvidas de que foi assumida por aquele na sua peça, o mesmo ocorrendo com a circunstanciação da chamada de atenção pelo atraso. Quanto ao mais, não vemos que tenha sido alegado em alguma das referidas peças. Porém, tudo o mais não reveste qualquer relevância disciplinar em termos de preenchimento de uma falta disciplinar, mas pode influir no apuramento da medida da sanção. É o caso de quanto se descreve nos pontos 9, 22, 24, 25 e 33. Deverá, então, considerar-se inválido o processo disciplinar? O procedimento é inválido se a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do nº 4 do Artº 357º ou do nº 2 do Artº 358º (Artº 382º/2-d) do CT). Esta invalidade fere o despedimento de ilicitude (nº 1). Significa isto que a deficiente formulação da decisão pode constituir um vício invalidante. Mas nem sempre! A jurisprudência vem entendendo que nem toda a desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão final acarreta, necessariamente, a invalidade do procedimento disciplinar. Afirma-se que “a desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão final que conclui pelo despedimento não conduz, de modo necessário, à declaração de invalidade de todo o procedimento disciplinar, cumprindo averiguar, na economia de ambas as peças processuais, em que factos assenta tal desconformidade e em que medida eles se refletem no direito de defesa do trabalhador. Detetada uma desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão de despedimento, com a identificação de factos novos de natureza não atenuativa da responsabilidade do trabalhador, a consequência a retirar é a da impossibilidade de considerar esses factos na formulação do juízo da justa causa de despedimento.”2 Significa este modo de ver as coisas que a invalidade do procedimento disciplinar como decorrência da apontada desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão de despedimento, não acarreta que não se pondere se a restante factualidade imputada ao trabalhador justifica ou não o despedimento. Temos, assim, para nós que aquela factualidade ínsita na decisão final e que não encontra respaldo nem na nota de culpa, nem na resposta, não invalida todo o procedimento. Antes, deve desconsiderar-se para efeito de apreciação da restante conduta. É, pois, esse, o caminho que iremos seguir na presente decisão. Procede, deste modo, a questão em apreciação. * Apreciaremos seguidamente a 2ª questão - O Recrdº incorreu em abuso de direito? Alega a Apelante que a invocação dos factos “novos” consubstancia abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. Não obstante o que acima ficou dito, não sufragamos este modo de ver as coisas. Dispõe o Artº 334º do CC que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O instituto do abuso do direito é um meio de que se deve lançar mão para evitar situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da ação, o faz de uma maneira que, objetivamente, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça prevalecente na comunidade. Traduz-se num exercício anormal de um direito próprio, verificando-se, como se salienta no Ac. do STJ de 15/09/2010, “quando um determinado comportamento, aparentando configurar o exercício de um direito, se traduz, afinal, na não satisfação dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na correspondente negação de interesses sensíveis de terceiros” (Proc.º 254/07.1TTVLG.P1.S1). Trata-se, como sustentado no Ac. do STJ de 3/10/2019, Proc.º 3722/16.0T8BG, e citando Menezes Cordeiro ( Do abuso de direito: estado das questões e perspetivas, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Castanheira Neves, Vol. II, Coimbra Editora, Stvdia Ivridica, Dez 2008, pág. 169 e 170) de um instituto cuja base ontológica “é a disfuncionalidade intra-subjetiva, ou seja, o exercício do direito que contraria o sistema: o abuso de direito reside na disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjetivos por, embora consentâneos com normas jurídicas permissivas concretamente em causa, não confluírem no sistema em que estas se integram.” Daí que ali se tenha considerado que o juízo sobre o abuso de direito está dependente das conceções ético-jurídicas dominantes na sociedade. Ora, como também ali explicitado, e com base doutrinária, agir de boa-fé significa agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte e ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar. Por bons costumes, entende-se o conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e corretas aceitam comummente, contrários a laivos ou conotações de imoralidade ou indecoro social. Por seu turno, a consideração do fim económico ou