Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO COM BASE EM SENTENÇA FACTO MODIFICATIVO DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA OPONIBILIDADE AO EXEQUENTE DE ACORDO SUPERVENIENTE AUTORIDADE DO CASO JULGADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | - A execução mostra-se titulada por uma sentença, pela qual se determinam o fim e os limites da ação executiva, sendo que os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença são os enumerados no artigo 729.º, do Código de Processo Civil; - Tendo sido demandada na acção declarativa uma herança indivisa, representada pelos seus herdeiros, a partilha da herança por acordo dos herdeiros realizada na pendência dessa acção é um facto modificativo da obrigação exequenda; - Porém, competia aos interessados invocarem e prevalecerem-se desse facto modificativo que ocorreu antes do encerramento da discussão no processo de declaração; - Estando os herdeiros conhecedores da pendência da acção proposta pelo credor, mas ainda assim partilhando por acordo a herança, omitindo o chamamento do credor para intervir no inventário, não relacionando o crédito litigioso, não o aprovando, rejeitando ou deliberando sobre o seu pagamento, e, sobretudo, conformando-se com a sentença que os condenou como representantes da herança indivisa no pagamento da quantia de €186.500 e juros de mora, não pode agora o herdeiro embargante opor tal partilha ao exequente; - O facto invocado nos embargos é anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e a lei facultou ao embargante os meios para atempadamente salvaguardar os seus interesses, pelo que a partilha não é fundamento para embargar a sentença; - De qualquer forma, a instrumentalização da partilha realizada nas evidenciadas circunstâncias para alterar o sentido e alcance da decisão condenatória por meio da dedução de embargos à execução sempre constituiria um abuso de direito; - Tendo sido decidido por sentença na acção declarativa que os herdeiros da herança aberta por óbito de seu pai iam condenados no pagamento ao autor da quantia de €186.500, acrescida de juros de mora, a subsequente decisão dos embargos que reduz a quantia exequenda incluindo juros de mora e despesas (honorários e custas), a ser liquidada pelo embargante em 1/9 (considerando quinhão hereditário de 1/9 recebido da herança) ofende a autoridade do caso julgado, o que determina a improcedência dos embargos. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório. 1.1. “E” intentou os presentes embargos de executado contra o exequente “G”, referindo que pretende dar cumprimento à sentença que o condenou, mas não aceita ser responsabilizado pela totalidade da dívida exequenda, que ascende a €258.177,32, quando a sua responsabilidade se encontra limitada ao quinhão hereditário que recebeu da herança. 1.2. O embargado contestou os embargos pugnando no sentido do executado ser responsável pelo montante dos bens que recebeu na partilha. 1.3. Realizou-se uma audiência prévia, após o que foi proferida de imediato sentença que julgou os embargos procedentes, reduzindo a quantia exequenda incluindo juros de mora e despesas (honorários e custas), a ser liquidada pelo embargante “E” em 1/9 (considerando quinhão hereditário de 1/9 recebido da herança). Mais julgou improcedente a oposição à penhora. 1.4. Irresignado, o embargado e exequente veio apelar, referindo que conjuntamente com este recurso, instaurou-se um outro recurso no apenso B dos presentes autos, requerendo a subida do mesmo em conjunto. Apresentou as seguintes conclusões que delimitam o presente recurso: 1. O presente recurso é admissível e tempestivo, nos termos do disposto nos artigos 644º, nº 1, al. a), 645º, nº 1, al. a), 645º, nº 3, 638º, todos do CPC. 2. Conjuntamente com este recurso, instaurou-se um outro recurso no apenso B dos presentes autos, requerendo-se a subida do mesmo em conjunto, e formando um único processo, ao abrigo do disposto no artigo 645º nº 3 do CPC, porquanto são suscitadas as mesmas questões de Direito, correndo-se o risco de haver decisões contraditórias no âmbito do mesmo processo executivo. 3. Ocorreu violação do trânsito em julgado , porquanto a MMª Juíza a quo desrespeitou a sentença proferida no processo com o número 28247/10.4T2SNT do Juiz 2 do Juízo Central de Sintra e que serviu de título executivo à presente execução e proferida em 18.05.2020 que determinou que os executados, na qualidade de herdeiros da herança aberta por óbito de “A”, a pagarem ao ora Exequente a quantia de 186.500,00€, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (03.04.2012) até integral pagamento. 4. Porquanto posteriormente decidiu posteriormente nesta sentença: «(...) No caso em apreço, atenta a decisão supra referida, temos que o embargante é responsável por 1/9 do valor em dívida , incluindo juros de mora e despesas da presente execução, que será liquidado nos autos principais» (...) «(...) reduzo a quantia exequenda incluindo juros de mora e despesas (honorários e custas), a ser liquidada pelo embargante “E” em 1/9 (considerando quinhão hereditário de 1/9 recebido da herança». 5. A sentença que serviu de execução aos presentes autos foi proferida a 18.05.2020 – cfr. documento nº 1 – data em que a partilha dos bens entre os herdeiros, e há muito (...) já havia sido feita. 6. Pelo que é de assinalar a data da sentença que serviu do título executivo à presente execução, porquanto, nessa data, e há muitos anos, que os herdeiros já haviam partilhado a herança. 7. Assim, a MMª Juíza a quo violou o trânsito em julgado e declarou que cada embargante é apenas responsável por 1/9 do valor em dívida (!!), ou seja, 20.722,22€!!!! 8. Portanto, temos dois despachos totalmente diferentes no âmbito do mesmo processo, porquanto o processo executivo deve limitar-se a executar coercivamente a sentença proferida... 