Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA ALMEIDA E SOUSA | ||
Descritores: | LEI SAÚDE MENTAL PRESSUPOSTOS PRAZOS DE DURAÇÃO DAS MEDIDAS MEDIDAS DE INTERNAMENTO MEDIDAS DE TRATAMENTO COMPULSIVO AMBULATÓRIO IMPARCIALIDADE DOS PERITOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/03/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | A Lei de Saúde Mental, porque prioriza a recuperação dos doentes, não prevê prazos máximos de duração das medidas nela previstas. Mas, de harmonia com os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade, as medidas de internamento e de tratamento ambulatório compulsivos só se devem manter, enquanto perdurarem os pressupostos de perigo enumerados no art.º 12º e não houver qualquer outra alternativa, para tratar a doença e neutralizar esses perigos. Cabem na previsão do art.º 17º nº 2 citado, todas aquelas situações em que, por se referirem precisamente às garantias de defesa e de exercício do contraditório, nos termos dos art.ºs 10º e 11º da Lei 36/98 de 24 de Julho e do art.º 20º nºs 4 e 5 da CRP, o doente impugna, com argumentos razoáveis e verosímeis, à luz de regras de experiência comum, de critérios de razoabilidade humana, ou de regras de ciência e justifiquem mais detalhada indagação, a verificação dos pressupostos determinantes da aplicação das medidas de internamento ou, dada a similitude nos pressupostos, das medidas de tratamento compulsivo ambulatório. Em suma, sempre que da argumentação e eventuais meios ou diligências de prova, apresentados ou requeridos pelo doente possa resultar uma probabilidade de alteração dos pressupostos do art.º 12º, o Tribunal tem o dever de realizar as diligências probatórias necessárias, para verificar se o doente tem ou não razão, inclusive, quando é posta em causa a isenção e independência dos peritos subscritores do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica, na medida em que tal como os Juízes, também eles estão sujeitos às causas de impedimento, escusa e recusa resultantes da lei e do seu estatuto, como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 47º e 153º do CPP e do art.º 470º do CPC. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que integram a 3º Secção, neste Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Por despacho proferido no dia 2 de Dezembro de 2019, no âmbito do processo de internamento compulsivo nº 19731/15.4T8LSB do Juízo Local Criminal de Cascais, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste foi revista e mantida, nos termos do art.º 35º da Lei n.º 36/98, de 24 de Julho (Lei de Saúde Mental) Lei n.º 36/98, de 24 de Julho, a medida de tratamento compulsivo em ambulatório, aplicada a A_________. A requerida interpôs recurso desta decisão, apresentando as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões: 1) A recorrente, foi notificada de novo despacho que decretou a manutenção do regime em que se encontra, há mais de quatro anos consecutivos, que determinou que a internada se mantenha sujeita ao regime de tratamento ambulatório compulsivo (artigo 62º do requerimento de interposição de recurso); 2) No entanto, importa, sublinhar, que, nem, no despacho recorrido, nem, em qualquer outro despacho ou decisão judicial, proferida, até à presente data, nos presentes autos, foi fundamentado e provado, a existência e verificação, no caso concreto, dos pressupostos legais, que serviram de base, ao decretamento do internamento compulsivo da, ora, recorrente, o que salvo melhor opinião, é uma flagrante violação do disposto nos artigos 12º nº 1 e nº 2 e, inicialmente, do artigo 22º e segs. da Lei da Saúde Mental (artigo 63º do requerimento de interposição de recurso);. 3) Na verdade, nos presentes autos, desde a tomada da primeira decisão de internamento compulsivo de urgência, até, à passagem para o regime ambulatório, nunca foi produzida, qualquer tipo de prova, que justificasse o internamento compulsivo decretado pelo Tribunal “a quo” (artigo 64º do requerimento de interposição de recurso); 4) Na verdade, a ora recorrente, ainda, que possa ser portadora de anomalia psíquica, com grau médio, ou grave, o que, salvo o devido respeito, entendemos, que ainda, não foi devidamente, escrutinado e sobretudo, o que é mais grave, definitivamente e indubitavelmente, provado, sobretudo, por outros médicos, que não, os pertencentes ao departamento de psiquiatria do Hospital de Cascais e do Agrupamento de Hospitais Lisboa Ocidental, nunca criou, por força da sua patologia, qualquer, situação de, (verdadeiro, e não de simples presunção) efectivo perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, o que viola o disposto no artigo 12º da Lei da Saúde Mental. (artigo 65º do requerimento de interposição de recurso); 5) A recorrente, nunca, criou nenhuma situação de perigo, para si, e/ou para terceiros, motivada, pela sua situação clínica ou patológica, inexistindo, qualquer tipo de prova, que demonstre esta verificação, o que viola o disposto no nº1 do artigo 12º da Lei da Saúde Mental (artigo 66º do requerimento de interposição de recurso); 6) A recorrente, nunca, foi sujeita a qualquer processo contra ordenacional ou crime ou de qualquer outra natureza, que prova a verificação do referido pressuposto legal, essencial, em termos jurídicos, para a fundamentação do decretamento e manutenção do regime de internamento compulsivo, a que a internada, está e continua a estar sujeita (artigo 67º do requerimento de interposição de recurso); 7) Mais, a ora recorrente, apesar, de continuamente, “lutar”, para que a “ouçam” e para terem em consideração, não o que ela pensa, ou entende, mas sim, os pareceres médicos, claramente, contraditórios, com a patologia defendida, pelos peritos médicos do departamento de psiquiatria do hospital de cascais e do agrupamento de hospitais lisboa ocidental, (que é o mesmo), que tem vindo, constantemente, a juntar ao longos dos últimos quatro anos, aos presentes autos, o que até hoje nunca sucedeu, ainda, assim, nunca, sublinhe-se, nunca, se recusou, a submeter-se ao tratamento médico determinado pelos médicos psiquiatras do Hospital de Cascais e do seu departamento de psiquiatria. (artigo 68º do requerimento de interposição de recurso); 8) Portanto, não existe, nos presentes autos, qualquer, menção, informação, ou qualquer documento, declaração, ou relatório, médico, que mencione que a recorrente, alguma vez, se tenha recusado, a submeter-se ao tratamento médico, que, há mais de 4 anos, consecutivos, lhe é “imposto”, apesar, dos graves e irreversíveis prejuízos, que tem afectado a sua saúde, que, por essa razão, se vai deteriorando, “a olhos vistos”, ao longo dos últimos quatro anos da sua vida, sem, que nada, nem, ninguém, consiga fazer “parar” este processo, que, parece ser “imutável” e um dado adquirido, factos, igualmente, violadores do disposto no artigo 12º nº 1 da Lei da Saúde Mental (artigo 69º do requerimento de interposição de recurso); 9) Por outro lado, não se verifica, igualmente, “in casu”, o último pressuposto legal, previsto no nº 2 do artigo 12º da Lei da Saúde Mental, que serve, juridicamente, como fundamento, para o decretamento do regime de internamento compulsivo, ou seja, a alegada, falta de discernimento do internado, necessário, para poder avaliar o sentido e o alcance do consentimento, quando a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado de saúde (artigo 70º do requerimento de interposição de recurso); 10) Os peritos médicos, confundem, constantemente, as legitimas e fundadas dúvidas, suscitadas pela recorrente, com base, nos referidos relatórios médicos, contraditórios, com a ausência de espírito critico para o seu estado patológico, o que, salvo melhor opinião, não é correcto, nem verdadeiro e sobretudo, viola, flagrantemente, o disposto no nº2 do artigo 12º da Lei da Saúde Mental, por não se verificar, qualquer, ausência de espírito critico sobre o estado de doença em que a recorrente se encontra (artigo 71º do requerimento de interposição de recurso); 11) Na verdade, a recorrente, nunca, alguma vez alegou, não estar doente, nem, tão pouco, nunca alegou, não sofrer de uma doença mental, tendo, apenas, defendido, apenas e só, com base nos referidos relatórios periciais, contraditórios, sofrer, alegadamente, de uma patologia diversa da identificada, pelos médicos psiquiatras, que fazem parte do departamento de psiquiatria do hospital de cascais. (artigo 72º do requerimento de interposição de recurso); 12) No entanto, inexplicavelmente, há quatro anos, consecutivos, que a recorrente, nunca, conseguiu ver esclarecida, as suas fundadas dúvidas, por, até hoje, o tribunal, se recusar aceitar, a ser feito uma avaliação clinico-psiquiátrica, de acordo, com o preceituado no nº2 do artigo 17º da Lei da Saúde Mental, uma vez que, o relatório efectuado pelos peritos médicos, junto, aos autos a fls, 212 a 222, na verdade, nunca foi realizado, pelos médicos peritos do INML, mas sim, pelo mesmo departamento de psiquiatria do hospital de cascais e do agrupamento de hospitais Lisboa Ocidental, ou seja, pelo departamento de psiquiatria do Hospital Egas Moniz, que, fazem parte, justamente, do mesmo departamento de psiquiatria, o que, violou o disposto no nº2 do artigo 17º da Lei da Saúde Mental. (artigo 73º do requerimento de interposição de recurso); 13) Tanto, assim, foi, que o INML, quando, recebeu o pedido do Tribunal “ a quo”, para a realização da avaliação clinico-psiquiátrica, recusou, a sua realização, por alegar, a não verificação do caracter de excepcionalidade, prevista no nº 2 do artigo 17º da Lei da Saúde Mental, cfr. prova que se encontra junta aos autos, tendo, por essa razão, sub-delegado, a realização da avaliação ao departamento de psiquiatria do Hospital Egas Moniz. (artigo 74º do requerimento de interposição de recurso); 14) Além do mais, nunca, ficou, igualmente, provado, nos presentes autos, que a recorrente, seja uma pessoa perigosa, ou que, alguma, vez, se tenha colocado, a ela, própria, ou a terceiros, em perigo, quer, no que diz respeito, a bens jurídicos, patrimoniais ou pessoais, não tendo o despacho recorrido, sequer se pronunciado sobre esta questão de essencial importância, não se verificando, também, por este conjunto de razões, os pressupostos legais, necessários, para o decretamento e manutenção do internamento compulsivo, a que a recorrente está sujeita. (artigo 75º do requerimento de interposição de recurso); 15) Por outro lado, a actualidade do perigo