Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
928/22.7T8SCR.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEIOS DE PROVA
ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO
INCAPACIDADE DE TESTAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
II. No artigo 2180.º do CCivil está em causa a expressão da vontade do testador em si mesma, exigindo-se que o testamento decorra da manifestação de vontade daquele.
III. Constituindo o testamento um negócio jurídico unilateral, no artigo 2199.º do CCivil estão em causa situações de incapacidade acidental ou permanente do testador, aferidas em função sua capacidade de entender o sentido da sua declaração ou livremente expressar a sua vontade.
IV. Por constitutivo do respetivo direito, compete ao autor da ação de anulação de testamento em razão de incapacidade acidental ou permanente, artigo 2199.º do CCivil, provar a factualidade integradora da incapacidade de testar do testador, à data da celebração do testamento cuja anulação pretende.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
Os AA., AA, BB, CC, DD e EE, intentaram processo comum de declaração contra a R., FF, pedindo que:
- a) seja declarado «nulo o testamento (…) celebrado no dia 04 de fevereiro de 2020, a fls 60 e fls 61 do Livro de Notas para Testamentos Públicos número um-A do Cartório Notarial privado de Machico da Notária Linda Moura, sito à ... que revogou o testamento outorgado a 07 de junho de 2019, de folhas oitenta e um a folhas oitenta e um verso, do livro de notas para testamentos número dois-E do Cartório notarial de Santa Cruz – Madeira a cargo da Notária GG tornando-o de nenhum efeito e instituiu como herdeira da sua quota disponível, a Sra. FF (…) tudo com todas as devidas e legais consequências;
Subsidiariamente, se assim não se entender:
b)» seja declarado «anulado o testamento supra identificado (…), tudo com todas as devidas e legais consequências».
Como fundamento dos seus pedidos, os AA. alegaram, em suma, que HH faleceu no dia 03.04.2020, que os AA. e II são seus herdeiros legitimários e que o falecido outorgou em 04.02.2020 testamento no qual dispôs da sua quota disponível a favor da R.
Referiram também que aquando da outorga daquele testamento o falecido HH padecia de degeneração neurológica e era incapaz de querer e entender o alcance do testamento em causa, sendo que não se compreende como é que dele consta a sua impressão digital quando o mesmo sabia assinar o seu nome, circunstância que revela que o testador não terá exprimido e cumprido claramente a sua vontade.
Mencionou ainda que o testador vivia sob o jugo da R., não tendo uma vontade livre.
Os AA. requereram a intervenção principal provocada de II, como associada dos AA.
A R. apresentou contestação.
Alegou, em resumo, que aquando da outorga do testamento em causa o falecido HH encontrava-se lúcido e capaz de entender e querer o sentido da sua declaração de última vontade, termos em que concluiu pela improcedência da ação.
As partes juntaram documentos e arrolaram prova pessoal.
Foi admitida a intervenção principal provocada, como associada dos AA., de
II.
Foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
A audiência de discussão e julgamento teve sessões em 21.02 e 16.10.2024.
Em 08.02.2025 o Juízo Local Cível de Santa Cruz proferiu sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo a R. dos pedidos.
Inconformados com tal decisão, os AA interpuseram recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1.ª- O presente recurso tem como objecto matéria de facto e de direito.
2.ª- A recorrente entende que o seguinte ponto da matéria de facto dado como provado, tem que ser dado como não provado, a saber:
“2.1.10.- Quando outorgou o testamento HH estava lúcido, com a capacidade plena de consciência e raciocínio do que estava a fazer”
3ª.- A recorrente entende que os seguintes pontos devem ser aditados à matéria de facto dada como provada, a saber, a saber:
“a).- O autor da herança coabitou e supostamente namorou com a Recorrida., entre os anos de 2012 – 2020 na residência sita à ..., tendo essa relação de suposto namoro se iniciado cerca de 7 anos antes do mesmo falecer, ou seja quando o mesmo tinha 71 anos de idade.
b).- Durante esse período de suposto namoro a recorrida sem o consentimento dos recorrentes introduziu JJ na residência do testador, com a intenção de alcançar com isso algum benefício patrimonial.
c)- A recorrida e o Sr. JJ casaram em finais do ano de 2013 e, apesar disso, a R., afirmava ao de testador que iria casar com ele quando bem sabia que, namorava com o Sr. JJ e que entretanto tinha casado com o mesmo.
d).- Na verdade, já naquele ano de 2012 o testador encontrava-se numa situação de necessidade, com início de anomalias psíquicas, incapacidades, inépcias, inexperiência e fraqueza da qual a recorrida se foi aproveitando.
e).- Durante aquele período, a R., o Sr JJ e o testador residiam na mesma residência, sendo que, a recorrida fazia seu o dinheiro da reforma e da viuvez que o testador recebia, dando-lhe o destino que bem entendia.
f).- No ano de 2015 quando a recorrente AA veio a Madeira de férias, a R. e o seu namorado / marido Sr. JJ, saíram da residência do testador.
g).- Já durante aquele período que mediou entre 2012 e 2015, a recorrida e o JJ tinham levado o testador ao notário de Machico e, uma vez ali, fizeram com que o testador lhes deixasse os seus bens.
h).- Nessa data a recorrente AA, a sua irmã II e o seu pai HH, foram ao referido notário e anularam o referido testamento.
i).- Após o regresso da recorrente AA a França, a Recorrida aproveitando-se da ausência da mesma voltou a se relacionar com o testador, sempre com promessas de casamento e, dessa forma conseguiu lhe ficar com o dinheiro das reformas, deixando sem meios de subsistência, passando o mesmo inclusive fome, tanto que acabou por dar entrada no Centro de Saúde de Machico e Hospital do Funchal devido do estado de desnutrição em que se encontrava.
j).- Desde o início do relacionamento entre a recorrida e o testador que este último foi vítima de violência doméstica perpetradas pela recorrida e pelo seu real namorado / marido JJ, tendo o testador dado entrada no Centro de Saúde de Machico em virtude das lesões sofridas sendo que quase sempre era dito pela R. que tais lesões se ficavam a dever a “quedas domésticas”.
k).- Tais lesões também deram lugar a queixas na PSP de Machico que acabaram sempre por ser arquivadas em virtude das mesmas resultarem de “ quedas domésticas”.
l).- Durante os anos de 2012 e até ao falecimento do testador que a R. apoderou-se sob ameaça e coação do cartão de débito / crédito do testador e com esse cartão levantava dinheiro, efetuava pagamentos de bens e serviços sempre referentes à sua própria pessoa, causando com isso efetivos prejuízos ao testador que se via privado do seu próprio sustento.
m).- Mesmo após o falecimento do testador a recorrida continuou a fazer levantamentos, a fazer pagamentos em lojas comerciais usando para tal o cartão de crédito e / ou multibanco do testador.
n).- Os cartões de multibanco / crédito do testador não foram utilizados para pagar consumos referentes à sua casa, pois, a recorrente AA, quando foi tratar dos assuntos relacionados com a herança do seu pai deparou-se com inúmeras dívidas, nomeadamente, finanças, eletricidade, e água.
o).- O testador antes de falecer esteve três meses hospitalizado por ter ficado desnutrido e por demência sem que de tal facto tenha sido dado sequer conhecimento à recorrente pela Recorrida.
p).- Desde que o testador foi internado no Hospital que a Recorrida e o seu namorado / marido JJ se introduziram na residência do testador, contra a sua vontade (que em boa verdade já não estava capaz de dar) e contra a vontade dos herdeiros legitimários.
q).- Só abandonando a residência quando a recorrente AA os interpelou para sair em Junho de 2020, sendo que causaram e deixaram vários danos no imóvel como sejam, portas, janelas e paredes danificadas, e furtaram móveis e objectos do mesmo.
r).- O de cujus desde 2012 / 2013 era uma pessoa extrema doente, que necessitava de cuidados e que já não conseguia fazer a sua vida sozinho.
s).- Resulta ainda que desde aquela data que a sua capacidade de viver sozinho e de se “ virar sozinho” já se encontrava diminuída.
t).- Tendo sido por causa dessa capacidade diminuída que a Recorrida se aproveitou para se aproximar do testador, fazendo-lhe crer que iria casar consigo e cuidar de si quando na verdade o que fez foi o levar a fazer dois testamentos a seu favor, um primeiro no ano de 2015, entretanto revogado, e um outro em Fevereiro de 2020 que agora se requer seja declarado nulo / anulado.
u).- Este último dias antes do testador ser internado no Hospital do Funchal onde ficou internado três meses.
v).- Aquando da outorga do testamento o testador já tinha dificuldade em caminhar, passando grande parte do tempo sentada ou na cama.
w).- Naquela data, o testador, em consequência, da degeneração neurológica inerente à sua idade avançada (78 anos) já dependia completamente de terceiros para todas as actividades, nomeadamente, para a sua alimentação, higiene e locomoção.
y).- A Recorrida tinha conhecimento do estado clínico de HH.
z).- Na sequência de um quadro clínico de degeneração neurológica, e de diminuição das suas capacidades inerentes às doenças de que padecia e que lhe foram sendo diagnosticadas HH foi, paulatinamente, perdendo as suas capacidades intelectuais e volitivas, até que, a partir de meados de 2018 se tornou incapaz de exprimir, de modo livre e esclarecido, a sua vontade, tendo sido neste estado de ausência da capacidade de querer ou entender o sentido ou conteúdo dos actos por si praticados, que veio a outorgar o testamento acima identificado, da qual foi beneficiária a Recorrida.
aa).- O que a Recorrida bem sabia e não podia ignorar por não ser uma condição oculta ou “invisível”.
ab).- Tanto que a recorrida aquando da feitura do testamento induz o testador em erro levando-o a declarar naquele documento que a R. é divorciada quando, na verdade, e fazendo fé nas suas próprias palavras aquando da propositura do inventário, declara ser casada.
ac).- Em consequência do exposto aquando da outorga do testamento HH já não detinha capacidade para querer nem para entender o alcance do acto praticado e o conteúdo do que ali declarou.”.
4.ª- Em consequência do exposto supra aquando da outorga do testamento HH já não detinha capacidade para querer nem para entender o alcance do acto praticado e o conteúdo do que ali declarou, e como tal o mesmo é nulo nos termos dos artigos conjugados nos artigos 2188º, 2190 e 2191º, todos do Código Civil, nulidade da qual os recorrentes se prevalecem para todos os efeitos legais.
5ª.- Não se compreende como é que do testamento consta a impressão digital do testador quando na verdade o mesmo sabia e podia assinar o seu nome o que, mais uma vez, revela que o testador não terá exprimido e cumprido claramente a sua vontade, pois, tivesse o mesmo capacidade e percebesse o que efetivamente se encontrava a declarar teria assinado de sua mão o testamento que agora se impugna, pelo que, não o tendo feito entende-se que o testamento também é nulo ao abrigo do artigo 2180 do CC.
Subsidiariamente
6ª.- Sempre se dirá que ainda que se entenda que o testador não estava incapacitado (o que não se concede) o certo é que o mesmo não tinha o livre exercício da sua vontade em virtude de toda a sua vida pessoal, e monetária estar sob o jugo da Recorrida que detinha efetivamente e realmente na sua esfera a condução total da vida do testador, tanto que o levou ao Cartório Notarial de Machico a fim o mesmo celebrar, por duas vezes, os testamentos que efetivamente veio a celebrar a seu favor.
7ª.- Sendo que o testador apenas os celebrou em virtude de se encontrar totalmente dependente da Recorrida que tinha na sua posse as chaves da sua casa, os seus cartões de débito/ crédito, o que no fundo significa dizer que a R. detinha na sua mão a vida e morte do testador, pois, bastava não o alimentar (como efetivamente sucedeu) para que o mesmo acordasse em fazer tudo o que lhe fosse proposto pela R., o que efetivamente veio a suceder.
8ª.- Pelo que, também nestes termos o testamento efetuado é anulável nos termos do 2199º do CC, anulabilidade do qual os AA. se prevalecem para todos os efeitos legais.
9ª.- Em consequência da requerida alteração da prova dada como provada, para não provada (em virtude dos documentos juntos, e da prova testemunhal), bem como, do aditamento à matéria dada como provada requerida, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a R. nos precisos termos em que foi peticionado pelos AA.
Nestes termos, e no mais de direito que V/ Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo revogada, mais devendo aquela ser substituída por outra que condene a R. nos precisos termos em que foi peticionado pelos AA»
A R. não contra-alegou.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 663.º, n.º 2, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelos AA., nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
• Da impugnação da decisão de facto e
• Da nulidade/anulação do testamento de 04 de fevereiro de 2020.
Assim.
III.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil,
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163, 168 e 169, em anotação ao referido artigo 640.º, com a reforma processual-civil de 2013 «foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recurso genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, (…), tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente1».
«(…) A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: (…)
«a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)); (…)
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)); (…)
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; (…)
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
(…) As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)».
No mesmo sentido, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2022, páginas 97 e 98, em anotação ao referido artigo 640.º do CPCivil, referem que «[v]ê-se que o recorrente é destinatário de exigentes ónus legais, na medida em que está obrigado a indicar sempre os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, indicando-os na fundamentação da alegação e sintetizando-os nas conclusões, bem como a identificar os concretos meios de prova, constantes do processo ou que tenham sido registados, que, do seu ponto de vista, impunham decisão diversa da recorrida (cf. art. 662-1). Tem assim o recorrente, sob cominação da rejeição do recurso na parte em que estes ónus não tenham sido observados, de demonstrar o erro na fixação dos factos materiais em causa, resultante da formação de uma convicção assente num erro na apreciação das provas que ao juiz cabe livremente apreciar (art. 607, n.ºs 4 e 5), recorrendo às presunções judiciais concretamente mais adequadas, de acordo com as regras da experiência (…). Tem, por isso, também o recorrente o ónus de indicar ao tribunal “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de factos impugnadas”».
«(…) Não ficam por aqui os ónus das partes».
«A gravação da produção de prova (…) tem como consequência, de acordo com o n.º 2, que o recorrente (…) tem de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à sua transcrição. Se não o fizer, o recurso é rejeitado (…)».
Na matéria, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2024, processo n.º 7146/20.7T8PRT.P1.S1, refere que «a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto apenas deve verificar-se quando falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, através da referência aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorretamente julgados (alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º), sendo de admitir que as restantes exigências (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º), em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações».
2. No caso vertente.
Conforme decorre do exposto, nos autos está em causa apreciar e decidir da capacidade testamentária do falecida HH aquando da outorga do testamento de 04 de fevereiro de 2020.
Quanto a tal matéria, o Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto no referido testamento, bem como no depoimento das testemunhas KK, LL e MM, bem como na «documentação clínica junta aos autos».
Por sua vez, os Recorrentes entendem que um determinado facto dado como provado pelo Tribunal recorrido deve ser dado como não provado e pretendem que sejam aditados 28 novos factos ao elenco dos dados como provados.
Para tanto, invocam «toda a documentação junta aos autos», a «documentação junta», os «relatórios clínicos juntos aos autos» e o «auto de declaração para casamento junto aos autos», conforme pontos 3.5., 3.6., 3.8. e 3.9. da respetiva motivação de recurso, bem como a «prova testemunhal produzida», transcrevendo integralmente os depoimentos das testemunhas NN e MM, conforme pontos 3.5., 3.10. e 3.11. da sua motivação de recurso
Apreciemos.
3. A impugnação da decisão de facto dos Recorrentes constitui um modo muito deficiente de impugnar tal decisão e é suscetível de justificar a rejeição da mesma impugnação.
Incumbia aos Recorrentes indicar em concreto os documentos que têm por pertinentes na matéria em causa, sendo que as referências à «documentação junta» e aos «relatórios clínicos» são no contexto em causa absolutamente inócuas, pois, são muitos e muito diversos os documentos constantes dos autos e na sequência de ofícios do SESARAM, Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, inseridos nos autos em 28.02.2024 e 30.04.2024, foram juntos inúmeros elementos clínicos do falecido HH, seguramente mais de uma centena.
Por outro lado, a transcrição integral do depoimento de duas testemunhas não cumpre o ónus legalmente prescrito: aos Recorrente incumbia «indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso», podendo «proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes», conforme referido artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPCivil.
Diversamente das generalidades feitas, os Recorrentes tinham o ónus de indicar relativamente ao facto impugnado e a cada um dos factos aditados ou a um conjunto determinado destes a prova concreta em que se fundamentam a sua impugnação.
No fundo, os Recorrentes pretendem substituir a convicção do Tribunal pela sua própria convicção, sem concretizar minimamente a falta ou insuficiência de fundamento daquela convicção e a razoabilidade da sua convicção, em função de uma análise crítica da prova documental e pessoal produzida, o que não se compadece com o regime legal de impugnação da decisão de facto, conforme decorre do referido artigo 640.º do CPCivil.
O único elemento probatório concreto que indicam, o «Auto de Declaração para Casamento», junto aos autos em 19.04.2024, reporta-se a 06 de novembro de 2009 e, pois, mais de 10 anos antes do testamento que impugnam, não se retirando daí qualquer dos efeitos pretendidos pelos Recorrentes, tanto mais que estes reportam a 2012 o início das alegadas coabitação e namoro, violência doméstica, ameaça e coação, dependência do falecido quanto à R., aqui Recorrida.
Por si só, o referido Auto de Declarações é, pois, absolutamente impertinente ao desfecho dos autos.
4. De todo o modo.
Este Tribunal da Relação de Lisboa analisou o referido testamento de 04 de fevereiro de 2020 e a documentação enviada pelo SESARAM, assim como ouviu integralmente o depoimento das testemunhas NN, KK, LL e MM a partir do medio studio do citius.
Ora, do confronto crítico de tais elementos probatórios com as regras da lógica e da experiência comum decorrem manifestamente provados os factos indicados como tal pelo Tribunal recorrido, nomeadamente resultou provado que «[q]uando outorgou o testamento HH estava lúcido, com a capacidade plena de consciência e raciocínio do que estava a fazer».
Com efeito, a testemunha KK, notária que outorgou o referido testamento foi absolutamente perentória na matéria: embora sem se lembrar em particular da situação, foi muito clara quanto aos procedimentos que sempre usa em matéria de testamentos, referindo designadamente que tem reunião ou reuniões prévias com o testador a fim de apurar a efetiva vontade concreta do mesmo e procede à leitura em voz alta do testamento antes da outorga deste, fazendo significar que apura então também da capacidade e vontade do testador para o ato.
Referiu de modo veemente que nunca outorga testamento em caso de incapacidade do testador para o ato e que na dúvida pede a intervenção de médico que avalie a situação, sendo que o facto de constar do testamento em causa que o testador «não assina por não o poder fazer» pode ter diversas explicações e não significa necessariamente que o testador não sabe escrever, designadamente o seu nome.
A testemunha LL, amigo do falecido HH há mais de cinquenta anos, foi igualmente perentório quanto à lucidez daquele aquando do testamento em causa, referindo claramente que em data anterior à outorga do testamento o falecido lhe pediu para ser sua testemunha em testamento que pretendia fazer a favor da R., cuidadora do falecido, sendo que aquando da outorga do testamento mostrava-se lúcido, embora com tremura nas mãos, facto com que acabou por justificar a falta de assinatura do testamento por parte do falecido.
Quanto à lucidez do testador pronunciou-se igualmente a testemunha MM: sem qualquer interesse no desfecho da causa, sem qualquer relação com as respetivas partes, não apontou qualquer deficiência ao testador, afirmando a lucidez deste aquando da outorga do testamento.
Por sua vez, a testemunha NN, sobrinha do falecido HH, aludiu sobretudo ao aspeto físico deste à data do testamento e às suas dificuldades de locomoção, referindo ainda que o tio não a tinha reconhecido, sem, contudo, explicitar o concreto contexto em que tal sucedeu, o que «não é suficiente, só por si, para afastar a convicção criada nos termos acima expostos», conforme bem refere a decisão recorrida.
Do seu depoimento decorre, aliás, que a testemunha, sobrinha do falecido, não era visita de casa deste nos anos que precederam o testamento, pois o seu depoimento é feito sempre a partir do que alcança da via pública, mostrando um absoluto desconhecimento do estado de saúde de HH, com diagnóstico de leucemia linfocítica crónica de células tipo B, sem ter alçando remissão, conforme elemento clínico de maio de 2019.
Diversamente do alegado pelos Recorrentes, a referida documentação remetida pelo SESARAM corrobora também entendimento no sentido de que o testador tinha as capacidades cognitivas e volitivas necessárias à outorga do testamento.
Nos mais de oito anos a que se reporta a documentação, de 03 de janeiro de 2012 até à data do decesso de HH, não decorrem elementos do foro psiquiátrico reveladores de incapacidade testamentária do mesmo.
Pelo contrário, referindo tão-só elementos mais coevos do testamento em causa, em 18.12.2019 refere-se que HH apresentava-se “calmo, consciente, orientado”, em 10.01.2020 menciona-se que o mesmo “do ponto de vista psicológico está consciente e orientado no tempo e no espaço”, em 30.01.2020 afirma-se que “[r]efere menos dores. Está estável emocionalmente”, em 31.01.2020 consta que “[o] utente demonstra sentir-se confortável, sem dor. Informado que teríamos efetuado contacto telefónico com a sua filha, com quem não mantém contacto há 1 ano, demonstrando disponibilidade para apoiar nesta aproximação. Quando abordada hipótese de usufruir de apoio domiciliário para apoio na higiene pessoal, para efeitos de supervisão, o utente concorda. (…)”, em 10.03.2020 consta que HH estava “consciente, colaborante, orientado” e em 26.03.2020 estava “consciente, calmo e colaborante”.
Em suma, da prova indicada pelos Recorrentes não se descortina fundamento para aditar como provados os factos referidos em recurso, cumprindo, pois, manter a decisão de facto recorrida.
*
* *
Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade:
1. No dia 03 de abril de 2020, no Funchal (São Pedro), faleceu, com 78 anos, HH, no estado de viúvo e com última residência habitual na ...;
2. O falecido HH deixou como herdeiros legitimários quatro filhos maiores, concretamente:
1. AA;
2. BB;
3. II;
4. CC;
E duas netas, filhas de OO (filha do autor da herança), falecida em data anterior ao autor da herança, a saber:
5. DD, residente em ...;
6. EE, residente em ...;
3. HH celebrou um testamento, no dia 04 de fevereiro de 2020, a fls 60 e fls 61 do Livro de Notas para Testamentos Públicos número um-A do Cartório Notarial privado de Machico da Notária Linda Moura;
4. Do testamento celebrado consta a revogação do testamento anteriormente outorgado a 07 de junho de 2019, de folhas oitenta e um a folhas oitenta e um verso, do livro de notas para testamentos número dois-E do Cartório notarial de Santa Cruz – Madeira a cargo da Notária GG tornando-o de nenhum efeito;
5. No mesmo testamento, foi ainda instituída como herdeira da sua quota disponível, a ora Ré FF, mais consta que a vontade do autor da herança era que o preenchimento da quota disponível seja feito, “preferencialmente, com a adjudicação em partilha, à identificada FF, do primeiro andar, que corresponde ao “andar do meio” do prédio urbano, casa destinada a habitação, localizada no Sítio da Igreja, Ribeira Seca, freguesia e concelho de Machico, não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 6915 (anteriormente sob o artigo 4442) da freguesia de Machico (sendo que o referido “andar do meio” é composto por dois quartos, sala, cozinha e casa de banho) bem como do respetivo recheio (móveis, eletrodomésticos, artigos têxteis e tudo o mais que se encontre no interior do mencionado prédio urbano na data do seu falecimento)”;
6. No testamento é ainda dito pelo testador quer a disposição foi feita à identificada FF, uma vez que “a mesma tem sido responsável por toda a sua assistência em termos de saúde, alimentação, higiene e bem-estar, ocupando-se diariamente com os cuidados que a sua saúde e idade exigiam”;
7. Disse ainda o testador que gostaria que todos “os filhos respeitassem esta que é a sua última, livre e esclarecida vontade”;
8. A herdeira testamentária já intentou o processo de inventário que se encontra a correr os seus termos sob o nº 689/20.4T8SCR pelo Tribunal Judicial da Comarca da Madeira – Juízo Local Cível de Santa Cruz, sendo que ao interpor inventário declara no formulário do mesmo ser casada;
9. O testamento acima referido em 3 foi realizado perante a Notária Linda Moura e na presença das testemunhas LL e MM;
10. Quando outorgou o testamento HH estava lúcido, com a capacidade plena de consciência e raciocínio do que estava a fazer.
*
Com relevo para o desfecho da causa, este Tribunal da Relação de Lisboa considera que não ficou provado que:
1. A partir de meados de 2018 HH tornou-se incapaz de exprimir, de modo livre e esclarecido, a sua vontade;
2. Aquando da outorga do testamento HH já não detinha capacidade para querer nem para entender o sentido ou alcance do ato praticado e o conteúdo do que ali declarou;
3. O referido HH foi enganado pela R., a qual levou-o a fazer aquele testamento, com a promessa de casar com o mesmo;
4. Aquando da outorga do testamento HH não tinha o livre exercício da sua vontade, em virtude de toda a sua vida pessoal e monetária estar sob o controle da aqui R.;
5. Aquando da outorga do testamento HH podia assinar o seu nome;
6. Durante os anos de 2012 e até ao falecimento do testador a R. apoderou-se sob ameaça e coação do cartão de débito/crédito do testador e com esse cartão levantava dinheiro deste, efetuava pagamentos de bens e serviços sempre referentes à sua própria pessoa;
7. O testador foi vítima, durante vários anos, de atos de violência doméstica perpetrados pela aqui R., sendo que esta causou-lhe diversas lesões no corpo e fazia com que o mesmo andasse desnutrido.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Com a presente ação os AA. pretendem que seja declarada a invalidade de um testamento.
Em sede recursória, fundam a sua pretensão quer na incapacidade do testador, quer na falta de expressão da vontade deste, quer, subsidiariamente, na sua incapacidade acidental/permanente, conforme artigos 2189.º e 2190.º, 2180.º e 2199.º do CCivil.
Vejamos.
1. Segundo o disposto nos artigos 2188.º, 2189.º e 2190.º do CCivil, sob pena de nulidade, «[p]odem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer», sendo que são «incapazes de testar» «[o]s menores não emancipados» e «[o]s maiores acompanhados, apenas nos casos em que a sentença de acompanhamento assim o determine».
Na situação vertente, não se provou que o testador fosse menor ou maior acompanhado e muito menos a existência de sentença de acompanhamento que determine a incapacidade de o mesmo testar.
Tal nem sequer, aliás, foi alegado nos autos.
Nestes termos, sem necessidade de outras considerações, carece de qualquer fundamento a peticionada declaração de nulidade do testamento em razão das referidas disposições legais.
2. Nos termos do artigo 2180.º do CCivil, «[é] nulo o testamento em que o testador não tenha exprimido cumprida e claramente a sua vontade, mas apenas por sinais ou monossílabos, em resposta a perguntas que lhe sejam feitas».
Está em causa a expressão da vontade do testador em si mesma, exigindo- se que o testamento decorra de uma manifestação de vontade daquele.
Como refere Rossana Martingo Cruz, Código Civil Anotado, Livro V, Direito das Sucessões, com coordenação de Cristina Araújo Dias, edição de 2022, página 250, em anotação ao referido artigo 2180.º, «[o] que se pretende acautelar é a possibilidade de o testador não ter exprimido a sua vontade, mas sim ter somente reagido a gestos ou monossílabos a questões que lhe foram formuladas, não sendo possível aferir se este efetivamente compreendeu o que lhe foi perguntado e se estaria, ou não, ciente do que estaria a responder. Assim, o que aqui está em causa não é propriamente o problema da eventual opacidade da manifestação de vontade do testador, uma vez que a sua vontade pode ser interpretada (art. 2187º)».
Ora, no caso em apreço nada nos permite concluir que o testador não exprimiu a sua vontade.
Pelo contrário, consta expressamente do testamento em causa que este «foi lido em voz alta e explicado ao testador (…), tendo o testador declarado (…) que esta é a sua livre e esclarecido vontade».
A circunstância de constar do testamento a impressão digital do testador, não a assinatura manuscrita deste, não compromete a manifestação de vontade daquele, pois a respetiva vontade e a expressão desta constituem realidades diversas, sendo que o Código do Notariado admite a assinatura por impressão digital, conforme respetivo artigo 51.º
Carece, pois, de fundamento a pretendida nulidade do testamento com fundamento no referido artigo 2180.º do CCivil.
3. O artigo 2199.º do CCivil dispõe que «[é] anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória».
Constituindo o testamento um negócio jurídico unilateral, no apontado preceito legal estão em causa situações de incapacidade acidental ou permanente do testador, aferidas em função sua capacidade de entender o sentido da sua declaração ou livremente expressar a sua vontade.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume VI, edição de 1998, página 324, «[a] anulação decretada, a requerimento do interessado, com base no artigo 2199.º assenta (…) na falta alegada e comprovada de capacidade do testador, no preciso momento em que lavrou o testamento, fosse para entender o sentido e o alcance da sua declaração, fosse para dispor com a necessária liberdade de decisão, dos bens que lhe pertenciam».
