Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4403/21.9T8LRS.L1-8
Relator: MARIA TERESA LOPES CATROLA
Descritores: INVENTÁRIO
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE
ARGUIÇÃO EM SEDE RECURSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: «1.–A nulidade agora arguida pela apelante- a da conferência de interessados que se realizou no dia 21 de novembro de 2018 no Cartório Notarial …..- deveria ter sido arguida no Tribunal de 1.ª instância, não sendo este Tribunal da Relação competente para conhecer, como 1.ª instância, da referida nulidade, numa espécie de recurso per saltum da entidade não jurisdicional para o Tribunal Judicial de 2.ª Instância.

2.–A declaração de reserva é uma mera declaração de vontade, no sentido de salvaguardar o exercício de um direito, que em nada se prende com o conteúdo do acordo de partilha alcançado, não constituindo, por isso, uma qualquer condição ou termo que deva constar da sentença que o homologa».

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório


A…. instaurou no Cartório Notarial da Dra. …., sito em …., o presente inventário, na sequência de divórcio, para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, sendo requerida B…. .
Após incidente de remoção do cabeça de casal, foi nomeada cabeça de casal a requerida, que apresentou relação de bens em 27 de abril de 2017.
Apresentada reclamação à relação de bens, veio a mesma ser decidida em 22 de janeiro de 2018, com juízo de procedência.
Em 6 de julho de 2018 foi proferido despacho de saneamento do processo com marcação de conferência preparatória.
Em 17 de outubro de 2018 foi realizada conferência preparatória na qual foi considerada notificada a requerida/cabeça de casal, ao abrigo do disposto no artigo 249/2 do CPC, e foi aprovado pelo requerente o passivo à Caixa Geral de Depósitos, SA. Na referida diligência foi proferido despacho que marcou data para a realização de conferência de interessados, não reconheceu o passivo das verbas 6,7, 8, 9,10 e 11, aditou à relação de bens os bens constantes das verbas 1 a 21 da reclamação à relação de bens.
Em 17 de outubro de 2018 foi enviada carta à requerida/cabeça de casal notificando-a da ata da conferência preparatória. Esta carta veio devolvida com a menção “Não reclamada” em 7 de novembro de 2018.
Em 21 de novembro de 2018 foi realizada conferência de interessados, na qual foi considerada notificada a requerida/cabeça de casal ao abrigo do disposto no artigo 249/2 do CPC e  foi adjudicado ao requerente o imóvel que constitui a verba n.º1 por €79.200,00.
Em 21 de novembro de 2018 foi enviada carta para notificação do ilustre mandatário da requerida/cabeça de casal da ata da conferência de interessados.
Em 20 de janeiro de 2020 o requerente fez uso da faculdade prevista nos arts. 12º e 13º da Lei nº 117/2019, de 13.09, e em consequência os autos foram remetidos ao Juízo de Família e Menores de …., por despacho datado de 17 de maio de 2022.
Em 26 de janeiro de 2022 é proferido despacho que marca conferência para composição de quinhões de não licitantes (artigo 1117 do CPC).
Em 3 de maio de 2022 é realizada conferência de interessados em que requerente e requerida/cabeça de casal acordam na adjudicação em comum de todos os bens não licitados. Nesta diligência o ilustre mandatário da requerida/cabeça de casal consigna a seguinte posição: “Com a reserva de que o presente acordo não significa a aceitação da adjudicação consumada em sede de cartório notarial, para o qual utilizará os meios processuais que ao caso couber em sede de Tribunal civil, designadamente uma ação de nulidade quanto à adjudicação do imóvel”.
O requerente e a requerida/cabeça de casal são notificados para proporem a forma à partilha, o que apenas o requerente vem a fazer em requerimento datado de 17 de maio de 2022.
Em 26 de setembro de 2022 é proferido despacho que designa dia para a realização da conferência de interessados (artigo 1111 do CPC).
Em 7 de novembro de 2022 é realizada a conferência de interessados na qual o requerente e requerida mantém o acordado na conferência que teve lugar no dia 3 de maio de 2022. É proferida sentença homologatória da partilha na referida diligência.

