Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | INJUNÇÃO EUROPEIA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/12/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Os embargos a execução que tenha como título executivo uma injunção de pagamento europeia devem sujeitar-se ao regime previsto no Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento. II. Nos termos do art.º 19.º do Regulamento, a injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva no Estado-Membro de origem é reconhecida e executada nos outros Estados-Membros sem que seja necessária uma declaração de executoriedade e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento. III. O requerido deverá suscitar perante o tribunal do Estado-Membro de origem, e não perante o tribunal do Estado-Membro da execução, questões atinentes à tempestividade da declaração de oposição de injunção e à preterição de tribunal arbitral. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO 1. Em 02.3.2020 T Bvba instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra X – Futebol Sad. Como título executivo a requerente apresentou um requerimento de injunção europeia à qual fora aposta fórmula executória. O requerimento de injunção visou obter o pagamento de duas faturas emitidas pela ora exequente em cumprimento de um contrato de prestação de serviços que celebrara com a ora executada, no valor total de € 18 500,00, que a executada não havia pago. Assim, na execução a exequente pretende o pagamento da quantia de € 18 500,00, acrescida de € 9 111,54 a título de juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas até à data da instauração da execução – mais reclamando o pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento. 2. A execução seguiu a forma sumária, tendo-se procedido à penhora de saldo bancário da executada. 3. Citada para a execução, a executada deduziu embargos à execução. A embargante alegou que em 29.01.2019 recebeu de dois tribunais belgas documentação contendo, nomeadamente, uma injunção de pagamento europeia requerida contra a ora executada pela ora exequente, reclamando o pagamento de € 18 500,00. Na documentação enviada incluía-se um formulário por meio do qual a requerida poderia declarar opor-se à injunção, no prazo de 30 dias, com a cominação de a injunção adquirir força executiva. A executada enviou aos dois tribunais belgas, tempestivamente, a referida declaração de oposição à injunção. Assim, cabia ao tribunal de origem efetuar nova citação da requerida, para que esta contestasse a ação declarativa que necessariamente se seguiria à manifestação de oposição à injunção. Nesta conformidade, não pode haver lugar à formação de título executivo com base na injunção europeia em apreço, mostrando-se preenchidas as previsões constantes das alíneas a) e d) do art.º 729.º do CPC, ex vi do n.º 1 do art.º 857.º e do n.º 3 do art.º 857.º do CPC. Subsidiariamente, a embargante invocou ainda preterição de tribunal arbitral face ao teor de cláusula arbitral contida no contrato invocado pela exequente. Com esses fundamentos a executada concluiu pela extinção da execução, devendo entretanto suspender-se a instância executiva até ao trânsito em julgado da decisão final, com dispensa de prestação de caução. 4. Recebidos liminarmente os embargos, a exequente apresentou contestação, na qual pugnou pela sua total improcedência. 5. Realizou-se audiência prévia e em 06.7.2021 foi proferido saneador-sentença em que os embargos foram julgados improcedentes e se determinou a prossecução da execução, com custas pela embargante. 6. A embargante apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: Recurso da matéria de facto 1. A decisão recorrida foi proferida em sede de saneador-sentença, logo, sem que tenha sido produzida prova em audiência de julgamento. 2. Em 2) da matéria de facto provada, a sentença recorrida dá por demonstrado que “no âmbito do procedimento de injunção referido em 1), a declaração de executoriedade foi emitida em 05 de Junho de 2019, e notificada ao aqui embargante” (sublinhado e negrito nossos). 3. A menção, no Facto Provado 2), à data de 05 de Julho de 2019 não resulta da alegação de qualquer das partes, antes do documento junto ao requerimento executivo sob o nº 5 - “Formulário G” do título injuntivo -, em cuja folha de rosto a capiar o envio para o advogado mandatário da requerente T BVBA, Dr. (…), poderá ler-se “Ex.mos Senhores: Junto enviamos a V. Exªs a declaração de executoriedade da injunção de pagamento europeia, emitida em 05 de Junho de 2019” (sublinhado nosso e tradução oferecida pela exequente). 4. Já a menção, no mesmo Facto Provado 2), à circunstância do requerimento injuntivo com aposição de fórmula executória ter sido notificado ao embargante X não tem qualquer suporte nos autos, por não ter sido alegada por qualquer das partes ou resultar de qualquer documento. 