terá, igualmente, de ser tida em consideração, no decretamento do despacho de manutenção da medida de internamento ambulatório compulsivo, o que, igualmente, foi, total e completamente, omitido, no despacho recorrido, o que, entre outros argumentos, fundamenta, a interposição do presente recurso. (artigo 76º do requerimento de interposição de recurso); 16) “In casu”, a recorrente, nunca representou qualquer perigo para ela própria e/ou para terceiros, nem, tão pouco, o eventual e pretenso perigo se verifica na actualidade, conforme, se prova, pela total inexistência de qualquer facto, junto aos autos, que demostre a existência de perigo e ou da sua actualidade. (artigo 77º do requerimento de interposição de recurso); 17) A este respeito, importa, analisar a posição, maioritária, da nossa Jurisprudência, conforme se passa a transcrever, “ipsis verbis”, o Sumário do TRC 22/09/1998 (Silva Freitas), (…); (artigo 78º do requerimento de interposição de recurso); 18) STJ 22/06/2010 (Paulo Sá), p. 3736/07.1TVLSB.L1.S.1 Sumário: (…) (artigo 79º do requerimento de interposição de recurso); DA FALTA DA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA O INTERNAMENTO COMPULSIVO 19) De acordo com o preceituado no artigo 12º, nº 1, da LSM, pode ser internado compulsivamente o portador de anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico, o que, nunca se verificou com a recorrente, uma vez que esta ultima nunca se recusou a submeter-se ao tratamento médico que lhe foi determinado, que, aliás, tem vindo a cumprir, há 4 anos consecutivos, apesar das reservas referenciadas. (artigo 80º do requerimento de interposição de recurso); 20) Assim, para que o internamento compulsivo possa ter lugar, têm de se mostrar, cumulativamente, preenchidos os seguintes requisitos: e) O internando tem de padecer de anomalia psíquica grave. Antes de mais, entendemos que é à psiquiatria que incumbe definir e enquadrar o que deve ser entendido por anomalia psíquica. f) E também necessário que, por força dessa anomalia psíquica, o doente crie uma situação de perigo para bens jurídicos próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, de relevante valor. (nunca se verificou “In casu”) g) Tem de verificar-se também um nexo causal entre a anomalia psíquica e a situação de perigo criada para os aludidos bens jurídicos. (não existe qualquer nexo causal “in casu”, nem, sequer, se verifica a existência de perigo) h) Por último, é ainda necessário que o internando recuse o tratamento médico necessário. (nunca a recorrente se recusou ao tratamento médico, que lhe foi imposto, que mantém há mais de 4 anos consecutivos, cumprindo, cumulativamente, a medicação prescrita) (artigo 81º do requerimento de interposição de recurso); 21) E, têm-se entendido “tratar-se de conceito de utilização generalizada (...) que tem por denominador comum uma perturbação do funcionamento psíquico que requer tratamento. (artigo 82º do requerimento de interposição de recurso); 22) Mas não basta a existência de anomalia psíquica: é necessário que a mesma seja grave, caracterizando-se tal gravidade, entre outros aspectos, pela não consciência da doença e a “não distinção entre o real objectivo e o real subjectivo do próprio, o que surge no âmbito dos quadros ditos psicóticos, sintomaticamente, com delírios e alucinações” . (a recorrente não tem nem nunca teve a referida sintomatologia) (artigo 83º do requerimento de interposição de recurso); 23) É também necessário que, por força dessa anomalia psíquica, o doente crie uma situação de perigo para bens jurídicos próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, de relevante valor. (não se verifica) (artigo 84º do requerimento de interposição de recurso); 24) É, justamente, a criação de perigo que legítima o internamento compulsivo. São razões de defesa social ou de protecção de bens jurídicos que fundamentam a necessidade de intervenção e internamento. (artigo 85º do requerimento de interposição de recurso); 25) No entanto, o perigo tem de ser concreto e actual, exigindo-se que o internando crie, efectivamente, uma situação de perigo, não, bastando, a mera susceptibilidade de tal ocorrer. (artigo 86º do requerimento de interposição de recurso); 26) Não é suficiente a consideração de um “perigo potencial” do ponto de vista médico, antes, sendo necessário aferir, com a indagação da factualidade pertinente, da actualidade daquele perigo. A lei não se basta com a mera susceptibilidade abstracta de tal ocorrer. (artigo 87º do requerimento de interposição de recurso); 27) Os bens jurídicos colocados em perigo pela anomalia psíquica grave devem ser de tal forma relevantes que justifiquem a limitação da liberdade do doente. (artigo 88º do requerimento de interposição de recurso); 28) Tem de verificar-se, também, um nexo causal entre a anomalia psíquica e a situação de perigo criada para os aludidos bens jurídicos. (artigo 89º do requerimento de interposição de recurso); 29) É, pois, forçoso, que a criação da situação de perigo para os bens jurídicos, ocorra, em consequência da anomalia psíquica grave, afastando-se, assim, todas as situações em que o perigo fique a dever-se a outros factores. (artigo 90º do requerimento de interposição de recurso); 30) Por último, é ainda, necessário, que o internando recuse o tratamento médico necessário. (artigo 91º do requerimento de interposição de recurso); 31) A recusa em submeter-se a tratamento consiste na atitude do portador de anomalia psíquica grave através da qual ele se opõe, de modo activo, ao tratamento médico adequado. (artigo 92º do requerimento de interposição de recurso); 32) Conforme escrevem António João Latas e Fernando Vieira, deve considerar-se preenchido este requisito legal quando, no plano fáctico, possa ser necessário vencer a resistência do doente para submetê-lo a tratamento, independentemente, do grau de liberdade e esclarecimento na formação da vontade que dita tal atitude. (artigo 93º do requerimento de interposição de recurso); 33) E, independentemente da natureza e gravidade da anomalia psíquica, só, nos casos, em que a mesma é susceptível de tratamento psiquiátrico, em internamento, este, pode ser imposto ao internando. (artigo 94º do requerimento de interposição de recurso); 34) Atento os factos e os motivos invocados, não se verificam “in casu”, os referenciados, pressupostos legais, objectivamente, necessários, para o legítimo e legal decretamento e sobretudo para a manutenção do regime de internamento compulsivo, motivos pelos quais, o despacho recorrido, violou, o disposto nos números 1 e 2 do artigo 12º da Lei da Saúde Mental, o que se arguiu, tudo com as legais consequências. (artigo 95º do requerimento de interposição de recurso); 35) Senão atente-se, em termos de matéria de facto, o que, em concreto, originou, o processo de internamento compulsivo da recorrente, que, na verdade, nunca serviu de base a qualquer tipo de processo ou queixa crime, para se concluir, pela não verificação dos requisitos legais supra referenciados. (artigo 96º do requerimento de interposição de recurso); 36) A ora recorrente, há pouco mais de quatro anos atrás, numa, única ocasião, em sua casa, sem qualquer intenção de prejudicar terceiros, deixou, inadvertidamente, cair, um pouco de água com lixívia, da sua varanda do terceiro andar, para a varanda do andar inferior, tendo, um pouco de lixívia, atingido, um recipiente com tinta existente na varanda de baixo dos seus vizinhos, que, por tais motivos, quando lhe foram pedir explicações, agrediram, a internada, em plena presença do seu pai; (artigo 97º do requerimento de interposição de recurso); 37) Em consequência do referido episódio pontual e sublinhe-se, único, a ora recorrente foi, de imediato, e de urgência internada, compulsivamente, no serviço de psiquiatria do Hospital Egas Moniz, sem que se tenha produzido qualquer prova respeitante aos fundamentos previstos no artigo 12º da Lei de Saúde Mental. (artigo 98º do requerimento de interposição de recurso); 38) Antes da referida “altercação”, nunca havia sido diagnosticado à recorrente qualquer doença do foro mental, e a recorrente não tinha qualquer antecedente ou histórico clinico, relacionado, com qualquer patologia do foro mental, nem tão pouco, qualquer, antecedente e/ou histórico de qualquer outra patologia, incapacitante, e, sublinhe-se, nunca, até então, lhe havia sido, sobretudo, diagnosticado, “Esquizofrenia Paranoide” (artigo 99º do requerimento de interposição de recurso); 39) Portanto, apesar, da recorrente ser, acompanhada, pelo seu médico de família e assistente, com uma frequência semestral, até ao dia 13 de Junho de 2015, nunca havia sido diagnosticada à recorrente, qualquer patologia do foro mental, tendo, sido, apenas, nesta data, que pela primeira vez, a recorrente, foi confrontada com tal diagnostico e com a referida patologia de “Esquizofrenia Paranoide” (artigo 100º do requerimento de interposição de recurso); 40) Verdade, é que, a partir, de então, passou, a ser ministrada, à ora recorrente, medicação injectável, de doses elevadas, com neurolépticos, actualmente, substâncias, como, “Paliperidona” medicamentos, usados e ministrados, para tratamento de esquizofrenia paranoide (artigo 101º do requerimento de interposição de recurso); 41) A recorrente, está, assim, há bem, mais de quatro anos, ou seja, desde, pelo menos, o dia 13 de Julho de 2015, a receber medicação, intravenosa, em doses, extremamente, elevadas, (superiores a 150mg) que lhe, têm causado, ao longo dos últimos anos, gravíssimos, efeitos, secundários, a nível da sua saúde, como, por exemplo, tremores nas pernas, rigidez muscular, olhar parado, falta de energia e apatia, para realizar qualquer tipo de tarefa, bem como, embutimento afectivo e ainda, movimentos, involuntários, e tremores das pernas e, em geral um estado geral de inatividade e de prostração, que a incapacita, por completo, de fazer a sua vida normal e de conseguir ter um emprego estável (artigo 102º do requerimento de interposição de recurso); 42) Os referidos efeitos secundários, provocados, pela medicação injetável, (Trevita- substancia activa Paliperidona- 175mg, estão, todos, mencionados no relatório pericial, emitido pela Psicóloga da recorrente, Dr.