Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3430/24.9T8LSB.L1-4
Relator: SUSANA SILVEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS NÃO PROVADOS
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVERES DE BOA FÉ
DEVERES DE LEALDADE
ANTIGUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A parte que impugna a matéria de facto pretendendo que sobre parte dos factos que impugna venha a recair o juízo de «não provados» com fundamento na contradição entre as suas declarações de parte e os depoimentos das testemunhas tem o ónus de identificar não só a que testemunhas se refere como, também, o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso de facto.
II. A justa causa do despedimento depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador; (ii) outro, de natureza objectiva, que se traduz na gravidade do comportamento do trabalhador e suas consequências; (iii) um outro, também de natureza objectiva, que consiste na impossibilidade de subsistência, face a esse comportamento, da relação de trabalho.
III. Viola gravemente os deveres de boa-fé e de lealdade na execução do contrato de trabalho o trabalhador que, prevalecendo-se das suas funções, acede à base de dados da sua empregadora e daí retira dados pessoais de ex-trabalhadores, entregando-os, depois, a um grupo de ex-trabalhadores com vista a, por estes, ser intentada uma acção judicial contra a sua empregadora.
IV. A confiança gerada por uma prestação imaculada do trabalhador e pela sua antiguidade ao serviço da empregadora reclamaria que tivesse adoptado conduta diversa da referida em III., sendo que quanto mais intensa a relação de confiança existente entre as partes maior é a dificuldade de reposição deste valor em casos cujos contornos o abalam de forma praticamente irreversível.
V. A conduta do trabalhador, pela sua gravidade e consequências – imediatas e potenciais –, tornou impossível a manutenção do contrato de trabalho por ter por efeito a amputação do elo essencial que permite a sua subsistência, a saber, a confiança, justificando-se, assim, o seu despedimento com fundamento em justa causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. No dia 2 de Fevereiro de 2024, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa (Juiz 1), intentou AA acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, sob a forma do Processo Especial, contra “Cimpor – Indústrias de Cimento, S.A.”, pedindo fosse declarada a ilicitude ou a irregularidade do seu despedimento, com as legais consequências.
2. Realizada a audiência de partes, frustrou-se a conciliação, tendo a entidade empregadora sido notificada para apresentar o articulado motivador do despedimento e o procedimento disciplinar.
3. A entidade empregadora apresentou o articulado motivador do despedimento e juntou o procedimento disciplinar.
Alegou a entidade empregadora, em síntese, que: (i) o trabalhador, aproveitando o facto de exercer funções na área de Recursos Humanos e, de, por isso, ter acesso à base de dados SAP da sua empregadora donde constam dados pessoais dos seus trabalhadores e ex-trabalhadores, sem ter interesse profissional para o efeito, procedeu à cópia desses dados, juntamente com documentos da empregadora aos quais nem deveria ter acesso; (ii) o trabalhador transferiu esses dados para uma unidade externa e entregou-os a um grupo externo à empregadora, grupo este cujo objectivo anunciado era o de intentar uma acção judicial com vista à impugnação de decisão empresarial relativa ao Plano de Saúde.
Concluiu a empregadora no sentido de dever ser declarada a regularidade e licitude do despedimento.
4. O trabalhador contestou a acção e deduziu pedido reconvencional, alegando, em síntese, que: (i) o despedimento promovido pela empregadora constitui sanção abusiva em virtude de ter sucessivamente reclamado das suas condições de trabalho e do stresse permanente a que era sujeito, bem como por ter alertado para o facto de o aumento de custos com o pessoal não estar relacionado com o Plano de Saúde ou com os reformados, pré-reformados, pensionistas e órfãos; (ii) a empregadora não era a efectiva empregadora, não detendo sobre si poder de direcção ou poder disciplinar, sendo, por isso, parte ilegítima, não detendo capacidade judiciária; (iii) os factos, na medida em que consubstanciam o acesso a que foi procedendo de vários documentos, com vista ao exercício das suas funções, ao longo do tempo, ocorreram há muito mais que um ano, daí que direito de exercer o poder disciplinar esteja extinto por prescrição e caducidade; (iv) a empregadora não juntou ao procedimento disciplinar a tradução dos documentos em língua estrangeira e também até foi impossível a compreensão das menções tecidas no artigo 38.º, da nota de culpa; (v) não praticou quaisquer factos merecedores de censura; (vi) o procedimento da empregadora molestou o seu bom nome e a sua reputação, sendo que a decisão de despedimento, nos termos em que foi proferida e conhecida, denegriu a sua imagem e colocou em causa a sua dignidade e honorabilidade profissionais e pessoais.
Conclui o trabalhador pela procedência das excepções arguidas, pela procedência da invalidade do procedimento disciplinar, declarando-se o mesmo ilícito e abusivo.
Peticiona o trabalhador, em consequência: (i) a sua reintegração, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e sem prejuízo de exercer a faculdade prevista no art. 391.º, do Código do Trabalho; (ii) o pagamento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença e indemnização, a título de danos de natureza não patrimonial, no valor de € 100.000,00.
Mais peticionou a condenação da empregadora em sanção pecuniária compulsória no valor de € 250,00, diários, por cada dia que passe sem que aquela se retrate e proceda à sua reintegração.
5. A entidade empregadora respondeu à contestação oferecida pelo trabalhador, concluindo, a final, pela improcedência das excepções e nulidades invocadas, bem como de todos os pedidos formulados em sede reconvencional.
6. Foi proferido despacho saneador no qual se dispensou a selecção dos temas da prova e se admitiu o pedido reconvencional.
7. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte:
«Por todo o exposto o Tribunal julga ilícito o despedimento de AA e, em consequência condena a Ré Cimpor – Indústria de Cimentos, SA a pagar ao autor:
a) Uma indemnização em substituição da reintegração que à data de 1 de fevereiro de 2025 se contabiliza em 41904,32 (quarenta e um mil, novecentos e quatro euros e trinta e dois cêntimos), quantia que deve ser atualizada até ao trânsito em julgado da sentença que declara a ilicitude do despedimento;
b) As retribuições que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, descontados os valores auferidos nos termos do disposto no artigo 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
Julga improcedente o pedido reconvencional, formulado pelo autor e absolvo a Ré do pedido reconvencional».
8. Na sentença, a Mm.ª Juiz a quo fixou à causa o valor de € 170.814,32.
9. Após a prolação da sentença, o trabalhador requereu a respectiva retificação, tendo a Mm.ª Juiz a quo, dando procedência parcial ao por si requerido, alterado a redacção do facto provado constante do ponto 55. e, em consequência, alterado, também, o 5.º e 6.º, parágrafos, de fls. 33, e a alínea a) do ponto 4), da decisão.
10. O trabalhador, inconformado com a sentença da 1.ª instância, dela interpôs recurso, concluindo a sua alegação com a seguinte síntese conclusiva:
«a) O Tribunal “a quo” errou no julgamento quando analisou o comportamento do Autor, quando fixou a indemnização substituição de reintegração, quando estabeleceu o valor da retribuição do Autor e, consequentemente, errou na indemnização em substituição da reintegração, na compensação em caso de despedimento e no julgamento que fez do pedido reconvencional pela indemnização por danos não patrimoniais;
b) A douta sentença – contrariando a técnica jurídica - não se pronúncia, sequer, sobre questões que devia apreciar;
c) O douto Tribunal não fixou na retribuição, nem se pronúncia sequer, sobre o plano de pensões implementado na empresa e sobre os contributos devidos na assistência à doença, relacionados ao período entre a data do despedimento e a prolação da decisão, sobre o valor “esbulhado” ao Autor, relativo à acumulação a seu favor do Plano de Reforma, gerido pela Ageas Seguros no valor de € 95.017,69, à data do despedimento, nem sobre as atribuições na tramitação, sem os contributos devidos na assistência à doença;
d) Na douta sentença ora recorrida, existe, pois, manifesta omissão de pronúncia, situação que não pode deixar de levar à conclusão de que a M.ª Juíza deixou, pois, de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, o que constitui, naturalmente, causa de nulidade da sentença, conforme o previsto na alínea d), primeira parte, do nº. 1, do art. 615º, do CPC.
e) O douto Tribunal erra, também, na fixação da retribuição do Autor e, consequentemente, errou na indemnização em substituição da reintegração, na compensação em caso de despedimento e no julgamento que fez do pedido reconvencional pela indemnização por danos não patrimoniais;
f) Da análise da prova produzida é possível concluir que os pontos 35, 36, 37 e 42, da matéria de facto provada, se encontram incorretamente julgados, devendo, pois, transitar, diretamente, para a matéria de facto não provada;
g) Quanto aos pontos 35 a 42, do probatório, com o devido respeito que é muito, não podia o Mmª. Juíz considerar provado que o Autor/recorrente forneceu a terceiros qualquer documento ou informação;
h) Não consta do probatória, nem da prova produzida, qualquer prova que possa consubstanciar aquela decisão e, na dúvida, como se sabe, dispõe o art. 414º, do CPC, como tal, não podia a Mmª. Juiz considerar como provado que o ora apelante forneceu a quem quer que fosse algum documento ou informação;
i) Tornando-se ainda óbvio, também que, a não existência de passivo disciplinar por parte do A., numa vida ao serviço da R., teria que ter merecido, a prova atendível a que se refere o artº 413º, do mesmo CPC e consagrado, pois, o princípio da aquisição processual que, in casu, também foi olvidado, por força do estabelecido nos art.º 602, nº 1 e 412º, nº 1, do CPC, que essa concreta pessoa é – e sempre foi – um trabalhador, cumpridor, diligente e dedicado!
