Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO LEE FERREIRA | ||
Descritores: | CULPA PESSOA COLECTIVA NEXO DE IMPUTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/11/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONCEDER PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I- A imputação jurídico-penal dos entes colectivos assenta numa culpa erigida através do facto e da culpa das pessoas físicas e a responsabilidade da pessoa colectiva só existe quando a pessoa física (agente singular que detenha uma posição de liderança, ou um agente subordinado em virtude da violação de deveres de vigilância ou controlo) tenha agido (ou omitido o comportamento devido) em nome e no interesse colectivo. II-Por isso, a existência de um nexo de imputação do acto ilícito típico (ou facto de conexão) a um elemento da sociedade com posição de liderança na organização constitui um pressuposto essencial para imputação do crime à pessoa colectiva e depende da "identificação funcional" do líder autor do facto concretamente acontecido; III-A modificação que se traduzisse na inclusão de contributos individuais para a prática do facto imputado à colectividade diferentes dos constantes da pronúncia, constituiria uma intolerável alteração substancial dos factos, por implicar a atribuição de um “crime diverso” à pessoa colectiva; IV-Não é possível a imputação do facto lesivo à sociedade e impõe-se a absolvição da demandada do pedido de indemnização civil se o tribunal julgou não provados todos os factos que permitiriam estabelecer um nexo de imputação entre uma conduta de algum dos arguidos e a pessoa colectiva, nem se configura possibilidade de, agora em recurso, incluirna matéria de facto provada qualquer elemento que permita concluir que o “facto” ilícito ( omissão de entrega das contribuições à Segurança Social) tenha sido cometido por outra ou outras pessoas, agindo em representação e no interesse da sociedade. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa, 1. Nestes autos de processo comum com o n.º .../..., após a realização da audiência de julgamento por tribunal singular no Juízo Local Criminal de Sintra (Juiz 3) da Comarca de Lisboa Oeste, a Exmª juíza proferiu a sentença que termina com o seguinte dispositivo (transcrição): Com os fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a pronúncia e, consequentemente: 1-Absolvo os arguidos EM… e AC… da prática, em coautoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal e artigo 6.º, n.º 1 e 107.º, n.º s 1 e 2, por remissão para o artigo 105.º, n.º 1, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias – Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho. 2-Condeno a arguida M…, Hotelaria, S. A., pela prática, em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal e artigo 7.º, n.º 1 e 107.º, n.º s 1 e 2, por remissão para o artigo 105.º, n.º 1, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias – Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, na pena de 700 (setecentos) dias de multa à razão diária de € 10,00 (dez euros), no total de € 7.000,00 (sete mil euros). 3-Mais condeno a sociedade arguida nas custas da ação penal, fixando-se a taxa de justiça devida em 3UC (artigos 513.º, n.º s 1, 2 e 3 do C.P.P., 514.º, n.º 2 e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III àquele anexa), sem prejuízo da isenção processual de custas a que alude o artigo 4.º, n.º 1, alínea u) do R.C.P. 4-Julgo o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, por parcialmente provado e, consequentemente, decido: 4.1-Absolver os demandados EM… e AC…. do pedido; 4.2-Condenar a demandada M…, Hotelaria, S. A., no pagamento ao Instituto de Segurança Social, I.P. da quantia de € € 392.508,01 (trezentos e noventa e dois mil, quinhentos e oito euros e um cêntimos), a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa prevista no artigo 3º do Decreto-lei nº 73/99 de 16/03, desde a data limite de entrega das referidas quantias até integral pagamento. A arguida sociedade M… Hotelaria, S. A., interpôs recurso da sentença e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição): “61. Vieram a julgamento, PRONUNCIADOS: M…, HOTELARIA, S.A., com o NUIPC …, com sede na Rua … no …/…, Shopping — Loja … — …, piso …, Cacém …¬… Agualva, na pessoa do seu legal representante, Presidente e administrador de facto, EM…, e, EM…, filho de AM…, e de MC…, nascido a …/…/1946, natural de Leiria, casado, residente na R. …, n.º…, apartamento no …, Junqueiro, …-… Carcavelos, e, AC…, filha de EM… e MG…, nascida a …/…/1976, natural do Brasil, nacionalidade portuguesa, casada, gestora na B…, em Carcavelos, residente na Rua … no … ,apartamento no … Junqueiro, …-… Carcavelos, Pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada, p. e p. pelos artigos 6º, n.º s 1 e 3 e 107º, n.º s 1 e 2, com referência ao artigo 105º, nºss 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias — Lei nº 15/2001, de 05 de Junho e artigo 30º, nº 2 e 79º, ambos do Código Penal, cujos factos constantes do despacho de pronúncia por remissão para o despacho de acusação do Ministério Público, que na sentença se deu por integralmente reproduzidos. 62. O Instituto de Segurança Social, I.P. deduziu pedido de indemnização cível contra os arguidos, peticionando a condenação solidária destes no pagamento da quantia de € 392.508,01 (trezentos e noventa e dois mil, quinhentos e oito euros e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados nos termos do disposto no artigo 3 0, no 1, do Decretolei no 73/99 de 16/03 até integral e efetivo pagamento, a título de danos patrimoniais, com os fundamentos de facto e de direito, que se dão por integralmente reproduzidos. 63. Não foram pronunciados ou acusados quaisquer outros agentes, titulares ou não de órgãos da Recorrente, nem colaboradores, nem quaisquer outras pessoas físicas; 64. Sendo que o inquérito, quanto aos demais suspeitos e arguidos foi arquivado; 65. O Ministerio Publico, na fase de inquérito, sindicado em sede de Instrução, limitou assim os intervenientes processuais “passivos” digamos assim, às pessoas pronunciadas, acima identificadas; 66. O Tribunal decidiu: Condenar a arguida M… SA, pela prática, em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal e artigo 7º , nº 1 e 107º, nºss 1 e 2, por remissão para o artigo 105º, nº 1, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias — Lei nº 15/2001, de 05 de Junho, na pena de 700 (setecentos) dias de multa à razão diária de € 10,00 (dez euros), no total de € 7.000,00 (sete mil euros) e nos demais termos já referidos; Absolver, os demais arguidos, EM… e AC… da prática, em coautoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 30º, nº 2 e 79º do Código Penal e artigo 6º, nº 1 e 107º, nº s 1 e 2, por remissão para o artigo 10º nº 1, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias — Lei n.0 15/2001, de 05 de Junho. 67. Absolvendo os demais arguidos, o Tribunal teria sempre de Absolver a Recorrente; 68. Sendo certo que a absolvição e consequente extinção do procedimento criminal, quanto aos demais arguidos, pessoas físicas, não se ficou a dever a qualquer outra causa, como seja a sua extinção física, (morte), antes decorreu apos a sua intervenção ter sido sindicada em sede de julgamento; 69. Tendo nessa sede o Tribunal, concluído pela absolvição dos mesmos; 70. Nos crimes fiscais é EFECTIVAMENTE possível a responsabilidade da pessoa colectiva, como determina o art° 7°do RJIFNA e também, actualmente do RGIT. 71. Por outro lado, de harmonia com o disposto o art.