Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ AUGUSTO RAMOS | ||
Descritores: | TRESPASSE INCUMPRIMENTO DO CONTRATO CONDIÇÃO SUSPENSIVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/05/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1. O artigo 272º do CCivil determina que aquele que contrair uma obrigação sob condição suspensiva deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma a que não comprometa a integridade do direito da outra parte, pelo que se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada (artigo 275º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil). 2. Quem contrai uma obrigação sob condição suspensiva, na pendência da condição, deve agir segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte, designadamente para se livrar da obrigação não deve impedir, contra as regras da boa fé, a verificação da condição. 3. Se a parte procedeu ao encerramento do estabelecimento por considerar económica e financeiramente insustentáveis os custos do seu funcionamento, apresentando durante os anos de 2001 e de 2002 resultados operacionais e líquidos negativos, nas circunstâncias o encerramento do estabelecimento não configura um comportamento desleal, uma administração desleixada, ou seja não configura um comportamento lesivo da boa fé. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na secção cível da Relação de Lisboa: I- Relatório P, S.A., intentou esta acção, com processo ordinário, contra U, Lda., pedindo que seja condenada nos valores, a apurar em execução de sentença, pelo incumprimento contratual do trespasse, incumprimento contratual do arrendamento, juros de mora, danos emergentes da insolvência e impossibilidade de pagamentos em que a colocou. Para tanto, em síntese, alegou que trespassou para a Ré um estabelecimento comercial, mas esta não cumpriu nenhuma das obrigações financeiras decorrentes do contrato de trespasse inerentes a 2002 e anos seguintes e ainda, sem respeitar o prazo de denúncia, como arrendatária das suas instalações, pela renda mensal de 1.360.000$00, denunciou um contrato de arrendamento comercial entre ambas celebrado, e assim ficou sem rendimentos e impossibilitada de cumprir os seus compromissos, sendo os danos emergentes e os lucros cessantes de difícil determinação, porque dependem dos dados contabilísticos em poder da Ré e de factos em curso, nomeadamente um mais que provável pedido de que seja declarada insolvente. Citada, a Ré contestou para concluir pela sua absolvição do pedido e pela condenação da Autora como litigante de má fé. No despacho saneador decidiu-se nada obstar ao conhecimento do mérito da causa, seleccionou-se a matéria de facto, com base instrutória, e efectuado o julgamento, com decisão da matéria de facto sem reclamação, na sentença decidiu-se julgar improcedente a acção e, em consequência, absolver a Ré do pedido nela formulado. Na sentença entendeu-se, nomeadamente, o seguinte: «as partes subordinaram o pagamento da parte variável do preço do trespasse a um acontecimento futuro e incerto, a existência de “Revenue” gerado pelo estabelecimento trespassado. Isto é, estamos perante um negócio sujeito a uma cláusula condicional, condição de natureza suspensiva, artº s 270º e 405º do Código Civil. Com efeito, o principio da liberdade contratual, permite que as partes subordinem a produção dos efeitos do negócio, no caso, pagamento de parte do preço, à verificação de determinada condição, existência de “Revenue”, verificada a condição, os efeitos do negócio que estavam suspensos, tornam‑se efectivos ipso iure e desde a data da conclusão do negócio, art. 276. ° do CC. Caso não se verifique a condição não se produzem os efeitos definitivos do negócio. No caso dos autos, conforme foi dado como provado, a margem bruta libertada pela actividade do estabelecimento (Divisão J), era inferior aos custos fixos, que o prejuízo representava mais de 50% da margem bruta e que os custos fixos com pessoal representavam mais de 90% da