9. Mas o que a MMª Juíza a quo fez – e sem fundamento algum com o mínimo de razoabilidade – foi reduzir a quantia exequenda que cada um é responsável e em que foi condenado, para a mera quantia de 20.722,22 €... (!!) 10. Termos em que estamos perante uma decisão em que o tribunal contradisse de forma clamorosa uma decisão anterior, ocorrendo assim a violação do trânsito em julgado, exceção dilatória que deve ser conhecida oficiosamente, e porquanto gravemente atentatória dos direitos dos credores, e dos cidadãos em geral. 11. E gravemente atentatória dos direitos do embargado/recorrido que, com esta decisão nula, poderá não ver ressarcida a sua quantia exequenda a que tem direito. 12. Termos em que esta decisão é nula, nos termos e de acordo com o disposto nos artigos 628º, 580º, nº 2, 578º, e al. i) do artigo 577º, todos do CPC. 13. Violação clamorosa de lei substantiva – artigo 2.098º do Código Civil. 14. Determinou a MMª Juíza a quo que o embargante/executado é apenas responsável por 1/9 da dívida exequenda, fazendo, para tal, uma interpretação completamente errónea e violadora do disposto no artigo 2098º do Código Civil. 15. De acordo com o doutamente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo com o número 2100/11.2AGD-AP2.S2, 1ª Seção que, no âmbito de recurso de revista, aquilatou precisamente desta questão nos seguintes termos: 16. «Após a partilha, a responsabilidade de cada herdeiro pelas dívidas do autor da sucessão é unicamente aferida em função da respectiva quota subjectiva que lhe coube na partilha, sendo, para o efeito, irrelevante que o seu quinhão hereditário haja sido preenchido com bens cujo valor exceda a medida dessa quota.» 17. Nos casos em que existe uma pluralidade de herdeiros, a partilha surge assim como um momento marcante na efetivação da responsabilidade pelos encargos da herança. 18. O relevo desse momento é facilmente entendível se tomarmos em consideração que, por intermédio da partilha, se coloca termo à comunhão no património hereditário e à indeterminação inerente à qualidade de herdeiro, integrando-se no património desses sucessores os bens que pertenceram ao de cujus. Em suma, compõe-se o “quinhão concreto de cada herdeiro”. 19. Após a conclusão das operações que integram materialmente a partilha, a responsabilidade passa a respeitar, individualmente, a cada um dos herdeiros “directamente como titulares das respectivas universalidades jurídicas constituídas pelos conjuntos de bens que integram a quota hereditária que lhes coube na partilha”. 20. Paralelamente e por efeito direto da partilha, modifica-se igualmente a incidência objetiva da responsabilidade pelos encargos da herança, já que esta passa a recair sobre as forças dos bens que, especificadamente, foram recebidos pelo herdeiro. 21. Na falta de acordo em contrário, a responsabilidade do herdeiro acha-se cingida à proporção da quota que lhe tenha cabido na herança. Mais concretamente, tem-se preconizado que essa referenciação deve ser feita por reporte ao valor da quota. 22. O n.º 1 do art.º 2098.º mostra-se assim perfeitamente congruente com as decorrências patrimoniais da finalização da partilha. 23. Assim, o recorrido “E” é, conjuntamente com os seus irmãos, herdeiro de “A”, tendo aceite pura e simplesmente a sua herança. 24. À herança daquele e ao património indiviso foi, na partilha judicial a que aqueles procederam, atribuído o valor de €5.013.731,97. Nesse âmbito, o quinhão do recorrido “E” cifrou-se no valor de 657.081,33€. 25. O recorrente/oponido/exequente deu à execução sentença condenatória proferida contra, entre outros, o recorrido na qualidade de sucessor de “A”, estando este adstrito, nessa medida e qualidade, ao pagamento da quantia nela titulada. 26. A interpretação do disposto no n.º 1 do art.º 2098.º inculca a necessidade de se atender à “relação numérica com o conjunto” e à necessidade de dividir o “conjunto em tantas partes quantos os herdeiros” que são inerentes à noção de quota. 27. Daí que se perceba que, no caso e em concreta aplicação do que evoca do n.º 1 do art.º 2139.º, as instâncias tenham limitado a responsabilidade do recorrido pela satisfação da quantia exequenda (que, indubitavelmente, integra o conceito de dívidas da herança) a um 1/3 do valor dos bens deixados por CC, o que, uma vez subtraído o valor da meação da viúva deste, corresponde à quantia de € 214.342,94, repetidamente aludida na revista. 28. Esse foi, em concreto, o resultado a que, considerando o valor real dos bens deixados por CC. se chegou na partilha extrajudicial, pelo que, inerentemente, esse é o valor da quota que coube ao recorrido na herança de seu pai. – Acórdão supra citado do Supremo Tribunal de Justiça de 2019. 29. Não podem, razoavelmente, subsistir dúvidas de que o n.º 1 do art.º 2098.º, ao aludir à “(...) proporção da quota que lhe tenha cabido na herança”, pretende que, para delimitar a responsabilidade do herdeiro por dívida da herança, se atenda, unicamente, à medida da porção da herança – i.e. à sua quota subjectiva – que veio a caber a cada herdeiro em decorrência da aplicação das normas que disciplinam a repartição dos bens entre os herdeiros, de que é exemplo, mormente, o art.º 2139.º. 30. Termos em que, o único limite admissível para a responsabilidade de cada herdeiro pelas dívidas da herança é apenas e tão somente o limite da sua quota subjetiva que coube a cada herdeiro, de acordo com as regras previstas no disposto no artigo 2.139º do Código Civil. 31. Sendo a cada herdeiro, coube 1/9 da herança, em conformidade com o disposto no artigo 2.139º do Código Civil: 32. E assim aconteceu – a herança no valor total de €5.013.731,97 foi dividida em 9 partes, cabendo a cada herdeiro a sua quota subjetiva no montante de 657.081,33€. 33. E é este o único limite admissível e mais nenhum! 34. Se se entendesse de modo diferente, ter-se-ia encontrado uma solução amplamente eficaz para ludibriar os credores e dissipar as garantias patrimoniais destes. 