° 11° do Cód. Penal, salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. 72. Consagra este artigo o princípio do carácter pessoal da responsabilidade criminal, recusando, como regra, a atribuição da qualidade de sujeitos activos de infracções criminais às pessoas colectivas, quer porque o fim de prevenção especial das penas seria inoperante quanto a elas, quer porque são insusceptíveis de imputação moral, e dada a impossibilidade de se cometer um crime por intermédio dos órgão sociais. 73. Assim, para que as pessoas colectivas sejam susceptíveis de responsabilidade criminal é necessário que a lei expressamente o diga (cfr. Acórdão STJ de 02.02.2000, in SASTJ, n.° 38, p.68). Cristalino e inatacável quanto a este ponto; 74. No âmbito da criminalidade fiscal foi consagrada uma excepção ao carácter pessoal da responsabilidade criminal, admitindo-se a responsabilidade das pessoas colectivas, pelas infracções cometidas pelos seus órgãos ou representantes (art.° 7° do RJIFNA E REGIME GERAL INFRACÇÕES TRIBUTARIAS Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, NA VERSÃO DADA PELA Lei n.º 114/2017, de 29/12 ). 75. Na verdade, a prática de crime fiscal, como qualquer ilícito criminal, é o resultado de uma acção (ou omissão) humana. 76. Dispõe o art.° 7° do RJIFNA/ e agora do RGIT, que as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas, são responsáveis pelas infracções previstas naquele diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo. 77. Esta responsabilidade da pessoa colectiva,COMO É BOM DE VER, é cumulativa da responsabilidade dos seus representantes por crimes praticados no exercício das suas funções, ISTO É, ESTENDE-SE-LHE A RESPONSABILIDADE DO AGENTE PESSOA FÍSICA – VER N.° 3 DO MESMO ART. ° 7° (SENDO, NO ENTANTO, DIFERENCIADA NO QUE DIZ RESPEITO ÀS SANÇÕES APLICÁVEIS). 78. A SOCIEDADE SÓ PODE SER RESPONSABILIZADA NA MEDIDA EM QUE O AGENTE O SEJA TAMBÉM, por isso " é impossível que uma pessoa colectiva seja responsável se a pessoa física que tiver actuado em seu nome e no seu interesse não for também responsabilizada", como defende Isabel Marques da Silva, a propósito da responsabilidade fiscal das pessoas colectivas, na sua dissertação de Mestrado na Universidade Católica Portuguesa, publicada sob ,o título "Responsabilidade Fiscal Penal Cumulativa das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes” 79. Por outro lado, a responsabilidade das pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito, como bem diz o n. 2 do artigo 7º do RGIT; 80. Ou bem se absolve os órgãos sociais, e tem se absolver a sociedade porquanto os agentes, os acusados, ou outros mencionados na sentença, declaradamente terão agido contra as ordens dos agora abolvidos gerentes. 81. É essencialmente baseado nessa actuação de certos indivíduos,à revelia e contra as indicações dos gerentes, que o Tribunal procede à absolvição dos ditos gerentes, só que, espantosamente esquece-se do corolário indispensável e inevitável, haveria então que absolver a sociedade nos termos do artigo agora citado; 82. Ora, como escreve a Mestre e citada autora, a sociedade só é responsável na medida em que os seus agentes o sejam também, ou seja "a responsabilidade da pessoa colectiva pressupõe sempre que o titular do órgão ou o seu representante actuou por ela com culpa, pois a culpa da pessoa colectiva comunga da culpa daquele que age como seu órgão ou representante " 83. Diferente é o caso da morte, por exemplo da pessoa física gerente, nesse caso, admite-se que perante o apurado, quanto à actuação do gerente entretanto falecido, existe crime e responsabilidade criminal da sociedade em nome e no interesse de quem aquele actuou, devendo a sociedade ser submetida a julgamento. 84. Mas evidentemente só porque se havia apurado, em relação ao gerente, a existência de uma conduta criminosa, que é o contrario do que aqui se verifca, apurou-se e absolveu-se os gerentes. 85. Nem apurou, nem condenou o Tribunal, qualquer opessoa física, sendo certo que se assiste à situação insólita, que seja uns arguidos verem o processo arquivado em fase de inquérito, e quanto a terceiros, são mencionados como actuantes mas, a sua posição processual é de mera testemunha; 86. A sentença menciona: “Porém, a sociedade, nos períodos em que exerceram os cargos de Administradores de facto e de Direito, AS…, PS…, e, posteriormente, o Administrador Provisório nomeado no âmbito do PER, não entregou à Segurança Social os montantes retidos a esse título, relativamente aos períodos de tempo situados entre Agosto de de 2011 e Maio de 2015. Ora, não se consegue atingir, mesmo cotejando com os factos dados como provados e não provados, onde alicerçou o douto Tribunal, tal conclusão; 87. Conclusão que não poderia extrair, atento a que em tempo útil, entendeu não pronunciar outros agentes, e quanto a estes só pode o Tribunal, presumir a inocencia; 88. Sendo certo que os agentes em questão, nem foram condenados, nem sequer pronunciados, sendo certo que se presumem inocentes ate condenação; 89. Sendo certo que extrair, e neste caso presumir mesmo, a culpa da recorrente, com consequências criminais, de comportamentos de pessoas físicas que entendeu o mesmo tribunal nem sequer pronunciar, é manifestamente abusivo e perante o artigo 32 da Constituição, inconstitucional, como ilegal é face ao n.1 do artigo 11 do C. Penal; 90. Nem se atinge como pode o douto Tribunal a quo concluir, como o faz na sentença que “A sociedade arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser a mesma proibida e punida por lei penal.” Pois que o próprio tribunal nulificou qualquer elemento subjectivo, ao absolver todo e qualquer agente; 91. Ao condenar a recorrente, o Tribunal a quo, violou entre outros, da Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 114/2017, de 29/12, o artigo 7º, n.º 1 e 2; 92. Por outro lado, ao estabelecer o dolo da recorrente, dando como provado na fundamentação “um elemento subjectivo” sendo certo que inexiste no processo a condenação de qualquer pessoa fisica, o Tribunal, está, como dizia Castro Mendes, a pendurar uma candeia na sombra de um prego, violando o principio “in dúbio pro reo”, uma vez que não pode deixar de admitir, como faz na sentença, uma duvida razoável quanto aos demais acusados, agora absolvidos; 93. Por outro lado quando a sentença refere que, “PE… referiu ter havido um aproveitamento muito grande de quem o rodeava (...) não tendo tido hesitação alguma em afirma que EM… foi ludibriado”, e quando a Sentença considera, e bem, credível este depoimento, viola o n.2 do artigo 7º do RGIT ao não considerar estarmos eventualmente em face de uma situação em que, como o artigo refere : “2 - A responsabilidade das pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente EQUIPARADAS É EXCLUÍDA QUANDO O AGENTE TIVER ACTUADO CONTRA ORDENS OU INSTRUÇÕES EXPRESSAS DE QUEM DE DIREITO. “ 94. Desconsiderou mal, com todo o respeito, o normativo, que impunha, também por esta via a absolvição comulada da recorrente com a absolvição dos demais arguidos; Trata-se de um caso patente em que concretas provas impõem decisão diversa da recorrida, como se diz, grosso modo, no n.º 3, al. c) do artigo 412 do CPP. 95. Ao condenar a recorrente, o Tribunal a quo, violou entre outros, da Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 114/2017, de 29/12, o artigo 105º, n.