margem bruta liberta pela actividade da Divisão (pontos 19 a 23 da matéria de facto provada) e para os anos de 2003 e futuros, a tendência era de agravamento dos prejuízos. Assim, a condição de que as partes fizeram depender parte dos efeitos do negócio (Revenue), não se verificou, logo nada a pagar pela Ré à A. no que respeita à parte do preço devido pelo trespasse, sujeito à verificação da referida condição. Resulta ainda da matéria de facto provada (pontos 19 e ss) que a não verificação da condição, fundada no eventual incumprimento do contrato de trespasse por parte da Ré, não procede de culpa sua, ficando assim afastada a presunção estabelecida no n.º 1 do art. 799.º do CC. Em conclusão, no que respeita ao contrato de trespasse nada é devido pela Ré à Autora.». Por outro lado entendeu-se que a Ré «podia, como fez, denunciar o contrato de arrendamento, com observância do prazo de 60 dias, que respeitou, n.º 1, do art. 68.°, art. 117 n.º 2 e 100.° n.º 1, todos do R.A.U. e art. 1055.° do CC.» Desta sentença interpõe a Autora este recurso de apelação, para tanto tendo apresentado as seguintes conclusões: 1ª- Nos termos do ponto 17 da factualidade provada a Ré fez cessar todos os contratos de trabalho; 2ª- A Ré fez cessar o arrendamento do estabelecimento – ponto 16; 3ª- A Ré decidiu encerrar o estabelecimento (Divisão J) - ponto O; 4ª- A margem bruta libertada nada tem a ver com o “revenue”. Os custos fixos nada têm a ver com o “revenue”. Os resultados operacionais e líquidos negativos nada têm a ver com o “revenue”. Os prazos de pagamento pelos clientes ao estabelecimento Divisão João Martins da Universal Media nada têm a ver com o “revenue”. As facturas vencidas e não pagas nada têm a ver com o “revenue”; 5ª- Dos elementos juntos pela Ré ao processo resulta o cálculo do “revenue” para o ano de 2002 foi de € 400.921,00 - cfr. n.ºs 4 e 5 da resposta da Ré ao requerimento da Autora de 24/2 /2006; 6ª- No ponto 18 da matéria dada como provada consta: «Em 30.04.2003, 30.04.2004 e 30.04.2005 a Ré não procedeu ao pagamento à autora de quaisquer quantias»; 7ª- A Ré, de forma dolosa e contra os ditames da boa-fé impediu a verificação da condição, comprometendo o direito da Autora; 8ª- A Ré ao violar os seus deveres contratuais vencidos e vincendos provocou danos à Autora pelo que deverá ressarcir os mesmos, conforme pedido inicial da Autora. A recorrida apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões: 1ª- Vem o recurso interposto da sentença de fls. 350 a 360, concretamente na parte que indeferiu o pedido de condenação da recorrida pelo incumprimento contratual do trespasse; 2ª- Sucede, porém, que contrariamente ao pretendido pela recorrente, a referida sentença não merece qualquer censura, porquanto fez uma correcta aplicação do direito; 3ª- A leitura, pela recorrente, das condições de procedência da acção – reflectidas nas conclusões pela mesma apresentadas, para além de limitada e truncada face ao regime legal aplicável, não tem qualquer aderência à matéria de facto provada e que pode, e deve, ser considerada pelo tribunal ad quem; 4ª- Desde logo, porquanto, pese embora a recorrente tenha fundamentado as suas alegações de recurso na remissão, descontextualizada, para 4 dos 37 factos dados como provados, é imperativo ter presente que foram, efectivamente, dados como provados todos os factos acima transcritos para os quais aqui se remete para todos os efeitos legais; 5ª- Resulta evidente dos factos julgados provados, que as partes acordaram em subordinar o pagamento de uma parcela (a parte variável) do preço do contrato de trespasse, entre ambas celebrado em 12/2/2001, a um acontecimento futuro e incerto: a existência de “revenue” gerado pelo estabelecimento trespassado; 6ª- Estamos assim, no que respeita ao pagamento de uma parte do preço respeitante ao trespasse, em face de uma cláusula condicional - cfr. artigo 270º do Código Civil; 7ª- A condição estipulada pelas partes no acordo sub iudice foi, claramente, uma condição suspensiva; 8ª- Na pendência da condição (suspensiva), ou seja, enquanto o evento condicionante não se verificou, o credor condicional não tem ainda um direito exercitável em relação ao devedor, embora as partes estejam já vinculadas, de tal modo que estão sujeitas à produção dos efeitos do negócio, uma vez verificado o efeito condicionante; 9ª- Constata-se, assim, que «pendente conditione», os efeitos do negócio sob condição suspensiva estão em suspenso, não tendo existência actual e que, verificada a condição, os efeitos do negócio, que estavam suspensos, tornam-se efectivos ipso iure e desde a data da conclusão do negócio, sem mais requisitos (artigo 276.º do Código Civil); 10ª-No caso de não se verificar a condição, como sucede claramente in casu, não se produzem os efeitos definitivos a que o negócio tendia; 11ª- Acresce que, para 2003 e anos futuros, estimava-se que a tendência fosse de agravamento dos prejuízos da divisão (vide resposta ao quesito 8.º da base instrutória); 12ª- De acordo com o n.º 1 do artigo 275º do Código Civil, a certeza de que a condição se não pode verificar equivale à sua não verificação, pelo que, consequentemente, não se produzem os efeitos definitivos visados, ou seja, não é devido o pagamento da parcela variável do preço devido pelo trespasse do estabelecimento por parte da recorrida; 13ª- Foi julgado provado que, em finais de 2002, princípios de 2003, a divisão não tinha clientes, não gerando proveitos, pelo que os custos com o pessoal e custos operacionais, que, em 2002, foram em média mensal superior a € 61.000,00, foram suportados pela recorrida (vide respostas aos quesitos 19.º, 20.º e 21.º da base instrutória); 14ª- Na verdade, resulta, da matéria dada como provada e acima transcrita que, no que respeita aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, o estabelecimento não gerou qualquer “revenue”; 15ª- Pelo que, não havendo “revenue”, nada há que pagar à Publicidade J, na medida em que não se verificou a condição suspensiva a que as partes acordaram sujeitar o pagamento de uma parte do preço devido pelo trespasse, pelo que a Universal terá que necessariamente ser absolvida do pedido; 16ª- Resulta evidente da leitura cuidada de toda a factualidade provada, que, contrariamente ao pretendido pela recorrente, não estamos em face de uma situação de incumprimento, muito menos doloso, do contrato de trespasse por parte da recorrida, mas antes, conforme referido supra, de uma situação de não verificação da cláusula condicional; 17ª- Sempre se dirá, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 799º do Código Civil, por mera cautela de patrocínio e, porventura, excesso de zelo, que um eventual incumprimento do contrato de trespasse por parte da recorrida, a existir, o que se concebe sem, no entanto, conceder, não procede claramente de culpa sua, facto que resulta da análise da resposta aos quesitos 3.º a 21.º da base instrutória; 18ª- Não logrou, por outro lado, a recorrente provar (cfr. artigo 342º do Código Civil) – nem sequer alegar – conforme lhe competia, a existência dos danos que advieram do alegado incumprimento contratual do trespasse, nem, por conseguinte, a situação de insolvência que teria decorrido desse mesmo alegado – mas não demonstrado – incumprimento. II- Fundamentação Consta da sentença, como provada, a seguinte matéria de facto: 1- a Autora tem o seguinte objecto: publicidade, angariação, venda e produção, radiodifusão e programas radiofónicos, espaço e tempo publicitário; 2- a Ré tem o seguinte objecto: planeamento, compra e venda de espaços publicitários; 3- em 12/2/2001, a Autora e a Ré celebraram o acordo escrito junto aos autos a fls. 26-28, intitulado “contrato de trespasse”, através do qual a Autora deu de trespasse à Ré “um estabelecimento comercial de Agência Publicidade, constituído por um conjunto de mobiliário, equipamento e clientela, estabelecimento comercial esse que exerce a sua actividade na Rua Fernando, nº 4, 2º esquerdo, em Lisboa”; 4- a cláusula 5ª deste acordo escrito tem a seguinte redacção: «O preço do trespasse (...) consiste no seguinte: 5.1 Um primeiro pagamento, efectuado na data deste contrato, pelo montante de 225.000.000$00 (...). 