Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1960/11.1TCLRS.L1-8
Relator: OCTÁVIA VIEGAS
Descritores: PRESCRIÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O instituto da prescrição é concedido essencialmente no interesse do devedor, devendo ser invocado por aquele a quem aproveita.
- O prazo prescricional invocado deve ser aferido em função do cumprimento das obrigações face a cada um do credores. O prazo prescricional corre a partir de cada pagamento que foi efectuado pela seguradora, uma vez que é a partir desse momento que esta tem conhecimento do seu direito de regresso, ao cumprir a sua obrigação perante os credores.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A, S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 10.086,13, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, bem como no pagamento das custas, honorários do mandatário da A. no legal valor e demais encargos.

Alegou que no dia 29 de Janeiro de 2008, ocorreu um acidente de viação na Rua 2 em Santo António dos Cavaleiros, concelho de Loures, no qual foram envolvidos quatro veículos automóveis, entre eles o C conduzido pela R. e propriedade da mesma. O acidente traduziu-se no despiste do C, por perda de controle do mesmo pela R., tendo este em consequência saído da via descontrolado, galgando o passeio e indo embater nos veículo que se encontravam estacionados.

A R. no momento do acidente conduzia sob o efeito do álcool, em estado de plena embriaguez, acusando uma taxa de alcoolemia de 1,79 g/l, estado esse que contribuiu decisivamente para a produção do acidente.

A R. havia transferido para a A. a responsabilidades dos riscos decorrentes da circulação do veículo C, através da apólice nº ----------------.

Em consequência do acidente os veículos D, E e F sofreram danos, tendo a A. indemnizado os lesados, vindo agora exercer direito de regresso contra a segurada.

Citada a R., contestou, por excepção peremptória invocando a prescrição do direito de regresso que a A. pretende fazer valer em juízo: impugnando que a condução sob o efeito do álcool tivesse sido causa do acidente.

Conclui pela procedência da excepção peremptória da prescrição por provada e pela sua absolvição do pedido.

A A. veio responder à matéria da excepção , pugnando pela improcedência da mesma, dado que o prazo de prescrição só se iniciou com o último pagamento ao terceiro lesado, o que ocorreu em 7 de Abril de 2008, tendo a acção sido interposta em 9 de Março de 2001, o prazo de prescrição foi interrompido.

Concluiu pela improcedência da excepção e no mais, como na petição inicial.

Foi proferida decisão que julgou: a) Procedente a excepção da prescrição invocada pela R., do direito de regresso da A. relativamente às quantias de € 5.802,69 e de € 3.155,66, no total de € 8.958,35 e absolveu a R. do pedido de condenação no pagamento das mesmas.

b) No demais a ação parcialmente procedente, por provada e  condenou o R. B a pagar à A., as quantias de € 297,60, € 67,76 e € 762,42, num total de € 1.127,78 (mil cento e vinte e sete euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, sobre a esta quantia, contabilizados desde 28 de Maio de 2011, à taxa legal civil de 4% ao ano, ou às sucessivas taxas civis, até efetivo e integral pagamento.

Inconformada, A, SA , recorreu, apresentando as seguintes conclusões das alegações:

 1- A douta sentença recorrida considerou que o prazo de prescrição conta-se por referência a cada um dos actos de pagamento e, assim, determinou que o direito de regresso da A., relativamente aos pagamentos consumados há mais de três anos, à data da interposição da acção, havia prescrito.

2 - A Recorrente sustentou, na primeira instância e mantém no presente recurso, que o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, contando-se o prazo a partir da data em que ocorreu o último pagamento de indemnização aos terceiros lesados.

3- A questão fulcral a resolver no presente recurso é, assim, de simples delimitação:

- O prazo de prescrição conta-se a partir da data em que ocorreu o último pagamento pela seguradora (tese da Recorrente) ou a partir da data de cada pagamento, individualmente considerado (tese do Tribunal a quo)?

4- De acordo com a mais actual e maioritária jurisprudência, em que avulta o Acórdão do STJ de 04-11-2010, o prazo prescricional da seguradora para exercer o direito de regresso relativamente a indemnização que pagou, faseadamente, no âmbito do seguro obrigatório automóvel, começa a contar-se da data em que foi efectuado o último pagamento.

5- Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 498º nº 2 e 306º nº 2 do Código Civil, o prazo de prescrição conta-se a partir da data do cumprimento pelo titular do direito de regresso e quando esse direito puder ser exercido.