º 1 , porquanto não se podem considerar de modo nenhum preenchido o tipo nem subjectiva nem objectivamente; 96. Por outro lado, a sentença que se tenta perserverantemente por em crise, violou também o artigo 11. do Codigo penal, em concreto os números, 1: onde se refere – “Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal”, 6: - “A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. “ 97. Ao concorrentemente condenar a recorrente e absolvero os demais arguidos, o Tribunal aquo violou o principio do in dúbio pro reo, sendo certo que “O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza emprocesso penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.” 98. Da factualidade dada como provada decorre que claramente existe insuficiência de prova para que a Arguida possa ser condenada, pelo crime que vem acusada. 99. Como é bom de ver, das presentes conclusões extrai-se como fio condutor e fundamento identitário, fundamento do presente recurso, a necessidade de Absolvição da recorrente, face aos factos dados como provados, para onde remetemos, e face aos factos dados como não provados, que aqui também já reproduzimos e face à absolvição do coarguidos; 100. Deve assim, o Tribunal, como o seu Douto suprimento que, modestamente se aceita e a que se recorre, revogar a sentença em crise na parte em que condena a Recorrente, e aceitando como corolário inevitável da absolvição dos coarguidos, a absolvição da recorrente; 101. Sendo que, como consequência do que aqui se disse, e da requerida absolvição da recorrente, terá esta forçosamente, e pelas mesmas razões de ser absolvida também do pedido cível.” O Ministério Público, por intermédio da Exmª magistrada na instância local criminal de Sintra, formulou resposta, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1-A douta decisão efectuou uma correcta interpretação e aplicação de todas as disposições legais invocadas . 2-Pelo que deve ser mantida na integra.” O assistente Instituto de Segurança Social I.P. apresentou igualmente resposta, terminando com as seguintes conclusões (transcrição): “1. De acordo com as Conclusões da Recorrente, esta sustenta, essencialmente, que o tribunal não poderia responsabilizá-la, quer penal, quer civilmente, por não ter sido acusada/ pronunciada e condenada uma pessoa física que tenha atuado em seu nome e interesse, e que ainda que assim não fosse, não poderia ser responsabilizado quando as pessoas que atuaram em nome da sociedade o fizeram contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. 2. Salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pelo Recurso apresentado, entendemos que o Tribunal “a quo” fez uma correta apreciação dos factos e uma correta interpretação da lei substantiva e processual aplicável ao caso em apreço. 3. Face à abundante prova documental e testemunhal constante dos autos, cuja profícua análise consta da motivação da decisão de facto, o tribunal considera, e bem, que no período de agosto de 2011 a maio de 2015 a sociedade esteve em funcionamento, pagou os salários aos seus trabalhadores, descontou das respetivas remunerações as contribuições devidas à Segurança Social e não as entregou, integrando-as no seu património em detrimento de tal organismo. 4. A responsabilidade da pessoa coletiva não depende da responsabilização cumulativa de pessoa física, bastando que a conduta seja praticada ou determinada em seu nome por pessoa juridicamente vinculante da vontade coletiva, como, aliás, sucedeu. 5. Tendo o tribunal, em sede de fundamentação da decisão de facto, entendido que PS… e AS… exerceram a gerência da sociedade, tomando as decisões de não entrega das contribuições, a quem sucedeu, necessariamente, o administrador provisório no âmbito do PER, tudo no período de agosto de 2011 a maio de 2015. 6. A responsabilização da sociedade pela prática do crime em questão não depende, necessariamente, nem da dedução de acusação contra a pessoa singular que se venha a apurar ser o agente do facto, nem sequer da possibilidade de ser punida criminalmente uma pessoa singular concreta e determinada. 7. Esta autonomia da representação judiciária da pessoa coletiva, encontra apoio no disposto no Artigo 11.º, n.º 7 do Código Penal quando ali se faz referência que a responsabilização da pessoa coletiva “não depende da responsabilização dos agentes” do crime. Assim, 8. O eventual não conhecimento do agente do crime pessoa singular não implicaria, obviamente, a extinção da responsabilidade penal da sociedade em nome e no interesse da qual ele terá atuado, como decorre do Artigo 7.º, n.º 1 do RGIT. 9. Ao invés, o que é primacial é determinar se os factos ilícitos foram praticados por quem detinha, ao tempo, a qualidade de órgão ou representante da sociedade e se tal atuação foi levada a cabo em nome e no interesse desta, o que sucedeu no presente caso, como se afere dos factos dados por provados, em que, repete-se, se dá por assente que a sociedade apesar de ter retido o as quotizações dos salários dos trabalhadores, não entregou as mesmas no período de agosto de 2011 a maio de 2015, quando tinha obrigação de o fazer. 10. Este é, aliás, o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa vertido em acórdão datado de 08/11/2011–Proc nº 668/09.2TDLSB.L1-5 in www.dgsi.pt, e que acompanhamos na íntegra. 11. No que concerne ao fundamento de que a Recorrente não poderia ser responsabilizada quando as pessoas que atuaram em nome da sociedade o fizeram contra ordens ou instruções expressas de quem de direito, dir-se-á que não foi feita qualquer prova dessa causa de exclusão de responsabilidade, tendo, inclusivamente, o arguido EM… sido julgado na sua ausência. 12. Tendo em conta o supra exposto, a conduta da sociedade M… Hotelaria SA consubstancia um ilícito penal de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada e nos termos dos artigos 7º, 105º e 107º do RGIT, que se basta, aliás, como é jurisprudência uniforme, com a simples não entrega das contribuições à Segurança Social, facto dado por assente na sentença recorrida, pelo que bem andou o tribunal “a quo”, ao condenar a sociedade pela prática do referido ilícito, bem como, consequentemente, no pedido de indemnização civil. 13. O artº 71º do CPP consagra o princípio da adesão, impondo que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime seja deduzido no processo penal respetivo, estabelecendo o artº 129º do Código Penal que a indemnização por perdas e danos de qualquer natureza que emerjam da prática de um crime é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil, tudo em conformidade com o previsto no artº 483º e seguintes e 562º e seguintes do Código Civil. 14. Em face de se ter provado que quanto ao período de agosto de 2011 a maio de 2015 a sociedade descontou as contribuições dos salários dos trabalhadores e não as entregou, e que não apresentou qualquer prova que impedisse a prossecução do pedido de indemnização civil, quando era seu o ónus de o fazer, nos termos dos artºs 341º, 342º/ 2 e 346º do Código Civil, sempre resultaria integralmente procedente o referido pedido.” Depois de recebidos os autos neste TRL e na intervenção processual a que se reporta o artigo 416º nº 1 do Código de Processo Penal, o Ministério Público, por intermédio da Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta, exarou parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando os fundamentos aduzidos na resposta pela assistente I.S.S. I.P. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. O objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso. A arguida recorrente não contraria a decisão em matéria de facto, nem pela invocação de um dos vícios decisórios previstos no artigo 410º nº 2, nem no plano da impugnação ampla, previsto genericamente nos artigos 412º nºs 3, 4 e 6, 430º e 431º, todos do Código de Processo Penal. A questão a resolver consiste fundamentalmente em saber se não tendo havido responsabilização dos arguidos pessoas singulares, a matéria de facto provada permite a condenação da sociedade recorrente pelo cometimento do crime de abuso de confiança contra a segurança social e, consequentemente, no pedido de indemnização civil formulado pelo ISS, IP. 3. Impõe-se considerar aqui que a decisão sobre a matéria de facto constante na sentença recorrida é a seguinte (transcrição, sendo que ao nº 8 e a um quadro se segue o nº 12)): “Da acusação e do pedido de indemnização cível formulado, resultaram, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos: 1-A sociedade arguida M… – hotelaria, SA, com o NIPC …, com o NISS …, é uma sociedade anónima que tem por objeto social “a exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares e, complementarmente a gestão de imóveis próprios ou alheios sob forma de arrendamento ou outras () ”,como resulta do teor da certidão de matrícula junto aos autos que se dá por integralmente reproduzido. 2-A sociedade arguida, no âmbito das suas atividades, dedicou-se à exploração e administração da unidade hoteleira R… e do centro comercial “ R… Centro”, ambos sitos em Carcavelos. 3-A sociedade encontra-se insolvente desde 09/04/2015, mas não ocorreu ainda o encerramento da sua liquidação até à presente data. 4-A sociedade-arguida desde a sua constituição e, até à data está inscrita, como contribuinte, no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem (000), e no regime dos membros dos órgãos estatutários (669) e no regime 633. 5-No quadriénio de 2009/2012 o Conselho de Administração da sociedade arguida foi constituído pelo arguido EM… (Presidente), por PS… (vogal, que cessou funções em 20/07/2011, por renúncia, e em 13/04/2012 integrou o conselho de administração UP… (que passou a ser vogal). 6-No quadriénio de 2013/2015 o conselho de administração da sociedade arguida foi constituído pelo arguido EM… (Presidente), por UP… (vogal) e AC… (vogal). 7-A sociedade arguida vinculou-se/ obrigou-se nos quadriénios acima referidos através da assinatura de 02 administradores, designadamente do administrador delegado, ou do Presidente da Comissão Executiva. 8-No período de Agosto de 2011 a Maio de 2015 a sociedade-arguida teve ao seu serviço pelo menos, e em média, pelo menos 60 trabalhadores, cujo pagamento dos vencimentos dos trabalhadores foi sempre asseverado, bem como aos membros estatutários da sociedade, e nesses pagamentos foi determinado que fossem feitos os descontos a título de contribuição legalmente devida à segurança social, consoante o regime em que se enquadrassem, mas que não fossem, como não foram entregou tais valores à Segurança Social, como resulta discriminado no mapa de cotizações junto a fls. 7 e 595 e ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (…) 12-As contribuições não foram entregues nem até ao dia 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam nem nos 90 dias imediatos após o decurso daquelas datas, nem após terem sido realizadas as notificações à sociedade, e aos arguidos EM… e AC…, nos termos do artigo 105 n° 4, al. b) do RGIT. 13-A sociedade arguida quis e conseguiu apropriar-se das quantias retidas a título de cotizações acima referidas, no valor total de € 392.508,01 devidas à Segurança Social, no período acima referido, integrando-as no seu património, e delas dispondo, em proveito da sociedade arguida. 14-A sociedade arguida obteve benefícios patrimoniais indevidos, estando consciente que desse modo lesava, como lesou, patrimonialmente, em idêntico montante a Segurança Social e seus beneficiários, pondo em causa os interesses por aquela prosseguidos, nomeadamente na área da proteção social. 15-A sociedade arguida agiu com a intenção de apropriação das cotizações deduzidas em nome da Segurança Social e manteve a resolução de apropriação das cotizações retidas dos vencimentos dos trabalhadores como descrito, que se prolongou durante 04 anos, aproveitando-se do facto de se manterem as circunstâncias inalteráveis, designadamente por não terem sido sujeitos a qualquer fiscalização, por não terem sido interpelados, designadamente pelos trabalhadores sobre a efetiva entrega das cotizações retidas. 16-A sociedade arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser a mesma proibida e punida por lei penal. Mais se provou que: 17-A sociedade arguida e a arguida AS… não têm antecedentes criminais. 18-Por sentença transitada em julgado em 21/09/2015, no âmbito do Processo n.º …/… do Juiz … do Juízo Local Criminal de Coimbra, o arguido EM… foi condenado pela prática, em 25.05.2010, de um crime de falsidade de testemunho, na pena de 300 dias de multa à razão diária de € 50,00, no total de € 15.000,00. A pena foi extinta, pelo pagamento. 19-A arguida AS… vive com o marido e com a filha, de 8 anos, em casa emprestada. 20-A arguida AS… aufere o salário mínimo nacional. 21-O seu marido tem uma empresa de máquinas gráficas e aufere mensalmente entre € 3.000,00 a € 4.000,00. 22-Tem frequência universitária em gestão. 23-O arguido EM… padece da doença de Parkinson. FACTOS NÃO PROVADOS: Da acusação e do pedido de indemnização cível, não se provou, com relevo, para a decisão da causa, que: 1-Todas as decisões sobre o modo de funcionamento da sociedade, a emissão de ordens, as decisões sobre contratações e despedimentos, a indicação sobre como deveriam ser cumpridas as obrigações da sociedade, nomeadamente comunicadas, quer diretamente junto de trabalhadores, quer àqueles através de AM… e JC… foram em comunhão de esforços e de intentos adotadas, entre Agosto de 2011 a Maio de 2015, pelo arguido EM… e pela sua filha, igualmente membro do conselho de administração da sociedade arguida, a arguida AM…. 2-Coube sempre nos quadriénios acima referidos aos arguidos EM… e AM… todas as decisões referentes ao funcionamento da sociedade-arguida; 3-A arguida AS… atuou em conjugação de intentos e esforços com o arguido EM…, ao ter delineado um plano de ficar a sociedade arguida com a posse e disponibilidade das cotizações retidas nos vencimentos pagos aos trabalhadores da sociedade, a título de contribuições devidas à Segurança Social. 4-Na gerência efetiva da sociedade arguida em nome e em representação da mesma e, na prossecução dos interesses da sociedade, mas também dos seus, os arguidos EM… e AM… decidiram, em Agosto de 2011, não efetuar a entrega junto da Segurança Social das retenções efetuadas no pagamento dos salários, por conta da Segurança Social, integrando os valores obtidos nos cofres da sociedade arguida, para satisfação de interesses daquela e seus. 5-Na gerência efetiva da sociedade arguida em nome e em representação da mesma e, na prossecução dos interesses da sociedade, mas também dos seus, os arguidos EM… e AC… decidiram, em Agosto de 2011 até Maio de 2015, mediante uma única decisão tomada, deixar de proceder à entrega das cotizações deduzidas dos vencimentos dos trabalhadores e membros dos órgãos estatuários no âmbito da contribuição devida à Seg. Social, logrando ficar na posse e disponibilidade no valor total de € 392.508,01. 