j) Assim, deverão os mesmos pontos do probatório transitar para a matéria de facto não provada;
k) Transitando para a matéria de facto não provada, modificando o que houver a modificar, nunca o Tribunal “a quo” podia ter considerado que o comportamento do Autor, era ilegal ou até ilícito;
l) Perante prova concreta que o Autor, se encontrava devidamente autorizado pela R. a aceder aos dados e, face a este circunstancialismo, o seu acesso do apenas pode ser considerado como acesso a dados para o efeito da atividade profissional, aliás, como devidamente demonstrado nos autos;
m) Nem a R. provou, como lhe era devido, na sua essencialidade os factos que relatou na decisão proferida no processo disciplinar e que alegou nesta acção, nomeadamente, do acesso a terceiros desses dados por ação do Autor;
n) E, não sendo ilícito o comportamento do trabalhador Autor, o valor da indemnização em substituição de reintegração, fixado e estabelecido pelo douto Tribunal, pelo mínio legal, atendendo ao valor da sua retribuição e decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, e segundo a praxis desse douto Tribunal Superior, encontra-se totalmente desadequado e desproporcional;
o) Pelo que será adequada ao presente caso uma indemnização em substituição da reintegração, graduada em pelo menos 30 dias de retribuição base e diuturnidades, em virtude de despedimento que foi declarado ilícito por violação do princípio da proporcionalidade, num quadro em que o grau de ilicitude do despedimento se pode considerar elevado, tendo ainda em consideração a retribuição auferida pelo trabalhador, como se requer que seja decidido;
p) O douto Tribunal errou ao considerar que o comportamento do Autor, foi ilícito, grave e culposo, violador de qualquer dever nos termos do artigo 351.º do CT.
q) O Tribunal “a quo” erro também no julgamento quanto ao facto provado no ponto 55;
r) Conforme consta dos autos e do documento n.º 19, junto com a contestação do Autor, a sua remuneração base é de € 3 441,83, acrescida de €302,83 de diuturnidades e do subsídio de refeição por dia de €13,77, contrário ao decidido;
s) Pelo que, deve constar da matéria de facto provado no ponto 55 que em janeiro de 2024, o autor auferia como retribuição base o valor de € 3 441,83, acrescida de €302,83 de diuturnidades e do subsídio de refeição por dia de €13,77. (recibo fls. 276);
t) Nestes termos, com a retificação do referido lapso o valor em conta, conforme a douta decisão – sem conceder a alteração da fixação requerida na presente apelação, nos termos do artigo 391.º do CT – para cálculo da indemnização em substituição da reintegração de ser retificado, como se requer;
u) Bem como, o valor de calculo da compensação por despedimento, também, deve ter em conta a respetiva remuneração retificada, ou seja, o seu direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado, valores que se efetuam mediante simples cálculo aritmético e que nesta data já se contabiliza em € 52 425,24 (€ 3.744,66 x14);
v) Acrescido, da condenação do R. ao pagamento do plano de pensões implementado na empresa e aos benefícios da assistência na doença devidos, durante o período entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da sentença, de acordo com o preceituado no artº 437º, nº 1, do Código do Trabalho, facto que o douto Tribunal omitiu por completo na decisão;
w) O douto Tribunal errou, ainda, na absolvição da apelada do pedido reconvencional deduzido pelo R;
x) A decisão desproporcional de despedimento, nos termos em que foi proferida e conhecida, denegriram a imagem daquele e colocaram, seriamente, em causa a sua dignidade e honorabilidade profissionais e pessoais a ponto de agravar muito mais o seu estado de saúde débil;
y) O Autor sofreu e vai continuar a sofrer danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo a culpa do empregador manifesta nos presentes autos;
z) Pelo que deve a R., ser condenada a pagar os danos não patrimoniais resultantes do artº 389º, nº 2, al. a). do CT, quantificados pelo A., melhor constante na Reconvenção, integrado no mesmo pedido, na justa medida em que estamos perante uma monstruosidade jurídica na opção temerária desta R., que a justiça deve sancionar severamente, nunca inferiores a €15.000,00».
Conclui o trabalhador no sentido de dever «ser dado provimento ao presente recurso e declarada a nulidade da sentença e conhecer, integralmente, a impugnação sobre erros e seus respetivos fundamentos, inclusive da matéria de facto, modificando o que houver a modificar, com interpretação e aplicação das correspondentes normas à matéria de facto e, consequentemente, revogar a douta decisão recorrida em conformidade».
11. A entidade empregadora, também inconformada com a sentença da 1.ª instância, dela interpôs recurso, sintetizando as suas alegações recursórias com a seguinte síntese conclusiva:
«I. O Tribunal a quo deu como provado que o Recorrido acedeu, copiou e entregou a terceiros dados pessoais de 1337 reformados e mais de 30 documentos internos, considerando o comportamento ilícito, culposo, grave e ilegal, mas concluiu não existir quebra de confiança ou danos, levando à consideração da desproporcionalidade da sanção de despedimento.
II. No entanto, o comportamento do Recorrido causou efetivamente um dano reputacional à Recorrente, como resulta do Facto Provado 40), e o Recorrido despendeu mais de uma hora de tempo de trabalho a retirar os ficheiros e dados do sistema informático, Facto Provado 34), causando um dano patrimonial à Recorrente.
III. Considerando os danos referidos e a atuação do Recorrido é manifestamente evidente que a Recorrente não lhe poderia voltar a confiar o acesso a dados pessoais, sensíveis e confidenciais, atento o facto de o dever de lealdade – despudoradamente massacrado – ser inequivocamente o dever mais relevante no desenvolvimento da relação laboral.
IV. A conduta do Recorrido não configurou um mero ato irrefletido, praticado num momento de exaltação, tratando-se, ao invés, de um ato premeditado, que exigiu preparação e cuja execução ocorreu em dois dias distintos.
V. Mas mesmo que se considerasse que estes danos não assumem gravidade suficiente, certo é que o vínculo de confiança foi definitivamente destruído.
VI. Como é consabido, a segurança de dados pessoais e sensíveis tem constituído uma preocupação nuclear do legislador – o que foi doutamente referido pelo Tribunal a quo.
VII. A partir do momento em que o Recorrido retirou do sistema informático da Recorrente os dados pessoais em causa deixou de ter o domínio de facto sobre as eventuais consequências que a colocação desses dados num ambiente desprotegido poderiam provocar, sujeitando a Recorrente ao pagamento de elevadas coimas e indemnizações.
VIII. Assume especial relevo o facto de os dados pessoais em causa pertencerem a um grupo de reformados cuja idade média era, à data dos factos, de 73 anos, especialmente suscetíveis a burlas e contactos comerciais mais agressivos.
IX. O comportamento do Recorrido violou claramente as obrigações previstas nos artigos 5.º, 24.º e 32.º do Regulamento (UE) n.º 679/2016 (doravante RGPD) e as coimas potencialmente aplicáveis à Recorrente (responsável pelo tratamento de dados) podem atingir os € 20.000.000,00 ou 4% do volume de negócios anual, pelo que o dano ainda não concretizado, mas com elevado potencial, assume uma relevância considerável.
X. Defende o Tribunal a quo que inexiste risco de serem aplicadas estas coimas uma vez que a Recorrente não agiu com dolo ou negligência, mas esta conclusão contraria frontalmente os artigos 28.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto e os artigo 74.º, 83.º e 88.º do RGPD, que determinam que o responsável pelo tratamento de dados é responsável tanto pelo tratamento que realiza diretamente quanto pelo realizado em seu nome, entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça no processo C-683/21, de 5 de dezembro de 2023.
XI. A Recorrente é também responsável pelos danos causados aos titulares dos dados que foram violados, mesmo que estes danos apenas se reconduzam ao mero receio da potencial utilização abusiva dos seus dados pessoais, como esclareceu o Tribunal de Justiça nos processos C-687/21, de 25 de janeiro de 2024, e C-340/21, de 14 de dezembro de 2023, em situações análogas à sub judice, o que significa que sobre a Recorrente paira o risco de vir a ser responsável perante 1337 pessoas por danos imateriais.
XII. A jurisprudência dos tribunais superiores portugueses tem sido unânime no sentido de que a entidade empregadora é responsável pelo comportamento do seu trabalhador, nos termos do artigo 500.º do Código Civil, que é aplicável às relações laborais e não pressupõe que o ato do comissário seja praticado rigorosamente no exercício da função para a qual foi contratado, de que é exemplo o decidido pela Relação do Porto no processo n.º 85/14.2T8PVZ.P1, de 12 de novembro de 2015.
XIII. Resta apenas, portanto, verificar se o facto de o comportamento do Recorrido ainda não se ter materializado nos danos potenciais supra descritos levaria à qualificação do despedimento como desproporcional por inexistência de danos.
XIV. As consequências do comportamento do Recorrido (e de qualquer trabalhador) devem ser analisadas não apenas à luz do efetivamente sucedido mas, principalmente, à luz das potenciais consequências, sob pena de se premiarem os ilícitos disciplinares em que os trabalhadores têm a sorte de não se verificar uma consequência imediata.
XV. Nos termos do artigo 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho, a entidade empregadora dispõe de um prazo de 60 dias, a contar do conhecimento da infração, para iniciar o processo disciplinar, não podendo aguardar pelo surgimento de danos decorrentes do comportamento do trabalhador para só então desencadear a ação disciplinar, sob pena de ver precludido o seu direito (e dever) de sancionar a infração.
XVI. Note-se que seria manifestamente impossível que no referido prazo de 60 dias – ou no decurso da instrução do processo disciplinar – fosse concluída a investigação da CNPD e aplicadas coimas ou que um ou mais dos titulares dos dados pessoais intentassem uma ação contra a Recorrente a reclamar danos.
XVII. Não obstante o comportamento ilícito, culposo, doloso, grave e ilegal do Recorrido bem como os danos concretizados e potenciais descritos, o Tribunal a quo considerou a sanção de despedimento desproporcional, o que apenas se pode compreender face a um sentimento de compaixão pela situação de saúde do Recorrido.
XVIII. Sempre se dirá que o facto de o Recorrido estar perto da reforma não poderia de alguma forma justificar o seu comportamento e esta aproximação apenas evidencia que o seu comportamento foi pautado por uma despreocupação para com a sua relação e responsabilidades profissionais, dada a saída eminente.