5.2 Cinco pagamentos adicionais sucessivos, vencendo-se respectivamente em 30.4.2002, 30.4.2003, 30.4.2004, 30.4.2005 e 30.4.2006, sendo cada um dos referidos pagamentos de montante igual a 20% do “revenue” gerado pelo estabelecimento, em cada ano antecedente àquele em que o pagamento é devido»; 5- a cláusula 6ª deste acordo escrito tem a seguinte redacção: «Para efeitos do disposto em 5.2. acima considerar-se-ão “revenue” do estabelecimento, os proveitos relevados nas respectivas contas da Classe 7 do POC que respeitem a comissões ou “fees” de serviços prestados, “rappel” ou outros bónus de natureza equivalente, bem como os proveitos e ganhos resultantes de quaisquer operações comerciais ou financeiras, realizadas pelo estabelecimento no âmbito da sua actividade.»; 6- a cláusula 8ª deste acordo escrito tem a seguinte redacção: «A [ré] compromete-se a manter, no seio da sua actividade social e resultados de exercício, o estabelecimento como centro autónomo de imputação de proveitos e custos.»; 7- a cláusula 9ª deste acordo escrito tem a seguinte redacção: «Não se incluem no trespasse objecto do presente contrato quaisquer outros elementos do estabelecimento que não figurem nos Anexos a este contrato.»; 8- a fls. 30 encontra-se o anexo 2 deste acordo escrito, contendo uma lista de clientes; 9- a M não consta desta lista de clientes; 10- a fls. 31-32 encontra-se o anexo 3 do referido acordo escrito, o qual, por sua vez, consiste num acordo escrito, datado igualmente de 12/2/2001, intitulado “contrato de arrendamento comercial”, através do qual a Autora deu de arrendamento à Ré o “andar sito na Rua Fernando, nº 4, 2º esquerdo, em Lisboa”, pelo valor mensal de “1.360.000$00, pagos antecipadamente até ao dia oito de cada mês”, “pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos até um máximo de cinco anos”; 11- a cláusula 4ª deste último acordo escrito tem a seguinte redacção: «O contrato é denunciável pela arrendatária dentro do prazo máximo contratado com o período mínimo de seis meses..»; 12- no final de Março de 2002, a Autora e a Ré acordaram em pôr termo a este acordo escrito, intitulado “contrato de arrendamento comercial”, referente ao 2º andar esquerdo do prédio sito na Rua Fernando, nº 4; 13- em 1/4/2002, a Autora e a Ré celebraram o acordo escrito junto aos autos a fls. 73-74, intitulado “contrato de arrendamento comercial”, através do qual a autora deu de arrendamento à ré o “andar sito na Rua Fernando, nº 4, 2º direito, em Lisboa”, pelo valor mensal de “€ 1.995,19, pagos antecipadamente até ao dia oito de cada mês”, “pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos até um máximo de cinco anos”; 14- a cláusula 4ª deste último acordo escrito tem a seguinte redacção: «O contrato é denunciável pela arrendatária dentro do prazo máximo contratado com o período mínimo de seis meses.»; 15- por considerar que os custos de funcionamento do estabelecimento eram económica e financeiramente insustentáveis, a Ré decidiu encerrar o estabelecimento (Divisão J); 16- a Ré remeteu à Autora a carta junta a fls. 75, datada de 13/1/2003, que a autora recebeu em 15/1/2003, através da qual declara “exercer o seu direito de denúncia” ao contrato de arrendamento para comércio celebrado a 1/4/2002, relativo à Rua Fernando, nº 4, 2º direito, em Lisboa, “por referência ao fim do prazo de um ano contratualmente estipulado”, devendo considerar-se “extintos os efeitos do referido contrato de arrendamento a 1.4.2003”; 17- a Ré celebrou com todos os trabalhadores do estabelecimento, com excepção de J, acordos de cessação dos contratos de trabalho, com efeitos a contar de 31/1/2003; 18- em 30/4/2003, 30/4/2004 e 30/4/2005, a Ré não procedeu ao pagamento à Autora de quaisquer quantias; 19- A