6-O descrito em 8 dos factos provados foi determinado por decisão tomada unitariamente pelos coarguidos EM… e AC…; 7-Os arguidos EM… e AM… atuaram enquanto gerente/administradores de facto da sociedade arguida, conscientes que ao atuarem como descrito, davam destino diverso às contribuições obrigatoriamente efetuadas a favor da Segurança Social. 8-Os arguidos EM… e AC… quiseram e conseguiram apropriar-se das quantias retidas a título de cotizações acima referidas, no valor total de € 392.508,01 devidas à Segurança Social, integrando-as no património da sociedade-arguida, e delas dispondo, em proveito da sociedade arguida, e em seu proveito próprio. 9-Os arguidos EM… e AM… obtiveram benefícios patrimoniais indevidos, estando conscientes que desse modo lesavam, como lesaram, patrimonialmente, em idêntico montante a Segurança Social e seus beneficiários, pondo em causa os interesses por aquela prosseguidos, nomeadamente na área da proteção social. 10-Os arguidos EM… e AM… agiram em comunhão de esforços e de comum acordo, mantendo a intenção de apropriação das cotizações deduzidas em nome da Segurança Social e mantiveram a mesma resolução de apropriação das cotizações retidas dos vencimentos dos trabalhadores como descrito, que se prolongou durante 4 anos, aproveitando-se do facto de se manterem as circunstâncias inalteráveis, designadamente por não terem sido sujeitos a qualquer fiscalização, por não terem sido interpelados, designadamente pelos trabalhadores sobre a efetiva entrega das cotizações retidas. 11-Os arguidos EM… e AM… agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Na motivação da decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto consta o seguinte (transcrição): “O tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova testemunhal e documental coligida em audiência de julgamento, analisada criticamente à luz de regras de experiência de vida, de lógica e juízos de normalidade. Quanto ao valor da dívida em questão, valorou-se o depoimento isento, idóneo e objetivo de SM…, Técnica Superior do ISS, conjugada com o mapa de cotizações e o relatório final da Segurança Social de fls. 548 a 582, estando, ainda em dívida, a quantia de € 392.508,01. SM… desconhece quem geria, de facto, a sociedade nos períodos de Agosto de 2011 a Maio de 2015. A arguida AC… aduziu ter sido afastada da sociedade em 2009, pelo seu pai, devido a conflito familiar, tendo sido proibida, até de entrar nas instalações da empresa, pelo que não teve intervenção nem de direito, nem de facto, na gerência da empresa, desde então, até Abril de 2013, só tendo voltado a integrar o Conselho de Administração da empresa em Abril de 2013, conforme decorre do teor da certidão de matrícula da sociedade, a fls. 848 a 858. Tal factualidade é corroborada pelos depoimentos isentos, objetivos e idóneos dos trabalhadores da M…, SI…, CM… e de PJ…. Assim, desde logo, se exclui, sem qualquer margem de dúvida, qualquer responsabilidade penal a ser assacada à arguida AC… quanto à falta de pagamento das contribuições devidas à Segurança Social entre Agosto de 2011 a Março de 2013, restando apurar se, quanto aos remanescentes períodos essa responsabilidade existiu ou não. JR…, que trabalhou como cozinheiro no Hotel R…, entendia a arguida AC… como sua patroa, apenas por ser a filha do dono da empresa, embora a mesma nunca lhe tivesse dado, diretamente, ordens. LF…, chefe de cozinha do Hotel R…, gerido pela sociedade arguida, referiu-se ao arguido EM… como o “patrão” e à arguida como filha do proprietário da unidade para a qual trabalha, sem que do seu depoimento tivesse decorrido que a arguida AC… lhe desse a si ou a outros (de que tivesse conhecimento) quaisquer tipo de ordens ou instruções. Por outra banda, decorreu das declarações da arguida AC…, bem como do depoimento de PJ…, gestor de empresas, que, apesar de ter sido despedido da empresa em 2009 (coincidente com o afastamento imposto da arguida AC…), voltou à M… para auxiliar AC…, aquando da sua reintegração no Conselho de Administração da sociedade, em Abril de 2013, no fundo, para tentar reerguer a sociedade arguida. Ambos referiram que AC… propôs um PER, o qual acabou por ser chumbado, sendo, porém, que, a partir de 17.10.2013, no âmbito do PER, foi nomeado um administrador provisório até à declaração de insolvência da sociedade - cfr. certidão do registo comercial da sociedade de fls. 848 a 858. Portanto, a partir de 17.10.2013, a arguida, conforme referiu, deixou e foi corroborado por CM…, tesoureira da empresa, deixou de ter o fio condutor da gerência de facto e de direito da empresa, não tendo praticado quaisquer atos relativos à mesma. No fundo, AC… exerceu gerência de facto e de direito entre 05.04.2013 e 16.10.2013, ou seja, por pouco mais de seis meses. Aduziu AC… que, quando chegou à empresa, a situação era caótica, havia imensas penhoras das Finanças, contas penhoradas e não havia dinheiro para nada. A sociedade estava ingovernável, havia imensas dívidas à Segurança Social, acumuladas, e a sua primeira e principal preocupação foi a de propor o PER, no sentido de revitalizar a empresa. A contabilidade estava desorganizada, os fornecedores não eram pagos e apenas eram liquidados salários, o que continuou a asseverar, desconhecendo-se, porém, a que título os liquidou, uma vez que o Administrador de Insolvência, JC…, referiu que, pelo menos, após Maio de 2015, aquando da sua nomeação no processo, chegaram a ser pagos salários aos trabalhadores da M…, pela B…, empresa gerida pela arguida AC…, desconhecendo aquele se, em data anterior, os salários foram ou não pagos pela B…. Ora, do exposto, e do teor do depoimento de PE…, bastante idóneo e credível, afigura-se-nos que AC… fez tudo o que estava ao seu alcance para reerguer a empresa, mas naqueles seis meses pouco pôde fazer – limitou-se a propor o PER e a pagar salários, numa sociedade com cerca de 60 trabalhadores, conforme referiu, muito possivelmente, como chegou a acontecer a partir de Maio de 2015, pagos pela B…, numa sociedade anónima que geria um Hotel e um Centro Comercial. Também CM…, tesoureira da M… entre 2009 a 2016, referiu que, quando a arguida AC… entrou na empresa, em 2013, a empresa estava caótica, com planos prestacionais já incumpridos, contas penhoradas, pelo que os poderes da arguida foram muito pequenos, não tinha como decidir, limitando-se à proposição do PER. Tampouco voltou a receber ordens da arguida AC…, por entretanto, ter sido nomeado um Administrador Provisório no âmbito do PER. Quando AC… entra na empresa, a mesma estava já em auto -gestão, segundo referiu, e havia já uma prática instalada de privilegiar o pagamento de salários a trabalhadores, decidida pela Diretoria Operacional do Hotel e do Centro Comercial, que reportavam superiormente a PS… e, posteriormente, a AS… e JC…, de quem a Diretoria do Hotel recebia ordens. CM… chegou a reportar a JC… que, em 2012, os planos de pagamentos prestacionais não estavam a ser cumpridos. PE… referiu que houve uma muito má gestão da sociedade entre 2009 e 2012, sendo que os exercícios dos anos de 2010, 2011 e 2012 não foram fechados, tendo sido ele, quem, em 2013, procedeu ao seu fecho. Mais aduziu que, à data de 2009, quando deixou a