Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4258/07.6TVLSB.L1-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
RECUSA DE COOPERAÇÃO
DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - A inversão do ónus de prova exige a verificação dos seguintes pressupostos: a) que a prova de determinada factualidade, por acção da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer; b) que tal comportamento, da mesma parte contrária, lhe seja imputável a título culposo.
II - O disposto no art. 519º, nº 1, está sujeito ao princípio da proporcionalidade, o qual se desdobra em três sub princípios: “a) princípio da adequação, ou princípio da idoneidade; b) princípio da exigibilidade, também chamado da necessidade ou da indispensabilidade; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos.
III - Há que ponderar a indispensabilidade ou não dos documentos, pois que se a recusa não implicar a impossibilidade de o onerado provar facto essencial à acção ou à defesa, deverá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa (nomeadamente, dela inferindo que a parte, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência instrutória).
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO
S intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra "I, Lda.", pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 22.218€ acrescida de juros legais contados da data da citação.
Para tanto alega que celebraram um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual a Ré se teria obrigado a pagar ao Autor um determinado valor por cada tarefa que este efectuasse. Sucede que o Autor efectuou determinado número de tarefas por mês que a Ré não lhe pagou, tendo pago apenas uma "contrapartida financeira" prevista no contrato.

A Ré contestou, alegando que pagou ao Autor todas as tarefas que este efectuou e este recebeu determinadas quantias e por elas emitiu e entregou à Ré recibo verde, nada mais lhe devendo.

Replicou o Autor, defendendo que as quantias pagas não o foram como contrapartidas das tarefas efectuadas, mas por prolongamento - não previsto contratualmente - do valor devido durante o período experimental, e por horas extraordinárias e sábados.

Foi proferido despacho saneador, e seleccionada a matéria de facto relevante para a decisão, a que estava assente e a que integrava a base instrutória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferida decisão quanto à matéria de facto, a qual não sofreu reclamação.
As partes apresentaram por escrito as suas alegações de direito.
            Foi proferida sentença que absolveu a A. do pedido.