35. Não faz qualquer sentido esta interpretação e aplicação da lei de forma clamorosamente errónea para os credores, com grave prejuízo para a Justiça e para os credores, que justamente pretendem ver ressarcidos os seus créditos. 36. A vencer esta tese o recorrente vai obviamente perder dinheiro que nunca vai conseguir cobrar coercivamente, em face das violações clamorosas desta decisão. 37. E, esta decisão, além de ser contra legem, é uma decisão absolutamente contrária a toda a jurisprudência, que é unânime nesta questão; sendo esta questão de absoluta relevância jurídica, devendo ser sanada por V. Exas para uma melhor aplicação do Direito. 38. Efetivamente, além de ter violado o trânsito em julgado; com esta decisão a MMª Juíza a quo “encontrou” um mecanismo de direito que reduz efetivamente as garantias dos credores, e de uma forma bastante eficaz. 39. Nem, de resto, teria cabimento entender-se diferentemente. Se a medida da responsabilidade de cada herdeiro ficasse na dependência, (...), do desfecho de cada partilha, gerar-se-ia uma tal incerteza e inseguridade que seriam patentemente desconformes com o grau de previsibilidade e confiabilidade que deve ser incutido pelo Direito na comunidade que é destinatária das suas normas. 40. É essa a expressão do equilíbrio encontrado pelo legislador entre os diferentes interesses em confronto. Por um lado, o interesse do credor em ser pago pelas forças dos bens do devedor originário, por outro, o interesse do herdeiro em ver restringida a respetiva responsabilidade e por outro lado, ainda, o interesse em saber, de antemão, quais os limites aplicáveis, na hipótese, assaz frequente, de inexistir qualquer estipulação entre todos os herdeiros. 41. A consideração da aludida consequência não envolve, ao invés do que se alega, qualquer diminuição da garantia creditícia. É que, em decorrência do princípio intra vires hereditatis e mesmo num caso em que a herança é, como no caso sucedeu, aceite de forma pura e simples (n.º 1 do art.º 2052.º), as dívidas do de cujus continuam a responsabilizar os bens que integraram o acervo patrimonial de que o mesmo era titular em vida (cfr. art.º 601.º). 42. Mas já a interpretação e aplicação do Direito que a MMª Juíza a quo fez diminui, de forma considerável, as garantias creditícias dos credores, termos em que esta questão de Direito constitui, inequivocamente, uma situação de grande relevância jurídica para a economia em geral portuguesa, e a garantia creditícia dos credores. 43. Por isso, desde já se aduz que o modo como se efetivou a partilha não modifica este dado objetivo, tendo apenas, neste conspecto e como já se disse, a virtude de individualizar, definitivamente, os bens herdados por cada um dos executados que responderão pelas dívidas do autor da sucessão e de pessoalizar essa responsabilização. 44. Após a partilha, a responsabilidade de cada herdeiro pelas dívidas do autor da sucessão é unicamente aferida em função da respectiva quota subjectiva que lhe coube na partilha. 45. Nulidade da sentença – artigo 615º nºs 1, als. b) e c) do CPC. 46. A sentença da MMª Juíza a quo contém fundamentos que se encontram em oposição com a decisão, assim como ambiguidades que tornam a decisão ininteligível, pelo que é nula – artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC. 47. Em primeiro lugar, na matéria de facto que deu como assente, omitiu por completo a data em que a sentença que serviu de título executivo à presente execução – processo com o número 28247/10.4T2SNT do Juiz 2 do Juízo Central de Sintra foi proferida em 18.05.2020 – data em que a partilha já havia sido efetivada, pelo que é aplicável o disposto no artigo 2.098º e não o disposto no artigo 2.097º do Código Civil, e já à data da prolação da sentença. 48. Depois vem referir que «alega o embargante apenas ser responsável pela quantia exequenda, limitada ao quinhão hereditário que recebeu da herança, não existindo responsabilidade solidária entre os herdeiros» - que se concorda em absoluto. 49. Já as consequências/conclusões que foram retiradas destas premissas são clamorosamente erróneas – pelo que os fundamentos encontram-se em oposição com a decisão, causando obscuridades e ambiguidades muito graves. 50. Repete-se novamente o que foi dito pelo Supremo Tribunal de Justiça, acima citado e identificado: 51. Não podem, razoavelmente, subsistir dúvidas de que o n.º 1 do art.º 2098.º, ao aludir à “(...) proporção da quota que lhe tenha cabido na herança”, pretende que, para delimitar a responsabilidade do herdeiro por dívida da herança, se atenda, unicamente, à medida da porção da herança – i.e. à sua quota subjectiva – que veio a caber a cada herdeiro em decorrência da aplicação das normas que disciplinam a repartição dos bens entre os herdeiros, de que é exemplo, mormente, o art.º 2139.º . 52. Termos em que, o único limite admissível para a responsabilidade de cada herdeiro pelas dívidas da herança é apenas e tão somente o limite da sua quota subjetiva que coube a cada herdeiro, de acordo com as regras previstas no disposto no artigo 2.139º do Código Civil. 53. A lei e a jurisprudência são muito claras: o único limite admissível para a responsabilidade de cada herdeiro é a sua quota subjetiva, calculada de acordo com as regras do disposto nos artigos 2.131º e seguintes do Código Civil (e segundo as regras das disposições testamentárias caso haja). 54. E não há mais nenhum limite! 55. Assim a própria Juíza o afirmou - «Mas, após a partilha, esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros. Só que a medida da responsabilidade destes determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério (sublinhado nosso), designadamente, pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.» 