É desta sentença que a requerida vem recorrer, apresentando alegações e formulando, a final, as seguintes “Conclusões:
I–O presente processo de inventário tramitou no Cartório Notarial da Dra. …., com sede em … e sob o n.º…..
Tendo posteriormente sido transferido para o tribunal a quo, a pedido do Recorrido.
II–Em sede de tramitação do processo de inventário no Cartório Notarial identificado na conclusão anterior, a Recorrente não foi notificada para a Conferência de Interessados como também não tinha sido notificada para a Conferência Preparatória. Apesar disso, a Conferência de Interessados realizou-se na data marcada e foram abertas licitações em que o único presente era o Interessado na partilha, o ora Recorrido.
III–A Interessada ora Recorrente, e ausente (não notificada), não teve possibilidade de licitar quaisquer bens.
Por seu turno, o Interessado, ora Recorrido, ciente de que a sua proposta era única, adjudicou a casa de morada de família por um valor irrisório, se se considerar que, à data da entrega da relação de bens apresentada pela Recorrente, o valor atribuído era de €141.500,40.
IV–Com a agravante de que a partir de 15/12/2009, data da dissolução do casamento e da assinatura pelos cônjuges de um contrato de promessa de partilha, foi a Recorrente que assumiu, até à presente data, o pagamento de todas as prestações em dívida à mutuante Caixa Geral de Depósitos, da casa de morada de família onde vive com as duas filhas do casal, sendo uma delas menor.
V–É certo que a Recorrente tinha mandatário constituído, mas com poderes gerais forenses, o que o inibia de a poder representar para os efeitos da licitação.
VI–De todo o modo, as licitações só devem ter lugar na falta de acordo, e este só é possível se todos os interessados comparecerem ou se se fizerem representar.
VII–Pelo que urge declarar nula a Conferência de Interessados que se realizou no processo de inventário n.º …., que correu termos no Cartório Notarial da Dra. …., e por violação do princípio da equitatividade consagrado no art.º 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
VIII–Devendo ser proferido despacho pelo tribunal a quo que designe dia para a realização da Conferência de Interessados a que se refere o art.º 47º da Lei 23/2013, de 5 de Março.
IX–A Recorrente só teve conhecimento da licitação da casa de morada de família por parte do Interessado, ora Recorrido, aquando da Conferência de Interessados do dia 03/05/2022, vindo depois a constatar no cartório notarial que tinham sido devolvidos 4 sobrescritos alegadamente remetidos para a caixa de correio da Recorrente.
X–In extremis, e mal refeita da notícia, o mandatário judicial fez consignar na acta de Conferência de Interessados de 03/05/2022, de que o acordo proposto pelo Mmo. Juiz não significava a aceitação da adjudicação consumada em sede de Cartório Notarial, isto é, sem o conhecimento da Recorrente.
XI–Daqui resultando que o Mmo Juiz do tribunal a quo teve conhecimento da reserva consignada pela Recorrente na Conferência de Interessados, como teve necessariamente de todos os trâmites do processo em sede notarial.
XII–No entendimento da Recorrente, caberia ao Mmo. Juiz indagar da legalidade de todo o processado na tramitação do inventário em sede notarial porque a questão foi levantada pela Recorrente, relativamente à adjudicação da casa de morada de família, suscitando-se, desde já, a inconstitucionalidade da Lei dos art.ºs 28º e 29º da Lei 23/2013, de 5 de Março, por violação do art.º 20º , n.º 4 da CRP, se interpretados no sentido de que as devoluções de cartas registadas alegadamente remetidas a um interessado na partilha, constituem, de per si, prova bastante do seu alheamento do processo e logo numa questão tão premente como é a titularidade da casa de morada de família.
XIII–Acresce que, o seu mandatário judicial já tinha informado a Sra. Notária acerca das dificuldades relacionadas com a nova plataforma que entrou em vigor para o específico fim de tramitação de processo de inventário nos Cartórios Notariais, tendo enviado por mail o comprovativo em como tinha iniciado a intervenção no Proc. 3275/16, através do sistema informático exigível.
XIV–E das vicissitudes processuais, apresentadas pelo seu mandatário judicial, consta uma impugnação de investidura do Recorrido como cabeça de casal e da oposição ao inventário apresentado pelo Recorrido, com impugnação das verbas 21, 22, 23 e 24, e requerimento de inquirição de 5 testemunhas.
XV–Outrossim, a Recorrente, na qualidade de cabeça de casal, apresentou em 27/04/2017 à Sra. Notária, uma relação de todos os bens que hão-de figurar no inventário e reportada a 15/12/2009, data em que os cônjuges assinaram o contrato de promessa de partilha, apenso ao processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 674/2010, decretado na mesma data.
XVI–Em 27/04/2017 também foi apresentado à Sra. Notária um apenso informativo à relação de bens, com cópia do contrato promessa de partilha, rubricado e assinado pelas partes.
Em resumo:
a)- A sentença de homologação da partilha enferma do vício de nulidade nos termos do art.º 615º, n.º 1, al, d), 1ª parte, do Código de Processo Civil, uma vez que o Mmo. Juiz do tribunal a quo conheceu da reserva suscitada pela Recorrente no que se refere à licitação ilegal da casa de morada de família por parte do Recorrido, e não proferiu qualquer despacho, apesar de ter havido uma segunda Conferência em 07/11/2022;
b)- Sem conceder, a Conferência de Interessados que se realizou no processo de inventário n.º …., que correu termos no Cartório Notarial da Dra. …., deve ser declarada nula, por violação do princípio da equitatividade consagrado no art.º 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que não há notícia de que a Recorrente se tenha abstido de ignorar qualquer aviso de registo do correios relativos a correspondência remetida pelo Cartório e que lhe interessavam sobremaneira face à falta de palavra do seu ex-marido na concretização do acordo de partilha livremente assinado após o seu abandono do lar conjugal, deixando-a só com duas crianças menores.
c)- Sendo certo que bastaria um simples telefonema de qualquer funcionário do Cartório para evitar a sua ausência na Conferência de Interessados, considerando que a Recorrente não reside nem trabalha a mais de 500 metros do Cartório, até porque foram divulgadas várias reclamações de reformas não levantadas por idosos por não terem sido entregues nas caixas de correio dos seus destinatários, na área de Sacavém”.

O requerente respondeu ao recurso interposto pela requerida/cabeça de casal, alegando que o recurso interposto é manifestamente intempestivo porque  a decisão agora objecto de recurso há muito que transitou em julgado.

Admitido o recurso e colhidos os vistos cumpre decidir.

II.–Questões a decidir:

Como resulta do disposto nos artigos 5, 635/3 e 639/1 e 3 do CPC (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pela recorrente.

Deste modo no caso concreto a questão a apreciar consiste em:
1.– Decidir se a questão levantada pela apelante no recurso da sentença judicial de homologação da partilha pode ser conhecida pela Relação: nulidade da conferência de interessados realizada no dia 21 de novembro de 2018, por a apelante não ter sido notificada para a mesma (violação do princípio da equitatividade consagrado no art.º 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).
2.– Decidir se a  sentença de homologação da partilha enferma do vício de nulidade nos termos do art.º 615º, n.º 1, al, d), 1ª parte, do Código de Processo Civil, por o tribunal a quo ter tido conhecimento da reserva suscitada pela apelante.

III–Fundamentação de Facto.