margem bruta libertada pela actividade do estabelecimento (Divisão J) era inferior aos custos fixos, gerando resultados operacionais negativos; 20- o prejuízo representava mais de 50% da margem bruta; 21- os custos fixos com pessoal representavam mais de 90% da margem bruta liberta pela actividade da Divisão; 22- durante o ano de 2001, a Divisão apresentou resultados operacionais e líquidos negativos; 23- durante o ano de 2002, a Divisão apresentou resultados operacionais e líquidos negativos; 24- para 2003 e anos futuros, estimava-se que a tendência fosse de agravamento dos prejuízos da Divisão; 25- a grande maioria dos clientes da Divisão utilizava, como meio de pagamento, letras de câmbio, normalmente a 90 dias; 26- nas datas de vencimento, as letras eram normalmente reformadas por outras com vencimentos mais dilatados; 27- no final de 2002, várias facturas encontravam-se vencidas há mais de 18 meses; 28- os prazos de pagamento da Divisão aos seus fornecedores (meios) eram no máximo de 60 dias; 29- o que gerou problemas de falta de meios de tesouraria na Divisão; 30- no final de 2002, o valor total das facturas vencidas e não pagas referentes à Divisão excedia a importância de € 3.300.000,00; 31- em 25 de Setembro de 2003, o valor da dívida de clientes da Divisão, relativo a facturas por serviços prestados até 31 de Dezembro de 2002, era superior a € 2.000.000,00; 32- desse valor, ainda se encontra em divida, em Dezembro de 2007, a quantia de € 1.130.257,65; 33- por forma a não aumentar a divida existente, em finais de 2002, a Ré decidiu deixar de aceitar, a partir de 1/1/2003, letras de câmbio como meio de pagamento, requerendo o pagamento por cheque ou transferência bancária na data de vencimento das facturas; 34- tendo os clientes da Divisão deixado de solicitar os serviços da Ré; 35- tal facto conduziu a que em finais de 2002,princípios de 2003 a Divisão não tivesse clientes, não gerando proveitos;. 36- os custos com pessoal e custos operacionais foram, em 2002, em média mensal superior a € 61.000,00; 37- a Divisão não gerava proveitos para suportar esses custos, sendo os mesmos suportados pela Ré. Perante as conclusões da alegação da recorrente, visto o disposto nos artigos 684º, n.º 3, e 690, n.º 1, do Código de Processo Civil, a questão em recurso consiste em apurar se a Ré deve ser condenada a pagar, no que se vier a liquidar, os adicionais vencidos em 30 de Abril de 2003, 30 de Abril de 2004, 30 de Abril de 2005 e 30 de Abril de 2006, designadamente por ter impedido a verificação da condição de que dependia o direito da Autora a tais pagamentos. A Autora, por contrato celebrado em 12 de Fevereiro de 2001, deu de trespasse à Ré um estabelecimento comercial, mediante um primeiro pagamento no montante de 225.000.000$00 e cinco pagamentos adicionais sucessivos, com vencimento em 30 de Abril de 2002, de 2003, de 2004, de 2005 e de 2006, cada um deles em montante igual a 20% do “revenue” gerado pelo estabelecimento em cada ano antecedente àquele em que o pagamento é devido. Entre as partes ficou entendido que o “revenue” consistia nos proveitos revelados nas respectivas contas da classe 7 do POC que respeitem a comissões ou “fees” de serviços prestados, “rappel” ou outros bónus de natureza equivalente, bem como os proveitos e ganhos resultantes de quaisquer operações comerciais ou financeiras realizadas pelo estabelecimento no âmbito da sua actividade, e que a Ré se comprometia a manter, no seio da sua actividade social e resultados de exercício, o estabelecimento como centro autónomo de imputação de proveitos e custos. Mediante condição suspensiva, nos termos do artigo 270º do Código Civil, as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico. No negócio de trespasse a Ré contraiu a obrigação de pagar à Autora, em 30 de Abril de 2002, de 2003, de 2004, de 2005 e de 2006, montante igual a 20% do “revenue” gerado pelo estabelecimento no ano antecedente ao previsto para pagamento. Assim, em 30 de Abril de 