ª AM__, a qual, no referido relatório, pronuncia-se e atesta, que, tais efeitos secundários, se devem, exclusivamente, à medicação “anti-psicótica”, que, no âmbito do presente internamento compulsivo, está, há mais de quatro anos a ser, ministrada, à ora recorrente, A_________-, conforme se prova pelo Doc. Nº 1. (artigo 103º do requerimento de interposição de recurso); DA FALTA DE FUNDAMENTOS LEGAIS PARA O DECRETAMENTO DA MANUTENÇAO DO INTERNAMENTO COMPULSIVO 43) Mais, o despacho recorrido, atendendo, ao exposto, de acordo com o exposto, não está, sequer, suficientemente, fundamentando, uma vez que, a única fundamentação vertida no despacho foi a seguinte: 4) A internada padece de esquizofrenia SOE; (fundadas dúvidas nunca esclarecidas) 5) Não tem critica para a doença; (não é verdade, uma vez que a recorrente aceita a doença mental, muito embora, tenha reservas sobre o diagnóstico) 6) Existência de elevado risco de abandono terapêutico; (nunca houve risco de abandono terapêutico, nem, a recorrente, alguma vez, recusou, submeter-se ao tratamento e à medicamentação prescrita, nunca tendo faltado a qualquer consulta ou à realização de exames de diagnóstico) (artigo 104º do requerimento de interposição de recurso); 44) O facto da recorrente padecer de esquizofrenia SOE paranoide, é uma questão, sobretudo de prova pericial, que, sempre, causou, fundadas, dúvidas à recorrente, em face da existência de vários relatórios médicos, igualmente, periciais, juntos aos autos, completamente, contraditórios, com os pareceres, dos médicos psiquiatras do departamento de psiquiatria do Hospital de Cascais e do Agrupamento de Hospitais Lisboa Ocidental, tendo, ainda, assim, a recorrente, aceitado o tratamento, até hoje, proposto, o que, só por si, evidencia, a aceitação da sua situação de doença mental, o que, não é incompatível, com o facto de poder ter duvidas, que a patologia diagnosticada é diversa, da que padece, razão pela qual, requer-se que o Tribunal da Relação ordene ao Tribunal recorrido, a elaboração de nova avaliação clinico-psiquiátrica, a realizar, pelo INML de Lisboa, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 17º da Lei da Saúde Mental, atenta, as consecutivas manutenções do regime de internamento compulsivo, decretadas, ao longo de mais de 4 anos consecutivos e atendendo, à efectiva existência de relatórios médicos discrepantes, devendo, a avaliação clinico-psiquiátrica, ser realizada, por médicos especialistas, que nunca tenham avaliado, anteriormente, a recorrente, devendo, pronunciarem-se, sobre a patologia da recorrente, sem antes, tomarem conhecimento do diagnóstico defendido pelo departamento de psiquiatria do Hospital de Cascais e do Agrupamento de Hospitais Lisboa - Ocidental; (artigo 105º do requerimento de interposição de recurso); 45) O facto do despacho recorrido, alegar, que a recorrente, não tem critica para a doença, não é correcto, uma vez que, a recorrente, nunca, recusou, ou alegou, não padecer de uma doença mental, defendendo, apenas, possivelmente, padecer de depressão Major e não de esquizofrenia SOE, com base, nos relatórios lavrados pelos seus médicos assistentes, juntos aos autos, inúmeras vezes, o que não quer dizer, que a recorrente, por esta razão não tenha critica para a doença. (artigo 106º do requerimento de interposição de recurso); 46) TRE 20/12/2011 (Fernando Cardoso), Coletânea de Jurisprudência, Ano XXXVI – tomo V/2011, p. 326 (apenas sumário) (…) (artigo 107º do requerimento de interposição de recurso); 47) Por outro lado, ao invés do vertido no despacho recorrido, não existe ou alguma vez existiu, qualquer risco de abandono da terapêutica, por parte da recorrente, uma vez que, todos os relatórios de todas as avaliações clinico-psiquiátricas, nunca referiram, que a recorrente se tenha recusado a realizar qualquer tratamento ou a comparecer nas consultas e/ou a tomar a medicação imposta, como, sucedeu, aliás, na ultima avaliação clinico-psiquiátrica, que serviu de base ao despacho recorrido, que refere, expressamente. “...que a mesma aceita os tratamentos impostos” (artigo 108º do requerimento de interposição de recurso); 48) Em face do exposto, não se verifica, “in casu”, qualquer dos argumentos vertidos no despacho recorrido, que aliás, padece de fundamentação cabal e sustentada, em matéria de facto e de direito, razão pela qual, não se verificam, igualmente, os pressupostos legais necessários, previstos na Lei da Saúde Mental, razão pela qual, deverá, o mesmo, ser, totalmente, revogado, o que se requer, ao Tribunal Superior (artigo 109º do requerimento de interposição de recurso); 49) Pelas razões expostas, atendendo, às arguidas, ilegalidades, a recorrente não se conforma em continuar a estar sujeita a um regime de internamento compulsivo, decretado, sucessivamente, pelo menos, por mais de dez vezes seguidas, ou seja, que se mantém, ininterruptamente, desde Janeiro de 2015, isto é, há mais de quatro anos consecutivos, sem, que lhe seja dada, verdadeiramente, a oportunidade de ser renovada a avaliação clinico-psiquiátrica a cargo de outros profissionais médicos, que nunca a tenham avaliado anteriormente, tal como, preceitua a Lei da Saúde Mental. (artigo 110º do requerimento de interposição de recurso); 50) Além do mais, a recorrente, verifica, ainda, que os médicos que a avaliaram, supostamente, seriam os médicos do INML, quando, na verdade, foram, os médicos do Hospital Egas Moniz, que, além, de pertencerem ao mesmo departamento de psiquiatria dos anteriores, basearam-se, justamente, nos relatórios clínicos e no processo clinico, pré-existente, o que, salvo melhor opinião, condicionará, as respectivas avaliações clinico-psiquiátricas, razão pela qual, de acordo com o “ratio do artigo 17º da Lei da Saúde Mental, requer-se, que a nova avaliação, clinico-psiquiátricas, seja feita, sem a prévia, verificação da história clínica da recorrente, de forma a que a avaliação seja concretizada de forma totalmente parcial e sem qualquer condicionalismo e que seja realizada por médicos do INML de Lisboa e não por quaisquer médicos do departamento de psiquiatria do agrupamento de hospitais Lisboa Ocidental, denominado, por Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. (artigo 111º do requerimento de interposição de recurso); 51) Portanto, quando a recorrente pretende a realização de uma nova avaliação clinico-psiquiátrica, nos termos do artigo 17º da Lei de Saúde Mental, pretende que esta, seja, realizada, verdadeiramente, por outros médicos que nunca a tivessem avaliado, anteriormente, o que até hoje, nunca sucedeu, por não ter havido nenhuma avaliação clinico-psiquiátrica, onde não tivessem presentes, médicos, que nunca tivessem visto, anteriormente, a recorrente. (artigo 112º do requerimento de interposição de recurso); 52) Por outro lado, até hoje, não houve uma avaliação clinico-psiquiátrica que fosse, que tivesse sido realizada no Instituto de Medicina Legal de Lisboa, como a recorrente peticiona há anos seguidos, motivo pelo qual, a recorrente, nos termos do artigo 17º nº2 da Lei de Saúde Mental, recorre ao Tribunal da Relação de Lisboa de forma a finalmente, ver, deferida, esta solicitação, excepcional, baseada, na discrepância de entendimentos médicos, já alegada, conforme prova que se junta no presente recurso. (artigo 113º do requerimento de interposição de recurso); 53) A este respeito veja-se, o despacho judical proferido pelo Tribunal de primeira instância, com Referência nº110537623. (artigo 114º do requerimento de interposição de recurso); 54) Tal despacho recusa à recorrente a realização de nova avaliação clinico-psiquiátrica pelo INML, alegando, para tanto, que já tinha sido deferida a realização de avaliação clinico-psiquiátrica pelo serviço de psiquiatria forense do INMLL, cfr. se prova a fls. 167, o que, não é verdade, porque o INML, até à presente data, nunca realizou qualquer avaliação clinica à recorrente, uma vez que esta entidade, voltou, a distribuir tal pedido de avaliação clinica, ao Hospital S. Francisco Xavier/Egas Moniz, Departamento de Psiquiatria, mantendo-se, assim, em erro, o tribunal de primeira instancia, (fundamento de recusa do referido despacho judicial, baseia-se, em falsas permissas) relativamente, a esta matéria, o que se deseja sublinhar, perante, este Tribunal Superior. Na referida recusa, do INML, designadamente, através do Ofício N.º 2016/08466/L, é, inclusivamente, mencionado pela Dr.ª M__, Assistente de Medicina Legal: - "Refere que o referido exame pericial foi distribuído à entidade competente, (Hospital S. Francisco Xavier/Egas Moniz, Departamento de Psiquiatria". - ..... - " Mais, se solicita, o envio prévio para o local da realização do exame, cópia de toda a documentação clínica relacionada com o evento em apreço"(artigo 115º do requerimento de interposição de recurso); 55) O mesmo despacho, com Referência nº110537623, recusou, também, o pedido da recorrente relativo à nova avaliação clinico psiquiátrica, alegando, também, a não verificação do carácter excepcional do pedido, e que teriam de existir divergências entre psiquiatras em avaliações consecutivas, omitindo, por completo, todos os relatórios médicos juntos aos autos pela recorrente, que provam as notórias divergências relatadas pelos médicos da recorrente, que, para melhor esclarecimento, se juntam como Doc. Nº 1, 4, 5, 6, 7 e 8, o que, salvo melhor opinião, consubstancia, também, uma clara, omissão de pronúncia sobre factos essenciais à descoberta da verdade e à justa composição do presente pleito, o que se arguiu, perante este Tribunal Superior, tudo com as legais consequências. Na referida recusa, designadamente, através do Ofício N.º 2016/08466/L é mencionado pela Dr.