Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1265/22.2Y6LSB.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: MEDIDA DE ACOMPANHAMENTO EDUCATIVO
INCUMPRIMENTO
INTERNAMENTO
CENTRO EDUCATIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I O incumprimento do PEP, com violação dos deveres inerentes ao cumprimento da medida de acompanhamento educativo, de forma grosseira e persistente, legitima a substituição da medida aplicada pela de internamento em centro educativo em regime semiaberto por um período de 6 meses, posto que esta se afigura como necessária, adequada e proporcional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

Relatório
No âmbito do processo tutelar educativo, com o nº 1265/22.2Y6LSB, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Lisboa (Juiz 3), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, relativo ao jovem,
AA, nascido a ........2007 em ...], de nacionalidade portuguesa, filho de BB e de CC, residente na ...,
foi decidido substituir a medida de acompanhamento educativo anteriormente determinada pela medida de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo tempo que resta cumprir (seis meses).
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Não se conformando com a decisão, o requerido interpôs o presente recurso onde pede a revogação da decisão de internamento e que se determine a aplicação de uma medida cautelar que não implique a sua institucionalização.
Para tanto formula as conclusões que se transcrevem:
1. O jovem recorre com base num direito constitucionalmente garantido, mas com todo o respeito pelo tribunal recorrido, apesar da severidade da douta decisão.
2. Ora, o primeiro dos pressupostos para a intervenção tutelar é, assim, a existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais, traduzido na prática de facto considerado por lei como crime, nos termos do art.º 1º, da Lei Tutelar Educativa, Lei N.º 166/99, de 14/9.
3. No entanto, a prática de facto ilícito tipificado na lei penal não determina necessariamente a aplicação de medida tutelar educativa, porquanto o fim da intervenção tutelar é a educação do menor para o direito, não o seu sancionamento ou punição pela prática do facto ilícito penal.
4. Com efeito, as medidas tutelares educativas têm por finalidade a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade - art.º 2º n.º 1, da mencionada LTE.
5. É, ainda, necessário que a necessidade de correção, subsista no momento da decisão, nos termos dos arts. 7º n.º 1, 78º n.º 1, 87º n.º 1 al. c), 93º n.º 1 al. b), 110º n.º 2 e 119º n.º 2, da citada LTE.
6. Portanto, da análise das disposições deste diploma conclui-se que só é legítima a aplicação de medida tutelar educativa desde que verificados, cumulativamente, os seguintes pressupostos: o menor cometa facto ilícito tipificado na lei penal como crime; necessidade de correção da sua personalidade no plano do dever-ser jurídico manifestada na prática do facto; que essa necessidade subsista no momento da decisão da aplicação da medida.
7. Na determinação da duração concreta das medidas há que observar os critérios de proporcionalidade e necessidade de correção da personalidade do menor manifestada na prática do facto e que subsista no momento da decisão.
8. Na fixação da duração da medida concretamente aplicada, o tribunal deve ter em conta a gravidade do facto cometido, a necessidade de correção da personalidade do menor manifestada na prática do facto e a atualidade dessa necessidade de correção.
9. Observados tais limites, mostra-se respeitada a proporcionalidade da duração da medida.
10. A gravidade do facto funciona aqui como um limite à duração da medida, assim como a medida da culpa funciona como limite à medida da pena criminal.
11. A medida de internamento destina-se a menores cuja necessidade educativa, evidenciada na prática do facto, deva ser satisfeita mediante um afastamento temporário do seu meio habitual com recurso a específicos programas e métodos pedagógicos.
12. No caso “sub judice” o recorrente, apenas questiona, a duração da medida de internamento em regime semiaberto, imposta ao menor, pelo período de 6 meses.
13. O ponto de discorda diz respeito à duração da medida, que deve ser «proporcional à gravidade do facto e à necessidade de educação para o direito manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão», nos termos expressos no citado art.º 7º n.º 1, da LTE.
14. E como tal gerará revolta, incompreensão, desânimo, isto é, será contraproducente e deseducativo, exatamente o oposto ao objetivo legal.
15. Parece-nos, pois, que o tempo de duração da medida (6 meses) é altamente exagerado, desproporcionado à gravidade do caso, desproporcionado à necessidade de educação do menor para o direito, subsistente no momento.