A materialidade a atender para efeito de decisão do objeto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório, havendo ainda que atender aos seguintes factos (que se mostram documentados nos autos):
1.–O requerimento de inventário deu entrada no Cartório Notarial da Drª …, sito em …,  em 23 de junho de 2016.
2.–É o seguinte o teor da ata de conferência de interessados realizada no dia 21 de novembro de 2018:

“ATA DA CONFERENCIA DE INTERESSADOS
Inventário Notarial nº
Requerente: A….
Cabeça-de-casal: B…
****

Cartório Notarial de … de ….:
Em vinte e um de novembro de dois mil e dezoito às catorze horas e trinta minutos
****

Feita a chamada à hora marcada, verifiquei encontrarem-se:
Presente: A …., contribuinte n.º, já identificado nos autos, acompanhado pelo ilustre mandatário, Dr. …;
Ausente: B…, que se encontra devidamente notificada, apesar de a carta ter sido devolvida, nos termos previstos no art.º 249º n.º 2 do CPC e o seu ilustre mandatário Dr. ….
****

Iniciada a conferência, e após se haver constatado não ter sido enviada pelo correio ou apresentada ao balcão do Cartório nenhuma proposta para adjudicação dos bens foi o interessado presente interpelado se era portador de alguma proposta.
Pelo interessado A…. foi apresentada uma carta fechada que foi por mim, Notária, aberta, e que continha a seguinte proposta:
- Proposta apresentada pelo interessado A…. para adjudicação do seguinte bem: o imóvel identificado na verba n.º um da relação de bens, pelo valor de 79.200,00 euros.
Os restantes bens não obtiveram qualquer proposta de adjudicação.
Seguidamente proferi o seguinte:
DESPACHO
Considerando que foi apresentada uma única proposta, pelo interessado A…., que vai ser colocada na plataforma dos inventários, para adjudicação do imóvel identificado na verba n.º 1 do activo e o valor proposto é superior a 85% do valor base, é-lhe adjudicado pelo valor oferecido.
Relativamente aos restantes bens, não licitados, oportunamente se designará dia para adjudicação por negociação particular nos termos previstos no art.º 51º do RJPI, seguindo-se, caso esta se fruste, a sua repartição à sorte entre os interessados, por lotes iguais, conforme previsto no art.º 58º n.º 1 c) do RJPI.
Notifique-se.
Do antecedente despacho foi notificado, o ilustre mandatário do requerente, após o que foi dada por finda a conferência.
Para constar se lavrou a presente ata, que lida e revista vai ser eletronicamente assinada.
A Notária,
(….)”
2.–Em 21 de novembro de 2018 foi enviada carta ao ilustre mandatário da cabeça de casal notificando-o do teor desta acta.
3.–É o seguinte o teor da ata de conferência de interessados realizada em 3 de maio de 2022 no Juízo de Família e Menores de ….:
“— ATA — DE — CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS —
Processo: ….Inventário (Lei 23/2013)
Requerente: A…
Mandatário do Requerente: Dr. …
Cabeça de Casal: B…
Mandatário da Cabeça de Casal: Dr. …
Credor: Caixa Geral de Depósitos, S.A
Mandatário do Credor: Dr. …
Juiz de Direito: Dr. ….
Escrivã Auxiliar:
Data: 03 de maio de 2022
Hora de início: 10:30 horas
Fim: 11:30 horas
****

Presentes: O Ilustre Mandatário do Requerente, Exmo. Sr. Dr. …; o Ilustre Mandatário da Cabeça de Casal, Exmo. Sr. Dr. …; o Requerente, A…; e a Cabeça de Casal, B….
Ausente: O Ilustre Mandatário do Credor, Exmo. Sr. Dr. ….
****

O Mmo. Juiz deu por iniciada a conferência de interessados e, de seguida, pelos interessados foi dito que chegam a acordo nos seguintes termos:
1.º- Acordam na adjudicação em comum dos demais bens não licitados e não adjudicados, ou seja, verbas nº 2, 3 e 4 da relação de bens de fls. 136 e 136vº dos autos e dos bens móveis constantes de fls. 148vº e 149 (verbas nºs 1 a 21), sendo a adjudicação em comum feita pelos valores constantes de fls. 136, 136vº, 148ºv e 149, mais sendo a adjudicação em comum dos aludidos bens ao Requerente tão-só na proporção necessária para total preenchimento do seu quinhão, no qual já está integrado o imóvel que lhe foi adjudicado, correspondente à verba nº 1 de fls. 136.
2.º- Mais acordam que não há lugar a pagamento de tornas por parte de qualquer um dos ex-cônjuges.
3.º- Reconhecem estar em divida à CGD o valor de € 83.147,33 (oitenta e três mil, cento e quarenta e sete euros e trinta e três cêntimos), a liquidar por ambos.
****

Neste momento, pelo Ilustre Mandatário da Cabeça de Casal foi pedida a palavra e no uso da mesma disse: «Com a reserva de que o presente acordo não significa a aceitação da adjudicação consumada em sede de cartório notarial, para o qual utilizará os meios processuais que ao caso couber em sede de Tribunal civil, designadamente uma ação de nulidade quanto à adjudicação do imóvel.»
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Seguidamente, dada a palavra ao Ilustre Mandatário do Requerente, pelo mesmo foi dito que: «Salvo o devido respeito por melhor opinião, a questão ora trazida por B….. está prejudicada pelo próprio teor do acordo ora formulado, uma vez que, o acordo ora formulado não se debruça nem tinha que se debruçar sobre um bem que há muito, e por decisão transitada em julgado, no caso o bem imóvel, foi adjudicado ao interessado A….. Pelo que o requerido pela B….. é manifestamente inútil e ininteligível.»
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Neste momento, questionados pelo Tribunal quanto à necessidade de ser dada a oportunidade, antes do desfecho da ação, de apresentarem proposta de forma/mapa da partilha, pelo Ilustre Mandatário da Cabeça de Casal foi dito que não prescindia de tal.
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De seguida, o Mmo. Juiz passou a proferir o seguinte:
DESPACHO
Notifiquem-se os interessados para proporem a forma da partilha.
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De imediato, foram todos os presentes devidamente notificados do despacho que antecede, bem como foram notificados para proporem a forma da partilha.---
De seguida, o Mmo. Juiz deu por encerrada a conferência de interessados.----
Para constar se lavrou a presente ata, que, depois de lida e achada conforme, vai ser devidamente assinada. ---
O Juiz de Direito
(Dr. ….)
A Escrivã Auxiliar
(…)”
3.–É o seguinte o teor da ata de conferência de interessados realizada em 7 de novembro de 2023 no Juízo de Família e Menores de …:

“— ATA — DE — CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS —
Processo:
Inventário (Lei 23/2013)
Requerente: A….
Mandatário do Requerente: Dr. …
Cabeça de Casal: B…
Mandatário da Cabeça de Casal: Dr. …
Mandatária da Cabeça de Casal: Dra. …
Credor: Caixa Geral de Depósitos, S.A ...
Mandatário do Credor: Dr. …
Juiz de Direito: Dr. …
Escrivã Auxiliar:
Data: 07 de novembro de 2022
Hora de início: 11:30 horas
Fim: 12:00 horas
****

Presentes: O Ilustre Mandatário do Requerente, Exmo. Sr. Dr. ….; o Ilustre Mandatário da Cabeça de Casal, Exmo. Sr. Dr. …; a Ilustre Mandatária da Cabeça de Casal, Exma. Sra. Dra. ….; acompanhada pela Ilustre Advogada Estagiária, Exma. Sra. Dra….. (Céd. Prof. ….); o Requerente, A…; e a Cabeça de Casal, B….
Ausente: O Ilustre Mandatário do Credor, Exmo. Sr. Dr. …..
****

O Mmo. Juiz deu por iniciada a conferência de interessados e, de seguida, pelos interessados foi dito que chegam a acordo nos seguintes termos:
1.º- Mantêm o já acordado nos arts. 1º a 3º da ata de conferência de interessados de 03/05/2022, com exceção do valor em dívida à CGD, que é, à data de 04-11-2022, de € 81.101,24 (oitenta e um mil, cento e um euros e vinte e quatro cêntimos).
****

De seguida, o Mmo. Juiz passou a proferir a seguinte:
SENTENÇA
Nos presentes autos de inventário para partilha de património comum subsequente a divórcio, que A….. intentou contra B….., nomeada Cabeça de Casal, homologa-se, por sentença, atenta a disponibilidade do objeto e a qualidade dos intervenientes, a partilha vertida na ata de conferência de interessados de 03/05/2022, mais cabendo ter presente a anterior adjudicação ao requerente da verba nº 1 do ativo (ou seja, um imóvel, conforme ata de 21/11/2018) adjudicando-se aos interessados, para preenchimento dos respetivos quinhões, o imóvel identificado na ata de 21/11/2018 e os bens móveis identificados na ata de 3/5/2022, nos exatos termos nesta convencionados, ficando ambos os interessados vinculados ao pagamento da dívida à CGD, em parte iguais.
Valor da causa: o valor atribuído aos bens a partilhar.
Custas por ambos os interessados, na proporção de metade para cada um - art. 1134º do CPC.
Registe.
Notifique.
****

De imediato, foram todos os presentes devidamente notificados da sentença que antecede, os quais ficaram cientes da mesma. ---
De seguida, o Mmo. Juiz deu por encerrada a conferência de interessados. ---
Para constar se lavrou a presente ata, que, depois de lida e achada conforme, vai ser devidamente assinada. ---
O Juiz de Direito
(Dr. ….)
A Escrivã Auxiliar
(…)”

