Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO RECONSTITUIÇÃO NATURAL EXCESSIVA ONEROSIDADE PARALISAÇÃO DE VEÍCULO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/09/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I.O artigo 41.º do DL 291/2007, de 21.08, contém regras de definição da indemnização por perda total apenas aplicáveis no âmbito do procedimento de proposta razoável previsto no Capítulo III do referido diploma legal. II. Não tendo as partes chegado a acordo extra-judicial no aludido procedimento, recorrendo o autor à via judicial, não se aplicam nesta sede processual os critérios do referido diploma. III. Da conjugação do artigo 562.º com o n.º 1 do artigo 566.º, ambos do Código Civil, resulta que se deverá, em regra, proceder à restauração natural [colocando o lesado na situação anterior à ocorrência do dano], e só excepcionalmente haverá lugar à indemnização pecuniária, que se apresenta como um sucedâneo a que se recorre apenas quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os danos ou é demasiado onerosa para o devedor. IV. A prova da excessiva onerosidade traduzida na flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural recai integralmente sobre o obrigado à reparação. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª secção do Tribunal da relação de Lisboa: I-RELATÓRIO A…, residente na Rua Nova …, intentou a presente acção declarativa de condenação contra: Seguradora Unidas, S.A., anteriormente denominada Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., pessoa colectiva n.º 500940231, com sede na Avenida da Liberdade n.º 242, 1250-149 Lisboa. O Autor pede a condenação da Ré no pagamento da quantia de 7.350,00€ a título de danos pela paralisação do seu veículo; da quantia de 4.994,91€ correspondente ao custo da reparação desse mesmo veículo e ainda da quantia de 100,00€ pelo tempo perdido com o sinistro, bem como dos juros de mora contabilizados sobre tais quantias e ainda dos danos futuros em que o autor venha a incorrer, nomeadamente 30,00€ por dia até ao recebimento do valor da reparação. Alega, para tanto, em síntese, que, no dia 04.11.2019, ocorreu um acidente de viação em São João da Talha, no qual intervieram o motociclo de matrícula XX-XX-XX, seguro na tranquilidade, e o seu veículo de matrícula YY-YY-YY, tendo sido o motociclo o causador do acidente, já que foi embater no veículo RR quando este se encontrava estacionado. Mais alega que o seu veículo sofreu danos para cuja reparação será necessário despender a quantia de 4.994,91€, tendo a ré recusado realizar essa reparação por ter entendido que se tratava de uma perda total do veículo, uma vez que atribuiu à viatura o valor venal de 1.350,00€ e ao salvado o valor de 150,00€, tendo proposto ao Autor o pagamento de indemnização no montante de 1.200,00€. Alega o Autor que através desse valor proposto pela Seguradora nunca conseguirá comprar um veículo equivalente ao que tinha, tanto mais que a compra de um veículo usado comporta um grande risco, pretendendo, por conseguinte, a reparação do veículo. Para além disso, o veículo em causa era usado para as deslocações do autor enquanto técnico de ar condicionado, pelo que a privação do seu uso lhe dificulta o transporte, tendo de socorrer-se de veículos emprestados, o que causa transtorno e ansiedade. * Regularmente citada, veio a Ré apresentar contestação, aceitando, desde logo, os factos atinentes à dinâmica do acidente e à responsabilidade do motociclo XX. Porém, alega que, atendendo ao valor dos danos, de 4.994,91€, foi considerada a “perda total” do veículo, nos termos do artigo 41.º do DL n.º 291/2007, na medida em que o valor venal do veículo era de 1.350,00€, pelo que em 04.12.2019, propôs ao autor o pagamento da indemnização de 1.200,00€, resultante da diferença entre o aludido valor venal do veículo e o valor do seu salvado. Conclui no sentido de ser excessivamente onerosa a reparação natural, tanto mais que o valor de viaturas em segunda mão similares à do autor é de 1.350,00€, pelo que o autor poderia adquirir um veículo equivalente ao sinistrado, sem qualquer prejuízo patrimonial. Mais alega que entre a data do acidente e a data em que propôs o pagamento da aludida indemnização, o Autor nunca solicitou a disponibilização de um veículo de substituição, opondo-se ao ressarcimento dos prejuízos alegadamente reclamados pelo autor. * O autor veio ampliar o seu pedido, pedindo a condenação da ré no pagamento de mais 20.340,00€ decorrentes da privação do uso do seu veículo, desde a data de instauração da acção até 13.09.2021. * Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente: 1)Condenou a ré no pagamento ao autor da quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), referente ao valor da indemnização devida pela perda total do veículo … (1.200,00€ - mil e duzentos euros) e pela sua paralisação durante o período de trinta dias (desde 04.11.2019 a 04.12.2019, à razão diária de dez euros); 2) Condenou a ré no pagamento de juros de mora sobre essa quantia, nos termos dos artigos 805.