5. O único elemento que contém uma notificação à parte do requerimento injuntivo com aposição de fórmula executória é exactamente documento nº 5 junto ao requerimento executivo (“Formulário G”), notificado ao advogado da aqui exequente, Dr. (…), em 05 de Junho de 2019. 6. Nem de outra forma, aliás, poderia ser, porquanto, a aposição de fórmula executória em requerimento injuntivo é notificada à parte requerente (e apenas a esta) e nunca à parte requerida. 7. Há erro notório da Srª Juiz a quo na apreciação da matéria de facto quando, no Facto Provado 2) refere que a declaração de executoriedade foi “notificada ao aqui embargante”. 8. Resulta claro que a declaração de executoriedade em causa (“Formulário G”) não foi notificada ao aqui embargante, mas ao aqui embargado. 9. Deverá, assim, alterar-se em conformidade o conteúdo do Facto Provado 2), passando o mesmo a adoptar a seguinte redacção: “2) No âmbito do procedimento de injunção referido em 1), a declaração de executoriedade foi emitida em 05 de Junho de 2019, e notificada ao aqui embargado”. 10. Esta alteração da matéria de facto faz toda a diferença, uma vez que a decisão recorrida vai no sentido de a embargante X ter deixado precludir o seu direito de sindicar a injunção europeia que constitui o título dado à execução, pretendendo fazê-lo agora, perante o tribunal português, quando o devia ter feito antes, perante o tribunal competente do Estado-Membro. 11. Na respectiva fundamentação de direito, a decisão recorrida refere que “não alegou o embargante ter pedido, junto do Tribunal competente do Estado-Membro de origem, a reapreciação da injunção de pagamento europeia que lhe foi notificada, sendo esse o meio próprio para sindicar a declaração de executoriedade formalizada naquele título” (sublinhado nosso). Sucede que a embargante X não foi notificada dessa aposição de fórmula executória e por isso nunca teve, até agora, oportunidade para disso se defender. 12. Daí a absoluta relevância de matéria de facto alegada pela embargante e não contraditada pela embargada, decisiva para o desfecho da acção e que a decisão recorrida ignorou, demonstrativa de que a embargante X fez o que tinha a fazer e no momento próprio, remetendo ao tribunal do Estado-Membro a oposição ao requerimento injuntivo que recebeu, nos termos legalmente previstos para o efeito. 13. Deverá, por isso, aditar-se à elencagem de factos provados a seguinte materialidade, sob a numeração 4) a 8): 4) tendo recebido a citação a 29 de Janeiro de 2019, no dia 25 de Fevereiro de 2019 a embargante remeteu via correio registado, para o Tribunal “Ondernemingsrechtbank Gent”, com endereço em Opgeeistenlaan, 401, E, 9000 Gent, Bélgica, o formulário “F” devidamente preenchido, com o tribunal e as partes identificados, com a declaração expressa de oposição à injunção de pagamento em questão, assinado pelos seus representantes legais (presidente e vogal do conselho de administração) e com tais assinaturas devidamente reconhecidas; 5) O formulário em referência foi capeado com uma folha de rosto, datada de 22 de Fevereiro de 2019, dirigida ao tribunal em questão, com identificação do litígio e respectivas partes, e com indicação de que se tratava de oposição a injunção de pagamento europeia; 6) A correspondência em apreço foi expedida no dia 25 de Fevereiro de 2019, às 15.14h, tendo sido entregue no tribunal de destino no dia 26 de Fevereiro de 2019, às 10.46h; 7) Idêntico procedimento adoptou a embargante no envio de duplicado do mesmo formulário “F” para o Tribunal “Rechtbank Van Koophandel Gent Afdeling Dendermonde”, com endereço postal em Noodlaan 31, 9200 Dendermonde, Bélgica; 8) O formulário foi preenchido e capeado na mesma data e com os mesmos termos e remetido ao tribunal de destino via correio registado, tendo sido expedido às 15.16h do dia 25 de Fevereiro de 2019 e entregue no tribunal de destino no dia 26 de Fevereiro de 2019, pelas 10.26h. 14. Por outro lado, em 3) da matéria de facto provada, a decisão recorrida dá por reproduzido o conteúdo do contrato celebrado entre as partes e que se encontra junto ao requerimento executivo como documento nº 1. 15. A propósito desse contrato, a embargante X invocou terem as partes estabelecido compromisso arbitral, cuja preterição constitui excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, sendo a dedução dos embargos em mérito a primeira oportunidade processual da executada para invocar tal excepção. 