56. Portanto, a própria MMª Juíza a quo admite que apenas há um critério a ter em consideração – que é o da medida da quota subjetiva que coube a cada um dos herdeiros e mais nenhum. 57. E mais, vem referir inclusivamente que, «em termos gerais, poderá até afirmar-se que a garantia do credor se reforçou. E o risco de perda dessa garantia não é, abstratamente, maior do que aquele que ocorria em vida do autor da herança ou de que é corrido por qualquer credor». 58. Depois disto, vem proferir a seguinte conclusão absolutamente kafkiana, incompreensível, desconexa e nula: 59. «(...) verifica-se que a herança foi partilhada, tendo todos os 9 (nove) executados, na qualidade de herdeiros de “A”, direito a um quinhão hereditário de 1/9 da herança, o que se traduziu na prática um valor de 657.081,33€ para cada herdeiro. 60. Logo, cada um deles dos herdeiros será responsável por 1/9 do montante em dívida nos presentes autos»!!! 61. Não se entende, de modo nenhum, como é que se passou do único limite admissível da quota subjetiva, no montante cada um de 657.081,33€, para a divisão da quantia exequenda por nove!!! 62. Ou seja, foram aplicados forçosamente outros critérios delimitativos – que se desconhecem quais dado que a MMª Juíza não os menciona – para reduzir a quantia exequenda do oponente para o mero valor de 20.722,22€!!! 63. E depois ainda vem referir que não há perda das garantias dos direitos dos credores – poderá até afirmar-se que a garantia do credor se reforçou... 64. E também não se pode retirar qualquer critério delimitativo pela ausência de solidariedade entre os herdeiros, dado que inclusivamente a própria MMª Juíza a quo resolve essa questão na sua sentença, citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.12.2016, processo com o número 1110/15.5T8GRD.C1, www.dgsi.pt : 65. «(...) após a partilha, esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros, sendo que a medida da responsabilidade destes determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente, pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados. Conclui-se, pois, que as obrigações dos herdeiros da herança partilhada perante os credores não são solidárias, pois nada na lei impõe tal solidariedade (art.ºs 513º e 2098º), e também não resultou de um encontro de vontades, não sendo permitido ao credor exigir a cada herdeiro mais do que a proporção da sua quota na herança, nem assistindo ao herdeiro que porventura pague mais do que aquela proporção, direito de regresso contra os demais herdeiros .» 66. Portanto, se o único critério admissível, do limite da responsabilidade de cada herdeiro, é o da sua quota subjetiva, que neste caso é no montante de 657.081,33€ para cada herdeiro, como é que se saltou para a conclusão de que cada herdeiro só é responsável pelo valor de 20.722,22€?! 67. Não o sabemos, dado que a MMª Juíza a quo não explica, não fundamenta; e ao invés apresenta uma fundamentação errónea. 68. Termos em que a decisão é nula nos termos do disposto no preceituado no artigo 615º als. b) e c) do CPC. 69. É que, em decorrência do princípio intra vires hereditatis e mesmo num caso em que a herança é, como no caso sucedeu, aceite de forma pura e simples (n.º 1 do art.º 2052.º), as dívidas do de cujus continuam a responsabilizar os bens que integraram o acervo patrimonial de que o mesmo era titular em vida (cfr. art.º 601.º). 70. Após a partilha, a responsabilidade de cada herdeiro pelas dívidas do autor da sucessão é unicamente aferida em função da respectiva quota subjectiva – artigo 2.098º do Código Civil. Pugna pela revogação da sentença e pela total improcedência dos embargos. 1.5. O embargante “E” contra-alegou sustentando a manutenção do decidido nos embargos e, não se conformando com a parte da sentença que julgou improcedente a oposição à penhora por si deduzida, apresentou recurso subordinado. Das conclusões igualmente prolixas do embargante destaca-se o seguinte: JJ) Vem o recurso subordinado interposto da parte da sentença que julgou improcedente a oposição à penhora e, em concreto, manteve a penhora da totalidade da fracção autónoma identificada com as letras “DB”, correspondente à loja n.º 2 do Centro Comercial B. KK) Não se conforma o Embargante com tal decisão, por entender que tal penhora a manter-se, somente poderia incidir sobre metade da referida loja, uma vez que em resultado da partilha de herança de seu pai, somente lhe foi adjudicada ½ da Fracção autónoma identificada com as letras “AA”, correspondente à loja n.º 43 do Centro Comercial B, do prédio urbano descrito na C.R.P. da Amadora sob o n.º …, inscrito na matriz sob o art.º … (onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial “Sandoxinha”); LL) Pelo que a manutenção da referida penhora em toda a sua extensão, atenta contra o disposto no art.º 744.º n.º 1 do CPC na parte em que dispõe que “na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança”; MM) Devendo determinar-se a redução da referida penhora, de forma a abranger somente ½ da referida loja n.º 43 do Centro Comercial da B, por ter sido essa proporção que o Embargante adquiriu em resultado da partilha da herança em apreço; NN) Termos em que deve o recurso de apelação interposto pelo Exequente ser julgado não provado e improcedente, confirmando-se a sentença recorrida na parte em que julgou procedentes e provados os embargos de executado e determinou a redução da quantia exequenda, incluindo juros de mora e despesas (honorários e custas) da responsabilidade do Embargante, em 1/9 (um nono), OO) Devendo, por sua vez, o recurso subordinado interposto pelo Embargante ser julgado procedente por provado determinando-se a redução a penhora da loja n.º 43 do Centro Comercial B, do prédio urbano descrito na C.R.P. da Amadora sob o n.º …, inscrito na matriz sob o art.º …, a ½ da mesma loja, por ter sido essa proporção que o Embargante adquiriu em resultado da partilha da herança em apreço. 