ª MF__, Assistente de Medicina Legal: - "Refere que o referido exame pericial foi distribuído à entidade competente (Hospital S. Francisco Xavier/Egas Moniz, Departamento de Psiquiatria". - ..... - " Mais, se solicita, o envio prévio para o local da realização do exame, cópia de toda a documentação clínica relacionada com o evento em apreço"(artigo 116º do requerimento de interposição de recurso); 56) Portanto, a recorrente, juntou mais, seis relatórios periciais, de médicos psiquiatras e relatórios de psicólogos, que se pronunciam sobre a patologia da recorrente, enquadrando-a como, perturbação da personalidade e depressão Major e não, como, Esquizofrenia Paranoide, o que, foi totalmente, omitido, pelo Tribunal, escusando-se, injustificadamente, a pronunciar-se, sequer, sobre a existência de tais relatórios periciais e sobre o teor dos mesmos. (artigo 117º do requerimento de interposição de recurso); 57) Em face dos referidos relatórios periciais, juntos, pela recorrente, prova-se, a verificação “in casu” do referido regime de excepcionalidade, previsto no artigo 17º da Lei de Saúde Mental, que, por si só, fundamenta, juridicamente, o pedido, requerido, pela recorrente, devendo, o mesmo ter sido deferido, pelo tribunal recorrido, o que não sucedeu, tendo, por esta razão, sido, uma vez mais, violado o referido preceito legal, o que se argui perante os meretissimos Juizes Desembargadores. (artigo 118º do requerimento de interposição de recurso); 58) De acordo com a Jurisprudência e doutrina, dominante, o referido regime excepcional deverá ficar restrito, apenas, aos casos de especial complexidade, nomeadamente, quando surjam divergências, entre psiquiatras em avaliações clínicas psiquiátricas, conforme, justamente, sucede “In casu”, motivo pelo qual, deverá ser deferida esta pretensão à recorrente. (artigo 119º do requerimento de interposição de recurso); 59) Em face do exposto, a recorrente, entende, ter sido, sucessivamente, violada a Lei de Saúde Mental, uma vez que, em face das fundadas e provadas divergências médicas sobre a sua patologia e sobretudo sobre o seu concreto diagnóstico, cujos médicos, que defendem, que a recorrente, sofre de Perturbação da Personalidade e de Depressão Major, são, actualmente, mais, dos médicos, que defendem que a recorrente sofre de Esquizofrenia Paranoide. (artigo 120º do requerimento de interposição de recurso); 60) Motivos pelos quais, a recorrente, apenas, pretende, poder ser avaliada por médicos psiquiatras do IML de Lisboa, que nunca a tenham avaliado anteriormente, de forma, a que a avaliação clinico psiquiatra, não seja influenciada pelos relatórios médicos pré-existentes, lavrados, pelos médicos do departamento de psiquiatria do Hospital de Cascais, de forma a que a avaliação clinico psiquiatra, possa ser realizada, de forma imparcial e justa, assentando, a sua decisão apenas e só nos exames clínicos realizados à paciente, através dos meios de diagnóstico que entendam adequados. Além do mais, basta, atentar-se, para os nomes dos médicos que assinam as avaliações clinico-psiquiátricas da recorrente, para se concluir que são sempre os mesmos, que, aliás, fazem uma avaliação desta natureza em menos de cinco minutos, com um ar de enfado, notório, o que foi, inclusivamente, presenciado, pelo próprio pai da recorrente, Marciano Gomes de Almeida, que a acompanhou, na última consulta de psiquiatria, cfr. se prova pelo Doc. Nº 6 que se junta. (artigo 121º do requerimento de interposição de recurso); 61) Para tanto, deverá o tribunal recorrido, notificar o IMLL de Lisboa, para proceder à avaliação clinico-psiquiátrica da recorrente, com a expressa cominação de ter de ser essa entidade, a efectuar a avaliação psiquiátrica da recorrente, atenta a verificação das excepções previstas no artigo 17º nº 2 da Lei de Saúde Mental – Lei nº 36/98 de 24 de Julho. (artigo 122º do requerimento de interposição de recurso). Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu da seguinte forma: 1. A recorrente interpõe recurso da decisão proferida nos presentes autos no dia 2 de Dezembro de 2019, na qual foi determinado que, em face do teor do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica datado de 19 de Novembro de 2019, a mesma se mantenha sujeita ao regime de tratamento ambulatório compulsivo em que se encontra. 2. Tal decisão está devidamente fundamentada na justa medida em que se alicerçou no teor do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica elaborado pelos médicos psiquiatras que observaram a recorrente e que presidiram a tal avaliação e, não discordando do teor desse relatório, o tribunal a quo, ao abrigo das disposições legais aplicáveis, decidiu em conformidade, cumprindo a decisão recorrida com todas as exigências de fundamentação. 3. Perante o teor do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica, datado de 19-11-2019, e atento o preceituado pelo art.º 17.º, n.º 5 da Lei de Saúde Mental, outra decisão não poderia ter sido proferida pelo tribunal a quo que não a de determinar que a recorrente se mantivesse em tratamento psiquiátrico compulsivo em regime ambulatório, ao abrigo do disposto pelo art.º 35.º, n.º 2 da Lei n.º 36/98 de 24 de Julho. 4. Estão reunidos no caso concreto todos os pressupostos previstos no art.º 12.º da Lei de Saúde Mental. 5. De acordo com o teor do relatório da mais recente avaliação clínica - psiquiátrica efectuada à recorrente (o relatório datado de 19-11-2019), esta padece de esquizofrenia SOE, não tem crítica para a doença, existindo elevado risco de abandono terapêutico. 6. A circunstância de a recorrente cumprir com a terapêutica instituída pelos médicos psiquiatras do serviço de psiquiatria do Hospital de Cascais não é incompatível com a circunstância de a mesma não ter crítica para a doença de que padece e para a necessidade de cumprir a terapêutica. 7. Deverá ser mantida a decisão recorrida. Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, a Exma. Sra. Procuradora Geral da República Adjunta emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso, com base nos argumentos aduzidos na resposta ao recurso apresentada pelo Mº. Pº., na primeira instância. Cumprido o disposto no art.º 417º do CPP, a recorrente não respondeu. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir: De acordo com o preceituado nos art.ºs 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos art.ºs 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005). Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061). Das disposições conjugadas dos art.ºs 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem: Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma; Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito. Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes: Se o despacho recorrido padece do vício de falta de fundamentação; Se não estão verificados, no caso concreto, os pressupostos previstos no art.º 12º da Lei de Saúde Mental, concretamente o perigo, para si, e/ou para terceiros, motivada pela sua situação clínica ou patológica, inexistindo qualquer tipo de prova que demonstre esta verificação, o que viola o disposto no nº 1 do artigo 12º da Lei da Saúde Mental, nem nunca se recusou a submeter-se ao tratamento médico determinado pelos médicos psiquiatras do Hospital de Cascais e do seu Departamento de Psiquiatria. Se existem fundadas e provadas divergências médicas sobre a sua patologia e, sobretudo, sobre o seu concreto diagnóstico, pois os seus médicos particulares defendem que sofre de Depressão Major e os médicos do Hospital de Cascais defendem que sofre de Esquizofrenia Paranoide. Se foi violado o disposto no art.º 17º nº da Lei de Saúde Mental e se deve ser realizada uma nova avaliação clínico-psiquiátrica, nos termos do artigo 17º da Lei de Saúde Mental, e se esta deve ser realizada por outros médicos que nunca a tenham avaliado anteriormente. 2. 2. Fundamentação de facto Os factos a considerar na apreciação do mérito do recurso, são os seguintes: Em sessão conjunta de prova realizada em 15 de Setembro de 2015, foi proferida decisão a determinar que a recorrente A_________- se mantivesse em regime ambulatório compulsivo (acta de sessão conjunta de prova com a referência Citius 92525431 do processo principal); Essa decisão tem o seguinte conteúdo (transcrição): Por decisão judicial de 14-07-2015, foi confirmado o internamento compulsivo de urgência da requerida A_________-, solteira, filha de MG__ e de LG__, natural de Sé Nova, Coimbra, nacional de Portugal, nascida em 14-12-1968, BI - …, residente na …, Carcavelos, por a mesma padecer de psicose SOE, com hetero agressividade e ideias delirantes, sem consciência da doença nem da necessidade de tratamento. Foi realizada nova avaliação clinica psiquiátrica e sessão conjunta de prova. Inexistem nulidades e questões prévias que obstem à decisão da causa. * Factos Provados 1) A requerida A_________- sofre de psicose SOE com ideação delirante persecutória de evolução progressiva; 2) No dia 13-07-2015 foi internada compulsivamente de urgência no Hospital S. Francisco Xavier, tendo sido transferida para o Hospital de Cascais a 14-07-2015; 3) No dia 02-09-2015 passou para tratamento ambulatório compulsivo em face do risco que ainda apresentava de abandono do tratamento com risco consequente para ela e para os outros; 4) A 02-09-2015, foi recomendada medicação oral e injetável e frequência de sessões de hospital de dia, bem como consultas de psiquiatria; 5) A requerida tem cumprido o plano terapêutico instituído e, apesar de referir efeitos secundários da medicação, apresenta-se estabilizada; 6) A requerida vive com o pai, com quem tem uma relação que parece tensa e com alguns conflitos, beneficiando do apoio da mãe, que com ela não vive; 7) A requerida apresenta risco de abandono da terapêutica, o que, acontecendo, agravará necessariamente o seu estado clínico. * O Tribunal formulou a sua convicção, relativamente aos factos dados como provados, com base no teor de fls 4, 7, 11, 25, 25-A, 56, 65, 66 e 75 verso e nas declarações prestadas pela requerida, os seus pais e pelo médico psiquiatra que a acompanhou no Hospital de Cascais, Dr. LM__. * Decidindo: A requerida, de acordo com os elementos médicos constantes do processo, sofre de Psicose SOE (sem outras especificações) e, apesar de, à data de hoje, já ter alguma consciência para a doença, apresenta ainda risco de abandono da terapêutica. O diagnóstico referido, conforme também declarado pelo médico psiquiatra ouvido, é um diagnóstico efetuado à data da observação da requerida e que pode evoluir para outro diagnóstico, caso se verifiquem presentes os respetivos traços específicos. O relatório de fls. 75/v, muito embora terminar concluindo que o caso parece ser mais um caso social, não deixa de referir estarmos "perante uma doente severamente deprimida com produção psicótica", fazer alusão à história mal estruturada relacionada com os vizinhos e com o gás e registar ralentamento global com fixidez no olhar. A requerida apresenta-se estabilizada, tem cumprido a medicação, tem frequentado as sessões de dia do Hospital e ido às consultas. A relação com o pai, as dificuldades de vivência diária com ele e o facto de não viver diariamente com a mãe, com quem parece ter melhor relação, não permite que se anteveja como segura uma evolução positiva a curto prazo. Entende, assim, o Tribunal e em face do risco que existe de abandono da terapêutica, que o regime ambulatório compulsivo é aquele que melhor se adequa, nesta fase, à situação da requerida, sendo aquele que melhor salvaguarda os direitos e os interesses que cumpre assegurar, pelo que determino que a requerida se mantenha com esse regime de tratamento. * Notifique e comunique ao Hospital. Comunique à Comissão de Acompanhamento prevista na LSM. Aguardem os autos por 60 dias, decorridos os quais deverá solicitar-se ao Hospital a realização de nova avaliação psiquiátrica à requerida (acta de sessão conjunta de prova com a referência Citius 92525431 do processo principal); A medida de tratamento compulsivo em regime ambulatório tem vindo a ser revista e mantida, nos termos do art.