XIX. O comportamento do Recorrido deve ser analisado pelo entendimento de um bom pai de família e atendendo-se a critérios de razoabilidade e objetividade, verificando-se se corresponde ao que seria adotado, em circunstâncias semelhantes, por um trabalhador médio, e aqui é evidente que o comportamento a adotar seria o da recusa em fornecer os dados em causa, na medida em que o fizeram as trabalhadoras BB e CC.
XX. Não era exigível à Recorrente que confiasse que o Recorrido não voltaria a prevaricar, sendo a quebra de confiança reforçada quer pela negação perentória dos factos, quer porque nunca reconheceu ou demonstrou arrependimento pelo comportamento em causa.
XXI. Por tudo o que foi exposto, a violação grave e dolosa dos deveres de lealdade e de boa-fé e as consequências que daí advieram e as que ainda podem surgir, será de concluir que o Recorrido tornou prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral, não sendo exigível à Recorrente que o mantivesse ao seu serviço, em virtude de dúvidas sérias e legítimas quanto à conformidade do seu comportamento no futuro, existindo justa causa de despedimento».
Remata a entidade empregadora com a pretensão de der ser «a Sentença em crise (…) revogada e substituída por uma que declare a licitude do despedimento do Recorrido».
12. A entidade empregadora ofereceu a sua contra-alegação ao recurso interposto pelo trabalhador, concluindo, a final, no sentido de deverem «improceder – in totum – as alegações e conclusões do Recorrente».
13. Dos autos não se colhe que o trabalhador haja oferecido contra-alegações ao recurso interposto pela entidade empregadora.
14. O recurso foi admitido por despacho datado de 30 de Maio de 2025, sendo que por despacho datado de 14 de Abril de 2024, a Mm.ª Juiz a quo indeferiu a nulidade da sentença invocada pelo trabalhador.
15. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer, concluindo que «o recurso interposto pelo A AA merece provimento ainda que apenas parcial, quanto à invocada nulidade da sentença» e que «o recurso interposto pela Ré “CIMPOR- Indústrias de Cimento, SA” merece provimento total devendo ser revogada a sentença objecto de recurso e substituída por Acórdão que considere verificar-se justa causa para o despedimento do trabalhador e, em consonância, absolva a Ré do pedido».
16. Ouvidas as partes, ambas se pronunciaram quanto ao Parecer do Ministério Público: o trabalhador, salientando a sua irrelevância «em relação ao que cumpre ser apreciado por esse Venerando Tribunal», com excepção da parte em que se considera dever ser julgada procedente a nulidade da sentença; a entidade empregadora, sufragando a posição ali assumida.
17. Cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
II. Objecto do Recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes – art. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a conhecer:
i. recurso do trabalhador: (i) da rectificação da sentença; (ii) da nulidade da sentença; (iii) da alteração da matéria de facto; (iv) da justa causa de despedimento; (v) das consequências da ilicitude do despedimento;
ii. recurso da entidade empregadora: da justa causa de despedimento.
*
III. Da rectificação da sentença
1. O apelante requereu, seja em requerimento autónomo, seja, depois, em sede recursória, a rectificação da sentença, em particular o que consta do seu facto provado 55., invocando, para o efeito, a existência de lapso manifesto no valor da sua retribuição.
De modo não absolutamente claro, pretende, também, o apelante, recorrendo, ao que se crê, à mesma figura, que ao valor da retribuição deverão acrescer as actualizações anuais acordadas entre e a apelada e o Sindicato.
2. A Mm.ª Juiz a quo, apreciando o pedido de rectificação da sentença, deu parcial provimento à pretensão do apelante, alterando o teor do facto provado 55., retirando, daí, depois, as consequências que importava retirar em matéria de direito e de condenação.
No mais, negou qualquer outra rectificação a que houvesse que proceder-se, por considerar que os respectivos fundamentos se não alicerçavam em qualquer lapso manifesto.
3. Ao facto provado 55. foi, inicialmente, conferida a seguinte redacção:
«Em janeiro de 2024, o autor auferia como retribuição base o valor de € 1883,40 e a título de anuidades o montante de € 181,70».
A Mm.ª Juiz a quo fundamentou a matéria assim provada com base no documento de fls. 276, correspondente ao recibo de vencimento do apelante do mês de Janeiro de 2024.
Procedendo à rectificação do apontado facto provado, veio a Mm.ª Juiz a quo a dar-lhe a seguinte redacção:
«Em janeiro de 2024, o autor, por ter trabalhado até ao dia 18, auferiu a retribuição de €1883,40 e a título de anuidades o montante de € 181,70 (recibo fls. 276), que corresponde à retribuição base de € 3.139,00 (salário base) e € 302,83 de diuturnidades (recibo de fls. 276)».
A rectificação operada pelo tribunal a quo mostra-se suportada no documento de fls. 276, quando conjugado com o formulário por via do qual o apelante impugnou o seu despedimento – donde deriva ter este ocorrido no dia 18 de Janeiro de 2024 – daí que nenhuma outra se imponha, designadamente a pretendida rectificação para um valor retributivo base mensal de € 3.441,83, acrescido de diuturnidades no valor mensal de € 302,83, que, em rigor, não resulta senão da alegação do apelante, daí que se não ampare em qualquer lapso que se evidencie.
O mesmo se diga com referência a eventuais actualizações anuais a que porventura estivesse sujeita a retribuição do apelante. Nada nos autos se surpreende que ao não as enunciar no quadro dos factos provados da sentença ou em qualquer outro dos seus segmentos, o tribunal haja incorrido em qualquer lapso manifesto cuja correcção se impusesse ou se imponha. Aliás, como nota a apelada na sua resposta ao pedido de rectificação do apelante, trata-se essa de matéria nunca trazida a juízo até ao pedido de rectificação da sentença, o que, só por si, constitui fundamento para a sua improcedência.
Ante o exposto, improcede o pedido de rectificação da sentença da 1.ª instância, sem prejuízo da rectificação já operada, correctamente, pela Mm.ª Juiz a quo.
*
IV. Da nulidade da sentença.
1. No recurso que interpôs, suscita o apelante (trabalhador) a nulidade da sentença com fundamento no vício de omissão de pronúncia a que alude a 1.ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.
Em abono da sua pretensão, aduz que, «[n]a fixação da retribuição requerida pelo A. [o tribunal] não se pronuncia sequer sobre o plano de pensões implementado na empresa e sobre os contributos devidos relacionados ao período entre a data do despedimento e a prolação da decisão» e que «tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, bem como, ao pagamento do plano de pensões implementado na empresa e aos benefícios da assistência na doença devidos, pelo menos, durante o período entre
a data do despedimento e a prolação da decisão».
2. Estatui o art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que «[é] nula a sentença quando: (…) d) [o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias sobre as quais a lei imponha que o juiz tome posição expressa, referindo-se estas àquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à sua apreciação (art. 608.°, n.º 2, do Código de Processo Civil) e às que sejam de conhecimento oficioso, isto é e quanto a estas últimas, as questões que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que, como tal, tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, sendo que «[o] conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes»1.
3. É uma evidência que o apelante alegou, na sua contestação ao articulado motivador do despedimento, pretender que a sua entidade empregadora, ora apelada, mantivesse a obrigação de mensalmente contribuir para o seu Fundo de Pensões e para o seu Plano de Saúde. Assim o disse no artigo 84.º, do identificado articulado. Também em sede de petitório reiterou que o pedido de reintegração imediata no seu posto de trabalho o fosse sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e dos direitos relativos ao Fundo de Pensões e ao Plano de Saúde.
Analisando a estrutura da alegação produzida pelo apelante no seu articulado motivador do despedimento e, bem assim, o pedido que, em função dela, ali formulou, é inequívoco que a pretensão associada ao pagamento do Fundo de Pensões e ao pagamento do Plano de Saúde se reportou, sempre, à sua reintegração na empresa. Nunca, em momento algum, o apelante associou aquela pretensão à fixação da sua retribuição e nem ao impacto que ela teria no período compreendido entre o despedimento e o trânsito em julgado da decisão.
O apelante não pode pretender, com todo o respeito, que da falta de rigor na articulação dos factos constitutivos do direito e da objectiva circunscrição do seu pedido, uma e outra da sua exclusiva responsabilidade, derive, depois, a por si pretendida invalidade da sentença, por omissão de pronúncia. A Mm.ª Juiz a quo não se pronunciou sobre a repercussão do Fundo de Pensões e do Plano de Saúde na sua retribuição e sobre o impacto das obrigações daí porventura derivadas no período compreendido entre a data do despedimento e a data do trânsito em julgado da decisão porque o apelante nada alegou ou peticionou a esse título.
É objectivamente irrelevante, na dimensão que ora se aprecia, que o apelante haja optado pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração e que daí não decorra, como diz, qualquer renúncia ao Fundo de Pensões e ao Plano de Saúde. É que o apelante não direcciona a alegação que produz com vista a sustentar o por si alegado vício da sentença proferida pelo tribunal a quo àquele pedido, mas antes a outro que com ele não se confunde, sem prejuízo da sua essencial etiologia (o despedimento ilícito).
Em face do exposto, a sentença do tribunal a quo não é nula por omissão de pronúncia, visto não ser no contexto da retribuição e do tempo que medeia entre o despedimento e o trânsito em julgado da decisão que se mostra alegada a obrigação de prover o Fundo de Pensões e o Plano de Saúde, tão pouco tendo sido formulado pedido que a essa concreta realidade se reporte.
Nega-se, por isso e nesta parte, provimento ao recurso.
*
V. Fundamentação de facto
V.1. Impugnação da Matéria de Facto
1. Dispõe o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que «[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa», entendendo-se, por apelo a este inciso, que a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova que dispõe a 1.ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Deve, pois, a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o art. 640.º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».
Em síntese, deve o recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto: (i) concretizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (ii) especificar os meios probatórios que, no seu entender, imponham uma solução diversa; e (iii) indicar a decisão alternativa por si pretendida.
Na estruturação do recurso, que, como se sabe, compreende a alegação e a sua síntese conclusiva, apenas se mostra necessário, quando em causa esteja a impugnação da matéria de facto, que, nesta última, o recorrente identifique os pontos de facto impugnados. As respostas alternativas propostas pelo recorrente, os fundamentos da impugnação e a enumeração dos meios probatórios que sustentam uma decisão diferente, podem ser explicitados no segmento da motivação, entendendo-se como suficientemente cumprido o ónus de impugnação quando assim suceda2.
2. Nas conclusões da alegação de recurso, sustenta o apelante que os factos provados constantes dos pontos 35., 36., 37. e 42. deveriam ter sido julgados não provados. Significa isto que, do ponto de vista formal, as conclusões da sua alegação de recurso obedecem ao comando legal que, supra, deixámos enunciado e à interpretação que dele tem vindo a ser uniformemente acolhida pela jurisprudência, visto que, conforme ali dito, na síntese conclusiva apenas se mostra necessário que o recorrente identifique os concretos pontos de facto impugnados.
Esta constatação significa, assim, que sobre o recorrente impenderá o ónus de, no corpo das suas alegações, explicitar os fundamentos da impugnação e enumerar os meios probatórios que a sustentam.
No caso que ora nos ocupa, o apelante limita-se, em bom rigor, a transcrever os fundamentos eleitos pela Mm.ª Juiz a quo com vista a alicerçar a convicção que a conduziu à prova dos enunciados factos, mas sem que, como era seu ónus, indique qualquer outro meio de prova, designadamente testemunhal ou documental, cujo desiderato seja o de revelar a incorrecta valoração da prova pelo tribunal a quo.
É certo que o apelante pretende, apenas, que sobre os factos provados constantes dos pontos 35., 36., 37. e 42. recaia o juízo de «não provados». De todo o modo, a razão de ser da sua pretensão não tem por base a inaptidão dos meios de prova que se prevaleceu o tribunal a quo na fundamentação da decisão dos factos impugnados por deles não se poder retirar o resultado probatório alcançado, designadamente porque desses meios de prova se não retira qualquer alusão ao facto que, depois, vem a ser dado como provado. Ao contrário, o apelante fundamenta o seu dissenso com o juízo emitido pela 1.ª instância com base «nos meios probatórios que consubstanciam a sua versão dos factos» e que, por isso, «impunham decisão diferente» e com base na «contradição existente entre as declarações de parte do autor e o depoimento das testemunhas», concluindo que de uns e de outros a Mm.ª Juiz a quo deveria ter emitido o juízo de não provados dos factos impugnados com recurso ao preceituado no art. 414.º, do Código de Processo Civil. O mesmo é dizer, pois, que o apelante não ancora a sua pretensão na ausência de prova dos factos impugnados, por a eles nenhuma das testemunhas se ter referido, caso em que a imposição do ónus de indicação das concretas passagens das declarações de parte ou dos depoimentos (de parte ou testemunhais) poderia revelar-se iníqua e excessiva3; pelo contrário, o apelante sustenta que o juízo por si defendido deriva da produção de meios de prova entre si contraditórios, aptos a gerar dúvida no julgador, dúvida essa a resolver por apelo ao citado comando processual.
Neste caso e sendo assim, impunha-se ao apelante o ónus de indicação dos meios probatórios que, no seu ver, eram aptos a, por serem contraditórios, gerar a dúvida no julgador. E era também seu o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso de facto, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considerasse relevantes. Ora, nada disto o apelante fez, limitando-se à referência aos seus meios probatórios – que se desconhece quais sejam – e às suas declarações de parte e a depoimentos de testemunhas, não identificando estas últimas e nem indicando as concretas passagens das suas declarações e as das testemunhas que, alegadamente, serão contraditórias.
É, no caso, claramente insuficiente para que se considere cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto a simples transcrição da motivação de facto eleita pelo tribunal a quo, já que, por essa via, o único propósito que logra obter o apelante é o de consentir ao tribunal ad quem a percepção de que dela e da valoração da prova ali acolhida dissente porque entende que outra foi produzida e é apta a colocá-la em crise; mas mais nada de essencial ou substancial consente, designadamente trazer ao tribunal de recurso a razão de ser do dissenso e os elementos de prova em que assenta, sejam os mesmos ou outros mas desde que se evidenciem quais sejam e, em caso de declarações de parte e de depoimento testemunhal, as passagens que importariam juízo probatório distinto e concreta indicação das testemunhas. É que, como vimos, não estamos perante a mera ausência de prova. Antes se está, nos dizeres do apelante, perante contradição entre a prova produzida. E se assim é nada o impedia de identificar qual fosse ela e de indicar, com rigor, os excertos que dela derivam aptos a ancorar a sua pretensão.
A impugnação de facto que, assim, se caracterize, como sucede no presente caso, não é apta ao desiderato que lhe está subjacente e importa, como não poderia deixar de importar, a rejeição da pretensão que assente na sua modificabilidade, por incumprimento dos ónus previstos na lei de processo.
Ante o exposto, rejeita-se, por incumprimento dos respectivos ónus, a impugnação da matéria de facto constante dos pontos 35., 36., 37. e 42..
3. O apelante insurge-se, também, quanto ao facto provado constante do ponto 55., reiterando o que por si já fora alegado em sede de pedido de rectificação da sentença.
De modo que não se nos afigura claro, embora contextualizado na mesma pretensão, alude o apelante a actualizações anuais a que a sua retribuição estaria sujeita por força da negociação colectiva, daí que, se bem se entende a sua alegação, pretenda que o aludido facto reflicta as actualizações entretanto ocorridas.
Ainda no mesmo capítulo, mas sem que se entenda qual a sua relevância na impugnação do facto 55., torna o apelante a aludir ao Fundo de Pensões e ao Plano de Saúde e aos benefícios que, para si, daí decorriam.
3.1. O tribunal a quo procedeu à rectificação do facto provado constante do ponto 55., nos termos que, supra, deixámos expostos.
A rectificação operada não esgota, contudo, a amplitude da impugnação aduzida pelo apelante, visto entender este que o valor da sua retribuição é, na verdade, € 3.441,83 e não € 3.139,00, além do que alude também ao valor do subsídio de alimentação que lhe era satisfeito pela apelada.
Sucede que, na perspectiva da retribuição base mensal, o único meio de prova que o apelante identifica com vista a acomodar a sua pretensão é o seu recibo de vencimento do mês de Janeiro de 2024, do qual, nem mesmo remotamente, se extrai que a sua retribuição ascendesse a € 3.441,83, mensais.
O apelante já havia alegado, na sua contestação ao articulado motivador do despedimento, esta mesma realidade (cfr., os artigos 86.º e 88.º), tendo a mesma merecido impugnação por banda da apelada no que respeita ao valor da retribuição (cfr., os artigos 95.º, 102.º e 103.º, da resposta à contestação).
Considerando, pois, que o meio de prova indicado pelo apelante não consente qualquer alteração ao valor mensal da sua retribuição base, mas considerando, também, o âmbito da alegação produzida pelas partes, donde se extrai a existência de acordo quanto ao valor das diuturnidades e ao valor do subsídio de alimentação, o facto provado constante do ponto 55. reflectirá esta mesma realidade.
O que, no mais, nos é trazido pelo apelante na perspectiva da impugnação da matéria de facto provada constante do ponto 55. não merece, com todo o respeito, o acolhimento deste tribunal.
No que respeita à alegada actualização salarial, inexiste no articulado de contestação do apelante qualquer alusão a essa realidade, não podendo o apelante pretender, sob a temática da impugnação de facto, que se venham a dar como provados factos não alegados e, por isso, não sujeitos a contraditório e a prova. Ainda que assim não fosse, o apelante não indica qualquer meio de prova apto a acomodar a sua pretensão, sendo que as alegadas actualizações salariais não consubstanciam, com todo o respeito, qualquer facto público e notório (até pela natureza eminentemente privatística das negociações que lhes estarão subjacentes).
O demais invocado com vista à impugnação da matéria de facto provada constante do ponto 55. nada tem que ver com a realidade que ali se retrata, sendo que se o apelante pretendia, como parece pretender, que aos factos provados fosse aditada matéria de facto donde decorresse que a apelada dotava, mensalmente, um Plano Complementar de Reforma que era beneficiário deveria claramente assim formular a sua pretensão, ao invés de assim proceder, perdoem-nos a expressão, por portas travessas; deveria, ainda, tê-lo alegado convenientemente, ao invés de optar pela alegação que produziu no seu artigo 84.º, claramente conclusiva por ausente de substractro factual.
Ante o exposto, apenas procede, nesta parte, parcialmente a pretensão do apelante, passando o facto provado 55. a ter a seguinte redacção:
- «55) Em janeiro de 2024, o autor, por ter trabalhado até ao dia 18, auferiu a retribuição de €1883,40 e a título de anuidades o montante de € 181,70, que corresponde à retribuição base de € 3.139,00 (salário base) e € 302,83 de diuturnidades, sendo que ao autor era também satisfeito subsídio de alimentação no valor diário de € 13,77».
*
V.2. São, pois, os seguintes os Factos Materiais relevantes para a boa decisão da causa:
1) O encadeamento temporal do processo disciplinar:
a) Em 23.11.2023, foi proferido despacho de abertura de procedimento disciplinar ao Autor, com suspensão preventiva de funções.
b) Em 27.11.2023, foi enviada ao Autor a Nota de Culpa com intenção de despedimento, tendo continuado suspenso preventivamente; na mesma data foi a Comissão de Trabalhadores notificada da comunicação e da Nota de Culpa.
c) Em 29.11.2023, o Autor recebeu a Nota de Culpa.
d) O Autor não apresentou resposta à Nota de Culpa nem requereu a realização de qualquer diligência.
e) Em 18.12.2023, findo o prazo para o Autor responder à Nota de Culpa, e não tendo sido apresentada qualquer resposta ou requerida qualquer diligência, foi encerrada a fase de instrução.
f) Em 28.12.2023, foi proferido Relatório Final.
g) Em 11.01.2024, a Comissão de Trabalhadores emitiu parecer manifestando oposição ao despedimento, com o seguinte fundamento: “Trata-se de um trabalhador com quase 40 anos de antiguidade na empresa, que sempre exerceu as suas funções profissionais com elevado zelo e dedicação, sem nunca ter sido alvo de qualquer sanção disciplinar e reconhecido pelo seu profissionalismo e competência.”.
h) Em 16.01.2024, foi enviada ao Autor a decisão final e relatório final, efetivamente recebidas por este em 18.01.2024.
i) Em 17.01.2024, foi enviada cópia da decisão final e relatório final à Comissão de Trabalhadores.
2) A Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais da Ré, PT-JUR-PO-001, publicada em 10.05.2023, que é do conhecimento do Autor, prevê, entre outros: “Os dados pessoais não devem ser divulgados a ninguém que não tenha uma necessidade legítima de os receber. A CIMPOR deve determinar se a partilha dos dados pessoais é realmente necessária para o fim em vista e não deve partilhar mais dados pessoais do que os necessários para o mesmo.”
3) O Autor também conhece o Princípio Geral da Conformidade Legal, que consta no Código de Conduta da Ré que prevê: “O estrito cumprimento das disposições legais aplicáveis deve constituir o princípio basilar das políticas de gestão da CIMPOR e da conduta dos seus colaboradores. Aqui se inclui a proteção de dados pessoais, a defesa da concorrência, a prevenção da corrupção e branqueamento de capitais, a segurança e saúde no trabalho, a proteção contra o assédio e a discriminação, entre todos os outros”.
4) Em reunião da Comissão Executiva de 20.07.2023 a Ré, com vista a reduzir o aumento dos custos com, decidiu analisar a possibilidade de deixar de aplicar os benefícios complementares na Assistência na Doença, em vigor, aos trabalhadores reformados e suas famílias.
5) Em reunião da Comissão Executiva de 07.09.2023, foi pela Ré decidido implementar a seguinte medida: “alterar a norma PT-RH-NO-006 – Benefícios Complementares na Assistência na Doença – Cimpor Indústria – no sentido de esta deixar de se aplicar -, com efeitos a 20-10-2023, a quaisquer situações de reforma atuais e futuras, de ex-trabalhadores ou trabalhadores da Cimpor Indústria e respetivos beneficiários de sobrevivência.”, o que foi comunicado aos ex-trabalhadores reformados, por carta (datada de 15-09-2021), no dia 21.09.2023.
6) Em data não concretamente apurada, trabalhadores da área de Recursos Humanos da Ré foram contactados por ex-trabalhadores, relativamente ao alcance desta revisão dos Benefícios Complementares na Assistência na Doença. (10 AMD)
7) Esses contactos foram feitos por um grupo de reformados beneficiários do plano de Saúde/Assistência na Doença (“Grupo”) que, entretanto, se foi organizando com vista a promover e criar um movimento de reação contra a referida decisão.
8) Para este efeito, o Grupo diligenciou no sentido de contactar e reunir os reformados beneficiários do Plano de Assistência na Doença, dispersos pelo país, sendo que, para um contacto inicial, tornou-se necessário recolher a informação que passava, desde logo, pela situação de reformado, nome e morada desses reformados.
9) Neste âmbito, e com vista a recolher tal informação, DD (antigo Diretor de Recursos Humanos da Ré), em representação do Grupo, entrou em contacto com BB (Diretora de Estudos e Relações Laborais), e CC (Técnica de Recursos Humanos), que havia chefiado no passado, através de chamadas telefónicas, tendo solicitado dados pessoais referentes aos trabalhadores reformados:
a) 20.09.2023 (9h20) e 21.09.2023 (9h35) - CC foi contactada, via chamada telefónica, por DD, tendo-lhe sido solicitada a entrega, de uma pen com a listagem completa de todos os reformados e pensionistas, com informação quanto às moradas.
b) 21.09.2023 (10:32) - BB foi contactada, via chamada telefónica, por DD, que lhe solicitou a entrega de uma lista dos beneficiários do plano de saúde reformados ou pensionistas de sobrevivência, sugerindo que tal lista fosse entregue por meio de uma pen.
10) Tais contactos revelaram-se infrutíferos já que estas trabalhadoras informaram DD que jamais iriam transmitir tais dados pois, para além de se traduzir numa deslealdade para com a Ré, poria em causa os seus postos de trabalho.
11) A Ré acabou por tomar igualmente conhecimento das ações promovidas pelo Grupo através de um pedido de esclarecimentos feito por um ex-trabalhador.
12) Com efeito, no dia 17.10.2023, a Ré recebeu um email de EE, ex-trabalhador e reformado que, não compreendendo o alcance de uma carta que tinha recebido do Grupo sobre o Plano de Saúde, questionou a Ré sobre a mesma, anexando-a ao email. (fls. 137 verso)
13) Na referida carta é clara a tentativa do Grupo de recrutar este ex-trabalhador para o seu movimento.
14) Posteriormente, 7 outros ex-trabalhadores solicitaram esclarecimentos sobre a receção de carta idêntica: FF, número 10900821, GG, número 10120170, HH, número 10800356, II, número 10900817, JJ, número 10120866, KK, número 10120299 e LL, número 10900694.
15) Ao receber cópia das referidas cartas, a Ré questionou-se sobre a forma como o Grupo teria obtido os dados pessoais destes ex-trabalhadores (nomes/moradas/situação), já que as duas colaboradoras contactadas recusaram prestar tal informação.
16) Dada a gravidade da situação e com vista a apurar o que tinha ocorrido, a Ré procedeu a uma investigação interna, no âmbito da qual o Departamento de informática, com base numa amostragem de apenas cinco reformados (nºs 10120026, 10120032, 10120033, 10120035 e 10120038) num universo de cerca de 900, analisou se havia ocorrido alguma extração de dados na base de dados (SAP) onde os dados pessoais do universo dos seus trabalhadores e ex-trabalhadores se encontram registados.
17) Após esta análise foi detetado que dois trabalhadores da área de Recursos Humanos, o Autor e a trabalhadora MM, acederam a dados pessoais de trabalhadores reformados.
18) No dia 23.10.2023, no âmbito da sua análise, o Departamento de informática apurou que o Autor acedeu à base de dados SAP, no dia 21.09.2023, às 16:02 – curiosamente, no mesmo dia e poucas horas depois do Grupo ver os seus pedidos recusados por BB e CC -, tendo copiado os dados pessoais de todos os trabalhadores reformados para um dispositivo externo (disco externo tipo bloco).
19) A análise concluiu, ainda, que a trabalhadora MM também acedeu à base de dados SAP no dia 25.09.2023, às 14:42, para copiar os dados pessoais dos trabalhadores reformados para o ambiente de trabalho do seu computador.
20) Os dados pessoais em causa referem-se (i) ao nome completo, (ii) género, (iii) data de nascimento, (iv) local de nascimento, (v) número de cartão de cidadão, (v) número de identificação fiscal, (vi) número de segurança social e (vii) morada, de cada um dos trabalhadores reformados.
21) O universo de reformados, e ex-beneficiários do Plano de Saúde em causa, corresponde a um total de 1337 pessoas.
22) No mesmo dia, 23.10.2023, o Autor e a trabalhadora MM foram suspensos preventivamente de funções até à elaboração de Nota de Culpa e os seus acessos ao sistema informático da Ré foram bloqueados.
23) O computador do Autor foi ainda apreendido e selado.
24) No dia 24.10.2023, a empresa Oramix, especialista forense em IT e Cibersegurança, iniciou uma perícia de forma a determinar: (i) se o Autor efetivamente acedeu e copiou, no dia 21.09.2023, os dados pessoais de todos os trabalhadores reformados, (ii) se o Autor, em outros dias, procedeu à cópia de outros dados para unidades externas, e (iv) se outros trabalhadores da Ré acederam aos dados pessoais do universo de 1337 ex-beneficiários do Plano de Saúde.
25) Face à situação supra descrita, no dia 25.10.2023, a Ré fez à CNPD a comunicação legalmente obrigatória de violação dos dados pessoais constantes da sua base de dados, notificação PT.DB.....C6FFHX (junta ao PD), a qual poderá desencadear uma investigação oficial por parte desta entidade e eventual aplicação de coimas.
26) A Oramix apurou que o Autor acedeu aos dados pessoais da totalidade dos trabalhadores reformados (1337), sendo que o registo de acesso a 212 trabalhadores reformados apenas dizia respeito aos que foram visualizados pelo Autor no ecrã do seu computador.
27) Ou seja, o sistema apenas coloca em LOG no SAP Personal Data Protector os dados visualizados no ecrã do computador, mas o download dos dados dos trabalhadores reformados, com uma dimensão de 359,456 Bytes, contém os dados de todos os trabalhadores reformados (1337).
28) Por comparação, ao ser feito um download do mesmo relatório, mas com apenas 951 trabalhadores reformados, a dimensão do download é de 353,155 Bytes.
29) No dia 26.10.2023, a especialista forense Oramix enviou à Ré os registos informáticos do computador do Autor, por referência ao período de 18.09.2023 a 25.09.2023.
30) Estes registos demonstram a cópia de dezenas de ficheiros para um dispositivo externo (o computador do Autor apenas tem uma unidade interna denominada C:, pelo que a unidade identificada como D: corresponde a uma unidade externa).
31) Assim, apurou-se que o Autor copiou para um disco externo, nos dias 21 e 22 de setembro de 2023, os seguintes ficheiros, sendo os referidos em a. A t., propriedade da Ré e os restantes do autor.
a. date=2023-09-21 time=12:59:33 file=D:\Lixo\O.S.13_80.pdf
b. date=2023-09-21 time=13:05:38 file="D:\\Lixo\\Quotas de Ago23 para o FP.xls"
c. date=2023-09-21 time=13:08:03 file="D:\\Lixo\\Aumentos Pensionistas Cimpor
2023_10,29%.xlsx"
d. date=2023-09-21 time=16:10:37 file=D:\Lixo\Pen&Ref_2309.XLSX
e. date=2023-09-21 time=16:20:43 file=D:\Lixo\4E162F50
f. date=2023-09-21 time=16:58:16 file=D:\Lixo\46884F50
g. date=2023-09-21 time=16:59:17 file=D:\Lixo\FD094F50
h. date=2023-09-22 time=00:41:33 file="D:\\Lixo\\O.S. 9_79_ RegFFSociais.pdf"
i. date=2023-09-22 time=00:43:14 file="D:\\Lixo\\O.S 5_84.pdf"
j. date=2023-09-22 time=00:46:31 file="D:\\Lixo\\O.S. 21_87.pdf"
k. date=2023-09-22 time=00:47:32 file="D:\\Lixo\\O.S. 32_87.pdf"
l. date=2023-09-22 time=00:48:32 file=D:\Lixo\O.S.1_93.pdf
m. date=2023-09-22 time=00:49:34 file="D:\\Lixo\\O.S. 20_95.pdf"
n. date=2023-09-22 time=00:51:23 "D:\\Lixo\\Norma PT-RH-NO-006.pdf"
o. date=2023-09-22 time=00:59:13 file="D:\\Lixo\\Despacho CE_01_2000.pdf"
p. date=2023-09-22 time=01:00:15 file="D:\\Lixo\\O.S. 03_2011.pdf"
q. date=2023-09-22 time=01:01:15 file="D:\\Lixo\\O.S. 4_2006.pdf"
r. date=2023-09-22 time=10:29:31 file="D:\\Lixo\\O.S. 5_2004.pdf"
s. date=2023-09-22 time=11:41:41 file="D:\\AdvanceCare\\CIbc_Anexo E.pdf"
t. date=2023-09-22 time=11:42:42 file="D:\\AdvanceCare\\CIbc_Anexo D.pdf"
u. date=2023-09-22 time=22:58:51 file="D:\\ZZ_backup\\ALM_MyDisk\\ALMendes\\
Dados\\Words\\PEDIDO DE COMPARTICIPAÇÃO_03.doc"
v. date=2023-09-22 time=22:59:52
file="D:\\ZZ_backup\\ALM_MyDisk\\ALMendes\\Dados \\Words\\PEDIDO
DECOMPARTICIPAÇÃO_Luís.doc"
w. date=2023-09-22 time=23:00:52
file="D:\\ZZ_backup\\ALM_MyDisk\\ALMendes\\Dados \\Words\\ PEDIDO DE
COMPARTICIPAÇÃO_06.doc"
x. date=2023-09-22 time=23:01:52
file="D:\\ZZ_backup\\ALM_MyDisk\\ALMendes\\Cimpor
\\CIMPOR2\\AdvanceCare\\Pedido de comparticipação.pdf"
y. date=2023-09-22 time=23:02:58 file="D:\\Dados\\Cimpor\\Cimpor\\CIMPOR2\\
AdvanceCare\\Reembolso Advancecare_13_ALM+JB.docx"
z. date=2023-09-22 time=23:03:52
file="D:\\ZZ_backup\\ALM_MyDisk\\ALMendes\\Dados \\Words\\PEDIDO DE
COMPARTICIPAÇÃO_02.doc"
aa. date=2023-09-22 time=23:04:59 file="D:\\Dados\\Cimpor\\Cimpor\\CIMPOR2
\\AdvanceCare\\Reembolso Advancecare.docx"
bb. date=2023-09-22 time=23:05:52
file="D:\\ZZ_backup\\ALM_MyDisk\\ALMendes\\Dados \\Words\\PEDIDO DE
COMPARTICIPAÇÃO_01.doc"
cc. date=2023-09-22 time=23:06:52
file="D:\\ZZ_backup\\ALM_MyDisk\\ALMendes\\Dados \\Words\\PEDIDO DE
COMPARTICIPAÇÃO_Luís (2).doc"
dd. date=2023-09-22 time=23:07:52
file="D:\\ZZ_backup\\ALM_MyDisk\\ALMendes\\Dados \\Words\\PEDIDO DE
COMPARTICIPAÇÃO_05.doc"
ee. date=2023-09-22 time=23:08:52
file="D:\\ZZ_backup\\ALM_MyDisk\\ALMendes\\Dados \\Words\\PEDIDO DE
COMPARTICIPAÇÃO_04.doc"
32) Com estes registos verifica-se que, além do acesso e cópia de dados pessoais de trabalhadores reformados, o Autor efetuou cópia, para uma unidade externa, que lhe havia sido fornecida pela Ré, mas que esta não controla quando desligada do portátil do autor, de 31 ficheiros da Ré, todos relacionados com o Plano de Saúde, designadamente Ordens de Serviço com 20, 30 e até 40 anos de antiguidade (ex. OS. 9_79).
33) Para além do acesso ao sistema informático em horas que o Autor não estava de serviço (22.09.2023, entre as 22:58:51 e as 01:01:15), é ainda possível aferir que o Autor passou horas do seu tempo de trabalho a retirar, sem autorização da Ré, os ficheiros identificados para uma unidade externa.
34) Como se pode ver pelos ficheiros, no dia 22.09.2023, pelo menos entre as 10:29:31 e as 11:42:42, o Autor esteve a fazer download e gravação dos ficheiros identificados para um disco externo.
35) Depois de realizar o download para um disco externo de todos os dados e ficheiros referidos, o Autor entregou os elementos ao Grupo, de forma deliberada, com o objetivo de estes lograrem intentar ação judicial de impugnação da decisão da Ré sobre o Plano de Saúde, a fim de reverter a situação.
36) O Autor exercia, no Serviço de Desenvolvimento RH, funções de avaliação de desempenho dos trabalhadores da Ré, funções que em nada se cruzam com informação relacionada com trabalhadores reformados da Ré ou com o Plano de Saúde – motivo pelo qual não existe qualquer justificação para o Autor necessitar de aceder à referida informação, muito menos à sua cópia para um dispositivo externo.
37) Assim, o Autor aproveitou o facto de trabalhar na área de Recursos Humanos e ter acesso à base de dados SAP para, sem autorização da Ré fornecer a terceiros, ex-trabalhadores da Ré, dados pessoais de ex-trabalhadores.
38) Acresce que, os documentos referentes às ordens de serviço e outra regulamentação interna encontram-se alojados numa pasta de rede de outro serviço, a que o Autor não deveria ter permissão para aceder, nem tem necessidade de efetuar tal acesso para o desempenho das suas funções; o Autor apenas tinha permissão para aceder a essa pasta por já ter pertencido ao serviço em questão e o seu acesso não ter sido bloqueado.
39) Esta atuação do Autor representa ainda um risco para os trabalhadores reformados e Ré, que poderão ver os seus dados serem fornecidos a quem não tem autorização para o efeito.
40) A atuação do Autor é suscetível de sujeitar a Ré, sociedade inserida no mercado a nível mundial, a investigações e auditorias pelas entidades públicas competentes, potenciais aplicações de contraordenações, responsabilidade civil em relação aos titulares dos dados pessoais que foram desviados e coloca em causa a sua reputação e bom nome perante todos os stakeholders.
41) Foi apresentada uma queixa-crime contra o Autor, a qual se encontra em fase de inquérito, Proc. n. 12/24.9T9LSB, 5.ª Secção do DIAP de Lisboa, cfr. Doc. n. 2 que se junta.
42) O autor entregou todos esses dados e documentos ao referido grupo, com o intuito de permitir a este grupo munir-se de informações para agir judicialmente contra a Ré, no sentido de repor o Benefício Complementar – Assistência na Doença.
43) Com os comportamentos descritos, o Autor abalou a confiança que a entidade empregadora tinha em si.
44) O Autor foi admitido como trabalhador da Cimpor – Cimentos de Portugal, EP, com a categoria de Dactilógrafo de 2.ª ano, no dia 1 de julho de 1984. (Cfr. doc. junto pela EE a fls. 29)
45) No dia 1 de dezembro de 2003 o Autor foi cedido pela CIMPOR – Indústria de Cimentos (que integrou o autor no seu quadro de pessoal) à Cimpor – Serviços de Apoio à Gestão, actualmente Cimpor Serviços, SA, para onde foram cedidos os trabalhadores não ligados diretamente à produção).
46) À data do despedimento (18-01-2024) o Autor contava com 64 anos, era portador da doença de Parkinson, diagnosticada no mês de março de 2012 e de uma incapacidade permanente global de 62%, conforme atestado multiusos desde 19-05-2021 (fls. 264 verso)
47) O autor à data do despedimento tomava medicação por causa da referida doença.
48) A doença tem -se vindo a agudizar, também por causa do despedimento.
49) À data do despedimento o autor tinha a categoria de “Licenciado do Grau III/Técnico Superior de Recursos Humanos), com um histórico evolutivo em quase todas as áreas da Estrutura dos Recursos Humanos.
50) Em 2023, o autor trabalhava na Direção dos Recursos Humanos da Ré, na área de desenvolvimento, que inclui a área da formação e realizava as seguintes tarefas:
- Acompanhar e avaliar a seleção de Jovens para formação dedicada no Cenfim, com vista à sua integração;
- Apoiar e colaborar no desenvolvimento dos Relatórios de BI/BW para extração de report’s SAP/RH e com o objectivo de uniformizar, melhorar relativamente aos trabalhadores no ativo.
- facilitar a identificação de inconsistências e erros, com vista à melhoria das funcionalidades das diferentes ferramentas em uso.