empresa, não havia dívidas à Autoridade Tributária nem à Segurança Social, pois o arguido EM… não deixava de liquidar as obrigações tributárias. Não podemos concluir que a arguida singular, AC…, nos 6 meses de gerência efetiva que assumiu, numa sociedade ingovernável, sem dinheiro, com a contabilidade completamente desorganizada, incidindo inúmeras penhoras das Finanças, estando as contas penhoradas, por si e em representação da sociedade arguida, atuou dolosamente, com a intenção de alcançar para si e para a sociedade um benefício ilegítimo, apropriando-se indevidamente das cotizações e contribuições não entregues à Segurança Social. Não está, pois, demonstrado que, entre Abril de 2013 e 16.10.2013, a arguida, na gerência efetiva da sociedade arguida, limitando-se a pagar salários (muito possivelmente com dinheiro da B…, o que aconteceu, pelo menos, a partir de Maio de 2015), tenha atuado com a intenção de se eximir ao pagamento das contribuições retidas dos salários dos trabalhadores, apropriando-se, indevidamente, das mesmas em benefício próprio e da sociedade, pois que, inclusive, chegou a injetar dinheiro de uma outra sociedade que geria, para pagar salários. No fundo, fez o que estava ao seu alcance para tentar salvar a sociedade, que, pouco depois, em Novembro de 2013, foi declarada insolvente. É que, efetivamente, assumir a gerência de facto numa sociedade anónima, que estava caótica e ingovernável, com contas penhoradas, sem liquidez, e com dinheiro que era injetado pela arguida AC… (pelo menos, a partir de 2015, através de uma outra sociedade sua, a B…) não é o mesmo que gerir uma sociedade unipessoal ou uma sociedade comercial por quotas de pequena ou média dimensão. Temos sérias e fundadas dúvidas de que a arguida tenha atuado dolosamente, pelo que, em nome do princípio de presunção de inocência da arguida e do “in dubio pro reo”, a dúvida séria e razoável terá que, necessariamente, ser valorada a seu favor. Quanto à responsabilidade penal do arguido EM…, não está verificada, nos termos que infra se expõem: -Apesar de EM… sempre ter sido Administrador de Direito, temos dúvidas bastantes, sérias e razoáveis, de que o mesmo tenha administrado, em termos fácticos, a sociedade nos períodos em discussão nos autos ou que, pelo menos, estivesse ao corrente da real situação económica da empresa e daquilo que era pago e não era pago e que tenha sido o mesmo a dar orientações no sentido de não serem pagas as contribuições devidas à Segurança Social. Denote-se que PE… referiu que, em 2009, altura em que EM… administrava, de facto, a sociedade, inexistiam dívidas ao Fisco e à Segurança Social, algo que aquele não toleraria. Porém, com a saída de AC… da empresa e com o despedimento de PE…, o rumo da empresa mudou – era, igualmente, Administrador de Direito e de facto, entre Março de 2009 até 20.07.2011, altura em que renunciou ao cargo, PN…, sendo que, também, AS…, assessora de administração de EM…, tinha uma procuração com plenos poderes outorgada por EM… – vide fls. 453 e seguintes, para tomada de decisões, em representação daquele, o que ocorreu ao longo dos anos de 2011 e 2012, muitas das vezes, em conjunto com PS…. PE… referiu que, entre 2009 a 2012, a sociedade foi muito mal gerida e era gasto dinheiro infundadamente – da análise de documentação contabilística, em 2013, constatou que AS… se deslocava num carro descapotável de alta gama, eram inúmeras as despesas em marisqueiras, para além de que PS… apenas se deslocava ao Brasil em passagens aéreas em classe executiva. Já em 2009, EM… dava sinais da doença de Parkinson de que padece, começou a perder faculdades mentais, o que era notório a quem trabalhava com ele (AS… referiu que, apesar de não lhe conhecer qualquer problema de saúde, chegou a dizer que o mesmo tremia), e começou a viver temporadas no Brasil, com maior incidência, estando a Administração entregue, nesses anos, a PS… e AS…. PE… referiu ter havido um aproveitamento muito grande de quem o rodeava, não tendo tido hesitação alguma em afirmar que EM… foi ludibriado. De igual modo, CM…, tesoureira da M… entre 2009 a 2016, referiu que, em 2010, o arguido EM… foi para o Brasil, onde passava largos períodos incontatável, sendo que, nesse ano, o administrador de direito e de facto da empresa, era PS… e, em 2011 e 2012, com a renúncia de PS…, quem ficou a administrar a empresa foi AS…, assessora da administração, que tinha uma procuração com pleno poderes outorgada por EM…. Era AS… quem decidia tudo ao nível de pagamentos de salários e de contribuições devidas à Segurança Social, nunca tendo CM… recebido quaisquer ordens de EM… para se abster de pagar as contribuições devidas à Segurança Social. A partir de 2012 entrou para a empresa JC…, sendo que, conjuntamente, com AS… assumiram os poderes decisórios da vida desta empresa. Referiu CM… que, não obstante estar no Brasil, o arguido EM… poderia tomar decisões à distância. Todavia, desconhece-se, até porque o mesmo foi julgado na sua ausência, se lhe era dado o efetivo conhecimento da situação financeira e económica da empresa e se o mesmo sabia ou anuiu na não entrega das contribuições devidas à Segurança Social e retidas dos salários dos trabalhadores. CM… acredita que possam ter comunicado ao arguido EM… a situação da empresa, pese embora não o possa atestar com certezas. AS… referiu que, apesar de ter uma procuração com plenos poderes decisórios, outorgada por EM…, limitava-se a cumprir ordens deste, tendo executado apenas tarefas administrativas, entre 2010 e 2012. Referiu que, mesmo estando no Brasil, EM… decidia tudo à distância, com quem falava regularmente, não tendo autonomia decisória e sempre que tomava decisões com PS… não o fazia sem antes dar conhecimento àqueloutro. O depoimento de AS… não nos mereceu credibilidade, porque, contido, vago, pouco espontâneo, nervoso, não se olvidando que a testemunha já em sede de inquérito havia tido a qualidade de arguida. Efetivamente, escapa a regras de lógica e experiência de vida e juízos de normalidade, que tendo uma procuração com plenos poderes outorgada para tomada de decisões, as sua tarefas fossem de apoio administrativo, como referiu – mais, questionada sobre por que razão era procuradora de EM…, alegou não saber! Mais, perguntado se havia tomado decisões conjuntamente com PS…, referiu não saber, alegando que desconhecia se EM… tinha sido informado por PS…, quando obrigava a sociedade, nalguma decisão tomada juntamente com este último. Tal não colhe, efetivamente, como não colhe que falasse regularmente com EM…, que estaria sempre disponível, pois CM…, tesoureira da empresa, referiu que o mesmo estava largos períodos contatáveis, tendo o depoimento desta testemunha sido absolutamente isento, idóneo e imparcial. AS…, assim como PN…, administrador da empresa até 20.07.2011, data em que renunciou ao cargo, referiram que nunca ouviram da boca de EM… qualquer ordem no sentido de deixarem de ser pagas as contribuições devidas à Segurança Social. Aliás, PS… referiu que EM… sempre teve uma preocupação muito grande com o pagamento de impostos, como também o frisou PE… (que sublinhou que, até 2009, nunca houve dívidas tributárias) e nunca lhe indicou nem indicaria qualquer ordem no sentido de deixarem de ser pagas as contribuições à Segurança Social. Não se compreende, pois, que PS… tenha referido que o arguido EM… tivesse conhecimento de todas as decisões dos pagamentos