            Inconformado, o A. veio apelar da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
            1. Nos termos do clausulado no Contrato de Prestação de Serviços, Cláusula Sétima, diz-se: "Um - Pela execução dos serviços previstos no presente contrato, a InterReditus pagará ao segundo contraente um preço unitário por cada tarefa realizada e recebida de forma definitiva. Dois - Os preços unitários referidos no número anterior serão definidos em Anexo e variarão em função da natureza da tarefa, podendo ser alterados por acordo das partes".
2. O ponto 2 da Cláusula Oitava estabelece que: "Assim, pelos serviços prestados nos primeiros três meses de execução do presente contrato, a InterReditus pagará mensalmente ao Segundo Contraente a importância fixa de € 650,00, em alternativa à contrapartida financeira prevista na Cláusula Sétima".
3. Na mesma data em que as partes subscreveram o contrato, subscreveram também o Anexo a que se faz referência na Cláusula Sétima, ponto 2, onde são indicados os preços por tarefa.
4. O A. foi informado dos procedimentos em vigor na empresa, nomeadamente que devia, todos os meses, enviar documentação comprovativa das tarefas realizadas, a qual consistia em folhas de registo de actividades, as quais preencheu e se encontram junto aos autos a fls. 20 a 39.
5. Como se refere na decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto "tais documentos não estão assinados, não têm qualquer sinal comprovativo de terem sido recebidos pela Ré, nem de terem sido conferidos e validados", e por isso os pontos 3) a 13) da Base Instrutória foram dados como não provados.
6. A decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto deu como provado (ponto 14) "que, entre Julho de 2006 e Maio de 2007, o Autor referiu várias vezes ao seu supervisor que entendia que estava a receber menos do que lhe era devido, e que este reportou, por uma vez, à Administração".
7. A ser assim, a Administração estaria certamente alertada para o descontentamento do A. e, até por precaução, deveria ter guardado em arquivo as folhas de registo de actividades, para as poder eventualmente contrapor às apresentadas pelo A.
8. Por isso, o A. requereu, no decorrer da audiência de discussão e julgamento, que a R. fosse condenada como litigante de má-fé, ao abrigo dos artigos 456° e 457° do CPC, pois, tendo sido requerido pelo A., em nome do princípio da colaboração entre as partes, que juntasse aos autos os originais recebidos pela R. e correspondentes aos indicados pelo A. nos artigos 23° a 33° da p.i., para prova dos pontos 3) a 13) da Base Instrutória, os quais nunca lhe foram entregues enquanto prestador de serviços, embora os tivesse solicitado.
9. Colocado perante a questão de "saber se a Ré tomou a prova impossível ao Autor, culposamente" (Cfr. decisão quanto à matéria de facto), o tribunal a quo diz que "resposta tem de ser negativa".
10. O insucesso da acção, para o tribunal a quo, assentou no facto de "que o Autor não logrou provar o número de tarefas/intervenções que havia efectuado em cada mês" (Cfr. douta sentença, ponto 2. Fundamentação de Direito).
11. O A. não pôde apresentar as folhas de registo de actividade, devidamente conferidas e validadas pela R., pela simples razão de, apesar de exigidas, lhe não terem sido entregues, que, ao invés, lhe exigia os correspondentes recibos verdes dos valores que entretanto lhe pagava e a R., apesar de devidamente notificada para o fazer, persistiu em afirmar que nada havia, nos seus arquivos, que confirmasse (ou infirmasse) as afirmações do A.
12. A sentença recorrida julgou erradamente os factos dados como provados na decisão quanto à matéria de facto, concatenados com a prova produzida em audiência de julgamento (Vide art° 690°-A, n° 1, al. a), do Código de Processo Civil), os quais deveriam ter solução diversa da obtida em sede de sentença final.
13. Viola ademais os art°s 456° e 457°, ambos do Código de Processo Civil, porquanto não considera como litigante de má fé a actuação da R. ao não apresentar, como lhe competia, as folhas de actividades realizadas pelo prestador de serviços e aqui A., devidamente certificadas e validadas, sendo certo não ter decorrido um lapso de tempo justificável para sua eventual destruição; ao agir como agiu, a R. omitiu gravemente o seu dever de cooperação.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que condene a Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 13 603,50, correspondente ao remanescente do pagamento já efectuado de E 8 614,50, e cuja prova foi feita nos autos.

Contra-alegou a A., para, no essencial, concluir:
            1. Em 12 de Julho de 2006, foi assinado entre apelante e apelado o contrato de prestação de serviços junto aos autos, nos termos do qual a apelada pagaria ao apelante, mensalmente, a quantia correspondente ao número de tarefas que aquele realizasse durante o mês.
2. É o apelante quem invoca ter feito um determinado número de tarefas que lhe dará direito a receber uma determinada quantia, logo é a ele quem compete provar ter efectivamente realizado aquele número de tarefas. É dele o ónus da prova.
3. E certamente consciente desse ónus, o apelante juntou na p.i. uma série de "folhas de registo de actividade", das quais constaria o número de tarefas realizadas mensalmente por ele.
4. Só que tais folhas foram feitas unilateralmente pelo apelante e o Tribunal, muito bem, entendeu que as mesmas não faziam prova suficiente nem idónea do número de tarefas realizadas por ele.
5. Pelo que não tendo provado, como lhe competia, ter realizado um número superior de intervenções ao efectivamente pago pela apelada, muito bem decidiu o Tribunal a quo, e nada há a censurar na decisão recorrida.
6. Quanto à inversão do ónus da prova, por falta de colaboração da apelada, tentando com isso fazer aplicar a regra do n° 2 do artigo 344º do Código Civil, não tem qualquer razão.
            7. Foi a apelada quem invocou a existência desses documentos, porquanto os mesmos sustentavam a sua tese de que o apelado tinha realizado menos tarefas do que as que alegava ter feito.
            8. Os documentos que o apelante pretendia que a apelada juntasse aos autos eram os documentos protestados juntar pela apelada, e não outros.
            9. Diga-se finalmente que a aplicação do nº 2 do artigo 344º do Código Civil sempre dependeria da apelada ter culposamente tornado impossível a prova ao apelante.
            10. Os documentos protestados juntar pela apelada e de que esta veio posteriormente a prescindir - por duas vezes sem qualquer oposição do apelante – seriam trazidos aos autos para prova de factos alegados pela apelada, pelo que já estava a mesma onerada com a prova.
            11. A prova dos quesitos do apelante, nomeadamente os 3 a 13, em nada ficou prejudicada com a não junção dos documentos protestados juntar pela apelada e, muito menos, foi tornada impossível, porquanto sempre poderia tentar ser comprovada mediante o confronto dos documentos juntos pelo apelante com as diversas testemunhas que prestaram depoimento ou através de outros meios de prova.
            12. Entendendo, pelas razões já apontadas que não se lhe pode aplicar o regime que resulta do nº2 do arte 344º do Código Civil, pelo que, também neste ponto, muito bem decidiu o Tribunal recorrido.
Termos em que deve ser julgada totalmente improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
Em causa está, no essencial, decidir se ocorre uma situação de inversão do ónus de prova e, em caso afirmativo, se essa inversão conduz à procedência da acção.