16. Deverá, por isso, aditar-se à elencagem de factos provados a seguinte materialidade, sob a numeração 9) e 10): 9) Na cláusula sexta do contrato referido em 3) as partes estabeleceram compromisso arbitral, no sentido de submeterem à jurisdição arbitral do “Player’s Status Committee” da FIFA a resolução de qualquer litígio emergente daquele contrato; 10) Os presentes embargos de executado constituem a primeira oportunidade processual da embargante para invocar preterição de tribunal arbitral, considerando a natureza meramente formal da declaração de oposição à injunção de pagamento europeia decorrente da apresentação do respectivo formulário “F”. Do recurso da matéria de direito 17. Por referência à injunção dos autos, a embargante X foi confrontada com dois únicos momentos processuais, sendo um primeiro em 29 de Janeiro de 2019, quando citada para os termos da injunção europeia, à qual se opôs; e um segundo em Março de 2020, quando citada para os termos da presente execução, que embargou. 18. Cabe ao tribunal português que recebeu os embargos de executado apreciar a questão que lhe é colocada e aplicar o direito, decidindo se o título dado à execução se encontra regularmente formado, até porque, citada para os termos da presente execução, não poderia a embargante X ir discutir para a Bélgica a aposição de fórmula executória no requerimento injuntivo em apreço (não dispondo nem de prazo para o efeito, nem de processo onde o pudesse fazer). 19. Aquando da citação, em 29 de Janeiro de 2019, para os termos da injunção europeia dos autos, a embargante X recebeu três formulários, identificados pelas letras A, E e F. 20. O formulário “F” constitui o modelo de “Oposição à injunção de pagamento europeia”. O modelo vem totalmente em branco, decorrendo do seu conteúdo que pretendendo o requerido opor-se à injunção que lhe é endereçada deverá preencher o modelo em apreço com os dados dos intervenientes, assiná-lo e remetê-lo ao tribunal, sendo que do próprio modelo consta a declaração “Declaro opor-me à injunção de pagamento europeia emitido em” (sendo a data aposta pelo requerido/opoente). 21. Tendo sido citada para os termos da injunção europeia a 29 de Janeiro de 2019, no dia 25 de Fevereiro de 2019 a embargante X remeteu ao tribunal do Estado-Membro o formulário “F” devidamente preenchido, com o tribunal e as partes identificados, com a declaração expressa de oposição à injunção de pagamento em questão, assinado pelos seus representantes legais e com tais assinaturas devidamente reconhecidas, documentação essa que chegou ao seu destino no dia seguinte, 26 de Fevereiro. 22. De acordo com o que vem preceituado no Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, que disciplina o procedimento de injunção de pagamento europeia, apresentada que foi, pela aqui embargante, tempestivamente, oposição à injunção por via do envio do respectivo formulário “F”, cabia ao tribunal de origem, nos termos da respectiva lei processual comum, efectuar nova citação do requerido, para contestar acção declarativa. 23. Nos presentes autos há inexistência de título, por ilegalidade da sua formação, porquanto não podia haver lugar à formação de título executivo com base na injunção europeia em apreço, face à oposição atempada e devidamente deduzida. 24. Os fundamentos de defesa apresentados pela embargante X integram as previsões constantes dos artº 729º, mormente das alíneas a) e d) (ex vi do nº 1, do artº 857º), e do nº 3, do artº 857º, todos do CPC, bem como do artº 14º-A do Anexo ao DL nº 269/98, de 01 de Setembro, normas estas que a decisão recorrida violou. 25. Acresce encontrar-se demonstrado que as partes estabeleceram compromisso arbitral, no sentido de submeterem à jurisdição arbitral do “Player’s Status Committee” da FIFA a resolução de qualquer litígio emergente do contrato que celebraram e que fundamenta a injunção à qual foi atribuída força executiva. 26. O recurso a procedimento injuntivo junto de tribunal estadual violou o compromisso arbitral das partes, pelo que, também por aí, o tribunal de origem seria absolutamente incompetente para apreciar a matéria em questão e, concomitantemente, conferir força executória a requerimento de injunção. 27. Esta excepção de incompetência absoluta do tribunal não é do conhecimento oficioso (artº 97º, nº 1, do CPC). Os embargos de executado apresentados pela embargante foram, porém, a primeira oportunidade processual que esta possuiu para invocar tal excepção, considerando a natureza meramente formal da declaração de oposição à injunção de pagamento europeia decorrente da apresentação do respectivo formulário “F”, onde não há lugar para invocar a preterição de tribunal arbitral. 28. Assim, em obediência aos princípios do contraditório e da proibição da indefesa, constitucionalmente consagrados pelo artº 20º da CRP, deverá igualmente conhecer-se da referida excepção de incompetência absoluta do tribunal por preterição de compromisso arbitral. A apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra que, julgando os embargos de executado procedentes, determinasse a extinção da execução. 