social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Não vemos, em face do circunstancialismo dos autos, como ter por manifestamente excedidos os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito invocado, tal como cada uma destas figuras deve ser definida. Improcede, assim, esta questão. * E resta a 4ª questão – Verifica-se justa causa para o despedimento? Ponderou-se na sentença que se mostra violado o dever de respeito quando, na altercação com a supervisora, o Trabalhador insulta o Sr. CC. Porém, desvalorizou-se a situação em função da relação tensa e conflituosa existente entre ambos. Mais ali se ponderou que não há desobediência a qualquer ordem no dia 23/11/2022 e que o comportamento de dia 24 não configura desobediência, bem como que o atraso do mesmo dia não assume relevância e que não se demonstrou falta de zelo. Contrapõe a Apelante que o comportamento do Trabalhador é inaceitável, dada a sua gravidade, ficando patente a impossibilidade de subsistência da relação laboral. O Apelado não se manifesta sobre esta questão. O Ministério Público entende que a conduta infracional ocorre num estado de exaltação emocional motivada por um sentimento de discriminação e de abuso (real ou ficcionado), não possuindo censura e uma ilicitude tal que justifique o despedimento. A justa causa traduz-se num comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (Artº 351º/1 do CT). Exige-se, pois, em primeira linha, um comportamento culposo, ou seja, violador de algum dos deveres laborais. Para além disso, a lei exige que o mesmo e as respetivas consequências se revistam de uma tal gravidade que comprometa a subsistência da relação jurídica de emprego. A atividade laboral conexiona-se, como é sabido, com um conjunto de deveres acessórios que, a par com o dever de trabalhar, enforma a complexidade da situação jurídica laboral do trabalhador. O dever de zelo e diligência na realização do trabalho encontra-se especificamente previsto no Artº 128º/1-c) do CT, sendo um dever integrante da prestação principal e aquele que permite avaliar do modo de cumprimento dessa prestação. Conforme ensina Maria do Rosário Palma Ramalho, “a medida do zelo ou da diligência do trabalhador no desenvolvimento da atividade laboral deve ser aferida segundo o critério geral do bom pai de família, tendo em conta o contexto laboral em concreto. Assim, a atuação do trabalhador será diligente se corresponder ao comportamento normalmente exigível para aquele tipo de trabalhador, naquela função em concreto” (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 6ª Ed., Almedina, 284). Ainda nos termos do disposto no Artº 128º/1-a) o trabalhador tem o dever de respeito e de tratamento urbano e probo, tanto em relação ao empregador, quanto aos colegas e terceiros que contactem com a empresa. Este é um dever que aponta para a necessidade de observância de regras de conduta social adequada, devendo também ter em conta o contexto específico do vínculo laboral. Constitui justa causa de despedimento a prática, no âmbito da empresa, de injúrias sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delgados ou representante (Artº 351º/2-i do CT). Vejamos os factos relevantes! O Autor e a trabalhadora AA nunca tiveram uma relação laboral amistosa e, por vezes, também não era cordial; de tal modo, que o Autor chegou a sentir-se discriminado e maltratado pela sua superior hierárquica. Por vezes a AA dirigia-se ao Autor aos gritos, com tom de voz autoritário e este nunca lhe respondeu, preferindo “voltar costas” para evitar conflitos. No dia 23 de Novembro de 2022, o Autor e o colega de equipa estiveram a remover graffiti de carruagens. Após terem terminado a remoção do graffiti, pelas 16h40m a AA ordenou ao Autor e ao colega de equipa que procedessem à lavagem exterior da carruagem. A carruagem demora mais de 20 minutos a lavar e o horário de saída do Autor estava fixado às 17 horas. O Autor disse à AA que mandasse a equipa de limpeza de manutenção lavar a carruagem pois estavam parados e “não era escravo”. Tal veio a suceder, mas o trabalhador Arguido e o colega de equipa foram ajudar os demais colegas a lavar a carruagem para que ficasse pronta no horário habitual de trabalho. No dia 24 de Novembro de 2022, por impossibilidade imprevista, o Autor teve de ir levar a filha menor ao infantário, o que implicava não conseguir chegar ao local de trabalho a horas. Chegado ao local de trabalho pelas 9h30m, a AA mandou chamar o Autor e, mandou-o escrever o e-mail na folha de registo de ponto. O Autor disse à AA que tinha falado com a Supervisora Geral – DD – e que iria enviar o e-mail diretamente a esta. A AA continuou aos gritos com o Autor e este cerrou os punhos, não para bater na sua Supervisora mas para se autocontrolar. O Autor disse à AA “És vítima de violência pelo teu filho e vens descarregar em mim?”