º e 806.º do CC, contabilizados à taxa legal em vigor desde a data da citação até integral pagamento 3)Absolveu a ré do remanescente do pedido. Inconformado com esta sentença, o Autor interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões: 1.O Tribunal não se pronunciou sobre a litigância de má-fé da Ré, alegada em 24-08-2020 por a Ré alegar “disponibilizar valores” e nunca, quer na fase extra-judicial, quer na fase judicial, quer após sentença, ter entregue qualquer valor ao Autor. 2.Sobre este ponto o Tribunal nem se pronunciou, violando o art.º 666.º do CPC., segundo o qual é nula a sentença quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. 3.Entende que a decisão padece dos seguintes vícios: Matéria de facto Deve ser alterada a seguinte matéria de facto e dado como não provado A Ré nunca disponibilizou um valor ao A. E deve ser dado como provado O A solicitou uma viatura de substituição à Ré em 8-11. Matéria de Direito Deve ser alterada a matéria de Direito no que toca à aplicação do critério de “perda total”, implicando o cumprimento da obrigação de indemnização em dinheiro e não através da reparação do veículo, previsto na alínea c) do n.º1 do artigo 41.º do D.L. 291/2007 de 21/08 em detrimento das regras gerais enunciadas nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil. 4. Decorre à saciedade dos autos a seguinte factualidade: 5. Junto da R. corre o processo de sinistro com o nº Processo:0013625311. 6. A R. não impugnou a cobertura de seguro, nem a validade do seguro. 7. Sobre a responsabilidade, a R tomou posição e aceitou em 04-12-2019 a responsabilidade pela produção do acidente. 8. O A contactou a seguradora para esta avaliar os danos, conforme relatório de peritagem: 9. Colocou a sua viatura na seguinte oficina: Auto Nicant 10.A fim de que o perito da R efectuasse uma avaliação dos mesmos. 11.A R. realizou a peritagem à viatura do A em 20/11/2019, concluindo-se que a reparação ascendia a 4 994,91 €. 12. A viatura não podia circular. 13.A reparação é tecnicamente possível, 14.A reparação demoraria cerca de 4 dias úteis. 15. Tudo isto foi reconhecido pela R no seu relatório de peritagem. 16. Apesar de assumir a responsabilidade, a R não deu ordem de reparação, nem atribuiu uma viatura de substituição como foi solicitado em 8-11-2019, 17.Diz o povo que : “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte.“ 18.A R não é tola e tem arte, pelo que os serviços da R determinaram unilateralmente o seguinte: 19.A cotação da viatura do A. no mercado é de 1 350,00 €, para efeitos de perda total. 20.O salvado tem um valor de 150,00 €. 21. Assim, a R. Seguradora, apesar de reconhecer que a reparação é possível com um custode 4 994,91 €, entendeque a mesma é uma "Perda Total" por o seuvalor exceder o valor de mercado da viatura (1 350,00 €) deduzindo o valor de salvado (150,00 €), ou seja 1 200,00 €. 22. Aplicando a perda total, a R encerraria o sinistro pagando apenas 1 200,00 €. 23.A R com este sistema realiza uma verdadeira proeza jurídica: - impõe unilateralmente ao Autor a venda da sua viatura e a determina a comprar outra, tudo nas condições por si definidas. - não suporta os quaisquer custos com estas operações (deslocações etaxas de registo e abate). - fica isenta da obrigação de atribuir ou indemnizar qualquer viatura de substituição. - realiza uma poupança de 3 794,91 €. 24.Este entendimento foi comunicado ao A. 25.À data do sinistro, o veículo do A. encontrava-se em bom estado de conservação. 26. Nunca tinha intervindo em qualquer acidente. 27. Tinha a inspecção técnica periódica em dia. 28.Tinha um motor em bom estado e de confiança. 29.O Autor cumpria todas as revisões e tomavaatenção aosníveisde água, óleo e pneus. 30. A viatura era cuidada pelo A como se de um carro de colecção se tratasse. 31. Constata-se que o valor atribuído pela R. não faculta, ao A. lesado, qualquer possibilidade de adquirir uma viatura para substituição da sua. 32. Por tudo isto o A., manifestou o seu desacordo com tal posição referente à perda total, e pede à R. que a reveja e que indemnize devidamente o A, reparando a viatura. 33. A R não aceitou reparar a viatura e indemnizar a paralisação e privação de uso de viatura, desde a data do acidente (4-11-2019), e manteve a sua posição. 34. O A interpelou a R. diversas e inúmeras vezes para que os seus serviços lhe atribuíssem um veículo de substituição, pois oA. está desde 04.11.2019, sem viatura para circular (Doc. 9 – e-mails para a R.). 