Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5742/23.0T8FNC-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CASO JULGADO
PRECLUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Numa execução para prestação de facto positivo a que foi condenado por sentença, o executado não pode, por força do efeito preclusivo do caso julgado, deduzir embargos com base numa alegada indeterminabilidade da obrigação exequenda, por a prestação a ser realizada ter perdido as necessárias referências físicas, se não alega que tal aconteceu depois do momento em que podia ter alegado tais factos para que a sentença os pudesse ter em consideração.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

A 09/11/2023, A e B requereram contra E a execução de uma sentença de 22/11/2022, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/07/2023, que o condenou a, na parte que interessa:
c\ Proceder ao rebaixamento ou descida da cota da laje de cobertura do rés-do-chão, referida em 38\ e 39\ da fundamentação de facto, do prédio referido em 2\ da mesma fundamentação, a qual não deverá, na extremidade norte, exceder a anterior altura do pé direito da casa originária existente antes das obras efectuadas pelo réu, na medida necessária à reposição da varanda que existia na parede sul do prédio referido em 1\ da fundamentação de facto;
d\ Demolir a parede norte referida em 44\ a 46\ da fundamentação de facto e recuar essa parede na medida necessária à reposição da varanda que existia na parede sul do prédio referido em 1\ da fundamentação de facto.
O executado deduziu oposição, por embargos, alegando a incerteza e a inexigibilidade da obrigação exequenda (art. 729-e do CPC): tendo sido edificada e consolidada a laje em causa, a cota inicial onde assentava a telha para onde “deitava” a varanda foi naturalmente suprida pela nova construção e deixou de ter qualquer referência. E mesmo o cálculo a partir da cota inferior das aberturas existentes na parede do prédio das exequentes, também está prejudicado; por outro lado, as exequentes nas obras que realizaram no seu prédio alteraram os registos constantes da inspecção judicial feita no local e levados à matéria de facto e hoje nem as aberturas nem as distâncias correspondem ao que existia; também a localização e o vão das aberturas foi alterado. Ainda: desconhece até se será possível repor a varanda tal como existia e que condições físicas serão necessárias para que essa reposição seja garantida. Por outro lado, a demolição de parte da laje e de parte de uma parede obriga a avaliar as consequências sobre a estrutura já edificada e sua consistência e a forma de assegurar a edificabilidade licenciada pela edilidade ao prédio do executado; as obras determinadas pelo tribunal necessitam de ser viáveis no sentido de permitir a possível e efectiva reposição da varanda, concretizadas em projectos/plantas e alçados, alicerçadas em estudos que não coloquem em risco todo o prédio do executado (violando a proporcionalidade exigível) e autorizadas pela Câmara Municipal competente; nada disto será possível apenas no prazo de 30 dias que as exequentes pretendem que seja o prazo fixado pelo tribunal.
Os embargos foram liminarmente indeferidos por manifestamente improcedentes.
O executado vem recorrer do despacho – para que venha a ser “julgado procedente o embargado não prosseguindo a execução dada a incerteza e inexigibilidade das prestações de facto em execução” - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1\ O tribunal tem o dever de responder às questões que as partes colocam no processo, na correspondência do direito constitucional que a lei fundamental prescreve no artigo 20.
2\ Neste sentido o CPC considera nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (artigo 615/1-d do CPC).
3\ O executado foi condenado a uma prestação de facto positiva por decisão transitada em julgado [aqui o executado transcreve as duas alíneas da condenação já transcritas acima].
4\ Nos embargos o executado referiu que tendo sido edificada e consolidada a laje a rebaixar, a cota inicial onde assentava a telha para onde “deitava” a varanda (por onde se deve cumprir essa parte da prestação) foi naturalmente suprida pela nova construção e deixou de ter qualquer referência.
5\ Por outro lado, o cálculo a partir da cota inferior das aberturas existentes na parede do prédio das exequentes essencial para “localizar” a demolição e reposição, também está prejudicado levando a que o executado desconheça qual era o pé direito anterior da casa térrea antes de proceder às obras e em especial antes de deitar a nova laje que cobre todo o primeiro piso.
6\ Estando em causa uma prestação de facto determinada no local onde deve ser cumprida (com as matrizes que a própria acção declarativa determinou) deve atender-se ao que dispõe o artigo 776 do Código Civil. Não está em causa uma impossibilidade de cumprimento da reposição ou demolição (que aliás não foi alegada), mas a determinação exacta do facto a que o devedor (executado) está obrigado a cumprir.
