Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PAULO BARRETO | ||
Descritores: | PRISÃO PREVENTIVA INDÍCIOS FORTES | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/17/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Se a dedução da acusação reclama indícios suficientes (entendidos como aqueles que traduzam uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena - 283º, nº 1, do Código do Processo Penal), os fortes indícios para a aplicação da prisão preventiva exigirão um grau mais elevado dessa probabilidade, mas certamente sem chegar ao juízo de certeza em que assenta uma condenação.(Sumariado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório No Juízo de Instrução Criminal do Barreiro, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido o seguinte despacho (apenas são transcritas as partes relativas ao aqui recorrente B. ): “ Julgo válida a detenção dos arguidos que foram tempestivamente apresentados a juízo. O tribunal é competente e inexistem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento da causa. Fortemente se indicia a prática, pelos arguidos, B., R. , J. , E. , C. , P. e T. , em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º1 do DL 15/93, de 22/01, que consistiu na seguinte factualidade: Desde data não concretamente apurada, mas seguramente desde Junho de 2018 que o B. vendeu haxixe ao R. , ao P. , ao T. ao HM e ao CM que, depois, venderam a terceiros que os contactaram para esse efeito, por contactos telefónicos ou por mensagens. (…) Todos os suspeitos vendiam uma grama de cocaína pelo preço de 40€, ¼ de grama de cocaína pelo preço de 10€, uma língua de haxixe pelo preço de 20€, e meia placa de haxixe pelo preço de 225€ (correspondendo uma placa de haxixe, de 100 gramas, ao preço de 450€). Os locais das vendas do haxixe e da cocaína foram efectuados: Na Praceta Gomes Teixeira, Casquilhos, no Barreiro (local privilegiado, não só por ter acesso e saída através de um túnel que confere aos suspeitos maior controlo dos veículos que aí circulam, como também por ser dotado de locais propícios para dissimular produto estupefaciente, designadamente, em cima de portas, em janelas, em canteiros, e em caixas do gás existentes no interior da referida Praceta, facilitando a venda rápida e dissimulada de produto estupefaciente); No estabelecimento comercial de barbearia, denominado “RC ”, sito na Rua Dr. …, no Barreiro, pertença do suspeito B. , que ali exerce, por conta própria, a sua profissão de barbeiro; . Em vários locais do Barreiro e da Baixa da Banheira, previamente combinados e acertados entre os suspeitos, quer entre si, quer com terceiros que os procuraram e contactaram para o efeito. Assim sucedeu nas seguintes datas, por ordem cronológica: No dia 25 de Março de 2019, às 18h10m, o B. encontrava-se na Rua Calouste Gulbenkian, junto do túnel de passagem para a Praceta Gomes Teixeira, acompanhado de indivíduos não identificados, mas referenciados como traficantes de produto estupefaciente, estando o seu veículo estacionado na Rua Miguel Torga, em frente ao nº 3, Casquilhos, prédio onde reside o R.”. O B. aguardava, naquele local, pelo R., conforme encontro previamente combinado entre eles, relacionado com venda de produto estupefaciente entre eles. Assim, às 18h20m, o R. saiu do prédio da sua residência, dirigiu-se para o referido grupo de indivíduos e, a cerca de 20 metros, fez sinal ao B. , que se afastou. O R. dirigiu-se para a Praceta Gomes Teixeira, pelo túnel, e regressou 2 minutos depois, para junto do B. , que o aguardava, após o que se juntaram aos restantes indivíduos. Às 18h36m, o R. e o B. dirigiram-se ao prédio da residência do primeiro e, enquanto este entrava no seu interior, o B. abriu o seu veículo, onde se sentou. Volvidos 30 segundos, o B. saiu do veículo e entrou no prédio do R. , onde permaneceu 20 segundos, após o que saiu e entrou no veículo, ausentando-se no local (cfr. relato de vigilância nº 1, datado de 25 de Março de 2019; fls. 16-17). (…) No dia 10 de Setembro de 2019, às 20h14m06s, um indivíduo, conhecido por “Chanito”, contactou, através do telemóvel com o número 92…, com o B. , para o número 93…, que este utilizava, com o propósito de comprar produto estupefaciente, perguntando-lhe “Então a coisa anda filou?” (querendo com isso saber se o B. já tinha haxixe), tendo este respondido “Oh está mau”, e acrescentado “chegou uns sete” (querendo dizer que arranjou sete quilos de haxixe, mas de fraca qualidade). O “Chanito” perguntou “Mandaste para trás?”, obtendo por resposta do B. “Não, achas?”