º 35º nº 2 da Lei de Saúde Mental, nomeadamente, pelos despachos proferidos em 26 de Fevereiro de 2016, em 14 de Outubro de 2016, em 17 de Fevereiro de 2017, em 15 de Setembro de 2017, em 20 de Fevereiro de 2018, em 7 de Janeiro de 2019, em 8 de Abril de 2019 e em 2 de Dezembro de 2019 (despachos com as referências Citius 96879640; 102424426; 105223398; 108651157; 111531545; 116976930; 118724937 e 122548916); Em 12 de Maio de 2016, a recorrente A_________- requereu ao Tribunal a sua sujeição a perícia psiquiátrica a realizar, nos termos e condições previstos no art. 17º nº 2 da Lei 36/98 de 24 de Julho, invocando a divergência de diagnósticos entre a esquizofrenia, segundo os médicos especialistas do ramo psiquiátrico do Hospital de Cascais, nomeadamente, pelo Dr. JT__ e MC__, LM__ e AM__, e a Depressão Major segundo o diagnóstico médico psiquiatra, Dr. JC__, psiquiatra há mais de trinta anos, que é claro e contundente quando afirma que não detectou na paciente, quaisquer vestígios de esquizofrenia e o grave prejuízo para a sua saúde que a medicação prescrita para uma doença que não tem lhe está a causar (requerimento com a referência Citius 6730055). Por despacho proferido em 18 de Maio de 2016, o pedido da recorrente foi deferido e, em consequência, determinada a realização de avaliação clínico-psiquiátrica, nos seguintes termos (transcrição parcial): Fls. 126 a 128: Tendo em conta o exposto e sendo a situação presente, por tudo o que vem sendo patente nos autos, uma situação excecional, determino, ao abrigo do disposto no art.º 17, nº 2 da Lei de Saúde Mental, a realização de avaliação clínico-psiquiátrica à requerida pelo serviço de psiquiatria forense do IML de Lisboa. No mais requerido, tendo em conta já ter sido realizada sessão conjunta de prova neste processo e inexistindo qualquer diligência agendada, nada a determinar. Informe o Hospital de Cascais do presente despacho e que, assim, fica sem efeito o solicitado por nosso ofício de fls. 125 (nova avaliação da requerida). Notifique o IM da requerida, com cópia deste despacho, bem como o pai dela. Oficie ao IML, com cópia de fls. 4, 4/vº, 7, 7/vº, 11, 25, 25 A, 28, 48, 51, 51/vº, 65, 66, 69, 70, 75, 75/vº, 78 a 83, 67 a 74, 88 a 90, 93, 93/vº, 111, 114 e 126 a 131 e deste despacho, solicitando a realização de avaliação clínico-psiquiátrica da requerida pelo serviço de psiquiatria forense daquele Instituto, o que se solicita ao abrigo do disposto no art.º 17, nº 2 da Lei de Saúde Mental (despacho com a referência Citius 99038908). Esse relatório pericial consta de fls. 212 a 222 do processo principal e foi elaborado por dois médicos psiquiatras em exercício de funções no serviço de psiquiatria do Hospital Egas Moniz que, tal como o Hospital S. Francisco Xavier, integram o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental EPE (cfr. certidão do apenso do presente recurso); Foi com base neste relatório que a medida de tratamento compulsivo em regime ambulatório foi mantida em 14 de Outubro de 2016 (despacho com a referência Citius 102424426); Em 14 de Dezembro de 2016, a recorrente pediu ao Tribunal a repetição da avaliação clínico-psiquiátrica realizada ao abrigo do art. 17º nº 2 da Lei 36/98 de 24 de Julho com os argumentos de que o exame foi feito pela mesma equipa médica que acompanha a assistente em regime ambulatório no Hospital de Cascais e que o despacho que determinou a realização de tal exame não foi integralmente cumprido, nem foi assegurada a isenção e a imparcialidade dos peritos intervenientes (requerimento com a referência Citius 8716163); Este pedido foi indeferido, por despacho proferido em 19 de Dezembro de 2016 (referência Citius 103981637); Em 15 de Dezembro de 2017, em 29 de Novembro de 2018 e em 26 de Setembro de 2019, a recorrente voltou a pedir ao Tribunal, a sua sujeição a uma avaliação clínico-psiquiátrica nos termos do art.º 17º nº 2 da Lei 36/98 de 24 de Julho (requerimentos com a referência Citius 11318422; 13638537 e 15468867); Sempre com os argumentos de que existe uma divergência de diagnóstico e de terapêutica entre os médicos psiquiatras que a acompanham em regime ambulatório e outros dois psiquiatras e uma psicóloga que a examinaram e que a medicação que lhe está a ser prescrita está a causar sérios danos à sua saúde (requerimentos com a referência Citius 11318422; 13638537 e 15468867); Com tais requerimentos, a recorrente juntou relatórios médicos, um, elaborado em 27 de Abril de 2016, pelo médico psiquiatra, Dr. JC__ e outro elaborado em 12 de Outubro de 2017, pela Dra. FF__ (relatórios médicos anexos, como documento nº 2 ao requerimento com a referência Citius 6730055 de 12 de Maio de 2016 e como documento nº 2 anexo ao requerimento com a referência Citius 11318422 de 15 de Dezembro de 2017); No relatório de 27 de Abril de 2016, o Dr. JC__ afirmou que não detectou na paciente A_________- quaisquer vestígios de esquizofrenia, acrescentando que o episódio ocorrido com os vizinhos da internada se deveu apenas à eclosão de um transtorno psicótico agudo e transitório, que apenas sucedeu num determinado momento e não se voltou mais a repetir, além da versão apresentada pelos vizinhos e pelo pai da internada não corresponder inteiramente à verdade e carecer de importantes rectificações, uma vez que a internada deixou inadvertidamente e sem qualquer intenção, cair água com lixívia, da sua varanda do terceiro andar para a varanda do andar inferior, que atingiu um recipiente com tinta existente na varanda de baixo dos seus vizinhos, que por tais motivos agrediram a internada na presença do seu pai, que também a agrediu, não tendo, além do mais, a internada agredido ninguém, nem sido um factor de perigo para ela própria ou para terceiros, motivos pelos quais, o próprio episódio que originou o presente internamento, nunca foi, devidamente, esclarecido (relatório médico anexo, como documento nº 2 ao requerimento com a referência Citius 6730055 de 12 de Maio de 2016); No mesmo relatório, o Dr. JC__, defendeu, em termos médicos que a internada sofre de Depressão Major e não de Esquizofrenia, razão pela qual, entende que o diagnóstico da patologia da internada está errado e consequentemente a medicamentação imposta está a ser muito lesiva para a paciente, que tem se vindo a queixar mês após mês de se sentir pior em termos de sáude, por sentir vários sintomas secundários relacionados com tremores nas pernas, sentindo-se altamente dopada com a carga medicamentosa imposta pelos médicos de forma intramuscular, nomeadamente, o Trevicta injectável (175mg) (relatório médico anexo, como documento nº 2 ao requerimento com a referência Citius 6730055 de 12 de Maio de 2016); No seu relatório, a Dra. FF__, de acordo com o relatório junto aos autos, referiu que, após observar a internada, em várias sessões, concluiu que o diagnóstico de esquizofrenia não está correcto, uma vez que a internada, padece de Perturbação da Personalidade, baseando-se, também, nos exames psicológicos realizados pela Psicóloga, Dra. AM__, que emitiu parecer no sentido de que a internada padece de Perturbação da Personalidade SOE – DSM-V (2013) com sintomas de perturbação induzida por substâncias relacionadas com a forte medicamentação anti-psicótica que está a fazer, com o embutimento afectivo, movimentos involuntários da mão, tremores, olhar vazio, e inactividade, excluindo, claramente, qualquer tipo de transtorno psicótico, defendo, que o episodio critico que levou ao internamento compulsivo pode ter-se devido a uma fase de grande tensão emocional iniciada no divorcio litigioso dos pais, que se estendeu durante anos, sendo a Cristina a única criança que triangulava entre os dois pais em forte oposição, aconselhando, o tratamento em psicoterapia”, o que até hoje nunca realizou por nunca sequer ter sido sugerido por qualquer médico do departamento de psiquiatria do hospital de Cascais ou do Agrupamento de Hospitais Lisboa Ocidental (relatório médico e relatório de avaliação psicológica anexos como documentos nºs 1 e 2 ao requerimento com a referência Citius 100000022 de 15 de Dezembro de 2017); Todos estes pedidos foram indeferidos, por despachos proferidos em 20.12.2017; em 10.12.2018 e em 2.10.2019 (despachos com as referências Citius 110500008; 11000793 e 1210000062); Todos os relatórios de avaliação clinico-psiquiátrica com base nos quais a medida de tratamento compulsivo em regime ambulatório tem vindo a ser revista e mantida foram elaborados pelos médicos psiquiatras do Hospital de Cascais, Dr. JT__; Dr. LS__; Dra. MC__; Dr. LM__; Dra. AM__; Prof. Dr. PM__; Dr. RA; Dr. PC__; Dr. DS__; Dra. MA__ e Dr. MC__ (relatórios médicos anexos na certidão do presente apenso de recurso); No dia 2 de Dezembro de 2019 foi proferida a decisão recorrida a qual, em face do teor do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica datado de 19 de Novembro de 2019, determinou que recorrente se mantenha sujeita ao regime de tratamento ambulatório compulsivo em que se encontra (despacho com a referência Citius 122000016). A decisão recorrida tem o seguinte teor: “Relatório de avaliação clínica-psiquiátrica de 19.11.2019 Tal como promovido, em face dos elementos constantes dos autos, nomeadamente o teor do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica que antecede – e do qual consta que a internanda padece de esquizofrenia SOE, não tem crítica para a doença, existindo elevado risco de abandono terapêutico - , determino que o requerido se mantenha sujeito ao regime de tratamento ambulatório compulsivo em que se encontra (art.º 35, nº 2 da LSM), por tal se revelar adequado à patologia de que padece. Notifique. Comunique ao Hospital.” (despacho com a referência Citius 122000016). 