IV.–Fundamentos de Direito

1.–Da arguida nulidade da conferência de interessados realizada no dia 21 de novembro de 2018 no Cartório Notarial da Drª ….:
- os diplomas legislativos:
Resulta dos autos que o presente inventário foi instaurado no Cartório Notarial da  Drª …., em ….,  em 23 de junho de 2016, ou seja, em plena vigência da Lei n.º 23/2013, de 5 de março, que introduziu o regime jurídico do processo de inventário notarial.
No desenvolvimento desse processo veio a ser realizada, em 21 de novembro de 2018 conferência de interessados, sendo que na ata que ficou a documentar essa diligência se deixou consignado que «Não presente: - A cabeça de casal, B…., que se encontra devidamente notificada, apesar da carta ter sido devolvida, nos termos previstos no artigo 249, n.º2 do CPC, e o seu ilustre mandatário, Dr. ….”.
Alega a recorrente que esta conferência deve ser declarada nula, “por violação do princípio da equitatividade consagrado no art.º 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que não há notícia de que a Recorrente se tenha abstido de ignorar qualquer aviso de registo do correios relativos a correspondência remetida pelo Cartório e que lhe interessavam sobremaneira face à falta de palavra do seu ex-marido na concretização do acordo de partilha livremente assinado após o seu abandono do lar conjugal, deixando-a só com duas crianças menores”.
Que dizer?
Relembremos que entretanto entrou em vigor a Lei nº 117/2019, de 13.09, sendo que, por aplicação do disposto nos seus arts. 12º e 13º, foi requerida a remessa do processo de inventário para o tribunal judicial, o que foi deferido.
Na decisão do presente recurso, importa, desde já, observar as normas transitórias previstas na citada Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro.
Sob a epígrafe “aplicação no tempo” dispõe o seu art. 11º que:
«1- O disposto na presente lei aplica-se apenas aos processos iniciados a partir da data da sua entrada em vigor, bem como aos processos que, nessa data, estejam pendentes nos cartórios notariais mas seja remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 12.º a 13.º
2- O regime jurídico do processo de inventário, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, continua a aplicar-se aos processos de inventário que, na data da entrada em vigor da presente lei, estejam pendentes nos cartórios notariais e aí prossigam a respetiva tramitação.
3- Para efeitos do disposto no número anterior, os artigos 3.º, 26.º-A, 27.º, 35 e 48.º do regime jurídico do processo de inventário, anexo à Lei n.º 23/2013, de 5 de março, passam a ter a redação prevista nos artigos 8.º e 9.º da presente lei».
Por seu turno, sob a epígrafe “Remessa dos inventários notariais”, preceitua o art. 12.º que:
«1- O notário remete oficiosamente ao tribunal competente os inventários em que sejam interessados diretos menores, maiores acompanhados ou ausentes.
2- Nos restantes inventários, qualquer dos interessados diretos na partilha pode requerer a remessa ao tribunal competente, sempre que:
a)- Se encontrem suspensos ao abrigo do disposto no artigo 16.º do regime jurídico do processo de inventário há mais de um ano;
b)- Estejam parados, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses.
3–A remessa do processo para o tribunal competente também pode ser requerida, em qualquer circunstância, por interessado ou interessados diretos que representem, isolada ou conjuntamente, mais de metade da herança.
4–A remessa pode ser requerida não só para o tribunal territorialmente competente, nos termos do artigo 72.º -A do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela presente lei, mas também para qualquer tribunal que, atendendo à conveniência dos interessados, estes venham a escolher».
Por último, sob a epígrafe “Procedimento da remessa”, estabelece o art. 13.º que:
«1-O notário, ouvidos os demais interessados, defere o requerimento apresentado por interessado com legitimidade e determina a remessa do processo ao tribunal, no estado em que se encontrar, sempre que se verifiquem os pressupostos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo anterior.
2-No prazo de 15 dias, contados do despacho a que se refere o número anterior, podem os interessados deduzir as impugnações contra decisões proferidas pelo notário, que pretendessem impugnar nos termos do n.º 2 do artigo 76.º do regime jurídico do processo de inventário.
3-É aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo nos termos dos números anteriores o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil.
4-O juiz, ouvidas as partes e apreciadas as impugnações deduzidas ao abrigo do n.º 2, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial».