. O “Chanito” manifestou intenção de comprar haxixe, independentemente da sua fraca qualidade, com a expressão “Eh, então tou-me a cagar boy”. O B. mandou, então, o “Chanito” enviar-lhe mensagem através da aplicação “Whatsapp”, por cautela (sessão nº 5251 do alvo 107727050, transcrita fls. 25 do Anexo III). No dia 29 de Outubro de 2019, às 10h20m, o B. abriu a sua barbearia, onde já o aguardavam um indivíduo conhecido por “Pardelha”, e o T. , que entraram na barbearia consigo. Às 10h55m, um indivíduo entrou na barbearia, onde permaneceu cerca de 30 segundos, e voltou a sair. Às 11 horas, o indivíduo conhecido por “Pardelha” saiu da barbearia. Às 11h10m, o B. e o T.saíram da barbearia e dirigiram-se para um café localizado nas proximidades, do qual saíram, 10 minutos depois, dirigindo-se o B. para a barbearia e o T. para o seu veículo, estacionado nas proximidades. Às 11h35m, FD, conduzindo o veículo com a matrícula 27… procurou o B. na barbearia, após o que saíram os dois, no referido veículo (cfr. relato de vigilância nº 7, datado de 29 de Outubro de 2019; fls. 329-330). No dia 30 de Outubro de 2019, por várias vezes, o T. entrou e saiu da barbearia, estando o B. no seu interior, e deslocou-se sempre em direcção a um local ali próximo, conhecido por “Santinha” (cfr. relato de vigilância nº 8, datado de 30 de Outubro de 2019; fls. 334-335). (…) No dia 6 de Novembro de 2019, às 20h45m, depois de o B. ter sido contactado por um indivíduo, de nome P. , conhecido por “Barra Six”, encontraram-se na Rua Almirante Reis, em frente ao nº 75, no Barreiro, no veículo do B., de marca e modelo “Seat Ibiza”, com a matrícula 77…. Às 20h55m, saíram do veículo e deslocaram-se para a lateral do restaurante denominado “Cachupa”, onde permanecem 5 minutos e, depois, entraram no referido restaurante (cfr. relato de vigilância nº 9, datado de 6 de Novembro de 2019; fls. 349). No dia 7 de Novembro de 2019, às 23h12m, na Avª da Praia, junto dos “Dadores de Sangue”, o B. contactou com T. , que já o aguardava no veículo, com a matrícula 62-14-ZM, entrou no veículo do B. , do qual saiu 8 minutos depois, entrou no seu veículo e ausentou-se do local (cfr. relato de vigilância nº 10, datado de 7 de Novembro de 2019; fls. 350-351). (…) No dia 11 de Novembro de 2019, o B. foi contactado por vários indivíduos referenciados como consumidores de produto estupefaciente (cfr. relato de vigilância nº 11, datado de 11 de Novembro de 2019; fls. 352). No dia 30 de Novembro de 2019, às 17h18m14s, o E. contactou, através do número de telemóvel 919165063, por si utilizado, com o R. ”, para o número 932651880, que este utilizava, dizendo-lhe que não sabia onde estava o B. , usando a expressão “Eu tentei lá ir, mas eu não consegui dar com aquilo tive lá com o JM (referindo-se ao também suspeito nos autos, JM, seu cunhado) mas ele não sabia onde é que era ”. De seguida, o E. passou o telemóvel ao JM , que falou com o R. ”, tendo este lhe explicado como ir à barbearia do B. , sendo o propósito o de adquirirem produto estupefaciente a este (sessão nº 11049 do alvo 108603060, transcrita fls. 29-30 do Anexo V). No dia 11 de Dezembro de 2019, às 18h00m49s, um indivíduo, de nome JC, vizinho do B. , contactou, através do telemóvel com o número 96…, com o B. , para o número 93…, que este utilizava, com o propósito de comprar produto estupefaciente, e perguntou-lhe, para esse efeito, “Tas onde?”, tendo o B. respondido que estava no salão. O indivíduo pediu-lhe “então calma aí, calma aí, vou passar aí, vá”, pedido a que o B. aceitou (sessão nº 15312 do alvo 107727040, transcrita fls. 2 do Anexo). De seguida, às 18h11m05s, o B. contactou, através do telemóvel com o número 935858480, com H. , seu irmão, para