2.3. Apreciação do mérito do recurso Quanto à falta de fundamentação. O dever de fundamentação das decisões judiciais, seja qual for a jurisdição em que sejam proferidas, é um dos alicerces do Estado de Direito Democrático, na medida em que assegura que o processo seja justo e equitativo, de harmonia com o disposto no art. 20º nºs 4 e 5 da Constituição, em face da aptidão do princípio da motivação para impedir a arbitrariedade e a descriminação, bem assim, para conferir imparcialidade às decisões, assegurando, por esta via, o respeito pelos direitos liberdades e garantias fundamentais dos seus destinatários, em sintonia com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proporcionalidade, nos termos dos art.ºs 2º; 13º e 18º da Constituição, respectivamente. Em suma, o princípio da exigência de fundamentação assume-se como garantia da imparcialidade do juiz, do controle da legalidade da decisão, e da possibilidade de impugnação das decisões, a par da possibilidade de controle do exercício do poder judiciário fora do contexto processual, por parte do povo em nome de quem deve ser feita a administração da justiça, no contexto de uma concepção democrática do poder. Assim é que o dever de fundamentar uma decisão judicial é uma consequência da previsão contida no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». «Tratando-se de um princípio fundamental no ordenamento jurídico nacional, a sua concretização normativa, nos vários ordenamentos, não pode deixar de concretizar as várias dimensões onde se sustenta: generalidade, indisponibilidade, completude, publicidade e concretização do duplo grau de jurisdição.» (Mouraz Lopes, “Gestão processual: tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010, p. 143). Na vertente processual penal, este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral, consagrado no art.º 97º nº 5 do CPP, quanto à exigência da especificação dos motivos de facto e de direito de qualquer decisão Especificamente, no que releva para o caso em apreciação, considerando que estava em causa a revisão periódica sobre a necessidade de manutenção da medida de tratamento compulsivo em ambulatório e que o juízo técnico científico que subjaz à avaliação do estado psiquiátrico da doente está subtraído da livre convicção do julgador, nos termos do art.º 17º nº 5 da Lei 36/98 de 24 de Julho, tendo a decisão recorrida feito remissão expressa para o conteúdo de tal relatório pericial e anunciado que persistiam, quer a doença diagnosticada, esquizofrenia SOE, quer a ausência de crítica para a doença e o elevado risco de abandono terapêutico, porque estas menções permitem elucidar de forma cabal, quais as razões de ser da decisão de manutenção da medida, o despacho recorrido não padece de qualquer vício decorrente de falta de fundamentação, pelo que, nesta parte, o recurso não merece provimento. No que se refere às demais questões suscitadas. A Lei da Saúde Mental, no que concerne especialmente à disciplina do internamento compulsivo, preconiza em sintonia com a Resolução n.º 1235 (1994) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa um modelo judicializado de internamento, que visa compatibilizar a finalidade de protecção da saúde mental, através de medidas adequadas a assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos e a promover a sua integração crítica no meio social em que vivem (tal como anunciado pelo art. 2º da Lei nº 36/98 de 24 de Julho) com os princípios consagrados na Constituição da República em matéria de direitos fundamentais, liberdades e garantias dos portadores de anomalia psíquica, sendo o direito à liberdade o mais significativo (art.ºs 27º e 71º da CRP), nesta matéria. Na prossecução desse desígnio, estabelece como princípios gerais, entre outros, que a prestação de cuidados de saúde mental seja promovida prioritariamente a nível da comunidade, por forma a evitar o afastamento dos doentes do seu meio habitual e a facilitar a sua reabilitação e inserção social e que os cuidados de saúde mental sejam prestados no meio menos restritivo possível, no art.º 3º nº 1 als. a) e b); impõe a aplicação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade do internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica, no art.º 8º nºs 1 e 2 e exige que a aplicação da medida de internamento compulsivo apenas possa ter lugar mediante decisão judicial, no art.º 7º al. a) , todos da referida Lei. «Para além da restrição do direito à liberdade, só justificável quando constituir a única forma de implementação do tratamento necessário e adequado, o doente mantém os seus restantes direitos inalterados (v.g., voto, comunicação com a família, advogado e autoridades, envio/recepção de correspondência, receber visitas, culto religioso, confidencialidade). «Nestas circunstâncias, o juiz é não só o responsável pela condução e legitimação do processo de internamento compulsivo, mas também a garantia do respeito pelos direitos fundamentais do indivíduo, à luz da Constituição» (Miguel Xavier & Álvaro de Carvalho, Internamento Compulsivo em Portugal – Contexto e Procedimentos, in https://www.dgs.pt). «(…) O que se pretende, na realidade é a supervisão do internamento involuntário do doente que não tem capacidade para decidir sobre a necessidade de tratamento em regime de internamento; a função do juiz é assim garantir os direitos do doente, suprindo a voluntariedade de que o doente carece e autorizando, isto é, consentindo o internamento, necessário para a restituição da saúde psíquica, ponderando os interesses em jogo e o “perigo” existente» (Fernando Vieira e Sofia Brissos, Direito e Psiquiatria, Um Olhar Sobre a Cultura Judiciária na sua Intersecção com a Psiquiatria, Revista Julgar, nº 3, 2007, p. 45 e seguintes). «Na realidade, é nítido o propósito legal de exigir um consenso entre médicos e juízes, fazendo depender o internamento da junção de dois poderes e de dois juízos: por um lado, de uma decisão médica especializada, fundada em conhecimentos técnicos e obrigada por uma deontologia profissional exigente; por outro lado, de uma decisão judicial, fundada em conhecimentos jurídicos e garantindo a aplicação correcta da Constituição e da lei.» (José Carlos Vieira de Andrade, O Internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica na perspectiva dos direitos fundamentais, in “A lei de saúde mental e o internamento compulsivo” - Centro de Direito Biomédico, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp. 71-91. No mesmo sentido, Barreto (2000), A Convenção Europeia dos Direitos do Homem e os Direitos dos Doentes Mentais. Revista do Hospital Júlio de Matos, vol. XIII, Maio/Agosto, 109-123). Os direitos das pessoas doentes estão ainda acautelados nos vários procedimentos processuais, em que se desdobram todas as fases do processo - requerimento, avaliação psiquiátrica e decisão - pois que, uma vez requerido o internamento compulsivo, o tribunal fica responsável pela informação à família e ao Ministério Público, assim como pela nomeação imediata de um defensor oficioso gratuito; o doente tem a possibilidade de recusar o defensor oficioso gratuito nomeado pelo tribunal e escolher o seu próprio advogado, tem o direito de estar presente nas sessões e de ser ouvido pelo juiz (excepto quando o seu estado clínico for totalmente impeditivo), antes da tomada de qualquer decisão, de oferecer provas e requerer as diligências que se lhe afigurem necessárias, de interpor recurso da decisão de internamento compulsivo, tal como previsto nos art.ºs 10º e 11º da Lei de Saúde Mental. Em suma, trata-se de aplicar, com as devidas adaptações, o direito constitucional a um processo justo e equitativo previsto nos art.ºs 20º nºs 4 e 5 da CRP ao regime jurídico de aplicação da medida de internamento compulsivo e também do tratamento compulsivo ambulatório. Nos termos do art.º 12º nº 1 da Lei 36/98 de 24.7., são pressupostos cumulativos da aplicação da medida de internamento compulsivo, em primeiro lugar, que a pessoa visada seja portadora de anomalia psíquica, que a anomalia psíquica seja grave; que, em virtude desse seu estado de saúde mental, crie perigo de lesão de bens jurídicos de valor relevante, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial e, por último, que se recuse a receber tratamento médico adequado. O nº 2 do citado art.º 12º estabelece, ainda a possibilidade de aplicação do internamento compulsivo, sempre que, por força dessa anomalia, o doente não tenha capacidade de entender o significado a alcance do consentimento, se a ausência de tratamento deteriorar, de modo acentuado, o seu estado de saúde, independentemente do tal risco de lesão de bens jurídicos de relevante valor. Por seu turno, o art.º 33º admite a substituição do internamento por tratamento compulsivo em regime ambulatório sempre que seja possível manter esse tratamento em liberdade, sem prejuízo do disposto nos artigos 34.º e 35.º, o que significa que são os mesmos os pressupostos determinantes, tanto da aplicação da medida de internamento compulsivo, quanto da medida de tratamento compulsivo ambulatório. A Lei 36/98 define, no seu art.º 7º al. a), o internamento compulsivo como aquele que é determinado por decisão judicial, relativamente a pessoas portadoras de anomalia psíquica grave, mas não concretiza o que deve ser considerado como anomalia psíquica grave, nem refere, ainda que só exemplificativamente, quais as categorias diagnósticas que devem ser integradas no conceito de anomalia psíquica. Em todo o caso, o termo utilizado “portadores de anomalia psíquica” parece ter um significado mais abrangente do que “pessoas com doença mental”, seguindo a intenção do legislador, ao utilizar a palavra designadamente, na parte final do art.º 1º, e o único meio de prova legalmente admissível para a constatação desse estado incapacitante é a avaliação clínico-psiquiátrica. Assim, se por um lado é à medicina que incumbe exclusivamente o diagnóstico da doença, distúrbio, ou perturbação susceptíveis de integrar o conceito de anomalia psíquica, que constituí um dos pressupostos cumulativamente exigidos pelo art.º 12º para a sujeição de alguém a internamento compulsivo (e também a tratamento compulsivo ambulatório, em face do que dispõe o art.º 33º), já a aferição da sua natureza grave, da existência do nexo causal entre o estado psíquico incapacitante e a situação de perigo (concreto, atual e, no internamento urgente, iminente) para bens jurídicos próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial de relevante valor, bem como a recusa do internando a submeter-se ao tratamento necessário, é totalmente jurisdicional. Pese embora, a decisão final seja da exclusiva competência de um Juiz, este não pode decretar o internamento compulsivo se a opinião médica for contrária. A avaliação clínico-psiquiátrica do internando é obrigatória e o juízo técnico-científico inerente a essa avaliação está subtraído à livre apreciação do juiz, nos termos do art.º 17º nº 5 da Lei de Saúde Mental e não apenas presumivelmente subtraído, como na previsão contida no art.º 163º do CPP. Essa avaliação tem de ser feita por dois psiquiatras: se houver acordo, ela constituirá o fundamento da decisão final e o Juiz fica impedido de qualquer valoração crítica ou valorativa dessa avaliação clínico-psiquiátrica; em caso de desacordo, o tribunal não pode decretar o internamento compulsivo, sem pedir nova avaliação por dois psiquiatras diferentes, ou sem convocar os peritos que elaboraram esse juízo técnico-científico, para prestarem esclarecimentos na sessão conjunta de prova (art.º 18º nºs 2 e 3 da Lei de Saúde Mental), sendo certo que, nessa segunda avaliação, sem o consenso dos dois peritos que a elaboraram ou se os peritos inicialmente intervenientes não estiverem de acordo no diagnóstico, face ao modelo misto de decisão médica e judicial e ao texto das normas contidas nestes art.ºs 17º nº 5 e 18º, o Juiz não poderá determinar o internamento (neste sentido, José Carlos Vieira de Andrade, O Internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica na perspectiva dos direitos fundamentais, in “A lei de saúde mental e o internamento compulsivo” - Centro de Direito Biomédico, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp. 71-91). «O estado psicopatológico do internando é matéria da exclusiva competência do perito médico, e apenas a relevância desse estado, enquanto anomalia psíquica, para efeito de internamento, é matéria que poderá ser apreciada pelo juiz» (M. Simões de Almeida, Internamento compulsivo de doentes portadores de anomalia psíquica grave: dificuldades e constrangimentos do tribunal, in e-book do CEJ, Internamento Compulsivo, p. 38 http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Internamento_Compulsivo.pdf e Pedro Soares de Albergaria, A lei da saúde mental: Lei n.º 36/98, de 24 de Julho anotada. Coimbra: Almedina, 2003, p. 54). Assim, é ao Juiz que compete, por um lado, assegurar que o processo seja correcto e justo (um “due process of law”), e, por outro lado, verificar a existência dos demais pressupostos previstos no art.º 12º da LSM, em tudo o que estiver fora do âmbito do juízo técnico-científico que fundamenta a avaliação psiquiátrica. Neste modelo judicializado, o Juiz tem, por conseguinte, amplos poderes de cognição e decisão sobre a natureza grave da anomalia psíquica diagnosticada; sobre a sua adequação a um qualquer perigo; sobre a questão de saber se o internamento é a única forma de garantir a submissão do internando a tratamento; sobre a natureza do bem jurídico ameaçado pelo internando, quer em si mesmo avaliado, quer na sua consideração comparativa e numa dimensão de proporcionalidade, com a medida de internamento, quanto a saber se é de valor suficiente para justificar esta medida, podendo, apesar do diagnóstico médico, concluir pela negativa, quanto aos demais pressupostos legais determinantes do internamento e, em conformidade, recusar o internamento compulsivo. Do mesmo modo, no chamado internamento tutelar, previsto no art.º 12º nº 2, quanto às possibilidades de concluir que não há manifestamente falta de discernimento do internando e/ou que é improvável a prognose de deterioração grave do seu estado, o Juiz também mantém intacto o seu poder de decisão. E porque o direito a um processo justo e equitativo, não prescinde dos direitos de oposição e defesa que devem ser reconhecidos ao doente, para a sua concretização, os art.ºs 10º e 11º da Lei de Saúde Mental reconhecem ao doente, para além de outros direitos, o de juntar os meios de prova e requerer as diligências que repute necessárias e de ser ouvido antes da tomada de qualquer decisão. Por isso, se é certo que da concatenação entre as disposições legais contidas nos nºs 1 e 2 do art.º 17º da mesma Lei, não custa aceitar que a realização das avaliações clínico-psiquiátricas pelo Instituto Central de Medicina Legal se deva restringir ao universo de casos mais complexos e às situações em que tenha passado muito tempo sobre a aplicação da medida de internamento, por razões que se prendem com a racionalização de recursos humanos e logísticos que são escassos e para garantir a capacidade de resposta atempada dos serviços de psiquiatria, afigura-se também certo que a possibilidade de aplicação da norma inserta no nº 2 do art.º 17º citado não se esgota nessas duas situações. O advérbio de modo «excepcionalmente» tem suficiente amplitude para permitir a aplicação deste art.º 17º nº 2 a outras situações, por exemplo, naquelas em que resulte fundadamente posta em causa a isenção e independência dos peritos subscritores do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica, na medida em que tal como os Juízes, também eles estão sujeitos às causas de impedimento, escusa e recusa resultantes da lei e do seu estatuto, como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 47º e 153º do CPP e do art.º 470º do CPC. Isto, porque, sendo obrigatória a avaliação clínico-psiquiátrica para o diagnóstico da anomalia psíquica e tendo ela um valor probatório legalmente pré-estabelecido que o subtrai do princípio da livre apreciação da prova, a necessidade de garantir o rigor, a isenção e a objectividade desse diagnóstico médico, adquirem particular acuidade. Do mesmo modo, cabem na previsão do art.º 17º nº 2 citado, todas aquelas situações em que, por se referirem precisamente às garantias de defesa e de exercício do contraditório, nos termos dos art.ºs 10º e 11º da Lei 36/98 de 24 de Julho e do art.º 20º nºs 4 e 5 da CRP, o doente impugna, com argumentos razoáveis e verosímeis, à luz de regras de experiência comum, de critérios de razoabilidade humana, ou de regras de ciência e justifiquem mais detalhada indagação, a verificação dos pressupostos determinantes da aplicação das medidas de internamento ou, dada a similitude nos pressupostos, das medidas de tratamento compulsivo ambulatório. Em suma, sempre que da argumentação e eventuais meios ou diligências de prova, apresentados ou requeridos pelo doente possa resultar uma probabilidade de alteração dos pressupostos do art.º 12º, o Tribunal tem o dever de realizar as diligências probatórias necessárias, para verificar se o doente tem ou não razão. E entre essas diligências, pode muito bem incluir-se a avaliação clínico-psiquiátrica prevista no art.º 17º nº 2 da Lei 36/98 de 24 de Julho. Esta interpretação parece ser a que melhor se concilia, quer com o direito ao processo justo e equitativo e, por via dele, com as garantias de defesa, oposição e exercício do contraditório que a Lei de Saúde Mental quis assumidamente reconhecer ao doente, quer com a natureza temporária e de «última ratio» das medidas de internamento compulsivo e de tratamento compulsivo ambulatório. A Lei de Saúde Mental, porque prioriza a recuperação dos doentes, não prevê prazos máximos de duração das medidas nela previstas. Mas, de harmonia com os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade, as medidas de internamento e de tratamento ambulatório compulsivos só se devem manter, enquanto perdurarem os pressupostos de perigo enumerados no art.º 12º e não houver qualquer outra alternativa, para tratar a doença e neutralizar esses perigos. Nos termos do art.º 34º da lei 36/98 de 24.7., o internamento finda logo que cessarem os pressupostos que lhe servem de fundamento, designadamente, segundo o nº 2 do citado preceito, quando ocorre alta dada pelo director clínico do estabelecimento, fundamentada em relatório de avaliação clínico-psiquiátrica do serviço de saúde onde decorreu o internamento, num claro afloramento da cláusula «rebus sic standibus», como resulta igualmente da revisão bimensal dos pressupostos da medida de tratamento compulsivo ambulatório, prevista no art.º 35º nº 2. Quanto à inobservância do despacho proferido em 18 de Maio de 2016 que deferiu a realização de novo exame pericial nos termos previstos no art.º 17º nº 2 da Lei 36/98 de 24 de Julho, não cabe já fazer quaisquer considerações, depois de proferido o acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que conheceu do recurso instaurado do despacho de 19 de Dezembro de 2016 que indeferiu o pedido de repetição dessa perícia. Mas há uma coisa que é certa. Desde então para cá decorreram mais de quatro anos. A questão é, pois, saber se quatro anos constituí um período de tempo suficientemente longo que justifique a realização de uma outra perícia de avaliação clínico-psiquiátrica, realizada por outros peritos que não os médicos psiquiatras que ao longo destes quatro anos vêm observando, acompanhando e medicando a recorrente. Para além das regras da revisão bimensal da medida de tratamento compulsivo ambulatório e da imposição como condição da duração da medida, da manutenção dos pressupostos previstos no art.º 12º, a Lei de Saúde Mental, nada mais prevê. Tomando como exemplo, as medidas de segurança de internamento, aplicadas em Direito Penal, a pessoas consideradas inimputáveis perigosos, constata-se que o art.º 92º nº 1 do CP estabelece que o internamento cessa quando o Tribunal de Execução das Penas verificar que findou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem. A revisão da situação do internado pode ser apreciada a todo o tempo se for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento, sendo-o obrigatoriamente decorridos dois anos sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido (cfr. art.º 96º do CP). A lei penal, diversamente da lei de saúde mental, fixa um prazo máximo do internamento, tendo como critério geral o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável – 92º nº 2 do artigo do Código Penal. Só excepcionalmente, verificado o circunstancialismo previsto no nº 3 do citado art.º 92º do CP, haverá prorrogação do internamento por períodos sucessivos de dois anos até se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem. Ora, se para inimputáveis perigosos, que tenham praticado factos típicos e ilícitos qualificáveis como crimes, o legislador teve a preocupação de assegurar a revisão periódica dos pressupostos e da necessidade de manutenção da medida de segurança de internamento, não obstante a Lei de Saúde Mental ser omissa quanto a esta matéria, de acordo com uma visão sistemática da ordem jurídica e por similitude de razões, afigura-se razoável que possa lançar-se mão da avaliação clínico-psiquiátrica prevista no art.