            II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1) O Autor dedica-se à prestação de serviços administrativos processamento informático de informação (alínea A).
2) A Ré dedica-se também à prestação de serviços administrativos e de processamento informático de informação (alínea B).
3) No exercício das suas actividades, em 12 de Julho de 2006, Autor e Ré subscreveram o acordo escrito denominado "Contrato de Prestação de Serviços" com as cláusulas e termos que constam de fls. 11 a 17 dos autos (alínea C).
4) Na mesma data, 12 de Julho de 2006, Autor e Ré subscreveram o "Anexo" cujos termos constam de fls. 18 dos autos (alínea D).
5)Nos três primeiros meses a Ré obrigou-se a pagar ao A. durante esse período a quantia mínima de € 650,00 (clausula 8ª do contrato)
6) As tarefas n.ºs 2 e 3 seriam remuneradas a 3 (três euros) cada, e deviam ser reportadas mensalmente à Ré, o que ficou acordado e foi realizado pelo Autor (alínea F).
7) Foi pedido ao Autor que elaborasse folha própria, a que se deu a designação de "Folha de Registo de Actividades no Armazém DLI", e onde constassem as tarefas que seriam remuneradas de acordo com o anexo ao "Contrato de prestação de Serviços" sendo que, ao Autor só respeitava a remuneração das tarefas "2 - Gestão de Movimento de Stocks" e "3 - Registo - Asset Management" (alínea E).
8) Em Junho e Julho de 2007, o Autor não efectuou qualquer das tarefas convencionadas (alínea G).
9) A partir de Janeiro de 2007, as "Folhas de Registo de Actividades no Armazém DLI" foram enviadas pelo Autor por e-mail e recebidas pela Ré (alínea H).
10) Em 3 de Julho de 2007, o Autor enviou carta registada com aviso de recepção á Ré, declarando rescindido o contrato de prestação de serviços entre ambos celebrado, com fundamento no incumprimento da Ré, por não lhe ter pago as quantias discriminadas a fls. 47 e 48 dos autos (alínea 1).
11) Através de mandatário, o Autor enviou para a Ré, em 14 de Agosto de 2007, uma carta registada com aviso de recepção, instando-a a pagar a quantia de 22.218,00€ no prazo de 15 dias, mas a Ré nada veio a pagar (alínea J).
11)A Ré pagou ao Autor as seguintes quantias:
- Em Agosto de 2006, a quantia de 975€;
- Em Setembro de 2006, a quantia de 650€;
- Em Outubro de 2006, a quantia de 650€;
- Em Novembro de 2006, a quantia de 852€;
- Em Dezembro de 2006, a quantia de 937,50€;
- Em Janeiro de 2007, a quantia de 650€;
- Em Fevereiro de 2007, a quantia de 650€;
- Em Março de 2007, a quantia de 650€;
- Em Abril de 2007, a quantia de 650€;
- Em Maio de 2007, a quantia de,650€;
- Em Junho de 2007, a quantia de 650€;
- Em Julho de 2007, a quantia de 650€ (alínea K).
12) A Ré pagou 650€ ao Autor nos meses de Setembro e Outubro de 2006, e nos meses de Janeiro a Julho de 2007, e nada mais, exigindo o correspondente recibo verde (resposta ao quesito 1º).
13) Toda a documentação que o Autor entregou foi recebida pela Sra. Dra T (resposta ao quesito 2º).
14) Entre Julho de 2006 e Maio de 2007, o Autor referiu várias vezes ao seu supervisor que entendia que estava a receber menos do que lhe era devido, o que este reportou, por uma vez, à Administração (resposta ao quesito 14º).
15) As quantias que a Ré pagou ao Autor, discriminadas na alínea K) da matéria assente, o foram como contrapartida pelas tarefas ou intervenções efectuadas pelo Autor (resposta ao quesito 16º).

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O Autor veio pedir a condenação da Ré no pagamento de 22.218,00€ correspondentes a serviços prestados no âmbito do contrato celebrado entre as partes, à razão de 3€ por cada tarefa ou intervenção realizada pelo Autor, com base num determinado número de tarefas que o Autor teria realizado por cada mês da sua prestação de serviços.
No entanto, a matéria relativa ao número de tarefas/intervenções efectuadas pelo A., constante dos arts. 3º a 13º da Base Instrutória, não foi considerada provada, o que determinou o insucesso da acção e a absolvição da Ré do pedido.
Para o A. esta matéria deve ter-se como provada a matéria em causa, já que, no seu entender a R. violou o princípio da colaboração entre as partes, ao não juntar aos autos os originais recebidos pela Ré, para prova dos referidos pontos 3) a 13) da Base Instrutória.
Ao contrário do entendimento expresso na fundamentação do despacho decisório da matéria de facto, o Apelante defende que a Ré tornou a prova impossível ao Autor, culposamente.

1. Da inversão do ónus da prova
De acordo com o art. 344.º, nº 2, do C.Civil, estipula, há “inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.
Deste normativo decorre que este instituto exige a verificação de dois pressupostos:
a) que a prova de determinada factualidade, por acção da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer;
b) que tal comportamento, da mesma parte contrária, lhe seja imputável a título culposo.
A “inversão do ónus da prova” surge, assim, como uma forma de sanção civil, punitiva de uma ilicitude civil, que, inclusive, pode revestir enquadramento penal, sob a tipificação dos crimes de desobediência ou de falsas declarações.
O princípio violado é o do dever de cooperação para a descoberta da verdade que, visando uma sã administração da justiça e a obtenção de uma decisão de mérito, o mais possível correspondente, em termos judiciários, à verdade material subjacente, vincula todas as pessoas e que se encontra explicitado no art. 519,º, nº1 do CPCivil, nos seguintes termos: “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que foram determinados”.
A 2ª parte do nº 2 do art. 519.º sugere a mesma ideia da culpa na violação de tal dever de cooperação por quem seja parte, ao referir que aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do art. 344º do Código Civil.
Lebre de Freitas[1], indica como exemplos de situações que conduzem à inversão do ónus da prova, por exemplo, o condutor do automóvel que destrói, após a colisão, os indícios da sua culpa no acidente de viação; quando uma das partes impede a testemunha oferecida pela outra de se deslocar ao tribunal; quando a parte notificada para apresentar um documento não o apresenta (art. 529º do CPCivil) ou declara que não o possui, tendo-o já possuído e não provando que ele desapareceu ou foi destruído sem culpa sua (art. 530º-2), quando o réu em acção de investigação de paternidade se recusa a permitir o exame do seu sangue. Em suma, duma maneira geral, quando a parte recusa colaborar para a descoberta da verdade.

2. Atentos os factos provados, em 12 de Julho de 2006, foi assinado entre A./Apelante e Ré/Apelada o contrato de prestação de serviços junto aos autos, nos termos do qual esta pagaria ao Apelante, mensalmente, a quantia correspondente ao número de tarefas que realizasse durante o mês.
            De acordo com o citado contrato, a remuneração do Apelante era calculada da seguinte forma: todos os meses contabilizavam-se as tarefas realizadas por ele e as mesmas eram pagas a € 3 cada. E foi atendendo ao número de tarefas realizadas que o A./Apelante veio reclamar da Ré, na petição inicial a quantia de € 22.218,00, isto porque realizara tarefas que lhe davam direito a receber aquela quantia.
            Em ordem a sustentar a sua tese, o A. juntou um conjunto de documentos (folhas de registo de actividade), que continham o número de tarefas alegadamente por ele realizadas durante todos os meses de execução do contrato.
Na contestação, a Ré vem alegar que o número de tarefas realizadas foi inferior ao indicado pelo A., para além de que já pagara todos os serviços efectuados, no montante global de € 8.614,50. E protestou juntar documentos, no sentido de demonstrar que o número de tarefas mensais realizadas pelo A., e validadas pela Ré, era inferior ao alegado pelo Autor.
Findos os articulados, foi proferido despacho ordenando a notificação da Ré para, em dez dias, juntar aos autos os documentos protestados juntar.
Na sequência, a Ré, que manifestara, na contestação, o interesse na junção desses documentos, veio declarar que prescindia da apresentação dos mesmos por não os ter localizado.
            Entretanto, em sede de intrução, o A. veio requerer a junção dos documentos originais recebidos pela Ré, correspondentes aos indicados pelo A.
E em sede de audiência de discussão e julgamento veio insistir pela junção dos ditos documentos, afirmando que a Ré admitiu, em sede de contestação, existirem, tanto assim que protestou fazer a sua junção.
Ouvida a Ré sobre o requerido veio esta reafirmar que os documentos a que se referiu na contestação e que a final não conseguiu localizar não eram os originais dos documentos que o A. apresentou, mas as folhas feitas pela própria Ré, sendo certo que apesar dos esforços feitos, não lhe era já possível localizá-los.

3. Em suma, e como decorre do teor da contestação, os documentos que a Ré assumiu existirem não são os originais dos documentos juntos pelo A., dos quais, aliás, não consta qualquer carimbo ou assinatura que demonstre a sua recepção nos escritórios da Ré. O que a Ré protestou juntar e, portanto, admitiu existir, são documentos da Ré com os quais pretendiam por em crise os que foram juntos pelo A.
Ou seja, não decorre dos autos, nomeadamente do articulado de contestação, que as folhas que a Ré/Apelada protestou juntar seriam as mesmas que o Apelante enviou para os serviços da Apelada, mas já depois validadas por esta. Foi a Ré/Apelada quem invocou a existência desses documentos, porquanto os mesmos sustentavam a sua tese de que o Apelado tinha realizado menos tarefas do que as que alegava ter feito. Nem faria sentido que a Ré, que impugnou o número de serviços prestados pela Ré, e impugnou o teor dos documentos juntos pelo A., protestasse juntar os originais.
Não há nos autos quaisquer elementos que permitam afirmar que a Ré/Apelada admitiu a existência dos originais das folhas enviadas pelo Apelante. Em lado algum da contestação a Ré afirma que as folhas protestadas juntar são os originais das folhas juntas pelo apelante. Os documentos que a Ré pretendia juntar eram obviamente favoráveis à sua defesa e não à tese do A.
O Autor apresentou documentos - folhas de registo de actividades - com a petição inicial, que, como se escreve na fundamentação do despacho decisório, “não estão assinados, não têm qualquer sinal comprovativo de terem sido recebidos pela Ré, nem de terem sido conferidos e validados. Nenhuma das testemunhas pôde afiançar que já tinha visto aqueles documentos em concreto e que foram aqueles que o Autor fez chegar à Ré, ninguém conseguia memorizar tal coisa. Como se não bastasse, a Ré juntou aos autos as folhas de registo que constam de fls. 154 e 155, estas assinadas pelo Autor, e com diferenças relativamente às juntas pelo Autor com a p.i., respeitantes aos mesmos meses. Como explicar esta divergência?”.
Se o A., como afirma, se sentia injustiçado nos pagamentos então não faz sentido que não tenha exigido um recibo da folha que entregava, um comprovativo das tarefas que a empresa considerava validadas. Ao invés, foi passando os recibos verdes que lhe eram exigidos.