- Relançar o processo de avaliação de desempenho dos operacionais e chefias das
- Participar nos Testes SAP para subida dos suport packages de implementação de uma release para os módulos de LSO e SGD;
- Participar no grupo de trabalho para desenvolvimento e implantação do novo portal, na parte do Employe Self Service (ESS) e Manager Self Service (MSS);
- Implantar um novo sistema de identificação, desenvolvimento e gestão de competências, o qual devia incorporar o diagnóstico à formação e também a formação da Colega NN no módulo de gestão da formação (LSO);
- Acolher e integrar Jovens na Academia (que, curiosamente ocorreu num dia de manifestação de Reformados) estando o A. com os Jovens na Portela de Sintra – 20 de Outubro de 2023;
51) O Autor na reunião da DRH de 20 de setembro alertou para o facto de o aumento dos custos do pessoal estar a dever-se – como o Conselho de Administração bem sabia – a outros fatores não relacionados com o plano de saúde e muito menos com os reformados, pensionistas e órfãos.
52) O autor está ansioso e receoso do seu futuro por ter medo de perder o acesso ao fundo de pensões. O autor tem direito a um prémio de desempenho anual e a 15% do adicional de subsídio de férias por ser trabalhador da Ré, cedido à Cimpor – Serviços, SA.
53) Foi cedido ao autor um computador portátil exclusivamente para uso da sua função, tal como, em 2018 um disco externo, [Western Digital com 1,5 TB] que lhe foi fornecido pela Empresa (Serviços), para levar consigo para Cabo Verde, no Projecto da Nova Imagem InterCement) e para fazer formação externa.
54) O autor era um trabalhador zeloso e dedicado.
55) Em janeiro de 2024, o autor, por ter trabalhado até ao dia 18, auferiu a retribuição de €1883,40 e a título de anuidades o montante de € 181,70, que corresponde à retribuição base de € 3.139,00 (salário base) e € 302,83 de diuturnidades, sendo que ao autor era também satisfeito subsídio de alimentação no valor diário de € 13,77.44
*
VI. Fundamentação de Direito
Considerando a definição do objecto do recurso e as questões que, nesta fase, se impõem conhecer, é tempo, então, de enfrentar a essencial questão que nos é trazida pelos recursos interpostos pelas partes, consubstanciada na verificação, ou não, da justa causa de despedimento do trabalhador, sendo que da solução que quanto a ela se alcançar está dependente o conhecimento do demais que é objecto do recurso deste último.
1. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebe expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º, da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»).
No plano infraconstitucional, estando em causa um despedimento cujos efeitos se produziram em 18 de Janeiro de 2024 (cfr., a alínea f), do facto provado 1.), há que atender à disciplina legal do despedimento por facto imputável ao trabalhador contida no Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em vigor a partir de 17 de Fevereiro de 2009, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem.
2. A sentença recorrida enunciou, de forma suficiente e fundamentada, os pressupostos que subjazem à aplicação da mais gravosa das sanções disciplinares – o despedimento –, enfatizando, por um lado, os deveres a que o trabalhador, ora apelado, estava sujeito, e, por outro, o nexo causal entre os comportamentos integradores da violação desses deveres e a sanção que lhe foi aplicada, vindo a concluir pela sua desproporcionalidade.
Importa, assim, neste conspecto, apenas realçar que a existência de justa causa do despedimento depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador; (ii) e outros dois de natureza objectiva, que se traduzem na gravidade do comportamento e respectivas consequências danosas e na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, ou seja, a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
A imputação culposa dos factos – que pode assumir-se dolosa ou meramente negligente – pressupõe a assunção, pelo trabalhador, de comportamento – activo ou omissivo – subsumível na violação de qualquer um dos deveres estruturantes da relação laboral.
Doutro passo, o comportamento do trabalhador terá que, pela sua natureza e pelas consequências que produz, impossibilitar a subsistência do contrato de trabalho, sendo que, em todo o caso, a ponderação a efectuar obedece a critérios de objectividade e razoabilidade, isto é, a gravidade do comportamento culposo do trabalhador deve ser aferida com segundo o entendimento de um pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade empregadora subjectivamente entenda. A impossibilidade prática de subsistência da relação laboral verificar-se-á, assim, apenas e só se deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral represente uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
No art. 351.º, n.º 2, estão enunciados, de forma exemplificativa, os comportamentos que, assumidos pelo trabalhador, são susceptíveis de integrar a noção de justa causa de despedimento. Todavia, a simples correspondência objectiva aos modelos de comportamentos prefigurados na lei não justifica, só por si, a ruptura do vínculo laboral, não se dispensando que a apreciação dos factos seja feita à luz das circunstâncias em que ocorreram, do nível cultural e social do infractor, do respectivo meio de trabalho, e de todas as demais circunstâncias susceptíveis de convencerem da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
Por fim, exige-se o necessário nexo de causalidade entre a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho e o comportamento do trabalhador e que se traduz na circunstância de aquela impossibilidade ter que derivar, por necessário, desse comportamento.
3. Tal como decorre da decisão disciplinar proferida pela apelante, a sanção disciplinar aplicada – o despedimento sem indemnização ou compensação – alicerçou-se, fundamentalmente, na assunção, pelo trabalhador apelado, de comportamentos integradores da violação dos deveres de boa fé, de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, de lealdade, de defesa dos interesses patrimoniais da empresa e de não divulgar informações sobre assuntos cuja revelação tenha sido expressamente proibida ou da qual resultem prejuízos para a empresa, comportamentos esses que, no seu ver, pela sua gravidade, integram a justa causa de despedimento à luz do disposto nas alíneas d) e e) do n.º 2 do art. 351.º do Código do Trabalho.
4. A Mm.ª Juiz a quo, depois de convocar a factualidade pertinente, concluiu não estar em causa a violação do dever de realização do trabalho com zelo e diligência, já que a actuação do trabalhador terá ocorrido à margem de qualquer tarefa ou actividade que, pela apelante, lhe estivesse acometida. Mas concluiu, também, que «o autor violou o dever de boa fé no exercício das funções, violou os “direitos e garantias de trabalhadores da empresa” – artigo 351.º, n.º b) do CT, violou o dever de guardar lealdade ao empregador não divulgando informações referentes à sua organização e violou os deveres de não aceder a dados pessoais sem a devida autorização e justificação e ainda de copiar e transferir dados pessoais sem consentimento, sendo as suas condutas suscetíveis de poder configurar os tipos de crimes previstos nos artigos 47.º e 48.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto» e que os comportamentos integradores da violação desses deveres eram culposos e graves.
No confronto, porém, entre os comportamentos do trabalhador e a impossibilidade prática de manutenção do contrato de trabalho, a Mm.ª Juiz a quo concluiu que, a par da inexistência da prova de danos efectivos, também a empregadora não provou que a subsistência do vínculo tivesse ficado irremediavelmente comprometida, sendo, por isso, desproporcional a sanção aplicada.
5. O trabalhador, no recurso que interpôs, refuta a assunção de qualquer comportamento susceptível de integrar a violação dos deveres laborais que sobre si recaiam.
Há que dizer, contudo, que a alegação que produz nesse sentido estava, em elevada medida, dependente da alteração da matéria de facto, o que, como vimos, não mereceu procedência. Na verdade, a impugnação da matéria de facto sugerida pelo trabalhador no recurso que interpôs pressupunha, em caso de procedência, que os factos que fundamentalmente constituem a essência dos comportamentos desvaliosos passassem a constar do elenco dos factos não provados, donde resultaria que o substracto factual em que assentou a sentença recorrida e a valoração que dele, aí, foi feita desaparecia.
A subsistência, todavia, do elenco dos factos provados provindos da 1.ª instância não consente, assim, a pretensão do trabalhador, sendo que a conjugação dos factos provados constantes, essencialmente, dos pontos 31. a 37. evidenciam, de modo claro, o desvalor, no contexto da sua relação laboral com a sua então entidade empregadora, do seu comportamento. O trabalhador, prevalecendo-se das suas funções e dos acessos a dados informáticos que, por via delas, tinha, copiou bases de dados contendo, entre outros, dados pessoais de vários ex-trabalhadores da sua entidade empregadora, facultando-os, depois, a um grupo desses ex-trabalhadores supostamente afectados com antecedente decisão da empregadora relacionada com os benefícios complementares na assistência na doença. O trabalhador, conhecedor da Política de Privacidade e Protecção de Dados Pessoais e das Regras do Código de Conduta vigente na sua empregadora, de entre elas justamente a da protecção de dados pessoais, não se inibiu não apenas de copiar dados pessoais de ex-trabalhadores – cujo acesso sequer era inerente às suas funções – como não se coibiu, depois, de os ceder a terceiros. A divulgação de dados pessoais, não sendo proibida, estava dependente de avaliação da entidade empregadora e de sua decisão, enquadradas ambas pelos princípios da necessidade e da proporcionalidade, não se surpreendendo, no elenco das funções do trabalhador, que essa avaliação e decisão estivessem em si delegadas. Mais, a indiscriminada divulgação dos dados pessoais, abrangendo um muito elevado número de ex-trabalhadores da empregadora, dá evidente nota que aqueles princípios sequer foram equacionados pelo trabalhador. É indiferente, neste conspecto, que os terceiros a quem os dados pessoais foram facultados pretendessem com eles a prossecução de um fim legítimo, sendo indiferente, também, que ao trabalhador merecesse simpatia essa finalidade. A montante desse fim e da simpatia que porventura ele merecesse por banda do trabalhador estavam os deveres a que estava adstrito por força da sua qualidade, neles avultando, necessariamente, o da boa-fé e o da lealdade, mormente na vertente da impossibilidade de divulgar informações referentes à organização, métodos de produção ou negócios do empregador. Isto para dizer, recorrendo a um lugar comum, que os fins não justificam, naturalmente, os meios, sobretudo quando estes supõem o incumprimento de deveres a que o trabalhador, por força do contrato de trabalho, se obrigou a respeitar e que não pode desconhecer que, a jusante, se poderão traduzir num evidente prejuízo do seu empregador (material ou de outra natureza).