º 17º nº 2 da LSM, decorrido semelhante período de tempo, seja a requerimento do doente, seja por iniciativa do próprio Tribunal. Os avanços da medicina, os efeitos de medicação prolongada e a evolução do quadro clínico do paciente, associados ao decurso do tempo e à eventual alteração dos pressupostos determinantes da medida de segurança de internamento a ponto de poderem justificar a extinção da medida que parecem ter estado na base da previsão contida no art.º 92º do CP fazem todo o sentido, também na reavaliação do quadro clínico e da situação de risco dos doentes sujeitos às medidas previstas na Lei de Saúde Mental, para a qual, nos termos dos art.ºs 18º e 34º, tais medidas também só têm aplicabilidade se e enquanto se verificarem os requisitos previstos no art.º 12º e não houver qualquer outra alternativa que permita a recuperação da doença. Afigura-se, nesta sequência, que quatro anos são um período mais do que suficiente, à luz das regras de experiência comum e da ciência, por referência à eventual evolução ou alteração do estado clínico da recorrente, para permitir, pelo menos, colocar a hipótese de se terem alterado os pressupostos determinantes da aplicação de tal medida. Isto, seja para a solução de a manter, ou de a agravar, impondo o internamento compulsivo ou, ainda, para arquivar o processo. Não seria sequer tolerável, de acordo com os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, que estas medidas se convertessem em medidas vitalícias, aplicadas por mera decisão médica sem qualquer supervisão ou controle judiciais, afrontando o direito à liberdade pessoal dos doentes, quando já não se mostram necessárias, nem adequadas para a sua recuperação e para a sua integração crítica no meio social em que vivem, apenas porque vários anos antes um relatório pericial diagnosticou uma doença ou perturbação incapacitantes e qualificáveis como anomalia psíquica e porque o juízo técnico científico subjacente ao diagnóstico não pode ser sindicado pelo Julgador, numa clara violação dos princípios contidos no art.º 30º nºs 1 e 2 da CRP. A ser assim, sob a configuração formal de um modelo misto que conjuga a Medicina e o Direito, precisamente, para evitar eventuais abusos na afronta das liberdades e garantias dos doentes, o que existiria, afinal, seria um modelo meramente administrativo, exclusivamente alicerçado em relatórios médicos, sem qualquer supervisão ou controle judiciários, sem qualquer fundamento legal e contrário à Constituição da República Portuguesa. O Tribunal não pode nem deve, pois, demitir-se de verificar, a cada momento, a correcção dos procedimentos de que dependem as garantias dos direitos fundamentais e processuais dos doentes, de acordo com o modelo misto de decisão médica e judicial e com as razões de ser da judicialização dos processos de aplicação das medidas previstas na Lei de saúde mental. E é também em atenção à prossecução destes valores e à necessidade de impedir a arbitrariedade, sobretudo, em relação a pessoas que por não terem capacidade de acção e decisão, livre e consciente, a ponto de ficarem impedidas de discernir o significado dos seus actos e de medirem as respectivas consequências, é que merecem especial atenção e protecção, que o art.º 17º nº 2 está previsto. Por isso, o decurso destes quatro anos, aliados à argumentação expendida, quanto à necessidade de revisão periódica das medidas de saúde mental, em atenção aos avanços da medicina e às eventuais alterações do quadro clínico do doente, aliados à natureza temporária e necessária das medidas, só por si, seria bastante para dar provimento ao presente recurso quanto à necessidade de realização da avaliação clínico-psiquiátrica prevista no art.º 17º nº 2 Lei 36/98 de 24 de Julho. No caso vertente, a recorrente veio ainda invocar a falta de imparcialidade dos peritos que vêm juntando ao processo os relatórios médicos destinados à revisão bimensal da medida e com base nos quais a medida de tratamento compulsivo ambulatório vem sendo mantida. À argumentação aduzida pela recorrente de que os outros dois psiquiatras e a psicóloga que a observaram foram peremptórios, no diagnóstico de depressão major e sem quaisquer sinais de esquizofrenia e de que a terapêutica adequada seria um acompanhamento psicológico, veio o Mº. Pº. invocar que os relatórios médicos juntos pela recorrente não têm o valor de prova pericial e que o juízo científico exarado pelos psiquiatras do Hospital de Cascais que a acompanham em regime ambulatório está subtraído à livre convicção do julgador, nos termos do art.º 17º nº 5 da LSM. Sem pretender colocar em crise, dado o seu acerto, estas afirmações do Mº. Pº., há, todavia, outras constatações que, de tão verdadeiras como aquelas afirmações, também não podem ser ignoradas: a primeira, de que há pelo menos dois relatórios médicos, elaborados por médicos da mesma especialidade da dos peritos nestes autos, que rejeitam o diagnóstico de esquizofrenia e contrapõe um outro de depressão major; a segunda, a de que apesar de tais relatórios médicos não terem o valor de prova pericial, são, pelo menos, aptos a dar consistência à possibilidade de os juízos científicos exarados nos relatórios de avaliação psiquiátrica juntos aos autos já estarem comprometidos ou inquinados pelo diagnóstico inicial, logo, já não serem imparciais. Ora, a argumentação da recorrente, no sentido de que, porque nunca foi realmente avaliada por peritos diferentes daqueles que faziam parte da mesma equipa de psiquiatras que a têm vindo a observar e a acompanhar, desde que teve o surto psicótico em 2015 que determinou o seu internamento compulsivo urgente, depois, convertido em tratamento compulsivo ambulatório é verdadeira e encontra-se perfeitamente ilustrada nos sucessivos relatórios de avaliação clínico-psiquiátrica. É, pois, perfeitamente plausível que, tal como a recorrente afirma, todos os relatórios periciais que têm sido juntos e que vierem a ser juntos aos autos padeçam de ideias ou juízos técnico científicos pré-determinados pelo diagnóstico inicial e pelo conhecimento que já têm da doente, em resultado do acompanhamento que lhe vem efectuando em regime de tratamento compulsivo ambulatório, desde há cerca de cinco anos. Daí que estando instalada, pelo menos, a dúvida acerca dessa imparcialidade e isenção e porque, precisamente por força da exclusão do juízo técnico científico do crivo da livre convicção do Tribunal, é que se impõe, de acordo com o preceituado no art.º 17º nº 2 da Lei 36/98 de 24 de Julho, uma avaliação clínico – psiquiátrica independente, a fim de neutralizar qualquer dúvida. A sua realização, de resto, mais não é do que o corolário dos deveres de investigação do Tribunal, em concretização dos correspondentes direitos da doente de apresentar meios de prova e requerer diligências, de exercer o contraditório e, em geral, os direitos de oposição e defesa que se inserem no já mencionado direito constitucional a um processo justo e equitativo. Por isso que, também com este argumento, o presente recurso tem de ser julgado procedente quanto ao pedido de revogação do despacho de 2 de Dezembro de 2019, que manteve a medida de tratamento compulsivo ambulatório e a sua substituição por outro que, antes de mais nada, determine a realização da avaliação clínico-psiquiátrica nos termos previstos no art.º 17º nº 2 da Lei 36/98 de 24 de Julho. Essa perícia terá de ser feita por médicos psiquiatras que não conheçam a recorrente nem nunca a tenham examinado e que trabalhem em serviço de psiquiatria, que não seja, nem pertencente ao agrupamento de Hospitais de Lisboa Ocidental, nem pertencente aos Hospitais de Cascais, de São Francisco Xavier ou Egas Moniz e Santa Cruz, devendo, o IML de Lisboa proceder às diligências necessárias para que a avaliação clinico psiquiátrica da recorrente seja feita em tais condições com vista à actualização do seu concreto diagnóstico, devendo pronunciar-se, ainda, sobre as terapêuticas adequadas e necessárias ao tratamento da recorrente. Só depois, poderá o Juízo Local Criminal de Cascais emitir nova decisão sobre a manutenção ou não da medida de tratamento compulsivo ambulatório. O recurso procede, pois, nesta parte. Porque a apreciação sobre se foi ou não violado o disposto no art.º 17º nº 2 da Lei 38/98 é o antecedente lógico da análise de todas as demais questões suscitadas no recurso e determina o desfecho do mesmo, dando lugar à revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que, antes de proceder à revisão da medida de tratamento compulsivo ambulatório, ordene a realização da avaliação clínico-psiquiátrica prevista no art.º 17º nº 2 da Lei 36/98 de 24 de Julho, fica prejudicada a apreciação das restantes questões. III – DISPOSITIVO Nos termos e com os fundamentos indicados, acordam dar provimento ao recurso ora interposto pela Requerida A_________ e, em consequência, revogar o despacho proferido em 2 de Dezembro de 2019, no qual foi determinado que, em face do teor do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica datado de 19 de Novembro de 2019, a mesma se mantenha sujeita ao regime de tratamento ambulatório compulsivo em que se encontra e determinam a sua substituição por outro despacho que determine a realização de uma nova avaliação clínico-psiquiátrica, de acordo com o previsto no art.º 17º nº 2 da Lei 36/98 de 24 de Julho, a realizar por médicos psiquiatras que não conheçam a recorrente nem nunca a tenham examinado e que trabalhem em serviço de psiquiatria, que não seja, pertencente, ao agrupamento de Hospitais de Lisboa Ocidental, nem pertencente, aos Hospitais de Cascais, São Francisco Xavier ou Egas Moniz ou Santa Cruz, devendo o IML de Lisboa, em cumprimento do disposto no art. 2º da Lei 45/2004 de 19 de Agosto, proceder às diligências necessárias para garantir a avaliação clínico psiquiátrica da recorrente, nas condições agora impostas, devendo, ainda pronunciar-se sobre as terapêuticas adequadas e necessárias ao tratamento da recorrente. Sem custas - art.º 37º da Lei n.º 36/98, de 24/07. Notifique. Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta. Tribunal da Relação de Lisboa, 3 de Junho de 2020 Cristina Almeida e Sousa Florbela Sebastião e Silva |