6- Considerando que, na situação de direito de regresso, o prazo de prescrição conta-se a partir da data do cumprimento, este direito apenas podia ser exercido, em toda a sua plenitude, a partir da data em que ocorreu o último pagamento, i.e., em 7 de Abril de 2008.

7- Dado que o último pagamento ocorreu menos de três anos antes da data de interposição da acção, e tendo em conta que o prazo de prescrição se interrompeu em 15 de Março de 2011, por força do estipulado no artigo 323º nº 2 do Código Civil, forçoso é concluir pela não prescrição do direito da ora Recorrente, tendo por referência as indemnizações conferidas aos terceiros lesados, na sua globalidade.

8-  A não se entender assim, e conforme se menciona nos citados arestos, as seguradoras ver-se-iam obrigadas, sobretudo nos casos de pluralidade de lesados, a impor sucessivas acções de regresso, com todos os incovenientes daí advenientes para as partes envolvidas e para o funcionamento da Justiça.

9- Ora, decorre do princípio de interpretação das leis, ínsito no nº 3 do artigo 9° do Código Civil, que Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

10- E a solução mais acertada passa, forçosamente, por entender que o direito da Recorrente deve ser salvaguardado em toda a sua extensão, não sendo admissível interpretação diversa que culmine na exoneração parcial da responsabilidade da Recorrida, como ocorreu no caso vertente.

11- Destarte, a douta sentença recorrida interpretou incorrectamente os artigos 9°, 306° e 498° nº 2 do Código Civil.

12- Donde, deve a decisão impugnada ser revogada no segmento em que julgando parcialmente procedente a excepção peremptória de prescrição, invocada pela Recorrida, absolveu esta parcialmente do pedido.

Termina dizendo que o recurso deve ser julgado procedente, com a consequente revogação da douta sentença recorrida, na parte em que absolveu a ora recorrida, devendo a mesma ser condenada na totalidade do pedido.

B contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:

A – Para a contagem do prazo de prescrição relativamente ao direito de regresso da Recorrente, importa perceber que, no caso dos autos, ela efectua-se relativamente a cada um dos lesados e não a todos em simultâneo:

B – Assim, e porque a dois deles foram pagos dois valores que constituem núcleos indemnizatórios autónomos e diferenciados.

C – Na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, “Esse prazo de prescrição inicia o seu curso com o último acto de pagamento parcelar da indemnização, excepto no tocante à indemnização em renda e, por aplicação de um critério funcional, aos núcleos indemnizatórios autónomos e juridicamente diferenciados e normativamente cindíveis, casos em que a prescrição inicia o seu curso no momento em que ocorreu o adiantamento da indemnização”.

D – Donde, é de concluir pela improcedência do presente recurso, dado que os pagamentos efectuados a cada um dos lesados – ou, no que ao caso dos Autos interessa, a dois deles – cabem na definição efectuada naquele aresto.

Termina dizendo que deve ser mantido o decidido pelo Tribunal a quo.

Em primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:

a) No dia 29 de Janeiro de 2008, ocorreu um acidente de viação na 2 em Santo António dos Cavaleiros, concelho e comarca de Loures.

b) Foram intervenientes no acidente os seguintes veículos: veículo ligeiro de passageiros C conduzido pela R. e propriedade da mesma, veículo ligeiro de passageiros D propriedade de T C, S.A., veículo ligeiro de passageiros E propriedade de H, S.A. e veículo ligeiro de passageiros F propriedade de J

c) O acidente registou-se no entroncamento entre a 1 e a Rua 2 em Santo António dos Cavaleiros.

d) A Rua 2 tem a configuração de uma reta, com dois sentidos de circulação e 6m de largura.

e) Atento o sentido de circulação do veículo C, o entroncamento com a Rua 1 situa-se do lado direito.

f) O piso é betuminoso e encontrava-se seco.

g) O tempo estava bom.

h) A velocidade máxima permitida no local é de 50 km/h.

i) No recorte do passeio do lado direito da Rua 1, atento o entroncamento com a Rua 2, encontravam-se estacionados, perpendicularmente à via e lado a lado, os veículos E e F.

j) O veículo E com a frente virada para o passeio e o veículo F com a frente virada para a via.

k) E o C encontrava-se estacionado no passeio sito num dos vértices do entroncamento, com a frente virada para o recorte do estacionamento.

l) Ao chegar ao entroncamento, a R. perde o controle do C, o qual entra em despiste para o lado direito.