16. Donde, resulta de douta sentença dos presentes autos que o jovem confessou sem reserva a prática dos factos “mostrando arrependimento”, aceitando a medida proposta pelo Ministério Público, de forma pacífica.
17. Neste caso, interrogamo-nos que, mais valia o jovem ser adulto posto que se assim fosse o processo seguiria para julgamento, com eventuais desistências de queixa e quanto ao demais, o que se afigura como mais provável com uma aplicação de uma pena de multa, face à falta de antecedentes criminais e face à postura adotada em audiência.
18. Dir-se-á qual a vantagem entre um jovem delinquente que assumiu o desvalor da sua conduta.
19. Ora, o tribunal numa visão hemiplégica dos factos em apreço e dos quais vinha indiciariamente acusado, mesmo assim, entendeu que a medida de internamento de 6 meses era a mais adequada, proporcional e que salvaguardava os interesses da dita criança, à data da prática dos factos mas que na data desta decisão recorrível já é um jovem adulto em que, atualmente com 17 anos, a caminho dos 18 anos, ainda é necessário aplicar-lhe esta medida para arrepiar caminho.
20. O que demonstra infelizmente que ter uma postura de colaboração com o tribunal ao invés, demonstrar alheamento do mesmo processo com um direito constitucionalmente garantido de não prestar declarações, para o tribunal recorrido é, ou foi, exatamente o mesmo!
21. Além disso, o jovem delinquente, à data dos factos inimputável porque menor de 16 anos, atualmente, com mais de 17 anos em que está inserido social, familiar e educativamente, em escola pública, em que apesar do seu alegado insucesso, até à presente data não mais delinquiu, fica-nos a dúvida se neste momento a melhor opção é institucionalizá-lo durante o período de 6 meses para daí, de fora da família, obtenha um sucesso escolar, que após a prática dos factos tem de forma regular obtido esse desiderato escolar.
22. cumpre salientar que o jovem tinha à data dos factos dos presentes autos a tenra idade de 14 anos, sendo que em ... de 2025 atingirá a maioridade, sendo certo que face à idade atual do jovem e a finalidade subjacente à medida, esta mostra-se prejudicada porquanto se o mesmo persistir na prática de factos ilícitos, estas terão uma reação jurídica de natureza diversa.
23. Além de que o mesmo está em vias de constituir família, pois que o seu casamento já se encontra em fase de preparação, pelo que consideramos, com o devido respeito, que parece tarde a educação do jovem para o direito, que, reitera-se, caso o mesmo continue na prática de crimes, eles terão neste preciso momento, uma resposta diferente pelo ordenamento jurídico.
24. Sendo que a escolaridade obrigatória é até aos 18 anos, momento no qual o jovem, entretanto adulto não será mais obrigado a frequentar a escola.
25. Vamos internar em centro educativo um jovem atualmente com 17 anos, a pouco mais de um mês de perfazer a maioridade porque o mesmo não demonstra interesse em frequentar o ensino regular?
26. Assim, resulta óbvio que dos relatórios juntos pela DGRSP que o jovem incumpriu de forma sucessiva a medida tutelar educativa, designadamente no que respeita às obrigações escolares, que não valoriza, sendo que irá perfazer 18 anos pelo que entende o jovem que deve a medida ser substituída por prestação de tarefas a favor da comunidade.
27. Quando o jovem tiver violado, de modo grosseiro ou persistente, os deveres inerentes ao cumprimento da medida, pode o tribunal substituir a medida por outra mais adequada, igualmente não institucional, mesmo que tal represente para o menor uma maior limitação na sua autonomia de decisão e de condução da sua vida, cfr., conjugadamente, al. f) do n.º 1 do art.º 136º, al. c) do n.º 2 do art.º 138º, da Lei Tutelar Educativa.
28. Violou por isso as normas jurídicas acima indicadas, nomeadamente os artigos 1º, 2º, nº1, 7º, nº 1, 78º, nº 1, 87º, nº 1, al. c), 93º, nº 1, al. b), 110º, nº2 e 119º, nº2 da LTE e artigo 32º, nº 2 da CRP.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou e concluiu como segue:
1 - O jovem incorreu na prática de factos qualificados pela lei penal como um crime de ofensa à integridade física simples p.e p. pelo art.143º/1 do C. Penal), um crime de roubo simples, previsto e punido pelo nº1 do art.210º do Código Penal, um crime de ameaça, previsto e punido pelo art.º 153º, nº1 do Código Penal e um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido no art.º 360º, nº1 do mesmo diploma legal.
2 - O jovem admitiu os factos e aceitou a medida tutelar educativa proposta pelo Ministério Público, tendo-lhe, então, sido aplicada, por decisão negociada, a medida tutelar educativa de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses;
3 - Na proposta desta medida está o conteúdo do relatório social, no qual pode ler-se: “Ao nível do comportamento revela dificuldade em acatar a autoridade dos agentes educativos, quando se enerva por ser advertido grita com os adultos, registando duas faltas disciplinares. Com os pares, por vezes, também revela dificuldades de interação. (…) Apresenta défices ao nível das suas capacidades pessoais e sociais: grande dificuldade em lidar com a frustração, reagindo de forma desadequada, que remete para a ausência de regra se limites.”
4 - Foi elaborado projecto educativo pessoal que, além das obrigações escolares que pendiam sobre o jovem, o mesmo contemplava, ainda, outras obrigações que, em termos de “educação para o direito”, assumem maior relevância, a saber: “Aceitar a orientação da DGRSP, mantendo-se contactável e comparecendo na Equipa sempre que convocado. Comparecer na DGRSP e participar em sessões estruturadas, individuais ou em grupo, com vista ao desenvolvimento de Atitudes e Competências Pró-Sociais, que prevêem a abordagem dos seguintes temas O Jovem e a Justiça; - Identificar e Gerir Emoções; - A Comunicação Interpessoal; - Comunicar Assertivamente; - Colocar-se no Lugar do Outro/Vítima; - Regras / Limites & Valores; - Tomar Decisões; - Consolidar Aprendizagens - Não reincidência na prática de comportamentos desviantes, nem acompanhar indivíduos e grupos conotados a práticas delinquentes.
5 - O jovem incumpriu de forma reiterada a medida aplicada, pelo que, secundando a proposta da DGRSP, promoveu-se a substituição da medida de acompanhamento educativo pela medida de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo tempo que restava cumprir.
6 - O projecto educativo pessoal, além das obrigações escolares que impendiam sobre o jovem, contemplava, ainda, outras obrigações que, em termos de “educação para o direito”, assumem maior relevância, uma vez que tinham como escopo educar o menor para o respeito por aqueles valores mínimos essenciais à vida em comunidade.
7 - É proporcional à factualidade praticada pelo jovem, designadamente, no que respeita aos factos qualificados como crime de roubo, sendo também necessária, face às suspeitas da prática de factos ilícitos. Com efeito, como resulta do relatório da DGRSP o jovem é suspeito de consumo/tráfico estupefacientes, acompanha com pares conotados com subculturas desviantes e práticas ilícitas o que, a par da insuficiência da família para estabelecer limites, controlar e supervisionar o comportamento do jovem e da gestão disfuncional que o mesmo tem feito do seu quotidiano, desligado das principais instâncias de socialização da comunidade, em particular da escola leva-nos a concluir que a única intervenção tutelar educativa viável passará pelo afastamento do jovem do seu meio habitual e da utilização de programas, recursos e métodos pedagógicos visem a sua inserção mais digna e responsável na vida em sociedade”.
8 - O despacho sob recurso teve em conta o incumprimento reiterado da medida aplicada, sendo proporcional, face aos factos praticados pelo jovem AA, revelando-se a mesma necessária, face às suspeitas de factos ilícitos alegadamente praticados após a aplicação da medida e não violou qualquer preceito legal, pelo que deverá ser mantido.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a resposta do Ministério Público junto da 1.ª Instância e sublinhando que, “no caso, a aplicação ao jovem/recorrente da medida de internamento em centro educativo é adequada, necessária e justa, face aos sucessivos e reiterados incumprimentos por parte do menor da medida tutelar de acompanhamento educativo a que foi sujeito, por ter cometido factos tipificados como crimes de roubo, de ofensa à integridade física, de ameaça, e de falsidade de testemunho, sendo que, para além de ter fracassado o projeto educativo escolar, é suspeito da prática de crimes (de condução sem habilitação legal e de detenção de produtos estupefacientes) cometidos durante o decurso da referida medida de acompanhamento e nem sequer trabalha”.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
Ao jovem AA foi aplicada a medida tutelar de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses.