Decorre, assim, das transcritas normas de direito transitório que o novo regime do processo de inventário judicial se aplica aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, ou seja, aos processos instaurados a partir de 1 de janeiro de 2020 (art. 15.º da Lei nº 117/2019) e, também, aos processos pendentes nessa data nos cartórios notariais e que sejam remetidos ao tribunal, nos termos do disposto nos n.ºs 1 a 3 do art. 12.º daquele diploma legal.
Na referida Lei nº 23/2013 (que, apesar de revogada, continua a aplicar-se aos inventários notariais que não migrem para os tribunais judiciais – cfr. art. 11º, nº 2 da Lei nº 117/2019), em matéria de impugnação de decisões proferidas no âmbito do processo de inventário regem, fundamentalmente, os seus arts. 3º, 16º, 57º e 76º, nos termos dos quais das decisões proferidas pelo notário cabe impugnação para o juiz de 1ª instância, enquanto que das decisões proferidas pelo juiz de 1ª instância cabe recurso nos termos gerais.
No que especialmente diz respeito à impugnação das decisões dos notários, define-se um duplo regime consoante estejam em causa: i)- as decisões a que aludem os arts. 16º, nº 4 (decisão que indefere o pedido de remessa das partes para os meios judiciais comuns) e 57º, nº 4 (despacho determinativo da forma à partilha); ii)- outras decisões.
Relativamente ao primeiro conjunto de decisões a lei estabelece um regime de impugnação autónoma e imediata; já no concernente às demais decisões, as mesmas quando objeto de impugnação devem ser apreciadas pelo juiz de 1ª instância aquando da prolação da decisão homologatória da partilha (art. 66º, nº 1 da Lei nº 23/2013).
Ora, é precisamente neste ponto que a norma de direito transitório plasmada no nº 2 do art. 13º da Lei nº 117/2019 veio introduzir um regime de impugnação das decisões interlocutórias proferidas pelo notário diverso daquele que se mostra contemplado na Lei nº 23/2013, posto que, ao invés do que se estabelece neste último diploma (em que, como se referiu, essas decisões, por via de regra, apenas podem ser impugnadas aquando da prolação da decisão homologatória da partilha), se permite que essa impugnação seja feita no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho a determinar a remessa do inventário (notarial) para o Tribunal. E compreende-se que assim seja, porquanto, em resultado da migração do processo para o tribunal, a decisão de partilha já não vai ser proferida pelo notário, o que implicou a necessidade de garantir que os interessados possam impugnar, num curto prazo (a que subjazem as razões de economia e celeridade processual que enformam o “novo” modelo de processo de inventário), aquelas decisões interlocutórias.
Portanto, o que o referido regime transitório permite é que sejam imediatamente impugnadas as decisões interlocutórias que hajam sido proferidas pelo notário quando o processo de inventário ainda corria termos pelo cartório notarial.
E a impugnação referida é dirigida ao tribunal de 1.ª instância competente e não ao Tribunal da Relação. Salienta-se, para esta efeito, a diferença entre impugnação judicial das decisões do Notário e os recursos das decisões judiciais do Juiz proferidas ao longo do processo e, sobretudo, que entre os Tribunais existem graus de competência alicerçados na hierarquia.
Segundo o artigo 67.º do Código de Processo Civil, compete aos tribunais de 1.ª instância o conhecimento dos recursos das decisões dos notários, dos conservadores do registo e de outros que, nos termos da lei, para eles devam ser interpostos.
Conforme o artigo 68.º do mesmo diploma, as Relações conhecem dos recursos e das causas que por lei sejam da sua competência e particularmente dos recursos interpostos de decisões proferidas pelos tribunais de 1.ª instância.
Por sua vez o artigo 69.º do Código de Processo Civil estabelece que o Supremo Tribunal de Justiça conhece dos recursos e das causas que por lei sejam da sua competência e especificamente dos recursos interpostos de decisões proferidas pelas Relações e, nos casos especialmente previstos na lei, pelos tribunais de 1.ª instância.
Correspondentemente o artigo 42.º da lei da organização do sistema judiciário aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, estabelece que os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões, e, em regra, o Supremo Tribunal de Justiça conhece, em recurso, das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais da Relação e estes das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância.
Estas normas desenham uma hierarquia entre os tribunais, que tem na sua base a 1.ª instância e na cúpula o Supremo Tribunal de Justiça. Cada um destes tribunais conhece das acções e dos recursos compreendidos especificadamente na sua competência própria. As acções ou recursos que não estejam expressamente incluídos nas normas que definem a competência própria de cada um dos tribunais são decididas primeiro pela 1.ª instância, das decisões desta caberá recurso para a Relação e das decisões desta caberá recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, excepto nas situações particulares em que a lei preveja de forma expressa a possibilidade de recurso per saltum.
O artigo 76.º do RJPI, tal como, aliás, o artigo 644.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao preverem que as decisões interlocutórias sejam impugnadas no recurso da decisão final, não são normas sobre a competência para conhecer dos recursos, são normas que regem somente sobre o momento da interposição do recurso.
Não é por existir a previsão do n.º 3 do artigo 644.º do Código de Processo Civil que passam a poder ser impugnadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, no recurso de revista, as decisões interlocutórias proferidas durante a tramitação processual … pela 1.ª instância; as quais têm de ser impugnadas perante a Relação, ou seja, no recurso de apelação. Porque haveria de ser diferente no processo de inventário, para mais quando as decisões não são sequer proferidas por um juiz mas antes por um órgão não jurisdicional?!
Não existe norma legal que atribua à Relação competência para conhecer de decisões interlocutórias proferidas por órgão não jurisdicional situado fora e aquém da estrutura jurisdicional hierárquica. Por esse motivo, por aplicação do disposto nos artigos 67.º e 68.º do Código de Processo Civil, a Relação não tem essa competência e, se não a tem, a competência é da 1.ª instância.
O artigo 76.º do RJPI rege, assim, sobre o recurso de apelação da sentença judicial de homologação do mapa de partilha. Nesse recurso poderão ser impugnadas as decisões interlocutórias proferidas pelo órgão jurisdicional recorrido, isto é, proferidas pelo juiz de 1.ª instância no decurso do processo de inventário, sejam elas as decisões proferidas em sede de competência própria ou já no exercício da competência de órgão de recurso.
O n.º 2 do artigo 76.º do RJPI não se refere às decisões do Notário (por definição todas elas interlocutórias porque a decisão final do processo é sempre do juiz, ao qual compete, sempre, a homologação do mapa de partilha), porque estas são impugnáveis para o tribunal de comarca, apenas cabendo recurso para a Relação das decisões do Juiz de 1.ª instância.
Por fim, debrucemo-nos sobre o artigo 1123 do Código de Processo Civil, que, com a  epígrafe «regime dos recursos» dispõe:
1- Aplicam-se ao processo de inventário as disposições gerais do processo de declaração sobre a admissibilidade, os efeitos, a tramitação e o julgamento dos recursos.
2- Cabe ainda apelação autónoma:
a)- Da decisão sobre a competência, a nomeação ou a remoção do cabeça-de-casal;
b)- Das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha;
c)- Da sentença homologatória da partilha.
3- O juiz pode atribuir efeito suspensivo do processo ao recurso interposto nos termos da alínea b) do número anterior, se a questão a ser apreciada puder afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados.
4- São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea b) do n.º 2 os recursos em que se pretendam impugnar decisões proferidas até esse momento, subindo todas elas em conjunto ao tribunal superior, em separado dos autos principais.
5- São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea c) do n.º 2 os recursos em que se impugnem despachos posteriores à decisão de saneamento do processo.”

Assim se constata algum distanciamento em relação ao regime regra dos recursos cíveis.

Com efeito, nesse regime conforme resulta do disposto no artigo 644.º do Código de Processo Civil, as decisões de que não cabe apelação autónoma só podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões de que cabe apelação autónoma. Por outras palavras, esses recursos pressupõem que tenha sido interposto recurso da decisão final. Se este recurso não for interposto as decisões interlocutórias só podem ser impugnadas (então numa apelação autónoma) se tiverem interesse para o apelante independentemente da decisão final. Por conseguinte, o recurso só pode ser interposto depois de ser notificada a decisão final em resultado da qual se verá como impugnar as demais decisões.

Ora, no processo de inventário que corre no Notário, a aplicação sem mais do regime comum dos recursos cíveis iria levantar um novo e insolúvel problema, qual seja, o de na mesma peça processual o interessado ter de recorrer da sentença para o Tribunal da Relação e das decisões interlocutórias do Notário para o Tribunal de Comarca, o que obrigaria a perguntar como se tramitaria este recurso, como se cindiriam os objectos do recurso, como se definiriam qual dos tribunais conheceria primeiro do recurso para o qual é competente.