7. A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos. 8. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Este recurso tem por objeto as seguintes questões: impugnação da matéria de facto; inexistência de título executivo; incompetência absoluta do tribunal por preterição de cláusula arbitral. 2. Primeira questão (impugnação da matéria de facto) 2.1. Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte Matéria de facto 1) T Bvba instaurou a execução sumária a que estes autos estão apensos contra X Futebol Sad, apresentando, como título executivo, procedimento europeu de injunção de pagamento (cfr. documentos juntos com o requerimento executivo e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); 2) No âmbito do procedimento de injunção referido em 1), a declaração de executoriedade foi emitida em 05 de Junho de 2019, e notificada ao aqui embargante. 3) Entre embargante e embargado foi ajustado, com data de 14 de Setembro de 2007, um documento denominado CONTRATO, junto com o requerimento executivo como doc. 1 (fls. 6-8 dos autos executivos principais) e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 2.2. O Direito Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. In casu, a apelante pretende que se altere o facto dado como provado sob o n.º 2 e se deem como provados mais outros factos. Está em causa tão-só prova documental. Em primeiro lugar a apelante/embargante alega que, contrariamente ao dado como provado no n.º 2 da matéria de facto, a declaração de executoriedade objeto destes autos não foi notificada à embargante pelo tribunal que a emitiu. O tribunal a quo não indicou qual o documento em que se sustenta para dar a aludida notificação como demonstrada. Na declaração de executoriedade emitida pelo tribunal belga afirma-se que a injunção de pagamento europeia anexa foi notificada, mas não se diz que a declaração de executoriedade dessa injunção o foi. Que a declaração de executoriedade o foi à requerente, resulta da própria instauração de execução que se lhe seguiu. Mas não há evidência que o tenha sido à requerida, antes de o ser no âmbito da própria execução. Assim, nesta parte a impugnação é procedente. A apelante defende que também se deve dar como provado o seguinte: “4) tendo recebido a citação a 29 de Janeiro de 2019, no dia 25 de Fevereiro de 2019 a embargante remeteu via correio registado, para o Tribunal “Ondernemingsrechtbank Gent”, com endereço em Opgeeistenlaan, 401, E, 9000 Gent, Bélgica, o formulário “F” devidamente preenchido, com o tribunal e as partes identificados, com a declaração expressa de oposição à injunção de pagamento em questão, assinado pelos seus representantes legais (presidente e vogal do conselho de administração) e com tais assinaturas devidamente reconhecidas; 5) O formulário em referência foi capeado com uma folha de rosto, datada de 22 de Fevereiro de 2019, dirigida ao tribunal em questão, com identificação do litígio e respectivas partes, e com indicação de que se tratava de oposição a injunção de pagamento europeia; 6) A correspondência em apreço foi expedida no dia 25 de Fevereiro de 2019, às 15.14h, tendo sido entregue no tribunal de destino no dia 26 de Fevereiro de 2019, às 10.46h; 7) Idêntico procedimento adoptou a embargante no envio de duplicado do mesmo formulário “F” para o Tribunal “Rechtbank Van Koophandel Gent Afdeling Dendermonde”, com endereço postal em Noodlaan 31, 9200 Dendermonde, Bélgica; 8) O formulário foi preenchido e capeado na mesma data e com os mesmos termos e remetido ao tribunal de destino via correio registado, tendo sido expedido às 15.16h do dia 25 de Fevereiro de 2019 e entregue no tribunal de destino no dia 26 de Fevereiro de 2019, pelas 10.26h.” Vejamos. Na documentação junta pela embargante o oficial de justiça Pierre de Mey declara que procedeu ao envio de carta registada dirigida ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa peticionando que este procedesse à citação/notificação da requerida para os termos do procedimento de injunção e, simultaneamente, enviou carta registada com aviso de receção diretamente à requerida, também para o efeito da respetiva citação/notificação para o procedimento de injunção (cfr. tradução a fls 7 v.º e 8). Nos autos não está documentada a receção da carta enviada à requerida pelo referido oficial de justiça (nem a embargante/apelante a refere nos embargos), mas está documentada a citação levada a cabo pelo tribunal português, a qual data de 29.01.2019 (fls 18 v.º a 19 v.