o número 96…, que este utilizava, para perguntar que quantidade de haxixe é que ele precisava. Para tanto, pediu-lhe para ver uma mensagem que ele lhe ia enviar através da aplicação “Whatsapp” - “Vê a minha mensagem, vou-te mandar agora no coiso, iá?” (sessão nº 15318 do alvo 107727040, transcrita fls. 3 do Anexo VIII). Às 18h22m51s, o B. voltou a contactar com o seu irmão, através dos mesmos contactos telefónicos, pedindo para responder rápido, porque tinha de dizer ao vizinho a quantidade certa, utilizando, para o efeito, as expressões “tenho dois minutos para dar uma resposta, tens que me responder rápido, senão se me responderes daqui a quinze minutos, caga tipo nem me respondes, meu” (sessão nº 15318 do alvo 107727040, transcrita fls. 3 do Anexo VIII). Como o H. demorou a responder, o B. contactou, às 18h33m20s, através do telemóvel com o número 935858480, para o JC, para o número 969356423, que este utilizava, para lhe dizer “arranja só para nós” (sessão nº 15321 do alvo 107727040, transcrita fls. 5 do Anexo VIII). Às 23h41m14s, o JC dirigiu-se a casa do B. , depois de mensagens previamente trocadas entre ambos (às 23h34m23s e às 23h34m35s) para acertarem o encontro, entregando-lhe nesse local o produto estupefaciente que o B. havia solicitado (sessões nºs 15346, 15348, 15349 e 15353 do alvo 107727040, transcritas fls. 8, 9, 10 e 11 do Anexo VIII, conjugadas com o relatório intercalar nº 26, datado de 1 de Junho de 2020, lavrado pelo Agente da PSP Júlio Sancha, onde esclarece que o número 961686340 pertence a H. , irmão de B. , e não ao primo deste, CM). No dia 4 de Janeiro de 2020, às 20h47m21s, o B. deu o seu contacto telefónico a MP que utilizava o número 91…(sessões nºs 17915 e 17916 do alvo 107727040, transcritas fls. 12 e 13 do Anexo VIII). Desde aquela data que os contactos telefónicos que ambos mantiveram entre si ocorreram sempre por mensagens escritas, sendo que esses contactos, efectuados sempre pelo MP, e sempre com o propósito de adquirir haxixe ao B. , ocorreram sempre no período nocturno, e sempre em casa deste indivíduo, antecedidos sempre de mensagem enviada pelo B. , do número 93… para o número 91…, dizendo-lhe para descer. Tal sucedeu, pelo menos, nos dias 7 de Janeiro de 2020 (sessão nº 18135 do alvo 107727040, transcrita fls. 14 do Anexo VIII), 8 de Janeiro de 2020 (sessões nºs 18238, 18251, 18252, 18253, 18255, 18256 e 18257 do alvo 107727040, transcritas fls. 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21 do Anexo VIII), 12 de Janeiro de 2020 (sessões nºs 18613, 18615, 18616, 18626, 18629, 18630, 18657, 18658, 18659, 18665 e 18666, do alvo 107727040, transcritas a fls. 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32 do Anexo VIII), 22 de Janeiro de 2020 (sessões nºs 19706, 19711, 19719, 19729 e 19754, transcritas a fls. 33, 34, 35, 36 e 37 do Anexo VIII), 28 de Janeiro de 2020 (sessões nºs 20325, 20326, 20327, 20328, 20339, 20355 e 20356, transcritas a fls. 38, 39, 40, 41, 42, 43 e 44 do Anexo VIII), 29 de Janeiro de 2020 (sessões nºs 20461, 20477 e 20478, transcritas a fls. 45, 46 e 47 do Anexo VIII), 9 de Fevereiro de 2020 (sessões nºs 21634, 21635 e 21636, transcritas a fls. 48, 49 e 50 do Anexo VIII), 10 de Fevereiro de 2020 (sessões nºs 21761, 21762, 21763, 2199, 21913, 21935, 21936, 21937, 21938, 21940 e 21941, transcritas a fls. 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60 e 61 do Anexo VIII), 13 de Fevereiro de 2020 (sessões nºs 22237, 22301 e 22302, transcritas a fls. 63, 64 e 65 do Anexo VIII), 14 de Fevereiro de 2020 (sessão nº 22547, transcrita a fls. 66 do Anexo VIII), 17 de Fevereiro de 2020 (sessões nºs 23171, 23175 e 23176, transcritas a fls. 67, 68 e 69 do Anexo VIII), 18 de Fevereiro de 2020 (sessões nºs 23316, 23317, 23318, 23319, 23352 e 23373, transcritas a fls. 70, 71, 72, 73, 74 e 75 do Anexo VIII), 19 de Fevereiro de 2020 (sessões nºs 23422, 23423. 23424, 23525, 23426, 23427, 23445, 23446, 23447, 23448, 23449, transcritas a fls. 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85 e 86 do Anexo VIII), 25 de Fevereiro de 2020 (sessões nºs 24058, 24078, 24079, 24080, 24100, 24101, 24111 e 24112, transcritas a fls. 