Concretizando, neste recurso, a apelante argui a nulidade de um acto do Notário – a conferência de interessados realizada no dia 21 de novembro de 2018- e recorre de um ato judicial- a sentença homologatória da partilha.
- Apreciemos, então, mais de perto, a arguição da nulidade:
A questão suscitada faz emergir de imediato a necessidade de distinguir entre a arguição de nulidades e o recurso de decisões judiciais.
Como refere Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, é necessário “distinguir as nulidades de procedimento das nulidades de julgamento, pois que, nos termos do art. 668.º, n.º 4, quando as nulidades se reportem à sentença e decorram de qualquer dos vícios assinalados nas als. b) a e) do n.º 1, a sua invocação deve ser feita em sede de recurso, só se admitindo o uso da reclamação para o próprio juiz perante decisão irrecorrível, seja qual for a causa da irrecorribilidade. (…)
Sem embargo dos casos em que são de conhecimento oficioso, as nulidades devem ser arguidas perante o juiz, de cuja decisão cabe recurso nos termos gerais. A solução deve ser aplicada aos casos em que tenha sido praticada uma nulidade processual que tenha inquinado a sentença, mas que não se reporte a qualquer das alíneas do art. 668.º. (…) em tal situação, não se verifica qualquer erro de julgamento.”
E isto é assim porque as nulidades processuais que não se reconduzam a alguma das nulidades previstas no atual artigo 615/1 do CPC (anterior artigo 668.º, alíneas b) a e) do CPC), têm de ser arguidas perante o tribunal onde ocorreu a nulidade ou a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade foi cometida, só podendo ser objecto de recurso a ulterior decisão que este tribunal venha a proferir na sequência da reclamação da nulidade. Trata-se da regra que justifica o aforismo corrente de que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se” - cf. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, 2.º vol., pág. 507.
Tal regra encontra-se estabelecida no regime de arguição e conhecimento das nulidades processuais prescrito nos artigos 186.º a 202.º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, nos termos dos artigos 198.º e 199.º, existem limites temporais à arguição das nulidades: as nulidades a que se referem os artigos 186.º e 193.º só podem ser arguidas até à contestação ou neste articulado, considerando-se sanadas se o não forem até esse momento; as nulidades previstas nos artigos 187.º e 194.º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas; as outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição é de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio no processo ou foi notificada para qualquer termo dele.
Quanto ao momento do conhecimento das nulidades rege o artigo 200 do CPC que determina que das nulidades previstas no artigo 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e no artigo 194.º o juiz conhece logo que delas se aperceba, podendo suscitá-las em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas; que das nulidades previstas nos artigos 186.º e 193.º, se não o tiver feito antes, o juiz conhece no despacho saneador ou, não havendo despacho saneador, até à sentença final; que das outras nulidades conhece logo que sejam reclamadas.
Por força deste regime, como deveria ter agido a apelante?
Entendendo que foi cometida qualquer nulidade processual antes de ser proferida a sentença judicial, a apelante deveria ter suscitado a mesma perante o tribunal de 1.ª instância  a fim de este decidir a reclamação apresentada.
Perante a decisão e caso não concordasse com ela, a apelante poderia então, nos termos gerais (artigo 691.º do Código de Processo Civil) apresentar recurso da decisão que decidiu a reclamação.
O que não pode fazer, e fez, é suprimir a obrigação de arguir a nulidade perante o tribunal de 1.ª instância, e suscitar a sua apreciação e decisão apenas perante o tribunal de recurso.
Isso é assim também por outro motivo. O objecto de um recurso “é constituído por um pedido e um fundamento, sendo que o pedido consistirá normalmente na pretensão de se ver revogada a decisão impugnada, enquanto o fundamento na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in iudicando)” - neste sentido Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre O Novo Processo Civil”, pág. 453, citado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-10-2006, in www.dgsi.pt -.
O recurso é, com efeito, um meio específico de impugnação de uma decisão judicial, com ele pretende-se obter o reexame das questões submetidas à apreciação do tribunal recorrido e não criar decisões sobre matéria nova que não foi antes submetida ao exame do tribunal recorrido.
As excepções a essa regra são apenas as situações de conhecimento das nulidades da própria sentença recorrida (designadamente a omissão de pronúncia sobre questões que devia conhecer e não conheceu), as questões de conhecimento oficioso, as questões inerentes à mera qualificação jurídica diversa da factualidade alegada e finalmente as questões que resultem da alteração do pedido, por acordo das partes, já em segunda instância - cf. Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra de 24-01-2012, in www.dgsi.pt.
Tudo o mais serão questões novas que ao não terem sido suscitadas junto do tribunal a quo, não cabem no âmbito do poder de apreciação do tribunal ad quem.
Nos presentes autos a apelante não arguiu (inicialmente) a nulidade da conferência de interessados realizada no dia 21 de novembro de 2018, por falta de notificação para à mesma comparecer. E salienta-se que o ilustre mandatário da apelante foi notificado, por carta enviada em 21 de novembro de 2018, do teor dessa mesma ata, não tendo arguido essa nulidade no prazo de 10 dias  a que alude o artigo 199/1 do CPC, a contar do seu conhecimento. Veio fazê-lo neste recurso… volvidos cerca de 5 anos.
Esta questão deveria ter sido suscitada perante a notária e não nas alegações do recurso que interpôs da sentença que homologou a partilha.
As decisões do notário são impugnáveis para o tribunal da 1ª instância que for territorialmente competente, enquanto da sentença homologatória da partilha proferida pelo juiz daquele mesmo tribunal cabe recurso para o Tribunal da Relação, precisamente por se tratar de uma decisão jurisdicional.