º). É possível que a carta registada com aviso de receção enviada à requerida tenha sido por esta recebida em 22.01.2019, uma vez que esta é a data de notificação do requerimento de injunção que está certificada na declaração de executoriedade acima referida. Está também documentado que em 25.02.2019 a requerida/embargante/apelante enviou para os dois endereços do tribunal constantes nos formulários A e E o formulário F do procedimento de injunção, declarando opor-se à mesma, para tal utilizando os serviços da operadora DHL Express, a qual certificou que essas duas encomendas haviam sido entregues no destino no dia 26.02.2019, respetivamente às 10h46m e às 10h26m. Nada obsta a que se dê por demonstrado o supra exarado. Por último, a apelante entende que deve dar-se como provado também o seguinte: “9) Na cláusula sexta do contrato referido em 3) as partes estabeleceram compromisso arbitral, no sentido de submeterem à jurisdição arbitral do “Player’s Status Committee” da FIFA a resolução de qualquer litígio emergente daquele contrato; 10) Os presentes embargos de executado constituem a primeira oportunidade processual da embargante para invocar preterição de tribunal arbitral, considerando a natureza meramente formal da declaração de oposição à injunção de pagamento europeia decorrente da apresentação do respectivo formulário “F””. Quanto ao n.º 9 proposto pela apelante: melhor do que a apreciação qualificativa da dita cláusula pretendida pela apelante, é preferível manter a remissão para o conteúdo do contrato já constante na sentença recorrida (n.º 3 dos factos provados). Nesta parte, pois, improcede a apelação. Quanto ao n.º 10) proposto pela apelante: é composto por meras afirmações jurídico-conclusivas, isto é, não retrata factos, não descreve realidades materiais. Consequentemente, a pretensão da apelante está desenquadrada da impugnação da decisão de facto, antes se ajustando à apreciação do litígio na vertente diretamente vocacionada à aplicação do direito aos factos. Em suma, a impugnação da decisão de facto procede parcialmente e, consequentemente: O n.º 2) da matéria de facto passará a ter a seguinte redação: “No âmbito do procedimento de injunção referido em 1), a declaração de executoriedade foi emitida em 05 de Junho de 2019”. Adita-se à matéria de facto os seguintes números: 4) Em 29.01.2019 o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa citou a requerida para os termos do procedimento de injunção europeia suprarreferido em 1) e 2). 5) em 25.02.2019 a requerida/embargante enviou para os dois endereços do tribunal constantes nos formulários A e E o formulário F do procedimento de injunção, declarando opor-se à mesma, para tal utilizando os serviços da operadora DHL Express, a qual certificou que essas duas encomendas haviam sido entregues no seu destino no dia 26.02.2019, respetivamente às 10h46m e às 10h26m. 3. Segunda questão (inexistência de título executivo) A apelante deduziu embargos à execução considerando que a sua oposição integrava as previsões constantes dos artigos 729.º, alíneas a) e d) e n.º 3 do art.º 857.º do CPC, e bem assim o art.º 14.º-A do Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 01.9. O citado art.º 729.º tem a seguinte redação (introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13.9): “Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos”. Por sua vez a alínea d) do art.º 729.º, ao mencionar as situações previstas na al. e) do art.º 696.º, tem em vista situações de revelia absoluta, em que o réu não interveio na ação declarativa porque faltou a citação ou a citação feita é nula (subalínea i)), ou o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável (subalínea ii)) ou o réu não pôde apresentar a contestação por motivo de força maior (subalínea iii)). Estas normas são aplicáveis às execuções que tenham por fundamento requerimento de injunção, conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 857.º. E o n.º 3 do art.º 857.º estipula também o seguinte: “Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento: a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção; b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso”. Por sua vez o art.º 14.º-A do Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 01.9. (na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13.9) tem a seguinte redação: “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição 1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas; d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”. A injunção a que se reporta a presente execução rege-se pelo Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento. Conforme consta no considerando n.