1.6. Em vista do modo de subida dos recursos nos próprios autos, entende-se prejudicado o conhecimento conjunto dos recursos previsto no artigo 645.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Aliás, o recorrente pugna contraditoriamente pela subida do recurso nos próprios autos mas invoca um preceito aplicável aos recursos que subam conjuntamente, em separado dos autos principais. Por outro lado, já foi preferida decisão por esta Relação a conhecer do outro recurso, pelo que a questão também se mostra prejudicada por tal motivo. 1.7. As questões que cumpre conhecer estão delimitadas pelas conclusões dos recursos principal e subordinado, centrando-se no seguinte: - Se o embargante pode opor ao embargado, mediante embargos de executado, a partilha da herança realizada por acordo entre todos os herdeiros antes do encerramento da discussão no processo de declaração; - Se a decisão dos embargos consubstancia violação do julgado, em que termos e quais as consequências; - Se se deverá manter a penhora sobre uma fracção de um prédio urbano, nas circunstâncias evidenciadas pelo que foi pedido e decidido na acção declarativa, sendo certo que o autor da herança apenas detinha a quota parte correspondente a metade o direito de propriedade dessa fracção. * 2. Fundamentação. 2.1. Resultaram provados os seguintes factos: 1. Por sentença proferida pelo Juiz 2 do Juízo Central de Sintra, no proc. 28247/10.4 T2SNT, foram os executados, na qualidade de herdeiros da herança aberta por óbito de “A”, a pagarem ao ora Exequente a quantia de € 186.500,00 (cento e oitenta e seis mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data de citação (03.04.2012) até integral pagamento. 2. Por sentença proferida em 07.11.2012, no Processo n.º 108/09.7TBAMD que correu termos na Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, Amadora – Juízo de Média Instância Cível, transitada em julgado em 12.12.2012, foi homologado o acordo de Partilha da Herança aberta por óbito do referido “A”, lavrado por transação naquele Processo, em 23.10.2012, cfr. Documento junto aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido. 3. Do acordo de partilha referido em 2), todos os 9 (nove) Executados, na qualidade de herdeiros de “A”, tiveram direito a um quinhão hereditário de 1/9 (um nono) da herança, o que se traduziu na prática um valor de € 657.081,33 para cada herdeiro. 4. Ao aqui Embargante foram adjudicados os seguintes bens imóveis pertença da herança: a) Loja comercial no Bº S, Saurimo (Dia1); b) Loja comercial no Bº S, Saurimo (Dia2); c) ½ da Fracção autónoma identificada com as letras “AA”, correspondente à loja n.º 43 do Centro Comercial B, do prédio urbano descrito na C.R.P. da Amadora sob o n.º …, inscrito na matriz sob o art.º … (onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial “Sandoxinha”); e d) ½ da Fracção autónoma identificada com as letras “DB”, correspondente à loja n.º 2 do Centro Comercial B, do prédio urbano descrito na C.R.P. da Amadora sob o n.º …, inscrito na matriz sob o art.º … (onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial “Cabeleireiro Graciete”). 5. Em 28.01.2022 foram penhorados nestes autos: a quota de ½ de que é proprietário em relação à fracção autónoma identificada com as letras “DB”, correspondente à loja n.º 2 do Centro Comercial B, com o valor patrimonial de €80.640,89 ; e a fracção autónoma identificada com as letras “AA”, correspondente à loja n.º 43 do Centro Comercial B com o valor patrimonial de € 15.216,65. 6. Em 7.07.2022 foi penhorado a renda paga por ACBB NAILS - IMPORT. & EXPORT., LDA.. * 3. O Direito. 3.1. O primeiro fundamento invocado pelo recorrente contra a sentença dos embargos centra-se na violação do trânsito em julgado. Argumenta que a Mmª Juíza a quo desrespeitou a sentença proferida no processo com o número 28247/10.4T2SNT do Juiz 2 do Juízo Central de Sintra e que serviu de título executivo à execução. Convirá recordar que na acção declarativa foi proferida sentença no dia 18/5/2020 com o seguinte teor decisório: “Julgar procedente o pedido deduzido pelo Autor e, assim, condenar os Réus, herdeiros da herança aberta por óbito de “A”, no pagamento ao Autor, “G”, da quantia de 186.500,00 € (cento e oitenta e seis mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (3-4-2012) nos termos sobreditos, até integral pagamento”. Essa mesma acção foi intentada por “G” contra os herdeiros da Herança Indivisa de “A”: 1. “C”, 2. “O”, 3. “G”, 4. “AM”, 5. “E”, 6. “CC”, menor, representada por sua mãe “L”, 7. “H”, menor, representado por sua mãe “L”. 8. “M”, menor, representada por sua mãe “B”; e, 9. “L”, menor, representada por sua mãe “B”. O artigo 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, refere que transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º. Vem sendo repetidamente entendido pela jurisprudência que o “caso julgado material vigora dentro dos limites estabelecidos nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sendo, portanto, delimitado através dos elementos que identificam a relação jurídica definida na sentença (as partes, o pedido e a causa de pedir) e é a definição dessa concreta relação jurídica (delimitada pelos referidos elementos) que se impõe por força da autoridade do caso julgado; significa isso, portanto, que a concreta relação material controvertida que foi objecto da decisão não pode voltar a ser discutida entre as mesmas partes e não pode vir a ser contrariada – antes deverá ser respeitada – por qualquer outra decisão” – acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/6/2019, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 355/16.5T8PMS. Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade, “O caso julgado, por sua parte, só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas); a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição concreta definida por anterior decisão e, portanto desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados” – in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1993, pág. 318. Ora, na acção declarativa ficou expressa e inequivocamente decidido que os herdeiros da herança aberta por óbito de “A” iam condenados no pagamento ao Autor, “G”, da quantia de 186.500,00€ (cento e oitenta e seis mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora. O exequente/embargado muniu-se desse título e apresentou requerimento executivo contra os executados, herdeiros da herança aberta por óbito de “A”, exigindo o pagamento da quantia de 186.500,00 € acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (03.04.20212) até integral pagamento. Mais referiu que, não tendo pago voluntariamente a aludida dívida, responde o valor dos bens herdados pelos executados. Tal sentença condenatória constitui o título executivo, pelo que verdadeiramente a questão primordial é a de saber se era permitido o conhecimento do objecto dos embargos. O embargante referiu que não aceita ser responsabilizado pela totalidade da dívida exequenda, quando a sua responsabilidade se encontra limitada ao quinhão hereditário que recebeu da referida herança – cfr. art.º 3.º da petição de embargos. Depois, a pretexto de contextualização da questão sub judice, refere que por sentença proferida em 07.11.2012, no Processo n.º 108/09.7TBAMD que correu termos na Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, Amadora – Juízo de Média Instância Cível, transitada em julgado em 12.12.2012, foi homologado o acordo de Partilha da Herança aberta por óbito do referido “A”, lavrado por transação naquele Processo, em 23.10.2012. Isto é, depois de estarem conhecedores da demanda pelo credor, os herdeiros lograram partilhar a herança por acordo. Sucede que a oposição à execução baseada em sentença só pode ter algum dos fundamentos indicados no artigo 729.º, do Código de Processo Civil. A partilha da herança é um facto modificativo da obrigação, nomeadamente porque determina uma série de efeitos jurídicos ao nível do reconhecimento dos sucessores, do reconhecimento de dívidas e da forma do seu pagamento e da transmissão de direitos – vd. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Coimbra, 1993, pág. 148. É lícito ao embargante invocar qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento – cfr. alínea g) do citado artigo 729.º. Porém, a partilha da herança ocorreu nos idos de 2012 ou seja muito antes do encerramento da discussão no processo de declaração e da sentença prolatada em 2020. Os herdeiros e aqui executados tiveram oportunidade de ir à acção declarativa e alegar que já tinham sucedido ao autor da herança por harmoniosa partilha entre eles e que a responsabilidade tinha agora sido transferida para cada um deles na proporção que acordaram. De igual forma tiveram oportunidade de se insurgir contra a sentença que os condenou, como herdeiros, a pagar ao autor a quantia de € 186.500 e respectivos juros de mora, pugnando que a condenação deveria estar limitada e individualizada a 1/9 dessa quantia. Porém, não o fizeram no momento oportuno em que podiam e deviam concentrar a sua defesa, pelo que prevalece a autoridade do caso julgado: A herança aberta por óbito de “A” está condenada no pagamento ao autor, “G”, da quantia de € 186.500 e juros de mora. Entende-se que não é admissível que, depois de transitada em julgado tal sentença, os réus tentem alterar ou limitar o sentido ou o alcance da decisão, por meio da invocação mediante embargos de executado de um fundamento que muito bem conheciam e que antecedeu a sentença condenatória: foi efectuada a partilha da herança por acordo dos herdeiros (e sem intervenção do credor). Como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/7/2019: “Quando é dada à execução, como no caso presente, uma sentença condenatória - art.º 703º, alínea a), do Código de Processo Civil - este particular título executivo surge na sequência de uma actividade processual desenvolvida em contraditoriedade, conforme ensina Lebre de Freitas, in, A Acção Executiva, página 154, e está revestido da força de caso julgado que lhe é conferida pela lei adjectiva civil, mostrando-se excluídos da discussão na fase executiva os assuntos que podiam (e deviam) ter feito parte da discussão no processo de declaração onde o título se produziu, restringindo a sua dissensão ao escrutínio do alcance que emana do título e se há-de reflectir na justeza (ou inadequação) dos contornos da que é obrigação (concretamente) exequenda, ou seja, revertendo ao caso sub iudice, é fundamental apreciar a questão atinente ao cumprimento da obrigação que resulta da sentença exequenda” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 20324/16.4T8PRT-A.P2.S1. Não obstante a bondade dos motivos invocados, a sentença proferida nos embargos acaba por alterar radicalmente o sentido e o alcance da sentença proferida na acção declarativa: onde antes estava a condenação da herança indivisa, representada pelos seus herdeiros, no pagamento da reconhecida dívida passou agora a constar a condenação de cada um dos sucessores a pagar 1/9 da reconhecida dívida. O fundamento para tal modificação subjectiva e objectiva foi um facto que os herdeiros sempre souberam, pois até foram eles que o praticaram em 2012: a partilha dos bens da herança. É verdade que os herdeiros são livres de aceitarem, repudiarem, partilharem ou alinearem a herança. De preferência chamando ao inventário para partilha da herança os credores, a fim de aprovarem ou rejeitarem os créditos litigiosos, a forma do seu pagamento e evitarem ulteriores questões relacionadas com simulações de valores ou da partilha, da responsabilidade pelo pagamento das dívidas, etc.. A herança foi aceite a beneficio de inventário – art.ºs 2052.º e 2053.