Ante o exposto não há como não aderir, neste conspecto, ao decidido na 1.ª instância quando, reflectindo sobre o comportamento do trabalhador, o qualifica doloso, grave e muito intensamente violador de deveres laborais estruturantes da relação laboral, como são os da lealdade e boa-fé.
Desta feita não há como conceder razão ao trabalhador, no sentido da inexistência de comportamento integrador da violação de deveres laborais, o que se não se intuía já por força da rejeição da impugnação da matéria de facto, é uma evidência face ao que se deixou exposto.
6. Já dissemos que a Mm.ª Juiz a quo entendeu que, não obstante a flagrante e grave violação de deveres laborais, os comportamentos que os densificam não eram aptos a quebrar irremediavelmente confiança que preside ao vínculo laboral. Desta feita e em presença do elenco das várias sanções disciplinares passíveis de aplicação, a Mm.ª Juiz a quo entendeu ser excessiva e desproporcional a sanção expulsiva. É justamente contra este enquadramento que se insurge a entidade empregadora no recurso que interpôs, pugnando, a final, pela justeza e adequação da sanção aplicada.
Os factos dados como provados, muito em particular os que constam dos pontos 2., 3., 26., 31., 32., 35. e 37. revelam um muito intenso desvalor da conduta do trabalhador que foi, como vimos, enquadrado na violação de deveres estruturantes do vínculo laboral susceptíveis de, à luz do disposto no art. 351.º, n.º 2, als. d) e e), constituírem justa causa de despedimento.
A par da gravidade do comportamento, a lei exige, na ponderação da aplicação da mais gravosa das sanções disciplinares, que se avaliem as consequências por aquele geradas, designadamente do ponto de vista do seu impacto na relação de fidúcia que inere ao vínculo laboral, bem como que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que, no caso, sejam relevantes.
Não cremos, ao contrário do decidido em 1.ª instância, que o comportamento do trabalhador não haja consequenciado danos efectivos na esfera jurídica da sua empregadora, susceptíveis, por isso, de irremediavelmente comprometerem a confiança que em si era depositada. Os danos não têm, conforme já enfatizado, que ser danos materiais ou consubstanciar prejuízos efectivos.
No caso em apreço, a entidade empregadora, a par do confronto com vários pedidos de esclarecimentos decorrentes das cartas enviadas pelo grupo a quem o trabalhador entregou os dados pessoais de vários ex-trabalhadores (factos provados sob os pontos 12. e 14.), teve que, em face disso, determinar a realização de uma investigação interna e, depois, solicitar os serviços de uma empresa externa, a Oramix, com vista à realização de uma perícia informática (factos provados sob os pontos 16. e 24.). Tratam-se de procedimentos que, não fora a conduta do trabalhador, não teriam que ter sido encetados e que, obviamente, tiveram, pelo menos, dispêndio de tempo de trabalhadores da empregadora. Doutro passo, como nota a empregadora, parte dos comportamentos do trabalhador ocorreram em período de trabalho (facto provado sob o ponto 34.) e, portanto, revertem em tempo de trabalho que a empregadora não beneficiou da prestação do trabalhador e/ou da sua disponibilidade para isso (revertem, aliás, para tempo em que o trabalhador enceta comportamentos contrários ao interesse da sua entidade empregadora).
A par do exposto, há que notar, como há longo tempo se salienta na jurisprudência, que a diminuição da confiança resultante da violação de deveres laborais não está dependente da verificação de prejuízos, bastando a criação de uma situação apta a gerá-los5.
No caso em apreço, para além da comunicação encetada pela empregadora e dos efeitos que lhe poderão estar associados (cfr., o facto provado constante do ponto 25.), há ainda a relevar o risco associado à divulgação de dados de um leque muito significativo de pessoas e que poderá servir os mais diversos intentos, bem como a possível sujeição da entidade empregadora a toda uma série de investigações e auditorias, com consequências imprevisíveis, é certo, mas que não são de todo improváveis (cfr., os factos provados constantes dos pontos 39. e 40.). Finalmente, se a finalidade da divulgação dos dados não era, em si mesma, ilícita, já que não será ilícita a propositura de uma acção em juízo, é para nós evidente que não caberia à entidade empregadora munir o grupo que contra si pretendia agir judicialmente de elementos essenciais para esse efeito, o que concorre com os efeitos que dessa acção judicial poderão advir e dos meios que para ela terão que ser necessariamente mobilizados. Não significa o exposto que o dito grupo estaria impedido de agir judicialmente contra a entidade empregadora não fora a actuação do trabalhador. De todo o modo, ao facultar dados pessoais de um vasto leque de ex-trabalhadores da empregadora o trabalhador facilitou muito significativamente a acção do grupo, em evidente confronto com o interesse que, atenta a sua qualidade, se lhe impunha proteger (como o fizeram, aliás, duas suas colegas de trabalho – cfr., factos provados sob os pontos 9. e 10.).
Desta feita e em face do que vem de se expor, é para nós notório que o trabalhador quebrou, de modo irremediável, a confiança que em si foi depositada pela entidade empregadora. Um trabalhador que, aproveitando as suas funções e sem qualquer consentimento, retira dados pessoais de vários ex-trabalhadores com vista a entregá-los a terceiros cujo fito é judicialmente agir contra a sua empregadora torna inviável, por completo, a possibilidade de manutenção da relação laboral por ter por efeito a amputação do elo essencial que permite a sua subsistência, a saber, a confiança. Jamais pode a entidade empregadora crer que em situação porventura idêntica o trabalhador não volte a fazer o mesmo, independentemente das motivações que estejam subjacentes ao seu procedimento. A quebra de confiança não se esgota, por outro lado, na mera e simples constatação da acção do trabalhador, sendo que os efeitos que desta decorrem e aqueles outros que podem vir a produzir-se renovam, a cada passo, a impossibilidade de manutenção do vínculo.
Doutro passo, a circunstância de o trabalhador ter sido, ao longo de várias décadas, um trabalhador zeloso e cumpridor tem a virtualidade de gerar no seu empregador a convicção que nele pode depositar inteira confiança, daí que um acto que a comprometa se revista, neste contexto, de uma intensidade tal que impossibilita a sua reposição. Finalmente, a antiguidade do trabalhador na entidade empregadora deveria ter por significado um forte apelo à confiança e à lealdade que lhe deveria dedicar, funcionando esse critério, assim, não como atenuação do seu comportamento, mas antes como um forte agravamento da sua conduta.
A confiança gerada pela prestação aparentemente imaculada do trabalhador e pela sua antiguidade reclamaria que tivesse adoptado conduta diversa da que adoptou, sendo que quanto mais intensa a relação de confiança existente entre as partes – que inequivocamente se solidifica com o tempo – maior é a dificuldade da reposição deste valor em casos cujos contornos o abalam de forma praticamente irreversível.
Tendo presente que a averiguação da existência da impossibilidade prática da relação de trabalho ou da inexigibilidade da sua subsistência deve ser feita em concreto, à luz de todas as circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, mediante o balanço dos interesses em presença, e pressupõe um juízo objectivo, segundo um critério de razoabilidade e normalidade, cremos, no caso sub judice, inexistir qualquer circunstância atendível e susceptível de diminuir o desvalor inerente aos apurados comportamentos do trabalhador, os quais são, em si, suficientes para conduzir a um juízo de inviabilidade da relação laboral.
Em suma, e como decorre do exposto, o comportamento prosseguido pelo trabalhador é grave e justifica plenamente, à luz dos critérios expostos, que a sua entidade empregadora lhe tenha aplicado a sanção do despedimento, por se subsumir aquele no conceito de justa causa, tal como é enunciado no art. 351.º, n.º 1.
Procedem, assim, as alegações da apelante empregadora, impondo-se a revogação da sentença e absolvição da apelante de todos os pedidos6.
7. A solução alcançada em 6. demanda que se julguem prejudicadas as demais questões que pelo trabalhador nos foram colocadas em sede recursória porque essencialmente assentes na que pretendia fosse a manutenção do juízo de ilicitude do despedimento. Assim não tendo sucedido, naturalmente que fica sem sentido que se apreciem pedidos que tinham justamente por subjacente a subsistência daquela decisão.
8. Porque ficou vencido em ambos os recursos – no que interpôs e no interposto pela entidade empregadora – incumbe ao trabalhador o pagamento das custas respectivas (art. 527.º, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
VII. Decisão
Em face do exposto:
a. altera-se a redacção do facto provado 55., passando o mesmo a ter o seguinte teor: «55. Em janeiro de 2024, o autor, por ter trabalhado até ao dia 18, auferiu a retribuição de €1883,40 e a título de anuidades o montante de € 181,70, que corresponde à retribuição base de € 3.139,00 (salário base) e € 302,83 de diuturnidades, sendo que ao autor era também satisfeito subsídio de alimentação no valor diário de € 13,77»;
b. nega-se provimento ao recurso do trabalhador;
c. concede-se provimento ao recurso da entidade empregadora e, revogando-se a sentença recorrida, absolve-se aquela de todos os pedidos.
*
Custas de ambos os recursos a cargo do trabalhador.

Lisboa, 24 de Setembro de 2025
Susana Martins da Silveira
Manuela Fialho
Francisca Mendes
_______________________________________________________
1. Cfr., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2022, proferido no Processo n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, acessível em www.dgsi.pt.
2. Cfr., o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17/10/2023, publicado no Diário da República nº 220/2023, Série I, de 14/11/2023; cfr., igualmente e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de 1 de Outubro de 2015, proferido no Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, de 14 de Janeiro de 2016, proferido no Processo n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, e de 19 de Fevereiro de 2015, proferido no Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1.
3. Cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Janeiro de 2014, proferido no Processo n.º 9314/09.3TBVNG.P1, acessível em www.dgsi.pt.
4. Após rectificação e após a alteração constante do ponto V.1.3.1..
5. Vide os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.12.12 (Recurso n.º 4017/00) e de 2006.05.03 (Recurso n.º 3821/05), ambos da 4.ª Secção.
6. O pedido de declaração de ilicitude do despedimento e os que dele derivam.