35. Por isso reclama também privação de uso de 801 dias, desde a data do acidente (04.11.2019) até à presente data, no valor de 24 030,00 €. 36. O A. não dispunha, nem dispõe, de capacidade financeira para mandar reparar a sua viatura, ou para comprar outra, nem sequer para alugar um veículo, pelo que está numa posição de inferioridade face à Ré. 37. No que reporta à perda total, é totalmente diferente comprar um carro em 2ª mão a um desconhecido, ou reparar uma viatura que se conhece, que tem um bom motor, cujas revisões foram acompanhadas pela A. e que se encontrava em bom estado de conservação. 38. O A não pretendia vender ou comprar uma viatura. 39. Pretende tão só reparar a sua viatura, que conhece e estima - nada de tão estranho? 40. Atento o mercado de usados, o valor venal é uma abstracção. 41. Alguma jurisprudência fala em valor de substituição, o que implica que o A tenha a mesma confiança numa viatura desconhecida, que tinha na sua viatura, que apesar de antiga era conhecida e estimada. 42. É completamente diferente o mercado de usados e o mercado de novos. 43. Uma viatura nova é sempre igual, sendo fácil avaliar o seu valor, tem garantia que cobre os riscos de defeitos. 44. Uma viatura usada pode ser óptima ou péssima e há um risco ao comprar-se viaturas via internet/stand virtual, etc. 45. A R. pretende que o A compre a viatura a um particular via internet, sem garantia. 46. Esse o risco não é ponderado pela R, para quem todas as viaturas usadas são iguais. 47. Tendo o Autor ficado em situação de precariedade, com um acidente do qual não teve qualquer culpa, e tendo a Ré tardado em dar resposta atempada face a uma viatura que ficou sem capacidade para circular. 48. Tal valor oferecido pela R é manifestamente insuficiente para repor a situação o mais próximo possível do que estaria se não se tivesse dado o acidente, conforme dispõe o art. 562º CC, e o A não conseguiria comprar carro igual. 49.O A. tinha a viatura ao seu uso. 50.A viatura fazia em média 30 km por dia. 51.O A solicitou várias vezes à R. que reparasse a viatura. 52.A viatura do A circulava antes do acidente, sendo que deixou de circular devido ao acidente, e assim se encontra até agora. 53. O A está desde o dia do acidente privado da mesma. 54. O A interpelou a R para dar ordem de reparação e atribuir uma viatura de substituição. 55.Desde a data do acidente, a 04.11.2019 até à presente PI mediaram 801 dias, tendo assim a A. sofrido 801 dias de paralisação. 56. Ou seja, 801 dias sem poder usar a viatura. 57. Neste período, não foi atribuída qualquer viatura de substituição. 58. Ou seja, terá uma paralisação com um valor que se estima em 30,00 €/dia, atento o veículo em causa. 59.Assim, o A tem danos vencidos de 30,00 €x801dias de paralisação, num montante de 24 030,00 €, em virtude do acidente, do qual é credor. 60. No dia do acidente, o A. teve um dia perdido, um stress inesperado, que alterou todos os seus planos. 61. Teve que adiar compromissos pessoais e profissionais. 62.O A. teve que contactar a oficina Auto Nicant a fim de marcar peritagem. 63.Teve que transportar/mandar rebocar a viatura para a morada da mesma, ou seja: Rua … São João da Talha. 64. Contactar a assistência e mecânicos para este fim, 65. Teve que contactar a seguradora, fazer telefonemas, passar horas a falar com call centers, atendedores automáticos com publicidade da própria seguradora. 66. Teve que enviar e-mails. 67. Pedir relatórios de peritagem, 68. Fazer pesquisas na internet sobre o valor comercial de viaturas idênticas à sua. 69. Teve que contactar um advogado, deslocar-se ao seu escritório. 70. Vai ter que ir a Tribunal. 71. Tudo isto representa um mínimo 24 horas de trabalho, ou seja, 3 dias de trabalho (8 horas/dia), valor que se estima, modestamente em 220,00 €. Sendo que uma empregada de limpeza cobra 7 € a 10 € por hora. 72. Por outro lado, sendo a viatura uma perda total, o A. teria as despesas do abate e da venda da viatura, as despesas e tempo despendido na procura e aquisição de uma nova viatura. 73. Perder tempo com deslocações a stands ou particulares, para ver os carros e escolher a melhor opção. 74. O A vai ter que contratar novos seguros. 75. O A. teria que registar a nova viatura com custos de 80,00 €. 76. Tudo isto representa um mínimo de 24 horas de trabalho, ou seja, 3 dias de trabalho (8 horas/dia), valor que se estima, modestamente em 220,00 € ao qual acresce o valor do registo automóvel de 80.00 €. 77. Tudo isto ascende, modestamente, a 300,00 €. 78. Se a R. pretende impor “perdas totais” e poupar dinheiro deveria ter um serviço de apoio, aconselhamento e garantia à compra de “novas viaturas”. 79. Atentos os lucros esperados, face à reconstituição natural e a vontade de impor esta solução, parece-nos o mínimo que a R assistisse os sinistrados … 80. Na nossa modesta opinião o DL 291/2007 teve, como tudo, virtudes e defeitos. 