º, do Código Civil (e não pura e simplesmente como invoca o recorrente). Mas os herdeiros não se prevaleceram desse facto na acção declarativa. Nem tão pouco se insurgiram contra a decisão que titula a execução e que condenou a herança aberta por óbito de “A”, no pagamento ao autor da quantia de €186.500 e juros de mora. Os herdeiros podiam ter-se insurgido contra tal sentença opondo-lhe as razões que trouxeram com os presentes embargos, se nisso vissem fundamento. Mas não o fizeram, pelo que a autoridade da mesma se manifesta de forma inequívoca: a herança aberta por óbito de “A”, representada pelos seus herdeiros, incluindo o aqui embargante e recorrido, terá que pagar ao autor e aqui embargado tal quantia. Nesse momento ficou claro e inequívoco que o autor podia executar a herança e fazer-se pagar coercivamente por meio de qualquer um ou de todos os bens que a integravam. Só depois de transitar em julgado tal sentença condenatória e de ser confrontado com a instauração da execução é que o embargante viu finalmente interesse em invocar a partilha da herança como instrumento para alterar o sentido e o alcance da decisão condenatória proferida na acção declarativa. A questão também não se reconduz a uma excepção que possa ser invocada a todo o tempo pelo interessado, como sucede com o pagamento da dívida. Nem tão pouco está em causa uma mera interpretação da sentença proferida na acção declarativa. Bem pelo contrário, a sentença condenatória proferida na acção declarativa expressamente afirmou que “se o pagamento do preço está efetivamente em falta, como provado, os herdeiros do falecido comprador “A”, nessa qualidade, deverão ser condenados no pagamento da correspondente quantia, ao Autor; dado que, conforme art.ºs 2024º e 2068º, do Código Civil, com a sucessão, ocorre o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida; porque a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; e porque, o falecido “A”, em vida, incorrera na obrigação de pagamento dessa quantia, ao celebrar o contrato de compra e venda, que incumpriu por não ter pago o respetivo preço”. Como refere o artigo 621.º, do Código de Processo Civil, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga. Os limites e termos em que o caso foi julgado foram taxativamente explicitados: a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido. O herdeiro nas presentes circunstâncias não pode opor a partilha ao credor mediante a dedução de embargos de executado, pois a mesma não é posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração. A lei facultou ao herdeiro todos os mecanismos para acautelar os seus direitos perante o credor no âmbito do processo de inventário e no processo declarativo, pelo que este não pode agora instrumentalizar a partilha para sonegar ao credor o direito que lhe foi anteriormente reconhecido por sentença transitada em julgado: executar a herança e fazer-se pagar pelas suas forças. Foi esse o direito que o exequente se propôs exercer e o título habilita-o para tal. De qualquer forma, mesmo que se entendesse que o herdeiro podia opor a partilha ao credor nas evidenciadas circunstâncias, sempre se consigna que seria abusivo tal exercício – cfr. artigo 334.º, do Código Civil. Na verdade, tendo os herdeiros realizado a partilha à revelia do credor e se conformado com a decisão que condenou a herança no pagamento da dívida, é abusiva a invocação desse negócio mediante embargos com a finalidade de impedir o pagamento da dívida por meio dos bens dessa mesma herança, por contrariar o fim económico e social subjacente à transmissão de direitos por morte. Apesar da circunstância do facto invocado não ser fundamento bastante para fundamentar os embargos nas evidenciadas circunstâncias, nada obsta a que se profira decisão de mérito pelas razões que se passam a explicitar, no seguimento do comando ínsito na segunda parte do n.º 3, do artigo 278.º, do Código de Processo Civil. O recorrente sustenta que estamos perante a excepção dilatória a que alude o artigo 577.º, alínea i), do Código de Processo Civil, e que conduz à absolvição da instância. Evidencia-se algum suporte doutrinário quanto a esta posição – cfr. Lebre de Freitas, in “UM POLVO CHAMADO AUTORIDADE DO CASO JULGADO”, Revista da Ordem dos Advogados, III-IV, 2019, pág. 702. Mas, sufragando a opinião maioritária da nossa jurisprudência, entende-se que se verifica o caso julgado material, na sua vertente positiva, e que manifesta como autoridade do caso julgado, conforme resulta do já citado artigo 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. O que foi decidido por sentença na acção declarativa sobre a relação material controvertida tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, com os limites estabelecidos na lei. Considerando que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo proceder a diferente subsunção ou qualificação jurídica de determinada questão e a mesma já foi expressamente equacionada pelas partes nos articulados, passaremos a conhecer da mesma. Citando o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2018: “Segundo a noção dada por Manuel de Andrade, o caso julgado material «consiste em a definição dada à relação jurídica controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão». A força obrigatória reconhecida ao caso julgado material, ainda segundo o mesmo autor, assenta na necessidade de garantir o prestígio dos tribunais, que ficaria seriamente comprometido «se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente». Impõe-se por razões de «certeza ou segurança jurídica», pois, sem a força do caso julgado, cairíamos «numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa - fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas». E tem por finalidade, no dizer do mesmo Professor, obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas), a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por anterior decisão e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados. Dito de outro modo e nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, «quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente» - disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 687/17.5T8PNF. O direito que o exequente veio exercer na acção executiva foi expresso no respectivo requerimento executivo: Os executados, herdeiros da herança aberta por óbito de “A”, foram condenados no pagamento da quantia de 186.500,00 € (cento e oitenta e seis mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (03.04.20212) até integral pagamento. Pelo que, não tendo pago voluntariamente a aludida dívida, responde o valor dos bens herdados pelos executados. O recorrido ainda argumenta que a tripla identidade exigida pelos art.º 581.º do Código de Processo Civil não se verifica nos dois processos sobre análise, mas tal construção assenta na premissa da oponibilidade da partilha ao credor: o embargante já não é um dos herdeiros, mas sim o sucessor de “A”. Sucede que essa partilha não é oponível ao credor mediante os presentes embargos pelos motivos acima explicitados. Além do mais, o embargante esteve presente na acção declarativa e pode exercer todos os seus direitos, nomeadamente requerer a sua habilitação como sucessor o autor da herança ou reagir contra a sentença. O tribunal reconheceu na acção declarativa o direito do autor ao pagamento da quantia de €186.500 e juros de mora pelos réus herdeiros da herança aberta por óbito de “A”. A autoridade dessa sentença transitada em julgado estende-se aos presentes embargos, pelo que não é lícito ao réu herdeiro vir agora limitar o sentido e a extensão dessa decisão, nomeadamente com a redução da “quantia exequenda e custas a cargo do embargante, na exacta medida da sua quota hereditária e com referência à data da interpelação efectuada ao exequente para esse fim (22.02.2022), com vista a permitir-lhe proceder ao seu pagamento” como é peticionado nos presentes embargos. Importa, assim, afirmar a autoridade do caso julgado na acção declarativa, com a consequente absolvição do embargado do pedido – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/3/2019, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 6659/08.3 TBCSC. * 3.2. Quanto ao recurso subordinado, a questão resume-se a saber se se deve determinar a redução a penhora da loja n.º 43 do Centro Comercial Babilónia, do prédio urbano descrito na C.R.P. da Amadora sob o n.º 46, inscrito na matriz sob o art.º 1333, a ½ da mesma loja, por ter sido essa proporção que o embargante adquiriu em resultado da partilha da herança em apreço. Convém notar que, no dia 28/1/2022, foi penhorada a fração autónoma designada pelas letras AA, do prédio sito na Rua …, n.º …, na Amadora, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da Venteira e descrita na Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o registo número … da freguesia da Venteira. Porém, o próprio exequente apresentou com o requerimento executivo uma cópia da relação de bens do inventário dos bens deixados pelo “A”, onde se indica que o autor da herança deixou ½ (metade) do direito de propriedade sobre a fração autónoma designada pelas letras AA do referido prédio. A julgar por essa informação apresentada pelo exequente e confirmada pelo executado, à herança apenas pertence uma quota de metade sobre tal fracção. E a certidão junta com a petição de embargos faz presumir que o “A” apenas detinha a quota parte correspondente a metade do direito de propriedade sobre tal fracção – cfr. AP. n.º 15 de 1994/12/29. Ora, como acima se referiu, o exequente apresentou uma sentença que o habilita a executar os bens da herança aberta por óbito de “A”. O próprio exequente apenas se propôs a executar os bens da herança, embora no requerimento executivo utilize uma fórmula imprecisa: não tendo pago voluntariamente a aludida dívida, responde o valor dos bens herdados pelos executados. Logo, à luz do disposto no artigo 2097.º, do Código Civil, os bens de herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos. Este foi o fundamento da sentença condenatória proferida na acção declarativa, ou como aí se referiu expressamente: “a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido”. Este paradigma poderá ser alterado no futuro, mas a iniciativa para tal caberá ao credor (nomeadamente se se decidir a tomar uma posição clara sobre a partilha). De acordo com o disposto no artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva. O fim e o limite da acção executiva, nos termos que resultam expressamente do título é o pagamento do reconhecido crédito do exequente por meio da venda coerciva dos bens da herança. No caso da fração autónoma designada pelas letras AA, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da Venteira e descrita na Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o registo número … da freguesia da Venteira, a herança apenas detinha a quota de metade do direito de propriedade. Logo, a penhora deverá limitar-se à quota parte pertencente à herança aberta por óbito de “A”, com a sua consequente redução. * 4. Decisão: 4.1. Pelo exposto, acordam em: a) Julgar procedente a apelação, revogar a sentença e absolver o embargado do pedido dos embargos; e, b) Julgar procedente o recurso subordinado e reduzir a penhora sobre a fração autónoma designada pelas letras AA, do prédio sito na Rua …, n.º …, na Amadora, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da Venteira e descrita na Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o registo número … da freguesia da Venteira, à quota parte (metade) pertencente à herança aberta por óbito de “A”. 4.2. As custas são a suportar pelo apelado e pelo apelante, na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente. 4.3. Notifique. Lisboa, 26 de Outubro de 2023 Nuno Gonçalves Teresa Pardal Nuno Lopes Ribeiro |