7\ Falta de certeza que resulta de circunstâncias criadas pelas credoras – nomeadamente a deslocação do local das aberturas e da distância das mesmas à laje – e que tornam incerta a prestação de reposição das condições para que possa ser reconstruída varanda outrora existente.
8\ Factos invocados pela embargante com pedido de produção de prova que não foram atendidos nem respondidos pelo Tribunal do Funchal.
As exequentes não contra-alegaram.
*
Questão que importa decidir: se os embargos não deviam ter sido liminarmente indeferidos.
*
Apreciação:
A questão levantada pelo executado não tem nada a ver com a certeza ou a exigibilidade da obrigação exequenda, que dizem respeito a questões distintas: a certeza tem a ver com o facto de a escolha entre uma pluralidade de prestações estar por fazer, o que se refere a obrigações alternativas ou a obrigações genéricas de espécie indeterminada, e a exigibilidade tem a ver o vencimento da prestação (veja-se Lebre de Freitas, A acção executiva, 8.ª edição, Gestlegal, 2024, pág. 106).
Os factos alegados pelo executado equivalem a dizer que a obrigação exequenda se tornou, por força das coisas e da actuação das exequentes, impossível de realizar por se terem perdido as necessárias referências físicas. Está-se, pois, perante a invocação da extinção da obrigação por impossibilidade superveniente (art. 790/1 do CC), embora o executado diga o contrário, sem o fundamentar, apenas para tentar evitar as óbvias consequências preclusivas decorrentes de o título executivo ser uma sentença.
É que, para poder invocar tais factos com o referido efeito, eles teriam que ter ocorrido depois do momento em que o executado os podia ter invocado na acção declarativa (art. 729/-g do CPC: Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração […]) e ele sabe que não disse que esses factos ocorreram depois disso e, por isso, não os podia ter invocado.
Como diz Lebre de Freitas, na obra citada, nota 20 da pág. 211: “o caso julgado […] produzido [no processo declarativo] cobre, não só as excepções deduzidas, mas também as dedutíveis, cujo direito de arguição preclude com a contestação (ou, quando constituído posteriormente, no prazo do art. 588/3 [do CPC]).” No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, 2.º vol, 3.ª edição, Almedina, 2017, pág. 595: “Embora o caso julgado não se estenda aos fundamentos da decisão (ver n.ºs 3 e 4 da anotação ao art. 91), há que ter em conta que com ele precludem, em caso de condenação no pedido, as excepções, invocadas ou invocáveis, contra o pedido deduzido […]. Assim, por exemplo, […] obtida a condenação do réu a cumprir uma obrigação contratual, não pode ele vir propor nova acção a sustentar a invalidade do contrato, ou a sua revogação por acordo anterior ao encerramento da discussão na primeira acção, ainda que se trate de excepção nesta não invocada […]; obtido o reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre um prédio em que o réu construiu uma moradia, que foi consequentemente condenado a demolir, não é admissível invocar em embargos à execução para prestação de facto positivo [está escrito, por lapso, negativo], o prejuízo, consideravelmente superior ao do exequente, que o executado sofreria com a demolição, nos termos do art. 876/2 do CPC, excepção precludida com o caso julgado formado na acção declarativa […]”
E isto, naturalmente, seria válido mesmo que os factos não fossem enquadráveis na previsão do art. 729/-g do CPC e a indeterminabilidade pudesse ser um fundamento autónomo dos embargos: o executado não tenta sequer demonstrar que a obrigação exequenda resultante da sentença fosse nula por indeterminabilidade quando foi proferida, pelo que só se poderia ter tornado indeterminada devido à ocorrência de factos posteriores aos que foram por ela considerados, sendo que o executado não diz que eles ocorreram em momento posterior àquele em que ainda os podia ter invocado para poderem ser tomados em consideração na sentença.
Como foi tudo isto que, com outro desenvolvimento, foi dito pelo despacho recorrido, conclui-se, por um lado, que o despacho está certo e que, por outro, não sofre de qualquer falta de fundamentação (art. 615/1-d do CPC), tendo resolvido expressamente a questão que era colocada pelo executado.
*
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Sem custas porque o executado está dispensado delas por lhe ter sido concedido apoio judiciário nessa modalidade.

Lisboa, 09/05/2024
Pedro Martins
Rute Sobral
António Moreira