2002, de 2003, de 2004, de 2005 e de 2006, devia a Ré pagar à Autora montante igual a 20% do “revenue” gerado pelo estabelecimento, respectivamente, em 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005. Deste modo a obrigação de pagamento, com vencimento em 30 de Abril de 2002, de 2003, de 2004, de 2005 e de 2006, contraída pela Ré nesse negócio estava sujeita a condição suspensiva. Com efeito essa obrigação apenas produzia efeito se o estabelecimento produzisse “revenue” no ano antecedente ao previsto para pagamento. A Ré comprometeu-se a manter, no seio da sua actividade social e resultados de exercício, o estabelecimento como centro autónomo de imputação de proveitos e custos. Certamente que esse compromisso foi estabelecido para permitir apurar da existência ou inexistência de “revenue” em conformidade com a cláusula 7ª do contrato, a fls. 28, que estabeleceu que os proveitos constitutivos de “revenue” só seriam atendíveis depois de devidamente comprovados por auditores independentes que certifiquem as contas da Ré, Estabelece o artigo 343º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil, que se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva, cabe-lhe a prova de que a condição de verificou. Pretende a Autora que dos elementos que juntou ao processo, n.ºs 4 e 5 da sua resposta ao requerimento da Autora de 24/2/2006, resulta que o “revenue” para o ano de 2002 foi de € 400.921,00. Efectivamente nessa resposta produzida, não em qualquer articulado, mas por ocasião de controvérsia sobre requerimento de provas, nomeadamente para demonstrar que a Ré tinha a documentação que pretendia fosse junta aos autos, a Autora veio alegar que a Ré havia declarado, em contestação a acção do Tribunal de Trabalho de Lisboa, que a Divisão J teve, a título de “revenue” (margem bruta), em 2002 o resultado de € 400,921,00. Todavia cabe referir, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 713º, n.º 2, e 664º, do Código de Processo Civil, que a Autora não alegou tal matéria nos articulados da causa e que nada demonstra que tal matéria deva ser considerada como complemento ou concretização de outros factos oportunamente alegados. Com efeito essa matéria traduz-se manifestamente, por si mesma, como um facto essencial para a procedência, ainda que parcial, do pedido e consequentemente não pode ser havida complemento ou concretização de outros factos oportunamente alegados. De resto segundo a cópia da contestação, apresentada pela Autora para comprovar a declaração da Ré, verifica-se que tal articulado foi oposto por esta numa acção em que a recorrente não é autora, pelo que essa declaração dirigida a terceiro, visto o disposto nos artigos 355º, n.ºs 3 e 4, e 358º, n.º 4, do Código Civil, não constitui senão um elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal[1] insusceptível só por si, visto o disposto no artigo 712º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de produzir nesta instância qualquer alteração na matéria de facto assente. Deste modo a Autora não demonstra, como lhe competia demonstrar, que a condição de verificou, que o estabelecimento gerou “revenue” em 2002 e, consequentemente, não cabe condenar a Ré a pagar-lhe o adicional referente a 30 de Abril de 2003. Efectivamente, visto o disposto no artigo 661º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a demonstração de que o estabelecimento gerou “revenue” em 2002, ainda que com desconhecimento do respectivo montante, era indispensável para condenar a Ré nesse pagamento em montante a apurar em liquidação. O artigo 272º do Código Civil determina que aquele que contrair uma obrigação sob condição suspensiva deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma a que não comprometa a integridade do direito da outra parte. Como consequência deste princípio o artigo 275º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil, estabelece que se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada. Sendo assim quem contrai uma obrigação sob condição suspensiva, na pendência da condição, deve agir segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte, designadamente para se livrar da obrigação não deve impedir, contra as regras da boa fé, a verificação da condição. Naturalmente que quem contraiu uma obrigação sob condição suspensiva, aquele a quem aproveita a frustração da condição, está interessado em que não ocorra o facto condicionante da sua obrigação, e só por intervir, favorecendo a frustração do evento, não é passível da sanção prevista na 1ª parte do n.