O PEP foi homologado a 4 de outubro de 2023, tendo o despacho transitado de forma pacífica em julgado no 16 de outubro de 2023. O termo de execução da medida seria, assim, o dia 16 de abril de 2025.
Todavia, como os autos bem demonstram, o jovem AA incumpriu de forma reiterada a medida aplicada. Por esse motivo, a DGRSP veio propor a substituição da medida de acompanhamento educativo pela medida de internamento em centro educativo.
O Ministério Público promoveu no mesmo sentido.
O Il Patrono do jovem veio alegar que o mesmo tinha constituído família e que estava a trabalhar. Convidado a melhor esclarecer a situação, acabou por informar que ainda não foi pai, mas que a família lhe está a preparar o casamento. Por outro lado, não está a trabalhar, estando antes à procura de emprego.
Como bem refere o Ministério Público, o terceiro argumento invocado (relativo à idade do jovem) não tem qualquer respaldo, atento o disposto na lei em termos da idade de aplicação da LTE e o objectivo das medidas tutelares educativas. Conclui-se, pois, que nada foi trazido aos autos que contrarie a proposta da DGRSP sufragada pelo Ministério Público.
Assim sendo, analisada aquela e considerando que os sucessivos incumprimentos do jovem comprometem o objectivo da medida tutelar educativa aplicada tendo em vista a educação para o Direito do jovem, determino que a medida de acompanhamento educativo seja substituída pela medida de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo tempo que resta cumprir (seis meses) – cfr. 136º nº 1, al. f), 138º, nº 2, al. f) e nº 3, da LTE, por referência ao 17º, nº 3, do mesmo diploma legal.
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, em causa está a substituição da medida de acompanhamento educativo pela medida de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo tempo que resta cumprir (seis meses).
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Cumpre, antes de mais, frisar que está em causa a substituição de medida tutelar já determinada.
Com efeito, lidas as motivações de recurso, parece que o recorrente confunde a aplicação de medida cautelar, com a aplicação de medida tutelar e com a substituição desta.
Todavia, as medidas cautelares, previstas nos arts. 56º ss da Lei Tutelar Educativa, têm apenas aplicação na fase de inquérito, não na fase jurisdicional em que nos encontramos.
Já as medidas tutelares educativas (cfr. o disposto nos arts. 2º e 4º e ss da Lei Tutela Educativa, são aplicadas na fase jurisdicional (art. 110º, nº 3, alínea b), da mesma Lei), verificados os respectivos pressupostos.
E as medidas tutelares educativas são alvo de revisão (arts. 136º e 137º da Lei Tutelar Educativa) podendo ser modificadas nos termos do art.º 138º da Lei citada.
Compulsados os autos, verifica-se que:
- o Ministério Público requereu a abertura da fase jurisdicional, por haver notícia de que o jovem (ora recorrente) tinha praticado factos qualificados pela lei penal como crimes, concretamente, um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Cód. Penal); um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do Cód. Penal; um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nº 1 do Cód. Penal; e um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360º, nº 1 do Cód. Penal;
- o jovem admitiu os factos e aceitou a medida tutelar educativa proposta pelo Ministério Público, tendo-lhe, então, sido aplicada, por decisão negociada, a medida tutelar de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses;
- o PEP (projeto educativo pessoal) foi homologado a 4 de Outubro de 2023, cujo despacho transitou a 16 de Outubro de 2023, pelo que a medida atingiria o seu termo a 16 de Abril de 2025;
- o referido PEP, além de prever o cumprimento das obrigações escolares, contemplava ainda outras obrigações, como: Aceitar a orientação da DGRSP, mantendo-se contactável e comparecendo na Equipa sempre que convocado. Comparecer na DGRSP e participar em sessões estruturadas, individuais ou em grupo, com vista ao desenvolvimento de Atitudes e Competências Pró-Sociais, que prevêem a abordagem dos seguintes temas O Jovem e a Justiça; - Identificar e Gerir Emoções; - A Comunicação Interpessoal; - Comunicar Assertivamente; - Colocar-se no Lugar do Outro/Vítima; - Regras / Limites & Valores; - Tomar Decisões; - Consolidar Aprendizagens - Não reincidência na prática de comportamentos desviantes, nem acompanhar indivíduos e grupos conotados a práticas delinquentes;