º 9 do Regulamento, este tem por objetivo simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento, e permitir a livre circulação das injunções de pagamento europeias em todos os Estados-Membros, através do estabelecimento de normas mínimas cuja observância torne desnecessário qualquer procedimento intermédio no Estado-Membro de execução anterior ao reconhecimento e à execução. O procedimento tem por base, tanto quanto possível, a utilização de formulários normalizados para todas as comunicações entre o tribunal e as partes, a fim de facilitar a sua administração e permitir o recurso ao tratamento automático de dados (considerando n.º 11 e artigos 7.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 16.º, 18.º do Regulamento). No requerimento de injunção de pagamento europeia o requerente deverá fornecer informações suficientes para identificar e fundamentar claramente o pedido de modo a permitir ao requerido optar, com conhecimento de causa, entre deduzir oposição ou não contestar o crédito (considerando 13 e art.º 7.º). O tribunal analisará o requerimento, bem como a questão da competência e a descrição das provas, com base nas informações constantes do formulário de requerimento, o que deverá permitir-lhe apreciar prima facie o mérito do pedido e, nomeadamente, excluir pedidos manifestamente infundados ou requerimentos inadmissíveis (considerando 16 e art.º 11.º). A injunção de pagamento europeia deverá informar o requerido das opções ao seu dispor, ou seja, pagar ao requerente o montante fixado ou apresentar uma declaração de oposição no prazo de 30 dias, caso pretenda contestar o crédito. Para além das informações completas sobre o crédito fornecidas pelo requerente, o requerido deverá ser informado do alcance jurídico da injunção de pagamento europeia e, em especial, dos efeitos da não contestação do crédito (considerando 18 e art.º 12.º). O requerido poderá apresentar a sua declaração de oposição utilizando o formulário normalizado que consta do regulamento. No entanto, os tribunais deverão ter em conta qualquer outra forma escrita de oposição, caso esteja formulada claramente (considerando 23 e art.º 16.º). Uma declaração de oposição apresentada no prazo fixado deverá pôr termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implicar a passagem automática da ação para uma forma de processo civil comum (nos tribunais competentes do Estado de origem), a não ser que o requerente tenha solicitado expressamente o termo do processo nessa eventualidade (considerando 24 e art.º 17.º). Após o termo do prazo para apresentar a declaração de oposição, o requerido terá, em certos casos excecionais, o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia (perante o Estado-Membro de origem). A reapreciação em casos excecionais não deverá significar a concessão ao requerido de uma segunda oportunidade para deduzir oposição. Durante o procedimento de reapreciação, o mérito do pedido não deverá ser apreciado para além dos fundamentos decorrentes das circunstâncias excecionais invocadas pelo requerido. As outras circunstâncias excecionais poderão incluir os casos em que a injunção de pagamento europeia tenha por base informações falsas fornecidas no formulário de requerimento (considerando 25 e art.º 20.º). Se no prazo de 30 dias suprarreferido não for apresentada ao tribunal de origem uma declaração de oposição, este declara imediatamente executória a injunção de pagamento europeia, para tal utilizando o formulário normalizado G, constante do Anexo VII, devendo para o efeito o tribunal verificar a data da citação ou notificação (art.º 18.º n.º 1). Nessa sequência o tribunal enviará ao requerente a injunção de pagamento europeia executória (art.º 18.º n.º 3). Uma injunção de pagamento europeia emitida num Estado-Membro e que tenha adquirido força executiva deverá ser considerada, para efeitos de execução, como se tivesse sido emitida no Estado-Membro no qual se requer a execução. A confiança mútua na administração da justiça nos Estados-Membros justifica que o tribunal de um Estado-Membro considere preenchidos todos os requisitos de emissão de uma injunção de pagamento europeia, a fim de permitir a execução da injunção em todos os outros Estados-Membros sem revisão jurisdicional da correta aplicação das normas processuais mínimas no Estado-Membro onde a decisão deve ser executada (considerando 27 e art.º 21.º). Nos termos do art.º 19.º do Regulamento, a injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva no Estado-Membro de origem é reconhecida e executada nos outros Estados-Membros sem que seja necessária uma declaração de executoriedade e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento. Acresce que o mérito da injunção não pode ser reapreciado no Estado-Membro da execução (art.º 22.º n.º 3). O Regulamento prevê duas situações em que o tribunal do Estado-Membro da execução poderá, a pedido do requerido, recusar a execução: - se a injunção for incompatível com uma decisão anteriormente proferida em qualquer Estado-Membro ou país terceiro, desde que a decisão anterior diga respeito à mesma causa de pedir e às mesmas partes, a decisão anterior reúna as condições necessárias ao seu reconhecimento no Estado-Membro de execução e não tenha sido possível alegar a incompatibilidade durante a ação judicial no Estado-Membro de origem (art.º 22.º n.º 1); - Se e na medida em que o requerido tiver pago ao requerente o montante reconhecido na injunção de pagamento europeia (art.º 22.º n.º 2). O Regulamento também admite que o tribunal da execução limite o processo de execução a providências cautelares, ou subordine a execução à constituição de uma garantia, ou suspenda a execução, caso o requerido tenha pedido a reapreciação da injunção no Estado-Membro de origem, nos termos do art.º 20.º do Regulamento. O Regulamento é um ato jurídico da União. Tem caráter geral, é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros (art.º 288.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia). É, pois, diretamente aplicável na ordem interna portuguesa (art.º 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa). Face ao exposto, a oposição à execução de injunção europeia será regida pelo art.º 729.º do CPC na medida em que não contrarie o regime do Regulamento (CE) 1896/2006 (neste sentido, cfr. José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, 2022, Almedina, p. 875). A executada invoca a falta de título executivo. Alega que deduziu tempestivamente oposição à injunção, pelo que não deveria ter ocorrido a declaração de executoriedade. Vejamos. Está documentado nos autos que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa citou/notificou a requerida para os termos do procedimento de injunção europeia em 29.01.2019. Por sua vez a requerida enviou a sua declaração de oposição ao tribunal belga em 25.02.2019, tendo-a este recebido em 26.02.2019 – pelo que dir-se-ia que a oposição foi deduzida tempestivamente. Contudo, no título executivo (declaração de executoriedade emitida pelo tribunal belga) certifica-se que a injunção foi notificada em 22.01.2019. Ora, se a requerida foi notificada da injunção em 22.01.2019, então a sua declaração de oposição foi apresentada extemporaneamente. Como já foi referido acima, está documentado que a citação/notificação da injunção à requerida foi tentada por dois meios: por solicitação dirigida ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e por carta registada com aviso de receção dirigida diretamente à requerida – tudo isso em 16.01.2019 (cfr. tradução da certidão emitida pelo oficial de justiça belga, que acompanhou o requerimento de embargos de executado, fls 7 v.º e 8 dos autos em papel). Não é difícil admitir que a carta registada com aviso de receção enviada diretamente à requerida tenha chegado à sua destinatária antes da comunicação do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – provavelmente em 22.01.2019. Tendo sido esta a data tomada em consideração pelo tribunal belga para a contagem do prazo de oposição à injunção. Trata-se de questão que deveria ter sido dirimida perante o tribunal belga. Em suma, a executoriedade da injunção mostra-se declarada por um tribunal belga, na sequência de requerimento de injunção europeia requerida pela ora exequente nos termos do apontado Regulamento, para o qual a executada foi citada, como reconheceu. Se a executada entende que a declaração de executoriedade foi indevidamente emitida, porque a executada terá apresentado a sua oposição tempestiva e validamente, tal questão deveria ter sido suscitada perante o tribunal de origem, conforme decorre do disposto no art.º 20.º do Regulamento. Quanto à ora invocada preterição de tribunal arbitral, trata-se de matéria que não é de conhecimento oficioso (artigos 96.º al. b) e 97.º n.º 1 do CPC) e que deveria ter sido suscitada pela requerida no Estado-Membro de origem, porventura no âmbito da forma de processo civil comum que deveria seguir-se, se fosse o caso, à oposição deduzida. Em resumo, as questões suscitadas pela executada colocam-se a montante da emissão do título executivo, devendo ter sido apresentadas no tribunal do Estado-Membro de origem, sobre quem recai a competência para a sua apreciação. Ora, não se mostrando que a executada se dirigiu aos tribunais belgas para a resolução dessas questões, não há sequer que ponderar a suspensão da execução nos termos previstos no art.º 23.º do Regulamento (CE) 1896/2006. A apelação é, pois, improcedente. III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida. As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo da apelante, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC). Lisboa, 12.5.2022 Jorge Leal Nelson Borges Carneiro Paulo Fernandes da Silva |