ou de falta de pagamentos por parte da empresa, pois tal é incongruente com a postura que descreveu, anteriormente, do arguido face à intolerabilidade quanto ao não pagamento de impostos que, anteriormente, sempre haviam sido liquidados atempadamente. O depoimento de PS… não nos mereceu, igualmente credibilidade, pois que, do descrito relativamente à personalidade de EM…, e ao tipo de despesas supérfluas efetuadas nesta empresa, enquanto administrada por aqueloutro e por AS…, conforme descrito por PE…, temos sérias, fundadas e imensas dúvidas em afirmar que o arguido EM… saberia do estado financeiro da empresa e que estaria a ser preterido o cumprimento de obrigações legais, enquanto se pagavam despesas já descritas à Administração exercida nas pessoas de AS… e PS…. PS… referiu, também, que AS… tomava, efetivamente, decisões e dava ordens, como é natural que fosse, sendo procuradora de EM… e estando este largos períodos no Brasil. MM… trabalhou entre 2000 e 2016, no Hotel, recebendo ordens diretamente do Diretor do Hotel, apesar de o patrão ser EM…. Todavia, referiu que, em 2011, o Diretor do Hotel respondia e recebia diretamente ordens de AS…, sendo que, nesse ano, os administradores eram AS… e PS…. Ponto assente é que, nos períodos balizados pelo despacho de pronúncia, a administração efetiva, em termos de gerência de facto e de direito da sociedade foi tomada, num primeiro momento, por PS… e AS… e, num segundo momento até ao regresso da arguida AC… (coincidente com a saída de AS… que, primeiramente, entrou de baixa médica e, posteriormente, rescindiu o contrato de trabalho), foi liderada, inequivocamente, por AS…. Existem fundadas, sérias e bastantes dúvidas se, nesse período, havendo dois administradores de facto e de direito, estando EM… largas temporadas no Brasil, incontatável e com problemas de saúde, denotando perdas de faculdades mentais, teve tomada de decisão quanto à não entrega das contribuições devidas à Segurança Social, e se, igualmente, tinha noção da real situação económica da empresa e do que era pago e não era pago. Temos, pois, sérias e fundadas dúvidas de que o arguido EM… tenha integrado o elemento objetivo e subjetivo do crime pelo qual vem pronunciado, e que tenha atuado dolosamente, pelo que, em nome do princípio de presunção de inocência do arguido e do “in dubio pro reo”, a dúvida séria e razoável terá que, necessariamente, ser valorada a seu favor. A responsabilidade penal está, porém, verificada na pessoa da sociedade arguida, que, através de, pelo menos, PS… e AS…, eximiu-se ao pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, o que quis e conseguiu, aproveitando-se indevidamente dessas quantias, afetando-as em benefício próprio ou de outras despesas da sociedade. Valoraram-se, ainda, as notificações de fls. 656 e 270, as cópias de recibos de remunerações e declarações de IRS de funcionários, a fls. 281 a 285, 290 a 328, 333 a 337, 420 a 422, 447 a 451, procuração outorgada por EM… a AS…, a fls. 452 a 456, e CRC dos arguidos, de fls. 842 a 847. Quanto às condições socioeconómicas de vida da arguida AC…, valoraram-se as declarações desta. Não existem elementos probatórios que infirmem os supra referidos. 4. Como flui do exposto, considerou-se indiciado na acusação e na pronúncia que os arguidos EM… e AC…, agindo sempre de uma forma livre e consciente, por conta e no interesse da sociedade, omitiram a entrega das cotizações referentes às contribuições para a Segurança Social, retidas nos vencimentos pagos aos trabalhadores, assim agindo em nome e no interesse da sociedade M… S.A., onde exerciam cargos de liderança. Realizada a audiência de julgamento o tribunal julgou não provados os factos referentes ao comportamento dos arguidos, pessoas singulares, mas ficou a constar como provado um comportamento voluntário e consciente e culposo da sociedade anónima, sem qualquer sustentação, nem relação com uma conduta ou actuação de uma pessoa física (cfr. pontos 13 a 16 do elenco dos factos provados da sentença recorrida). Segundo se escreveu na sentença recorrida, em sede de enquadramento jurídico-penal dos factos provados, “Não está, pois, demonstrado que, entre Abril de 2013 e 16.10.2013, a arguida, na gerência efetiva que consumou da sociedade arguida, limitando-se a pagar salários (pelo menos, em 2015, com dinheiro injetado pela B…), tenha atuado com a intenção de se eximir ao pagamento das contribuições retidas dos salários dos trabalhadores, apropriando-se, indevidamente, das mesmas em benefício próprio e da sociedade, pois que, inclusive, chegou a injetar dinheiro de uma outra sociedade que geria, para pagar salários. (…) não ficou demonstrado que, havendo dois administradores de facto e de direito, PS… e AS…, entre 2009 e 2013, estando EM… largas temporadas no Brasil, incontatável e com problemas de saúde, denotando perdas de faculdades mentais, tenha este arguido tido tomada de decisão quanto à não entrega das contribuições devidas à Segurança Social, e se, igualmente, tinha noção da real situação económica da empresa e do que era pago e não era pago. Não ficou, pois, demonstrado que o arguido EM… tenha integrado o elemento objetivo e subjetivo do crime pelo qual vem pronunciado, e que tenha atuado dolosamente, pelo que, também ele vai absolvido da prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 6.', n.' 1, 7.', n.' s 1 e 3, 107', n.' 1, todos do RGIT (aprovado pela Lei n.' 15/2001 de 05/06), por remissão para o artigo 105.', n.' 1 do mesmo diploma legal e artigo 30.', n.' 2 do Código Penal. A responsabilidade penal está, porém, verificada na pessoa da sociedade arguida, que, através de, pelo menos, PS… e AS…, eximiu-se ao pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, o que quis e conseguiu, aproveitando-se indevidamente dessas quantias, afetando-as em benefício próprio ou de outras despesas da sociedade. Vejamos então da correcção do decidido. Segundo o princípio geral da responsabilidade criminal no âmbito das infracções tributárias constante do artigo 7º do RGIT, as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo. Este preceito deve ser conciliado com a norma constante do artigo 11º do Código Penal, por força do artigo 8º do mesmo compêndio normativo, pelo que a imputação dos factos à pessoa colectiva ocorre quando os crimes forem cometidos a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. É ponto assente que as pessoas colectivas representam um “real construído” e actuam necessariamente através dos seus órgãos ou representantes. O modelo vigente não é de responsabilidade “directa” da sociedade e, para que o crime seja imputado à sociedade (para que se possa validamente afirmar que “a sociedade cometeu o crime”), é necessário, pelo menos em princípio, que o representante também o seja, ou possa ser, dado que o facto e a culpa do agente físico são componentes essenciais e pressupostos da imputação da pessoa colectiva (Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, Lisboa 2009, p. 296-297). Assim é que a imputação jurídico-penal dos entes colectivos assenta numa culpa erigida através do facto e da culpa das pessoas físicas e a responsabilidade da pessoa colectiva só existe quando a pessoa física (agente singular que detenha uma posição de liderança, ou um agente subordinado em virtude da violação de deveres de vigilância ou controlo) tenha agido (ou omitido o comportamento devido) em nome e no interesse