m) Ato contínuo, o C sai da via descontrolado, galga o passeio oposto do lado direito, atento o seu sentido de circulação.

n) E o veículo C vai embater, violentamente, com a sua frente, simultaneamente, na parte frente direita do veículo C e na lateral traseira esquerda do veículo BS, os quais encontravam-se estacionados.

o) Com a força do embate do C, o veículo E foi projetado lateralmente, embatendo com a sua parte lateral direita na parte lateral direita do veículo F.

p) A R., no momento do acidente, conduzia sob o efeito do álcool, em estado de plena embriaguez.

q) A R. foi submetida, logo após o acidente, ao teste de alcoolemia, tendo acusado a taxa de 1,79 g/l.

r) O estado de alcoolemia contribuiu para a produção do acidente.

s) A R. havia transferido para a A. a responsabilidade pelos riscos decorrentes da circulação do veículo C através da apólice nº ---------------.

t) Em consequência do acidente, os veículos D, E e F sofreram extensos danos.

u) Em sede de regularização extrajudicial de sinistro e ao abrigo do contrato de seguro, a A. assumiu a responsabilidade pelos danos causados aos sobreditos veículos.

€ 5.802,69 em 19 de Fevereiro de 2008, a título de reparação dos danos sofridos pelo D; € 762,42 em 7 de Abril de 2008, a título de reparação dos danos sofridos pelo F;

€ 3.155,66 em 14 de Março de 2008 a título de indemnização pela reparação dos danos sofridos pelo E

w) A A. pagou ainda, respetivamente, as quantias de € 297,60 em 25 de Março de 2008 e € 67,76 em 31 de Março de 2008, pelo aluguer dos veículos de substituição concedidos aos proprietários, respetivamente, dos veículos D e F, durante o período de reparação desses veículos.

x) O total dos prejuízos indemnizados pela A., por força do identificado contrato de seguro, ascende a e 10.086,13.

y) Até à data, a R. nada pagou à A. apesar de interpelada para o efeito.

Direito:

Cumpre decidir

O art 498, nº1, do C.Civil diz que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver corrido o respectivo prazo a contar do facto ilícito. Nos termos do nº2, prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.

A Seguradora, na acção de regresso não exerce um direito igual ao lesado que indemnizou, não é uma acção de indemnização por danos, é uma acção para exigir o reembolso do que pagou.

Por isso o prazo de prescrição começa a correr na data do cumprimento da obrigação, em que houve o desembolso da quantia.

Nos termos do art. 306 do C.Civil, o prazo de prescrição começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa vir a  ter o respectivo credor.

O instituto da prescrição é concedido essencialmente no interesse do devedor, pelo que deve ser invocado por aquele a quem aproveita (art. 303 do C.C.)

O prazo prescricional invocado deve ser aferido em função do cumprimento das obrigações face a cada um dos credores.

O decurso do prazo prescricional corre a partir de cada pagamento que foi efectuado e não a partir do último pagamento, uma vez que a seguradora soube do seu direito de regresso quando fez cada um dos pagamentos (art. 306 do C.Civil), quando cumpriu a sua obrigação para com cada um dos credores.

Esta solução é também mais conforme à segurança do comércio jurídico porque o último pagamento pode ser muito afastado no tempo, causando incerteza no obrigado, quanto ao que lhe venha a ser exigido e quando.

Se o prazo for aferido em relação a cada pagamento parcelar que constitui cumprimento da obrigação, tanto o titular do direito de regresso como o obrigado à indemnização tomam conhecimento do preciso momento em que se inicia o prazo prescricional.

Tendo a decisão recorrida considerado que o prazo de prescrição se conta a partir de cada um dos pagamentos efectuado, entendemos  que  a decisão não merece qualquer censura, pelo que deve ser mantida.

Conclusões

O instituto da prescrição é concedido essencialmente no interesse do devedor, devendo ser invocado por aquele a quem aproveita.

O prazo prescricional invocado deve ser aferido em função do cumprimento das obrigações face a cada um do credores. O prazo prescricional corre a partir de cada pagamento que foi efectuado pela seguradora, uma vez que é a partir desse momento que esta tem conhecimento do seu direito de regresso, ao cumprir a sua obrigação perante os credores.

Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 28/05/2015

Octávia Viegas

Rui da Ponte Gomes

Luís Correia de Mendonça

Decisão Texto Integral: