Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3126/09.1TCLRS.L1-6
Relator: FERNADA ISABEL PEREIRA
Descritores: DISTRIBUIÇÃO
ERRO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - É através da distribuição que se designa, de forma aleatória, a secção e a vara ou juízo em que o processo há-de correr e, por conseguinte, o juiz a quem caberá dirigir e decidir a causa, repartindo-se, dessa forma, com igualdade o serviço do tribunal.
II – A distribuição, que vem sendo entendida como uma fase administrativa ou pré-judicial, respeita à repartição dos processos dentro de cada tribunal, à chamada competência interna de cada tribunal.
III - O artigo 220º do Código de Processo Civil qualifica como erro na distribuição aquele que afecta a designação do juiz, nas comarcas em que haja mais do que um, determinando que nessa situação se faça nova distribuição, dando-se baixa da anterior (a. a)). Trata-se de erro que pode ser corrigido ou rectificado, mas não gera nulidade de qualquer acto processual (artigo 210º nº 1 do citado código).
IV - Quando está em causa a afectação de um processo a tribunais diferentes, ainda que integrados na mesma categoria, não se configura o erro na distribuição, estando-se perante uma questão de competência externa.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

            1. Relatório:
Na presente acção de atribuição da casa de morada de família que Maria propôs, em 27 de Abril de 2009, contra P... a autora pediu que fosse declarada a dissolução da união de facto e que lhe fosse atribuída a casa de morada de família onde ambos residem, situada na Praceta ..., nº ..., 4º direito, Quinta da Fonte, Apelação, propriedade da Câmara Municipal de Loures, transmitindo-se para si a titularidade do arrendamento.
Apresentada a petição inicial por transmissão electrónica e distribuídos os autos ao 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Loures, foi a petição inicial liminarmente indeferida, por despacho proferido em 11 de Novembro de 2009, com fundamento na incompetência em razão da matéria daquele tribunal, considerando-se os juízos cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Loures materialmente competentes para preparar e julgar esta acção.
Inconformada, a autora apelou desse despacho, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
            1ª. A autora não infringiu as regras de competência em razão da matéria.
            2ª Assim, não deve ser condenada em custas do incidente.
            3ª Foi a secretaria-geral que procedeu, eventualmente, a uma distribuição indevida.
            4ª Deve, por isso, ser revogado o despacho de que se recorre e substituído por outro que, eventualmente, reenvie o processo à distribuição.
            6ª A O despacho recorrido fez errada aplicação do disposto nos artigos 101º e seguintes do Código de Processo Civil.
            Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que mande prosseguir a acção.
            Não houve contra alegação.
            Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
           
            2. Fundamentos:
            Com relevo para a decisão importa considerar a factualidade acima descrita.
            A recorrente não põe em crise na sua alegação de recurso a essência do despacho que julgou o Tribunal de Família e Menores de Loures materialmente incompetente para conhecer da acção, deslocando a questão para uma fase processual prévia.
Na verdade, a recorrente vem atacar aquele despacho com fundamento na eventual existência de um erro na distribuição, erro a que é alheia, uma vez que, segundo alega, a sua mandatária apresentou a petição inicial por transmissão electrónica, escolhendo as opções que mais lhe pareceram adequar-se ao objecto desta acção, não tendo, assim, infringido as regras de competência em razão da matéria.
A Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Portarias nº 457/2008, de 20 de Junho, e nº 1538/2008, de 30 de Dezembro, veio dar concretização a algumas medidas tidas como relevantes para o desenvolvimento do projecto de desmaterialização dos processos judiciais prevista no artigo 138º-A do Código do Processo Civil.
De entre essas medidas figuram a regulamentação da apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica (artigos 1º a 7) e da distribuição de todos os actos processuais diariamente de forma automática através do sistema informático (artigos 15º e 16º)
            No tocante à apresentação de peças processuais e documentos, decorre do disposto no artigo 5º da referida Portaria que a mesma é efectuada através do preenchimento de formulários disponibilizados no endereço electrónico indicado no artigo 4º, aos quais são anexados ficheiros com a restante informação legalmente exigida, conteúdo material da peça processual e demais informação que o mandatário considere relevante e que não se enquadre em nenhum campo dos formulários, sendo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2, em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários.
O preenchimento dos formulários e ficheiros constitui, assim, uma responsabilidade do mandatário que procede ao envio das peças processuais e documentos por via electrónica, tendo o legislador criado uma regra para o caso de existir desconformidade entre o preenchimento dos formulários e dos ficheiros, dando prevalência àqueles.
            Recebidas as peças processuais em juízo, procede-se à distribuição caso se trate de acto processual a ela sujeito, nos termos do disposto no artigo 211º do Código de Processo Civil.
A distribuição visa garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço do tribunal designado, como resulta do disposto nos artigos 209º e 209º-A do Código de Processo Civil. É através da distribuição que se designa, de forma aleatória, a secção e a vara ou juízo em que o processo há-de correr e, por conseguinte, o juiz a quem caberá dirigir e decidir a causa, repartindo-se, dessa forma, com igualdade o serviço do tribunal.
Por isso mesmo, o artigo 220º do Código de Processo Civil qualifica como erro na distribuição aquele que afecta a designação do juiz, nas comarcas em que haja mais do que um, determinando que nessa situação se faça nova distribuição, dando-se baixa da anterior (a. a)). Trata-se de erro que pode ser corrigido ou rectificado, mas não gera nulidade de qualquer acto processual (artigo 210º nº 1 do citado código).
 A distribuição, que vem sendo entendida como uma fase administrativa ou pré-    -judicial, respeita à repartição dos processos dentro de cada tribunal[1], à chamada competência interna[2] de cada tribunal. Quando está em causa a afectação de um processo a tribunais diferentes, ainda que integrados na mesma categoria, não se configura o erro na distribuição, estando-se perante uma questão de competência externa.
No caso vertente, os autos não evidenciam que tivesse ocorrido qualquer erro informático ou outro imputável aos serviços do tribunal no encaminhamento da petição inicial e dos documentos para o Tribunal de Família e Menores de Loures, limitando-se a recorrente a alegar que “Foi a secretaria geral que procedeu, eventualmente, a uma distribuição indevida”, o que é claramente insuficiente, sendo certo que a lei lhe facultava a possibilidade de obter informação acerca do resultado da distribuição e de reclamar de qualquer falta ou irregularidade da mesma (artigos 209º-A nº 3 e 210º nº 1 do Código de Processo Civil).
E do que vem exposto decorre que não se está perante um caso de erro na distribuição, na vertente de igualação na repartição de processos entre os vários juízos e, consequentemente, juízes que neles servem, e secções do Tribunal de Família e Menores de Loures. O que está, verdadeiramente, em causa é determinar a esfera de jurisdição daquele Tribunal “…em face dos restantes órgãos judiciários da mesma categoria”[3],
Ora, na apreciação desta questão o despacho recorrido não merece censura.
Com a presente acção a recorrente pretende que se declare judicialmente a dissolução da união de facto por vontade de um dos seus membros e a atribuição da casa de morada de família e residência comum, nos termos do disposto nos artigos 8º, nº 1 al. b) e nº 2, e 6º nº 4 da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, transmitindo-se para si a posição de arrendatário.
O legislador não definiu qual o tribunal competente para este tipo de acções, sendo que não cabem no elenco de competências atribuídas aos tribunais de família pelos artigos 81º e 82º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei nº 3/99, de 13.1, as quais se circunscrevem à preparação e julgamento de processos e providências relativos a cônjuges e ex-cônjuges e a filhos menores e maiores.
Sendo assim, tem de concluir-se, como no despacho recorrido, que o Tribunal de Família e Menores de Loures é materialmente incompetente para conhecer desta acção, por versar sobre matéria que não se inclui no âmbito das competências que lhe são especialmente atribuídas nos preceitos legais citadas, razão por que esta acção cai na esfera de competência residual dos tribunais de competência genérica, no caso, dos Juízos Cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Loures (artigos 77º al. a), 97º, 99º e 101º da citada Lei nº 3/99, de 13.1, (LOFTJ).
E a incompetência material, atenta a fase inicial em que o processo se encontra, tem de conduzir, como sucedeu, ao indeferimento liminar da petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 105º nº 1, 234º-A nº 1 e 1413º nº 2 do Código de Processo Civil.
            3. Nesta conformidade, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, tendo-se em atenção o apoio judiciário.
17 de Junho de 2010
(Fernanda Isabel Pereira)
(Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)


[1] Cfr. Ac. do STJ de 22.02.1990, BMJ 394, 457, citado por Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 22ª ed. Actualizada, pág. 356.
[2] Vide A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 197.
[3] Vide A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, loc. cit., pág. 197.