No mesmo sentido refere Anabela Gonçalves, Código Civil Anotado, Livro V, Direito das Sucessões, com coordenação de Cristina Araújo Dias, edição de 2022, páginas 302 e 303, que «estarão em causa episódios que afetam a compreensão e a vontade do testador, como situações de embriaguez, situações de consumo de estupefacientes, surtos psicóticos provocados por anomalias psíquicas, estados de delírio, ou demências permanentes que não tenham gerado ainda uma decisão de acompanhamento que decrete a incapacidade para testar (…)».
«Note-se (…) que a pessoa pode ter alguma lesão cerebral ou doença mental e esta não afetar o discernimento da pessoa para querer e entender o alcance do ato que está a praticar (…), ou seja, a incapacidade acidental não será um efeito automático de qualquer doença mental, sendo necessário ter em conta as circunstâncias do caso concreto e que a doença em causa tenha toldado a capacidade do testador de compreender o alcance da disposição testamentária que fez».
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.03.2022, processo n.º 756/13.0TVPRT.P2.S , o referido artigo 2199.º do CCivil «e a respectiva epígrafe (Incapacidade acidental), suscitam as seguintes observações de ordem terminológica».
«A primeira observação (cfr. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito das Sucessões Contemporâneo, 4.ª ed., AAFDL, Lisboa, 2020, pág. 114, e Pedro Pitta e Cunha Nunes de Carvalho, Direito das Sucessões, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, pág. 199) respeitante ao facto de o regime legal em causa abranger não apenas situações de incapacidade transitória ou acidental como também situações de incapacidade permanente (sem que, com ou sem recurso ao regime do maior acompanhado, tenham sido estabelecidos limites à capacidade de testar). No mesmo sentido, mas pronunciando-se ainda na vigência do regime, entretanto revogado, da interdição, ver José de Oliveira Ascensão, Direito Civil - Sucessões, 5.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2000, pág. 81».
«A segunda observação, mais raramente assinalada, mas igualmente relevante, para a imprecisão da inclusão, na categoria da incapacidade, de ambas as hipóteses descritas no art. 2199.º do CC. Na verdade, tanto pela estrutura da norma, como pelo significado dos termos utilizados, apenas na primeira previsão («testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração») se poderá falar, com rigor, de incapacidade; sendo que, na segunda previsão («testamento feito por quem (...) não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa (...).») estará em causa antes a impossibilidade de decidir de forma diferente (cfr. Gonçalves Proença, Direito das Sucessões, 3.ª ed., Quid iuris, Lisboa, 2009, pág. 164, nota 29)».
«A manter-se a qualificação de incapacidade para esta segunda situação, deve ter-se presente que a mesma se reporta a uma incapacidade volitiva e não a uma incapacidade de entendimento».
Por outro lado, considerando o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CCivil, por constitutivo do respetivo direito, compete aos aqui Recorrentes provar a factualidade integradora da incapacidade de testar do testador, à data da celebração do testamento cuja anulação pretendem.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.10.2019, processo n.º 109/17.1T8ACB.C1.S1, «(…) o estado de incapacidade acidental do testador deve existir no momento da feitura do testamento, incumbindo ao interessado na invalidade o ónus da prova dos factos reveladores de incapacidade acidental (…)».
Ora, tal factualidade não ficou demonstrada nos presentes autos, conforme designadamente factos não provados 1 a 4, termos em que improcede também a pretensão dos Recorrentes com fundamento no referido artigo 2199.º do CCivil.
4. Em suma, sem necessidade de outras considerações, por inúteis ou prejudicadas, considera-se infundada a pretensão dos Recorrentes, devendo, assim, julgar-se improcedente o presente recurso e manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
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Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão dos Recorrentes, pelo que estes devem suportar as custas do recurso.

V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 10 de julho de 2025
Paulo Fernandes da Silva
Susana Gonçalves
Higina Castelo
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1. Tal pode envolver, em casos-limite, a totalidade da matéria de facto mas, ainda assim, exige-se a concretização e a motivação das alterações relativamente a cada facto ou conjunto de factos. Mas não legítima a invocação de um generalizado erro de julgamento justificativo da reapreciação global dos meios de prova».