colectivo. Por isso, a existência de um nexo de imputação do acto ilícito típico (ou facto de conexão) a um elemento da sociedade com posição de liderança na organização constitui um pressuposto essencial para imputação do crime à pessoa colectiva e depende da "identificação funcional" do líder autor do facto concretamente acontecido (Teresa Quintela de Brito, Fundamento da responsabilidade criminal de entes colectivos: articulação com a responsabilidade individual, Direito Penal Económico e Financeiro, Conferências do Curso Pós Graduado de Aperfeiçoamento, Coimbra, 2012, p. 205 e 206 e RPCC, Ano 20 nº 1, Janeiro-Março 2010, p. 41 a 71) Assim, embora não seja exigível que o agente singular seja efectivamente condenado (artigo 11º nº 7 Código Penal), é necessário que pelo menos seja apurada a culpa das pessoas físicas que actuam em nome e no interesse da pessoa colectiva; A contrário, se a pessoa que ocupa a posição de liderança dever ser declarada sem culpa, a pessoa colectiva beneficiará também da exoneração da responsabilidade (Germano Marques da Silva Responsabilidade Penal das Pessoas Colectivas, Revista do CEJ, 1º semestre 2008, nº 8, Almedina, p. 94). Sendo por isso de entender que só pode haver responsabilização criminal da sociedade se os elementos necessários ao estabelecimento desse nexo de imputação objectivo e subjectivo forem objecto de acusação, de prova e de decisão. Em consequência do exposto, temos de concluir que a matéria de facto provada, ao assentar a responsabilidade da sociedade de uma forma “directa”, sem estabelecer qualquer nexo entre o “facto” típico (omissão do dever de entrega das cotizações à Segurança Social) e a actuação de uma pessoa física em nome da pessoa colectiva e no interesse colectivo, se revela insuficiente para a responsabilização criminal da sociedade arguida. Nem se poderia aqui colmatar a insuficiência pelo aditamento de factos referentes ao comportamento de PS… e de AS…, pessoas estranhas ao objecto do processo na fase de julgamento, fixado no despacho de pronúncia, por remissão para a acusação pública. Com efeito, a modificação que se traduzisse na inclusão de contributos individuais para a prática do facto imputado à colectividade diferentes dos constantes da pronúncia, constituiria uma intolerável alteração substancial dos factos, por implicar a atribuição de um “crime diverso” à pessoa colectiva – artigos 1º, alínea f) e 359º, ambos do Código de Processo Penal (Acórdão do TRE de 29-06-2012, proc. 60/09.9TAVVC.E1, relatora Ana Barata Brito; Teresa Quintela de Brito, Texto de tópicos de correcção do exame final de Direito Penal IV do Mestrado em Ciências Jurídico Forenses de 24 de Junho de 2015 da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, acessível in http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2015/07/DIREITO-PENAL-IV-TURMA-A-EXAME-FINAL-TOPICOS-CORRECAO-24.06.2015.pdf Uma vez que a matéria de facto provada não permite a responsabilização criminal da sociedade, impõe-se a revogação da condenação da sociedade pelo cometimento do crime de abuso de confiança contra a segurança social. 5. Tendo-se concluído pela inexistência de responsabilização criminal da sociedade arguida M…-Hotelaria S.A., haverá que saber se se deve manter a condenação da demandada no pagamento de indemnização civil ao Instituto de Segurança Social I.P., como decidido em primeira instância. Sabemos que a responsabilidade civil a apreciar em processo se suporta originariamente na imputação de um crime, com verificação dos seus elementos constitutivos e de subsunção a um tipo legal, mas a absolvição em matéria penal não invalida o conhecimento do pedido de indemnização civil e a condenação em indemnização, desde que fundamentada em responsabilidade extracontratual por facto ilícito (artigos 483º e segs., 562º e segs. do Código Civil e artigos 71º, 84.º e 377.º do Código de Processo Penal). No requerimento inicial do pedido que formular no processo criminal, tem o demandante civil que alegar e provar os factos em que se traduzem os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, a verificação de um facto ilícito, a culpa do lesante, a existência de danos e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Neste caso, sendo necessário imputar um facto ilícito a uma pessoa jurídica, como uma sociedade anónima, revela-se indispensável ter como adquirido que esse mesmo facto foi cometido em nome e no interesse da sociedade, pelos seus órgãos ou seus representantes. Nestes autos, o demandante fundamentou a sua pretensão invocando que todas as decisões sobre o modo de funcionamento da sociedade e cumprimento das obrigações da mesma, designadamente sobre o pagamento das contribuições e quotizações à Segurança Social eram de facto tomadas pelos demandados EM… e AC…, que os demandados EM… e AC…, na qualidade de administradores da M… — Hotelaria, SA, e em sua representação e interesse, deixaram de entregar à Segurança Social o valor das contribuições legalmente imputáveis aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários que haviam sido deduzidas das respectivas remunerações entre o 10° e o 20° dia do mês seguinte àquele a que diziam respeito, ou nos 90 dias subsequentes, pelo que em resultado da conduta dos demandados, ficou o demandante lesado no montante global de 392.508,01€ (trezentos e noventa e dois mil quinhentos e oito euros e um cêntimo), quantia correspondente ao valor das contribuições legalmente imputáveis aos trabalhadores e membros de órgãos estatutários, que foram retidas e não entregues pelos demandados e que respeitam ao período contributivo de agosto de 2011 a maio de 2015 (cfr. requerimento inicial do pedido de indemnização civil, apresentado em 11-08-2017). Como flui do acima exposto, o tribunal julgou não provados todos os factos que permitiriam estabelecer um nexo de imputação entre uma conduta de EM… ou de AC… e a pessoa colectiva. Assim como na matéria de facto provada não consta, nem agora em recurso se configura possibilidade de aí incluir, qualquer elemento que permita concluir que o “facto” ilícito ( omissão de entrega das contribuições à Segurança Social) tenha sido cometido por outra ou outras pessoas, agindo em representação e no interesse da sociedade. Assim, não é possível a imputação do facto lesivo à sociedade M…, Hotelaria, S. A. pelo que se impõe a absolvição da demandada do pedido de indemnização civil. 6. Em caso de decaimento do assistente em recurso onde tenha formulado oposição, há lugar á condenação em taxa de justiça, num montante a fixar entre três e seis UC (artigo 515º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais). Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em quatro UC. 7. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso da arguida e demandada e, em consequência, revogando a sentença recorrida: 1º-Absolvem a arguida M…, Hotelaria, S. A. da prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social; 2º-Absolvem a demandada M…, Hotelaria, S. A do pedido de indemnização civil formulado pelo demandante Instituto de Segurança Social, I.P. No mais, mantêm-se a sentença recorrida. Pelo decaimento no recurso, condena-se a demandante em quatro UC de taxa de justiça. As custas na acção civil enxertada ficam, pelo decaimento, a cargo da demandante. Lisboa, 11 de Dezembro de 2018. Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem. João Lee Ferreira Nuno Coelho |