- decorrido o período de um ano da execução da medida tutelar aplicada (de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses) a DGRSP apresentou relatório propondo a alteração da medida, pois que:
De acordo com a informação do conselho de turma, o jovem não manifesta qualquer interesse pelas atividades escolares. A sua falta de assiduidade impede o acompanhamento dos conteúdos e a apreensão das matérias lecionadas nas diferentes disciplinas. A isto acresce o facto de o aluno não participar nas atividades desenvolvidas em sala de aula, não se faz acompanhar de material escolar ou manuais e permanece alheado, usando o telemóvel ou dormindo. Ao nível do comportamento regista participações por não cumprir regras em sala de aula, desautorizar os professores, não acatar indicações de auxiliares, como sejam a não saída da escola em horário letivo, dirige ameaças aos agentes educativos quando contrariado, informações que o jovem nega. Pese embora alguns encaminhamentos propostos para integração do jovem em respostas escolares/formativas alternativas ao ensino regular e que poderiam ser mais ajustadas ao seu perfil, a progenitora nunca concordou, preferindo que o filho permanecesse numa escola nas imediações à residência, independentemente de ser adequada ou não. AA verbalizava aceitação em integrar outras respostas. AA não desenvolve atividades estruturadas de ocupação do tempo, permanecendo com amigos, em idênticas circunstâncias, num meio social conotado com práticas delinquenciais.
- nos termos da informação policial, datada de ........2024, durante o período de execução da medida, o jovem regista as seguintes participações como suspeito:
> NPP 303288/2023, NUIPC 26/23.6SULSB, estupefacientes, em 23.06.2023;
> NPP 159877//2024, NUIPC 397/24.7 PLLSB, condução sem habilitação legal, em 5.04.2024.
Não está agora em causa a decisão de aplicação (negociada) da medida tutelar de acompanhamento educativo pelo período de 18 meses, com PEP (projeto educativo pessoal) homologado por despacho a 4 de Outubro de 2023, transitado a 16 de Outubro do mesmo ano. Nem o recorrente põe em causa o incumprimento do PEP, ou mesmo que esse incumprimento, com violação dos deveres inerentes ao cumprimento da medida de acompanhamento educativo, não tenha sido grosseiro e persistente.
De facto, o que o recorrente questiona é a necessidade da medida de internamento e o período da respectiva duração, fixado em 6 meses.
Nos termos da alínea f) do nº 1 do art.º 136º da Lei Tutelar Educativa, “a medida tutelar é revista quando: (…) f) O menor tiver violado, de modo grosseiro ou persistente, os deveres inerentes ao cumprimento da medida” e atento o disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 137º da mesma Lei, “a revisão tem lugar oficiosamente (…) a revisão oficiosa pode ter lugar a todo o tempo, sendo obrigatória decorrido um ano após: a) O início da execução da medida”.
Por outro lado, nos termos do nº 2 do art.º 138º da Lei Tutelar Educativa, “quando proceder à revisão das medidas não institucionais, pelas razões indicadas nas alíneas e) e f) do artigo 136.º, o juiz pode: a) Advertir solenemente o menor para a gravidade da sua conduta e para as eventuais consequências daí decorrentes; b) Modificar as condições da execução da medida; c) Substituir a medida por outra mais adequada, igualmente não institucional, mesmo que tal represente para o menor uma maior limitação na sua autonomia de decisão e de condução da sua vida; d) Ordenar o internamento em regime semiaberto, nos casos em que o facto qualificado como crime praticado pelo menor admitisse a aplicação de medida de internamento em regime semiaberto ou fechado” e, nos termos do nº 3 do mesmo artigo “a substituição da medida, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 e nas alíneas c) e d) do n.º 2, pode ser determinada por tempo igual ou inferior ao que falte para o cumprimento da medida substituída”.
