Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3448/06.3TXLSB-A.L1-3
Relator: TERESA FÉRIA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
AUDIÊNCIA DO ARGUIDO
DEFESA DO ARGUIDO
DEFENSOR
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2009
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – O recluso tem o direito a ser assistido por defensor quando da sua audição pelo juiz do TEP sempre que esteja em causa a apreciação de uma questão relativa a direitos fundamentais, como sejam as relativas à sua liberdade pessoal.
II – Embora não seja obrigatória a presença de defensor quando a audição do recluso pelo juiz em acto prévio à decisão sobre a liberdade condicional, sempre tem de estar acautelada a comunicação deste acto ao defensor para que este possa exercer o direito do recluso a ser assistido por defensor.
III – A não comunicação ao defensor da audição do recluso pelo juiz do TEP, tem como consequência a nulidade prevista no art. 119.º do CPP
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência
na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
I

Nestes Autos que correm termos no 2º Juízo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa foi proferido Despacho não concedendo a liberdade condicional ao recluso J… P….

II

Inconformado, este interpôs o presente recurso. Das suas Motivações retira as seguintes Conclusões:

I - O parecer do Ministério Público consubstanciado num impresso que além de não ser aplicável ao caso concreto, contém a errónea indicação da factualidade em que se alicerça, peca pela omissão de pronúncia quanto às circunstâncias próprias do Recorrente e concretamente, sobre o seu projecto de reinserção laboral.

II - Verificam-se por conseguinte, os vícios da falta de fundamentação, da omissão de pronúncia de questões que devia apreciar, padecendo ainda, de manifesta contradição entre os seus próprios fundamentos.

III - Decorrentemente, o despacho recorrido, na medida em que se alicerça e colhe fundamento no parecer do Ministério Público, está inquinado de nulidade insanável, de harmonia com as disposições conjugadas do art. 379º n.° 1 a) por referência ao disposto no art. 374º n° 2 e da sua alínea c), e do art. 119° do CPP.

IV - O despacho recorrido alicerça-se no parecer do Conselho Técnico. Todavia, o único parecer previsto na lei a emitir sobre a concessão da liberdade condicional, além do parecer do Ministério Público, é o «parecer fundamentado .... elaborado pelo director do estabelecimento» , de acordo com o disposto no art. 484° n° 1 b) do CPP.

V - É assim, manifesta a inclusão dum acto não previsto nem admitido por lei relevando aqui como uma questão de que o Tribunal não podia tomar conhecimento, segundo o enunciado dos arts. 484°, 485° e o art. 379° n° 1 c) in fine do CPP.

VI - Nesta conformidade, a decisão recorrida ao alicerçar-se no referido parecer do conselho técnico para corroborar o indeferimento da concessão está ferida de dupla nulidade pois, viola o dever de não conhecer questões de que não devia tomar conhecimento , com base nas disposições conjugadas do art. 379º n.° 1 c) in fine e 374º n° 2 e ainda, da aliena c) in fine daquele artigo, todos do CPP.

VII - A lei processual penal não prevê a existência do conselho técnico nem portanto, a sua reunião ou o seu parecer sobre a concessão da liberdade condicional, de acordo com o disposto no art. 485° n°s 2 a 6 do Código de Processo Penal.

VIII - Impõe-se assim, concluir que a reunião do conselho técnico, o seu parecer e o dos referidos técnicos são actos e questões de que o Tribunal não deve conhecer por respeitarem a questões de que não pode tomar conhecimento.

IX - Daí que a decisão recorrida padece de nulidade insanável por violação do disposto no arts. 379º n° 1 a) por referência ao disposto no art. 374° n° 2 e sua alínea c) in fine e art. 119° n° 1 do CPP.

X - Mas e à cautela, sempre se dirá que falta a Acta do contestado conselho técnico pois que « finda a sessão do conselho técnico, o juiz dita a sentença para a acta do processo ... » , no seu n° 4 do art. 94° do DL 783/76 de 29.10.

XI - Ora, a Acta não integra o despacho recorrido nem estão documentadas a autoria e os fundamentos, de facto e de direito, de cada um dos aludidos pareceres, sendo no entanto, obrigatória a documentação dos actos sob pena de nulidade.

XII - Em consequência, a falta da Acta constituiria uma nulidade insanável, de harmonia com a conjugação do disposto nos arts. 25° e 27° do DL 783/76 de 29.10 e arts 362° , 363° e 118° e 119° do CPP que inquinaria de per si a validade do despacho recorrido.

XIII - Não se encontram junto aos autos os relatórios legalmente exigidos « a ) Plano individual de adaptação; b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena ....;» nem « c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ... » , conforme o exige o n.° 1 a) e o n° 2 a) ,b),c) do citado art. 484 ° do CPP»

XIV - Certo é que, os relatórios legalmente exigidos não foram juntos aos autos acarretando, portanto o vício da correspondente inexistência jurídica.

XV - Porém, o despacho recorrido fundamentou-se expressamente nuns documentos a que chamou pareceres que não estando previstos na lei não consubstanciam os necessários relatórios, omitindo por conseguinte, a pronúncia sobre questões que devia conhecer e conhecendo portanto, de questões que não devia tomar conhecimento

XVI - Por estas razões o despacho recorrido padece de inquestionável nulidade, nos termos conjugados dos n.s° 1 e 2 do art. 484° , 379 ° n° 1 a) e 374° n° 2 e do art. 119° do CPP.

XVII - Nesta conformidade, o despacho recorrido ao fundamentar-se em pareceres legalmente inadmissíveis violou o dever de não conhecer de questões de que não lhe cabia tomar conhecimento o que a torna nula de acordo com a alínea c) do art. 379º do CPP.

XVIII - Acresce que a audição do Recorrente, prevista no art. 485° n° 2 do CPP, foi feita sem a assistência da sua Defensora Oficiosa que não foi sequer notificada para o efeito

XVIX - Ora, entendemos nós que, no processo gracioso de concessão de liberdade condicional a assistência por Advogado é obrigatória por força do disposto no art. 64° n° 1 al. c) do CPP, pelo que a ausência do defensor é no caso, geradora de nulidade insanável por força do art. 119° do CPP.

XX - Por sua vez., o entendimento que defende a não obrigatoriedade da assistência por Defensor no acto de audição do Recorrente, realizado ao abrigo no art. 485° n°2 do CPP, fere quanto a nós, o despacho recorrido de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 20° nº1 a 3 do nosso Texto Fundamental.

XXI - Por sua vez, a conclusão da frágil interiorização do desvalor da conduta sancionada só é susceptível de ser constatada mediante exame pericial, sendo que por exigir especiais conhecimentos técnicos só pode ser realizada através de perícia nos termos previstos do art. 151° do CPP , de contrário, tal conclusão é nula e de nenhum efeito.

XXII - Além disso, a decisão recorrida é omissa quanto às condições legais impostas para a concessão da liberdade condicional enunciadas no art. 61° do Código Penal, pelo que é manifesta a violação do dever de fundamentação que a par da violação do dever de pronúncia tornam a decisão recorrida nula de acordo com o disposto nos art°s 379º n° 1 a) e 374° n° 2 e do art. 119° do CPP.

XXIII - Destarte, deve o despacho recorrido ser declarado nulo e em sua substituição, deve ser proferido despacho que concluindo pela verificação positiva dos requisitos legalmente exigidos, conceda a liberdade condicional ao Recorrente.

Assim se decidindo se fará a costumada JUSTIÇA!

III

Na sua resposta o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso.

IV

Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto considera igualmente que o recurso não deve merecer provimento.

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº2 do CPP.

V

Colhido o Visto, e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:

É do seguinte teor a decisão recorrida:

* Tudo parece inculcar uma ainda frágil interiorização do desvalor da conduta sancionada, com uma percepção deficitária da sua gravosidade social e das normas por que se deve pautar a vida comunitária. Pelo que é de temer, pelo menos no imediato, uma fraca adesão à normatividade.

* O sucesso das medidas de flexibilização da pena de que tem beneficiado (seis saídas, RAVI desde 11/11/2008) terá de ser confirmado mercê de uma progressão desejável, como factor de reforço do projecto reinsertivo em curso tendo em vista a articulação harmoniosa e estável com o meio livre.

* O entorno sociofamiliar de reinserção em liberdade afigura-se pouco adequado a exigências de conformidade normativa.

Em análise complexiva retira-se, pois, um juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional - e tanto basta para que ela deva ser negada por não se achar preenchido o pressuposto da mencionada al. a) do art° 61° n°1 do CP. E que «a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes». E tal finalidade não foi ainda atingida.

Pelo exposto, não concedo a liberdade condicional pelo que o cumprimento de pena se manterá.

vvv

O recorrente fundamenta a sua impugnação da decisão recorrida na arguição de várias nulidades.

Alega o recorrente que a audição do condenado foi feita sem presença/assistência da sua Defensora Oficiosa, em violação do disposto no art. 64º do CPP, o que configuraria a nulidade insanável prevista no art.119º al. c) do CPP.

Argumentando, ainda que qualquer interpretação contrária à necessidade da presença/assistência de Mandatária/o Judicial na diligência a que alude o art. 485º nº2 do CPP, ofenderia os comandos constitucionais insítos no art. 20º da Lei Fundamental.

Da consulta dos Autos verifica-se que ao recorrente foi nomeada uma Defensora Oficiosa em 02.03.09 – cfr. 83 – inexistindo qualquer registo de ter sido efectuada qualquer notificação da mesma para acompanhamento do detido aquando da sua audição nos termos do disposto no art. 485º nº2 do CPP.

Verifica-se, ainda – cfr.106 – que este foi ouvido para os efeitos daquele dispositivo sem a presença ou assistência da Defensora Oficiosa nomeada, uma vez que da respectiva acta não consta essa indicação.

Ora, não obstante o artigo 64º do CPP não fazer uma referência específica à situação de audição de arguidos nos termos e para os efeitos do disposto no art.485º nº2 do CPP, considera-se ser de entender que a menção constante da alínea a) do seu nº1 – interrogatório de arguido preso – ainda que concebida para diligências de inquirição anteriores à realização da Audiência de Julgamento, não pode ser interpretado como não estendendo o seu âmbito de aplicação ao disposto no art.485º nº2 do CPP, sob pena de efectiva violação das garantias constitucionais relativas a um efectivo patrocínio judiciário.

Na verdade, a diligência de audição de detido/a a que reporta aquela norma do CPP releva para apreciação judicial da sua situação prisional, pelo que se terá de entender que se reporta à apreciação de uma questão relativa a direitos fundamentais – liberdade e segurança, art. 27º da Lei Fundamental.

Ora, tal é o escopo que presidiu ao elencar dos momentos processuais indicados no art. 64º do CPP.

Assim, considera-se ser de incluir na previsão da alínea a) do nº1 do artigo 64º do CPP, a audição de arguido/a nos termos e para os efeitos do art. 485º nº2 do CPP.

Nesta conformidade, entende-se ser obrigatória a assistência de defensor/a aquando da sua realização. E, consequentemente, se entende que o seu incumprimento constitui a nulidade prevista no art.119º al. c) do CPP.

Assim, e não obstante o recorrente não ter suscitado, como deveria, esta questão em sede de 1ªinstância, e como tal ter impedido que o Tribunal “a quo” tivesse proferido uma decisão sobre esta matéria, atenta a natureza insanável da nulidade em questão, é permitido o seu conhecimento por este Tribunal – corpo do art. 119º CPP.

Pelo que, declarando-se a referida nulidade se anulam todos os actos processuais posteriores à sua verificação, neles se incluindo a audição do recorrente, e determina a sua repetição.

V

Termos em que se acorda em declarar a nulidade da audição do recorrente, realizada nos termos e para os efeitos do disposto no art.485º nº2 do CPP, e em se anular todos os actos processuais posteriores à sua verificação, neles se incluindo a referida audição, e determinar a sua repetição.

Sem Custas.

Lisboa, 21 de Outubro de 2009

Maria Teresa Féria de Almeida

João Moraes Rocha (Com declaração de voto – entendo que de acordo com o regime em vigor não é obrigatória a assistência de defensor quando a audição do recluso pelo juiz do TEP, previamente à decisão sobre a liberdade condicional. O que entendo obrigatório é dar-se a possibilidade ao defensor do recluso de, querendo, estar presente na aludida diligência. No caso dos autos o que sucede é não se ter dado (pela falha da notificação) ao defensor a referida possibilidade (leia-se, direito) de estar presente na diligência.