. És a capanga do filho da puta do senhor CC que me rouba as horas. Eu apanho-te na estação. Nesse momento que a AA deu ordem ao Autor para despir a farda e sair do local de trabalho, o que o Autor não fez naquele momento. O Autor continuou a apresentar-se no local de trabalho nos dias subsequentes e até ao dia 19 de Dezembro de 2022, data em que recebeu um email da Ré com cópia da comunicação da suspensão. Como se percebe da factualidade assim descrita, não eram saudáveis as relações existentes entre o Trabalhador e a Supervisora. O ambiente entre ambos pode mesmo ter-se como conflituoso, com registo de faltas de respeito de parte a parte. De um lado, os gritos daquela para este; de outro, a resposta enviesada às ordens desta. Expressivo disto mesmo é a ocorrência de dia 23, onde, efetivamente não se regista desobediência, mas regista-se falta de respeito por parte do Trabalhador no modo como retorquiu àquela. Já o comportamento de dia 24 é revelador de elevada violação do dever de respeito, quer na forma como o Trabalhador fala de um terceiro –o “patrão”-, quer no modo agressivo como se dirige à Supervisora, ameaçando-a. Também a circunstância de não obedecer quando esta lhe dá ordem para sair do local de trabalho acentua tal falta de respeito. Já o atraso registado na chegada ao local de trabalho se nos apresenta como irrelevante no contexto. Tudo perpetrado na presença de outro trabalhador da empresa. Violado, desta forma, o dever de respeito, importará, agora, aquilatar do preenchimento dos demais pressupostos do conceito de justa causa. Para efeito de determinação da gravidade da conduta há que atender a critérios de razoabilidade especificados na lei ou seja, é imperioso, que se possa concluir pela irremediabilidade na rutura da relação de trabalho, o mesmo será dizer pela inexigibilidade de manutenção do contrato. Como adverte Pedro Romano Martinez, perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo. Como o comportamento culposo do trabalhador tanto pode advir da violação de deveres principais como de deveres acessórios, importa, em qualquer caso, apreciar a gravidade do incumprimento, ponderando a viabilidade de a relação laboral poder subsistir. “A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma” (Ac. do STJ de 28.01.2016, proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1). Daí que na apreciação da justa causa se deva atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (Artº 351º/3 do CT). Ora revelam os factos que o Trabalhador, admitido em 16/09/2016, como lavador de viaturas, encarregue subsequentemente da limpeza de grafitis, sempre exerceu as suas funções com zelo e diligência e manteve uma relação cordial com superiores hierárquicos e colegas de trabalho. Essa não era, contudo, a relação existente para com a sua Supervisora, e nem era a expetável para com o “patrão” relativamente ao qual o Trabalhador afirmou que o rouba nas horas, o que nos leva a afirmar que a conflitualidade patente se manterá. A manutenção de uma conduta social adequada é uma exigência legal. Porém, como acima dito, é essencial ter também em conta o contexto específico do vínculo laboral. No caso, a conflitualidade entre as pessoas envolvidas e a agressividade demonstrada pelo Trabalhador. Afigura-se-nos, todavia, que esta conflitualidade não desvaloriza a atitude desrespeitadora do Trabalhador acima já explicitada, considerando-se tal atitude com gravidade suficiente para impedir a manutenção da relação laboral. E, deste modo, preenchido o conceito de justa causa, com o que se tem o despedimento por lícito. Procede, assim, a questão em análise. <> As custas serão suportadas pelo Apelado, que ficou vencido (Artº 527º do CPC). * Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, e, em consequência, alterar o acervo fático conforme sobredito e revogar a alínea a) do decisório. Custas pelo Apelado. Notifique. Lisboa, 24/09/2025 MANUELA FIALHO MARIA JOSÉ COSTA PINTO FRANCISCA MENDES _______________________________________________________ 1. 29 - A Ré não podia desconhecer – que a Ilusotouch – e antes desta, a AmbiJardim II – haviam acordado com o Autor que a remuneração mensal deste seria superior ao que estava definido em sede de Contrato Coletivo de Trabalho e que esse “incremento salarial” era processado em trabalho suplementar. 2. Ac. STJ 9/10/2019, Proc.º 2123/17.8T8LRA. No mesmo sentido o Ac. STJ de 17.12.2014, Proc.º 1552/07.0TTLSB |