Decidiu o despacho recorrido “que os sucessivos incumprimentos do jovem comprometem o objectivo da medida tutelar educativa aplicada tendo em vista a educação para o Direito do jovem, determino que a medida de acompanhamento educativo seja substituída pela medida de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, pelo tempo que resta cumprir (seis meses)”.
É sabido que as medidas tutelares visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, sendo a escolha da medida tutelar a aplicar orientada pelo interesse do menor, ou seja, ainda que proporcional à gravidade dos factos, deve a medida ser adequada à correção da personalidade do menor, apta a fazê-lo interiorizar e respeitar as normas e valores jurídicos essenciais da comunidade, satisfazendo assim a necessidade de educação do menor para o direito subsistente no momento da decisão (arts. 2º, nº 1, 6º, nº 3 e 7º da Lei Tutelar Educativa).
Tal como acontece com as penas (art. 40º, nº 1, do Cód. Penal), exclui-se qualquer finalidade retributiva: as medidas tutelares não são um castigo, uma expiação ou compensação do mal do crime (punitur quia peccatum est), visam, sim, garantir que o desenvolvimento do menor “ocorra de forma harmoniosa e socialmente integrada e responsável, tendo como referência o dever-ser jurídico consubstanciado nos valores juridicamente tutelados pela lei penal, enquanto valores mínimos e essenciais da convivência social” (Rui do Carmo Moreira Fernando, “Lei Tutelar Educativa – Traços essenciais, na perspectiva da intervenção do Ministério Público”, in Revista do Ministério Público, nº 84, p. 119 ss).
Revertendo ao caso concreto, e atendendo ao relatório da DGRSP, forçoso é concluir que o jovem recorrente não cumpriu o PEP e que o seu comportamento, passado um ano da execução da medida de acompanhamento educativo, demonstra a falência desta medida. Efectivamente, resulta de tal relatório que o recorrente não manifesta qualquer interesse pelas atividades escolares, revelando falta de assiduidade e não participando sequer nas atividades desenvolvidas em sala de aula, de que permanece alheado, usando o telemóvel ou dormindo; ao nível do comportamento regista participações por não cumprir regras em sala de aula, desautorizar os professores, não acatar indicações de auxiliares, como sejam a não saída da escola em horário letivo, dirige ameaças aos agentes educativos quando contrariado. Também não desenvolve atividades estruturadas de ocupação do tempo, permanecendo com amigos, em idênticas circunstâncias, num meio social conotado com práticas delinquenciais. Resulta ainda de informação policial que, durante o período de execução da medida, o jovem regista duas participações como suspeito em inquérito relacionado com estupefacientes e condução sem habilitação legal.
Ou seja, é evidente que uma medida não institucional não se mostra adequada a educar o recorrente para respeitar os mais elementares da vida em sociedade e, assim, torna-se necessário substituir a medida tutelar aplicada pela de internamento em centro educativo, a única que se perfila, além de necessária, como adequada, proporcional e suficiente para alcançar as finalidades de educação para o direito e a inserção do jovem, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.
Tal medida, está conforme com o disposto no art.º 138º, nº 2, alínea d), da Lei Tutelar Educativa, pois que, nos termos do nº 3 do art.º 17º da mesma Lei, “a medida de internamento em regime semiaberto é aplicável quando o menor tiver cometido facto qualificado como crime contra as pessoas a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a três anos ou tiver cometido dois ou mais factos qualificados como crimes a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, superior a três anos”.
É certo que o recorrente perfez recentemente 18 anos, mas isso não impede a aplicação da medida de internamento, até porque não está empregado nem estuda, e espera o Tribunal que esta medida, pelo período de 6 meses, ainda lhe venha a permitir perspectivar uma vida com respeito pelo direito e socialmente integrado.
E o facto de estar a preparar-se para contrair matrimónio também não constitui óbice ao cumprimento da medida de internamento.
Pelo que bem andou o despacho recorrido ao substituir a medida tutelar de acompanhamento educativo pela de internamento em centro educativo em regime semiaberto por um período de 6 meses – que se afigura como necessária, adequada e proporcional.
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Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, declarando-o improcedente, e confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Lisboa, 11.03.2025
(processado e revisto pela relatora)
Alda Tomé Casimiro
Pedro Esteves de Brito
Manuel Advínculo Sequeira