81.Teve a enorme virtude de estabelecer prazos e constituir as seguradoras / devedoras em mora ope legis. 82. Frisamos que a constituição em mora, tanto pode decorrer da Lei como o DL 291/2007, como de interpelação nos termos do artigo 805.º do CC - (momento da constituição em mora). Citamos: 1-O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. 2-Há , porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: a)Se a obrigação tiver prazo certo; b)Se a obrigação provier de facto ilícito; c)Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido. 3- Se ocrédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. 83. Tema bastante tratado pela doutrina e jurisprudência, a constituição em mora do devedor varia conforme a obrigação estabelecida. 84-A definição do momento da constituição em mora do devedor adquire relevância face à necessidade de estipulação do seu termo inicial, sobretudo, para fins de composição dos juros moratórios (já vimos acima) e no também para determinar o âmbito da obrigação de indemnização a paralisação da viatura. 85. De facto, se o lesado não receber qualquer valor não pode, nem comprar uma viatura, nem reparar aviaturadanificada, ficando privado de meios de transporte. 86. Esta a situação foi aliás reconhecia pela Lei, que por isso estabeleceu no artigo 42 do DL 291/2007 que a obrigação de facultar uma viatura de substituição cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização. 87. Como dissemos, o DL obriga as Seguradoras a cumprir prazos ao tomar determinados comportamento e praticar determinados actos no processo de regularização de um sinistro. 88. Devem fazer peritagens, facultar documentos, tomar posição sobre as pretensões dos lesados. 89. Chegados a este ponto, reiteramos aquilo que dissemos: a R nunca disponibilizou o pagamento de qualquer valor a título de privação de uso, apesar de tal lhe ter sido solicitado extrajudicialmente, apesar de a tal estar obrigada na fase extra judicial, nos termos do artigo 42 do DL 291/2007. 90. Da leitura do processo conforme transcrições supra decorre à saciedade que a R nunca disponibilizou qualquer valor ao A. . 91.Assim, e numa lógica de aplicação do DL 291/2007, bem como nos termos gerais do Artigo 805.º - (momento da constituição em mora) ainda impende sobre a R a obrigação de prestar um veículo de substituição, pois para tal foi interpelada e sem o pagamento o A. não pode nem reparar a viatura, nem comprar outra viatura. 92. A A veio peticionar os dias vencidos desde o pedido até à efectiva reparação ou colocação à disposição do A do pagamento da indemnização, que ainda não ocorreu…., pelo que é devido o valor de paralisação até à disponibilização, se se entender aplicar o DL 291/2007 e até à efectiva reparação se se aplicarem os critérios gerais da responsabilidade civil. 93. Na nossa opinião não se devia aplicar o DL 291/2007, mas caso se entenda ser de aplicar o mesmo, o Tribunal fez uma interpretação errada do artigo 42, pois ainda se mantém a obrigação de facultar, ao Autor, uma viatura de substituição. De facto, a R está numa posição desigual face ao Autor e a sua postura extra-judicial e mesmo na fase judicial será de aceitar pagar, sob a condição encerrar o processo, ou seja obrigando o A. a prescindir de toda e qualquer indemnização para além do valor proposto. 95. Há que frisar que o A está numa situação de precariedade, pois ficou sem poder dispor da sua viatura, sem ter viatura para se deslocar, que hoje bem ou mal são bens de quase “primeira necessidade”. 96. A R não pretende cumprir as suas obrigações, nem indemnizar o A, assim condiciona qualquer pagamento à obrigação de a A a renunciar aos seus direitos. 97. Apesar de não ser elegante, não podemos deixar de apelidar tais comportamentos, como aquilo que, o povo e com razão chama de “chantagem” …. 98. Esta situação é decerto violadora dos princípios da boa- fé e consiste num abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprio, ao aceitar a responsabilidade e ao mesmo tempo fazer uma proposta, que não é uma proposta, mas sim um ultimatum…, quando em bom rigor ao aceitar a responsabilidade, deveria disponibilizar um valor. 99. O próprio gestor da Ré DM___, a minutos 19.36 a minutos diz :” só há uma informação no dia 8-11 ; ou seja 4 dias após participação neste caso do acidente, questiono ponto da situação, informo condicional, reclama que quer veículo de substituição.” 100. Assim, deve ser dado como provado que o A desde 8-11-2019 solicitou à R uma viatura de substituição, estando a R em mora desde esta data. Termos nos quais deverá a R ser condenada, nos valores peticionados (reparação + despesas), acrescidos dos valores de paralisação vencidos até ao momento em que o lesado recebe a indemnização que vier a ser devida pela seguradora. Em concreto deve a Ré ser condenada a pagar o valor de reparação acrescido do valor de despesas peticionado de 100.00 € , acrescido dos valores de paralisação até ao pagamento. Não foram apresentadas contra alegações. II-OS FACTOS Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1)Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5819357, foi transferida para a ré a responsabilidade civil emergente da circulação do motociclo de matrícula XX-XX-XX; 2) No dia 04.11.2019, pelas 11:09 horas, na Rua de Santa Justa, em São João da Talha, ocorreu um acidente de viação; 3) Foram intervenientes nesse acidente o motociclo de matrícula XX-XX-XX e o veículo de matrícula YY-YY-YY; 4) O veículo YY-YY-YY é propriedade do autor e era por este conduzido na ocasião descrita no ponto 2 supra; 5) Este veículo é um ligeiro de mercadorias, com motor a gasóleo, da marca Citroen, modelo Saxo, do ano de 2001; 6) O veículo YY-YY-YY encontrava-se estacionado e foi violentamente embatido pelo motociclo XX-XX-XX, que circulava a alta velocidade e que se descontrolou; 7) Por força desse embate, o veículo YY-YY-YY sofreu estragos, que o impedem de circular; 8) A reparação desses estragos é possível e terá um custo de 4.994,91€; 9) Em 04.12.2019, a ré enviou ao autor missiva com o seguinte teor: “Relativamente ao processo em referência, serve a presente para informar que, de acordo com os elementos probatórios de que dispomos, estamos a assumir a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do presente acidente. (…) encontra-se ao vosso dispor o valor de 1.200,00€, mantendo V. Exas. a posse do veículo com danos (…)”. 10) À data do acidente o veículo RR valia 1.350,00€; 11) O salvado do veículo RR vale 150,00€. Foram dados como não provados os seguintes factos: · O valor do veículo é de 3.250,00€ a 3.299,00€. · O autor nunca solicitou à ré que lhe disponibilizasse uma viatura de substituição. III - O DIREITO Tendo em conta as conclusões formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal as questões a apreciar são as seguintes: 1-Nulidade da sentença por omissão de pronúncia 2-Impugnação da decisão sobre a matéria de facto 3-Reconstituição natural, perda total e indemnização pela paralisação do veículo. Veículo de substituição. 1-O Apelante invoca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre a alegada litigância de má-fé decorrente da alegação de ter“ disponibilizado valores” e na verdade, nem na fase extra-judicial, nem na fase judicial, entregou qualquer valor ao Autor. Ora, na verdade, no seu requerimento de 24-08-2020, o Autor sob o título “ da má-fé”, invoca a má-fé da Ré pelo facto de esta aceitar que deve pelo menos € 1200,00 ao Autor, mas não ter efectuado o pagamento. Em tal requerimento apenas formula o pedido de que a Ré seja notificada para proceder a esse pagamento já admitido. Não formula qualquer pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé. De resto a situação não se enquadra em qualquer das situações previstas no art.º543.º n.º2 do CPC. Não havendo qualquer pedido de condenação, não omitiu o Tribunal a pronúncia sobre questão que verdadeiramente não existia para decidir. Logo, a sentença não enferma de qualquer nulidade. 2-Quanto à impugnação da matéria de facto rege o disposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil (CPC) que no seu n.º1 estipula: “ Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b)Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Como se verifica, o referido normativo legal impõe, ao apelante, ónus rigorosos, cujo incumprimento acarreta a imediata rejeição do recurso, como expressamente ali se diz, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento das conclusões – conforme vem sendo entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência, quer no âmbito da versão do CPC introduzida pela Lei 41/13, quer no âmbito da versão anterior (redacções do DL 329-A/95, de 12.12 e do DL 303/07, de 24.0)[1]. Ora, quanto à pretensão de “alteração da matéria de facto” de forma a ser “dado como não provado” que “A Ré nunca disponibilizou um valor ao A”, é por demais evidente que o Apelante não cumpre os referidos ónus e é mesmo ininteligível o sentido da impugnação. Rejeita-se, pois, a impugnação sobre a decisão da matéria de facto neste ponto. O Apelante impugna ainda a decisão sobre a matéria de facto no sentido de que seja aditado à matéria de facto o seguinte: “ O Autor solicitou uma viatura de substituição à Ré em 08-11”. Invoca, para tanto, o depoimento da testemunha DM___, cujo depoimento no seu entender imporia decisão diversa. Na verdade, ouvida a referida testemunha DM___, funcionário da Ré, que interveio no processo relativo ao sinistro a que respeitam os autos, após consultar o processo de que se fazia acompanhar e que pediu licença ao Tribunal para essa consulta, afirmou que, efectivamente, em 08-11-2019, o Autor pediu à Ré uma viatura de substituição. Mas também explicou que a Seguradora não poderia, nesse momento, dar qualquer resposta sobre esse assunto porque o sinistro ainda estava a ser analisado na Seguradora. Note-se que o acidente ocorreu em 04-11-2019. Mais referiu ainda que o veículo de substituição só é disponibilizado aos lesados quando o veículo sinistrado segue para a oficina, para reparação. Assim, face à prova produzida, é mais exacto retirar dos factos ”não provados” que “ O autor nunca solicitou à ré que lhe disponibilizasse uma viatura de substituição” e dar como provado que : “O Autor solicitou uma viatura de substituição à Ré em 08-11-2019”. Procede nesta parte a pretensão do Apelante. 3-Não está em discussão a responsabilidade civil da Ré, dado que face aos factos apurados é inequívoco que o embate a que respeitam os autos, foi unicamente imputável, a título culposo, ao condutor do motociclo, segurado na Ré. O que está em litígio é, unicamente, o valor da indemnização pelos danos sofridos pelo Autor, ora Apelante. Nos termos do disposto nos artigos 483.º e 506.º do Código Civil (CC), a Ré responde pelos danos decorrentes do acidente, na medida em que se encontra transferida para si a responsabilidade civil inerente à circulação do motociclo causador do acidente. No que respeita ao regime da indemnização devida ao Autor, rege o disposto no art.º 562.º que institui como regra geral o seguinte: “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e, nos termos do artigo 563.º do CC, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Importa ainda o disposto no art.º 564.º do CC, segundo o qual “ o dever de indemnização compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”. Releva ainda o que dispõe o art.º 566.º do CC: “1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. 2.(…) a indemnização em dinheiros tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.” Ora, o Autor ora Apelante pretende ser indemnizado pelo valor correspondente ao custo da reparação do seu veículo (4.994,91€), com base nos princípios indemnizatórios supra invocados, maxime do princípio da reconstituição in natura, enquanto que a Ré, entendendo que se trata de uma situação de perda total, apenas aceita pagar a quantia de € 1200,00 correspondente ao valor venal do veículo deduzido do valor do salvado, baseando-se no disposto no art.º 41.º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto. Nesta divergência reside o essencial deste litígio. Com efeito, de acordo com o disposto no n.º1 do referido art.º 41.º do D.L. n.º 291/2007 “ Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses: a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total; b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança; c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos”. E estipula o n.º2 que “O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente”. De acordo com o n.º3, “O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização”. Desde logo, importa acentuar “os limites previstos na alínea c) do artigo 41.º do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, poderão servir de ponto de partida e como limite mínimo para a análise da questão aqui colocada. Mas, o regime previsto no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21/08 vale apenas para os procedimentos a adoptar pelas empresas de seguros na fixação de prazos com vista à regularização rápida de litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros com vista à apresentação de uma “proposta razoável”, mas já não na fase judicial, em que regem as regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, podendo quando muito tais normativos considerarem-se como elementos de referência não vinculativos”.[2] Isso mesmo é, de resto, reconhecido na sentença recorrida ao referir que “não obstante o citado artigo 41.º do DL n.º 291/2007, a jurisprudência maioritária tem vindo a entender que aquele normativo não revogou o n.º 1 do art.º 566º do Código Civil e que não é aplicável aos litígios em fase judicial. Pela sua inserção no contexto daquele decreto-lei nº 291/2007, no capítulo III, sob a epígrafe “Da regularização dos sinistros”, a par da proposta razoável para a regularização que a seguradora deve apresentar ao lesado, tal preceito dispõe para os procedimentos a adotar pelas empresas de seguros na fixação de prazos com vista à regularização rápida de litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros. Visa-se ali a resolução simplificada, rápida e amigável dos litígios entre as seguradoras, os seus segurados e terceiros. Assim, mediante a apresentação de uma proposta razoável de indemnização apresentada pela seguradora, fundada nos critérios estabelecidos nesse diploma, pode o segurado ou o terceiro aceitá-la, resolvendo-se em definitivo o litígio”. No caso em apreço, como é patente, o lesado não aceitou a proposta da seguradora. Retornemos, pois, à norma aplicável contida no art.º 566.º do Código Civil, segundo a qual “a indemnização só é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. Ora, provou-se que a reparação do veículo do Autor é possível. Importa saber se a mesma é excessivamente onerosa para a Ré. A sentença recorrida entendeu que sim, com base em argumentos que entendemos defensáveis, mas que não acompanhamos integralmente. Vejamos: Ensina a doutrina que a limitação estabelecida por lei ao princípio da reconstituição natural terá lugar em caso de “flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável. A onerosidade deve apreciar-se, de resto, em termos amplos, considerando-se, inclusive, legítimos interesses de ordem moral ou sentimental”[3] “ A excessiva onerosidade ocorre quando a indemnização específica, sendo possível, acarrete, no entanto, para o obrigado a indemnizar, um esforço que não tenha qualquer equivalência com a vantagem acarretada para o lesado, ou seja, quando a sua exigência atente gravemente contra o princípio da boa- fé”[4] Coloca-se, pois, a questão: O custo da reparação de € 4.994,91 será demasiado onerosa para a devedora ora Ré, considerando o valor do veículo de € 1.350,00? Desde logo, não ficou provado que o valor comercial do veículo acidentado, proposto pela Ré, permita ao Autor a aquisição de uma viatura similar, com as mesmas características que apresentava o veículo do Autor, antes do sinistro. De qualquer modo, como acentua o Apelante e é notório, a compra de um veículo usado, pelo preço de 1200,00€ envolve um risco acrescido de vícios ocultos que não se encontra abrangido pela indemnização proposta. Acresce que caberia à Ré alegar e provar que a reparação do dano com vista à reconstituição natural lhe acarreta um encargo injustificável ou desajustado.[5] E tal prova não foi feita. A opção entre mandar reparar o veículo danificado RR ou optar por receber uma indemnização em dinheiro cabe ao Autor recorrente, pois é o lesado que nenhuma culpa teve na produção dos referidos danos materiais no seu veículo. Como já referido, “em sede judicial, vigora o primado da reparação in natura, competindo ao lesado demonstrar, entre o mais, os danos sofridos na sua viatura e o respectivo montante e à seguradora a prova da excessiva onerosidade, susceptível de afastar tal princípio”.[6] No caso concreto, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, a Ré seguradora não alegou tal factualidade. Não está minimamente demonstrado que a Ré ao proceder ao pagamento do valor necessário para reparar o veículo tal lhe acarrete um esforço que não tenha qualquer equivalência com a vantagem auferida pelo lesado, ou que tal obrigação atente gravemente contra os princípios da boa – fé. Antes pelo contrário, o Autor é que ficou numa situação altamente penalizadora, vendo-se privado do seu meio de locomoção sem para tal ter tido qualquer culpa ou participação. Seguramente não ficará enriquecido ainda que o custo da reparação seja bastante superior, cerca do triplo, ao valor atribuído ao veículo. Ainda assim, entendemos que tal diferença não permite representar a excessiva onerosidade da restauração natural, dado que, da alegação da Ré, não resultou quanto é que o autor recorrente precisaria para adquirir uma viatura semelhante à sua de molde a poder-se concluir que havia desproporção clamorosa entre o valor de substituição e o da reparação. Para se concluir pela excessiva onerosidade da reconstituição natural, além de não bastar um qualquer excesso do custo da reparação, face ao valor do veículo sinistrado, necessário se torna apurar que o valor apontado como venal ou comercial permite efectivamente a aquisição de um veículo idêntico ou similar ao acidentado e que de igual modo satisfaça as necessidades do lesado. Importa ter presente que a excessiva onerosidade e por referência ao previsto no artigo 566.º do Código Civil deverá ser aferida, conforme tem vindo a ser jurisprudencialmente defendido, no caso concreto entre o interesse do lesado à total reparação do veículo (quando possível, como aconteceu nos autos, porque era o mesmo tecnicamente reparável) e o custo que tal representa para o responsável. Só perante uma manifesta desproporção entre estes dois interesses se poderá entender justificado o afastamento da obrigação da reconstituição natural ou seja, a reparação total da viatura.