É neste sentido que se pronuncia Lopes Cardoso: «Dir-se-á, pois, que – muito mais do que um paralelismo excessivo com o Contencioso Administrativo, a despeito da natureza jurídica dos atos decisórios do Notário – deve ser aqui aplicado o regime subsidiário dos recursos civis (ex vi do citado artigo 82º do RJPI) vale dizer que a discordância da decisão notarial interlocutória deve manifestar-se através de um requerimento de impugnação para o Juiz dirigido ao Notário (C.P.C., artigo 637º- 1).
Do exposto deve deduzir-se que, não estando previsto que a impugnação das «decisões interlocutórias» que não são autónomas suspendam o andamento do processo de inventário, também não se justifica que subam imediatamente ao juiz do processo, pelo que, preparada a impugnação com a respetiva alegação, aquela irá aguardar o momento em que o processo seja remetido a Tribunal para a prolação da decisão homologatória da partilha»
(Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 6ª edição, 2015, págs. 82/85).

As decisões interlocutórias que o nº 2 do artigo 76º do RJPI refere são as proferidas pelo juiz da 1ª instância, no âmbito das impugnações apresentadas às tomadas pelo Notário no processo de inventário, sendo apenas daquelas que cabe recurso para a Relação.

Do citado artigo 76º, nº 2, RJPI, tal como do artigo 644º, nº 2, do C.P.C., decorre que o recurso de apelação deve versar sobre decisões do tribunal da 1ª instância e não ter por objeto as proferidas por uma entidade não jurisdicional, como é o Notário na veste de titular de um processo de inventário, numa espécie de recurso per saltum para o Tribunal da Relação.

Tomé D’Almeida Ramião defende isso mesmo, referindo que «não é admissível uma espécie de recurso per saltum para o Tribunal da Relação de uma decisão proferida pelo notário. O recurso para este tribunal superior tem necessariamente de ter por objeto uma decisão jurisdicional». (O Novo Regime do Processo de Inventário, págs. 198/199).
As nulidades processuais ocorridas durante a tramitação do inventário notarial carecem de ser arguidas, dentro do prazo previsto nos artigos 149 e 199 do CPC, ex vi do artigo 82 da Lei 23/2013, de 5 de março, perante a entidade que as praticou, sendo apenas a decisão daquela entidade que sobre elas vier a recair que pode ser objeto de impugnação judicial, seja ao abrigo do disposto no artigo 76/2 da Lei 23/2013, de 5 de março (no caso do processo de inventário notarial não migrar para o Tribunal), seja em conformidade com o preceituado no n.º 2 do artigo 13 da Lei 113/2019, de 13 de setembro (caso tenha ocorrido essa remessa).

Por todas estas razões, é nosso entendimento que a nulidade agora arguida pela apelante- a da conferência de interessados que se realizou no dia 21 de novembro de 2018 no Cartório Notarial - deveria ter sido arguida no Tribunal de 1.ª instância, não sendo este Tribunal da Relação competente para conhecer, como 1.ª instância, da referida nulidade, numa espécie de recurso per saltum da entidade não jurisdicional para o Tribunal Judicial de 2.ª Instância.
Por estas razões, improcede, nesta parte, o recurso interposto.

2.–Determinar se a sentença de homologação da partilha proferida em 7 de novembro de 2022 enferma do vício de nulidade nos termos do art.º 615º, n.º 1, al, d), 1ª parte, do Código de Processo Civil, por o tribunal a quo ter tido conhecimento da reserva suscitada pela apelante.

Alega a apelante que “A sentença de homologação da partilha enferma do vício de nulidade nos termos do art.º 615º, n.º 1, al, d), 1ª parte, do Código de Processo Civil, uma vez que o Mmo. Juiz do tribunal a quo conheceu da reserva suscitada pela Recorrente no que se refere à licitação ilegal da casa de morada de família por parte do Recorrido, e não proferiu qualquer despacho, apesar de ter havido uma segunda Conferência em 07/11/2022”.

Dispõe o artigo 615/1-d), 1.ª parte do CPC que “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

O vício da omissão de pronúncia, previsto no art.º 615.º n.º 1 d), do Código de Processo Civil, verifica-se quando o tribunal deixe de conhecer questões colocadas pelas partes ou que sejam do conhecimento oficioso, constituindo uma das causas de nulidade da sentença.

Apreciemos então o valor da declaração de reserva expressa pelo ilustre mandatário da apelante na ata da conferência de interessados que teve lugar no dia 3 de maio de 2022, e aí consignada:Neste momento, pelo Ilustre Mandatário da Cabeça de Casal foi pedida a palavra e no uso da mesma disse: «Com a reserva de que o presente acordo não significa a aceitação da adjudicação consumada em sede de cartório notarial, para o qual utilizará os meios processuais que ao caso couber em sede de Tribunal civil, designadamente uma ação de nulidade quanto à adjudicação do imóvel.”.

A declaração de reserva é uma mera declaração de vontade, no sentido de salvaguardar o exercício de um direito, que em nada se prende com o conteúdo do acordo de partilha alcançado, não constituindo, por isso, uma qualquer condição ou termo que deva constar da sentença que o homologa.

Assim se conclui, sem mais considerandos, porque desnecessários, que a sentença homologatória, não tem que fazer referência a algo que não integra o conteúdo dessa homologação: a declaração de reserva é uma manifestação de vontade contemporânea daquele ato de homologação, mas estranha a ele.

Por isso, não assiste razão à apelante, porquanto o tribunal a quo pronunciou-se quanto às questões que devia pronunciar-se, não sendo a declaração de reserva exarada em acta suscetível de qualquer pronúncia por parte do Magistrado que presidiu à diligência.

Inexiste qualquer nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

Deve o recurso interposto ser julgado, também nesta parte, improcedente.


V.–Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1.–Julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a decisão proferida em 1.ª instância.
Custas pela apelante.


Lisboa,7 de dezembro de 2023

Maria Teresa Lopes Catrola
Teresa Prazeres Pais
Carla Matos