4. Só se a recusa de cooperação tiver tornado impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (por exemplo, nos casos do art. 313º, nº 1 CCivil e do art. 364º CCivil).
Se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente, a recusa pode dar lugar à inversão do ónus da prova, que ficará a cargo da parte não cooperante. Porém o sentido desta exigência deve corresponder a um imperativo de singularidade (ou exclusividade), ou seja, tem de estar em causa uma elemento probatório prova que por si só determine a procedência da acção.
Importa também ter presente que o disposto no art. 519º, nº 1 do CPCivil, como enunciação de um princípio geral, que é, está também ele sujeito ao princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso, o qual se desdobra, por seu turno, em três sub princípios: “a) princípio da adequação, ou princípio da idoneidade; b) princípio da exigibilidade (também chamado da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados na lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos liberdades e garantias; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos[2].
Há que ponderar, portanto, a indispensabilidade ou não dos documentos em causa para a apreciação do pedido, pois que se a recusa não implicar a impossibilidade de o onerado provar facto absolutamente essencial à acção ou à defesa, deverá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa (nomeadamente, dela inferindo que a parte, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência instrutória)[3].
A prova dos quesitos do apelante, nomeadamente os 3 a 13, não ficou prejudicada com a não junção dos documentos protestados juntar pela Apelada, que como se disse, iriam, quando muito, infirmar a tese apresentada pelo A./Apelante. Tão pouco foi tornada impossível, porquanto sempre poderia tentar ser comprovada mediante o confronto dos documentos juntos pelo Apelante com as diversas testemunhas que prestaram depoimento ou através de outros meios de prova.
Eis porque não se justifica a aplicação ao caso do diposto no art. 344º do CCivil, não estando reunidos os requisitos que justificam a inversão do ónus da prova, sendo de manter a sentença recorrida que não merece censura.
Concluindo:
I - A inversão do ónus de prova exige a verificação dos seguintes pressupostos: a) que a prova de determinada factualidade, por acção da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer; b) que tal comportamento, da mesma parte contrária, lhe seja imputável a título culposo.
II - O disposto no art. 519º, nº 1, está sujeito ao princípio da proporcionalidade, o qual se desdobra em três sub princípios: “a) princípio da adequação, ou princípio da idoneidade; b) princípio da exigibilidade, também chamado da necessidade ou da indispensabilidade; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos.
III - Há que ponderar a indispensabilidade ou não dos documentos, pois que se a recusa não implicar a impossibilidade de o onerado provar facto essencial à acção ou à defesa, deverá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa (nomeadamente, dela inferindo que a parte, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência instrutória).
IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação, assim se confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo A./Apelante.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2009
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)


[1] A Acção Declarativa Comum”, Coimbra, pág. 185.
[2] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4ª ed., p 392/393 e Ac. RL de 17.4.2008 (Manuela Gomes), www.dgsi.pt/jtrl.
[3]  Neste sentido, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2004, anotação ao artigo 519.º, pp. 454-455; J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora – 2001, pág. 409 anotação 2 ao artigo 519º.