[7] Assim sendo, em conformidade com o exposto e na aplicação dos preceitos legais, supra referidos, deverá a Ré proceder ao pagamento do custo reparação do veículo sinistrado, conforme peticionado pelo Autor, no valor de 4.994,91€. Procedem, assim, nesta parte as conclusões do Apelante. Quanto à indemnização pela paralisação do veículo, importa começar por referir que entendemos ser a privação do uso do veículo, em si mesmo, um dano indemnizável, independentemente da prova da utilização concreta que o lesado dele faça, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito[8]. Entendemos também que o cálculo da correspondente indemnização, há-de ser efectuado com base na equidade, por não ser possível avaliar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do Código Civil). Nestes termos consideramos adequada a fixação definida na 1.ª instância no que se refere ao valor de € 10,00 diários, desde a data do acidente. Porém, já não nos parece adequada a limitação temporal dessa indemnização. Marcada pela data em que a seguradora se predispôs a liquidar o montante da indemnização que o Autor não aceitou, no uso de um direito que, neste acórdão, já se verificou ser legítimo. A verdade é que o Autor está privado do uso do seu veículo, desde 4 de Novembro de 2019, data do acidente, até à presente data. Contudo, no cômputo da indemnização, sempre teria de se descontar o período em que por inércia, que não pode ser imputável à Ré, o Autor nada diligenciou, tendo proposto a acção apenas em 8 de Julho de 2020. Por outro lado, e ainda que descontemos o referido período, se contabilizarmos os dias já decorridos, à referida razão de 10,00€ diários, a indemnização pela privação do uso do veículo seria absolutamente desproporcionada. Assim, nunca o valor desta indemnização poderá ser superior ao valor da indemnização pela perda ou reparação do veículo. Ou seja, no caso em apreço, o valor da indemnização pela privação do uso não poderá ser superior a € 4.994,91 o que desde já se fixa.[9] Por outro lado, a Autora invoca o direito a uma viatura de substituição. Porém, decorre do disposto no art.º 42.º do D.L. n.º 291/2007 que a viatura de substituição deve ser disponibilizada ao lesado, no caso de ter sido ordenada a reparação do veículo sinistrado e enquanto durar essa reparação. No caso, nunca as partes chegaram a acordo no sentido da reparação do veículo, pelo que não é aplicável aquela norma. Desse modo, é irrelevante o facto de o Apelante ter solicitado uma viatura de substituição em 8-11-2019. O Autor peticiona ainda o valor de € 100,00 a título de indemnização pelo tempo perdido em consequência do acidente. Ora tal pedido não encontra suporte em nenhum facto concreto que tenha ficado provado, tão pouco foi alegado e que se pudesse integrar na categoria de dano patrimonial ou não patrimonial indemnizável. É certo que situações como a dos autos geram, notoriamente, transtornos, incómodos e preocupações. Porém, não assumem a gravidade de forma a merecer a tutela do direito[10]. Não merece, pois, reparo aquilo que, a este propósito, foi decidido na 1.ª instância. Improcedem, nessa parte, as conclusões de recurso. IV-DECISÃO Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso e por consequência, condenar a Ré no pagamento da quantia de €4.994,91, referente ao valor da reparação do veículo com a matrícula YY-YY-YY. Mais se condena a Ré ao pagamento ao Autor da quantia de € 4.994,91, a título de indemnização pela privação do uso do veículo No mais, confirma-se o decidido na sentença recorrida. Custas pelo Autor e Ré na proporção do decaimento, fixando-se a proporção de 1/3 para o Autor e 2/3 para a Ré. Lisboa, 9 de Junho de 2022 Maria de Deus Correia Maria Teresa Pardal Anabela Calafate (Com declaração de voto que segue) Declaração de voto No que respeita à questão da privação do uso do veículo, voto o valor fixado para indemnização. Anabela Calafate _______________________________________________________ [1] Vide Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p.128. [2] Vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-02-2018, Processo 3385/15.0T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt. [3] Almeida Costa in Direito das Obrigações, Almedina, 10.ª edição reelaborada, 2006, p.772. [4] Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, 2º vol., AAFDL, 1980, pág. 401. [5] Vide neste sentido o acórdão do TRL, já citado que acompanhamos de perto e se refere a um caso muito semelhante ao presente. [6] Idem. [7] Vide ainda neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-02-2013, disponível em www.dgsi.pt [8] Vide a título exemplificativo Acórdão do STJ de 5 de Julho de 2007, proc, nº 07B1849, disponível em www.dgsi.pt [9] Vide acórdãos do STJ de 17/07 /2017, P.188/14, de 08/09/2021 ,P. 10192 e de 08/05/2013, P. 3036/04, todos disponíveis em www.dgsi.pt [10] Vide Acórdão do STJ de 12-10-1973: BMJ, 230-107. |