º 2 desse artigo 275º, só será passível dessa sanção se a sua conduta for lesiva da boa fé[2]. A boa fé aponta «para o dever social de agir com a lealdade, a correcção, a diligência e a lisura exigíveis das pessoas, conforme as circunstâncias de cada acto jurídico»[3]. Sucedeu, como consta da matéria de facto, que a Ré decidiu encerrar o estabelecimento. A Ré não se comprometeu expressamente a manter o estabelecimento em actividade, apenas se comprometeu-se a manter, no seio da sua actividade social e resultados de exercício, o estabelecimento como centro autónomo de imputação de proveitos e custos para permitir apurar da existência ou inexistência de “revenue”. Contudo um comportamento conforme à boa fé, um comportamento leal, nas circunstâncias contratadas, impunha que a Ré não encerrasse o estabelecimento ao longo dos anos de 2001 a 2005 para possibilitar proveitos e, entre outros, aqueles constitutivos do “revenue”. Mas sendo assim resta apurar se a conduta da Ré ao intervir, encerrando o estabelecimento, foi lesiva da boa fé e, por isso, passível da sanção de se dever considerar verificada a condição, ou seja de se dever considerar, apesar do encerramento do estabelecimento, que este produziu o “revenue” em causa. Ora não foi sem motivo que a Ré decidiu encerrar o estabelecimento, procedeu ao encerramento por considerar económica e financeiramente insustentáveis os custos do seu funcionamento. Efectivamente durante os anos de 2001 e de 2002 apresentou resultados operacionais e líquidos negativos. A margem bruta libertada pela actividade do estabelecimento era inferior aos custos fixos, gerava resultados operacionais negativos, o prejuízo representava mais de 50% da margem bruta, os custos fixos com pessoal representavam mais de 90% da margem bruta libertada pela sua actividade, os custos com pessoal e custos operacionais foram, em 2002, em média mensal superior a € 61.000,00, o estabelecimento não gerava proveitos para suportar esses custos, sendo os mesmos suportados pela Ré, e para 2003 e anos futuros estimava-se que a tendência fosse de agravamento dos prejuízos. A Ré é uma sociedade e assim, visto o disposto no artigo 980º do Código Civil, está constituída para obter e repartir lucros, nesta lógica certamente que não adquiriu o estabelecimento para acrescentar prejuízos à sua actividade social, pelo que naquelas circunstâncias o encerramento do estabelecimento não configura um comportamento desleal, uma administração desleixada, ou seja não configura um comportamento lesivo da boa fé e, consequentemente, nem se pode afirmar que foi dolosamente impedida a verificação da condição. Sendo assim cumpre concluir, como se conclui, que não se pode afirmar que ocorreu o facto condicionante da obrigação da Ré, que o estabelecimento e produziu o “revenue” em causa e, consequentemente, não se pode compelir a Ré a pagar quaisquer dos adicionais previstos no contrato. III – Decisão Pelo exposto decide-se negar provimento ao recurso e, assim, confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente: artigo 446º, n.º 1, do Código do Processo Civil. Processado em computador. Lisboa, 5.5.2009 José Augusto Ramos João Aveiro Pereira Rui Moura _____________________________ [1] Vd. a propósito Vaz Serra, Provas, B.M.J. 111, 21. [2] Vd. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Volume II, pg. 27. [3] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª Ed., pgs. 4 e 5. |