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94 e 95 do Anexo VIII), 5 de Março de 2020 (sessões nºs 24601, 24602, 24603, 24642, 24647 e 24648, transcritas a fls. 96, 97, 98, 99, 100 e 101 do Anexo VIII). (…) No dia 11 de Fevereiro de 2020, às 13h15m03s, um indivíduo do sexo feminino, de nome S. contactou, através do telemóvel com o número 93…, com o B. , para o número 935858480, que este utilizava, com o propósito de comprar produto estupefaciente, pedindo-lhe para deixar haxixe (utilizando a expressão “pijama” para o designar) em casa da M. , utilizando a expressão “Deixa lá aí um pijama para mim, que eu depois quando sair pago-te lá que eu preciso para logo à noite”, esclarecendo “Mas o tamanho mais pequenino” (querendo com isso dizer para o B. lhe levar haxixe, mas mais pequeno), o que o B. aceitou (sessão nº 22012 do alvo 107727040, transcrita fls. 62 do Anexo VIII). No dia 14 de Fevereiro de 2020, às 20h57m27s, um indivíduo, conhecido por “Pardelha”, contactou, por mensagem escrita, através do telemóvel com o número 936137298, com o B. , para o número 935858480, que este utilizava, com o propósito de comprar haxixe (utilizando a expressão “casaco” para o designar), utilizando a expressão “Depois traz um casaco para mim entendes” (sessão nº 22547 do alvo 107727040, transcrita fls. 66 do Anexo VIII). (…) No dia 19 de Fevereiro de 2020, às 11h49m, o T. dirigiu-se à barbearia do B. , onde este também se encontrava e, às 11h51m saiu, levando consigo a chave de um carro. Às 11h54m, o T. regressou e, às 11h59m, o B. e o T. desceram para a cave do estabelecimento, depois de aquele ter agarrado numa bolsa de usar à cintura. Às 12h09m, ambos regressam da cave e conversam por breves instantes, após o que, às 12h10m, o B. regressou à cava e o T. abandonou o local, a pé (cfr. relato de vigilância nº 14, datado de 19 de Fevereiro de 2020, fls. 512-513). T. viria a ser abordado pela PSP do Barreiro, momentos depois de ter saído da barbearia do B. , a conduzir um veículo com a matrícula 04…, vindo a ser detido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (dando origem ao NUIPC 10/20.1PTBRR), mas havendo notícia que tinha na sua posse um maço de notas. No dia 20 de Fevereiro de 2020, às 16h27m, um indivíduo, de nome TM , saiu da barbearia do B. e deslocou-se, a pé, ao local conhecido por “Santinha”, ali próximo, vindo a ser abordado pelos Agentes da PSP encarregues da vigilância, pouco depois, tendo na sua posse a quantia de 120€, fraccionada em várias notas e moedas (cfr. relato de vigilância nº 15, datado de 20 de Fevereiro de 2020, fls. 519). No dia 2 de Abril de 2020, às 23h46m15s, o P. contactou, por mensagem escrita, através do telemóvel com o número 910166572, com o B. , para o número 93…, que este utilizava, para acertarem entre si um encontro, com o propósito de lhe comprar produto estupefaciente, usando as expressões “Sou eu, eu fui la no tropa e ele tava fatela só porcaria se tiveres trankilo liga me amanhã de manhã ou tarde bro o mano ta certo”, encontro esse que se concretizou (sessões nºs 28141, 28249, 28259 e 28260 do alvo 107727040, transcritas fls. 103, 104, 105 e 106 do Anexo VIII). No dia 6 de Abril de 2020, às 11h56m36s, o MP” contactou, por mensagem escrita, através do telemóvel com o número 916028144, com o B. , para o número 935858480, que este utilizava, acertando entre si um encontro, para este lhe entregar haxixe, utilizando a expressão “boas mano já tas na zona” (sessão nº 28543 do alvo 107727040, transcrita fls. 107, do Anexo VIII). De seguida, às 12h22m46s, o B. contactou, por mensagem escrita e, depois, por voz, com o P. , avisando-o que se iria encontrar com ele, usando a expressão “Daqui a pouco passo aí”, para que este lhe fornecesse haxixe. Às 18h17m01s, o B. contactou com o P. , perguntando-lhe onde estava, tendo obtido por resposta deste que estava “em casa”. O B. pediu-lhe “vem aí na porta, estou aqui”, o que o P. fez, entregando-lhe haxixe nessa ocasião (sessões nºs 28544, 28557 e 28565 do alvo 107727040, transcritas fls. 108, 109 e 110 do Anexo VIII). De seguida, entre as 19h38m50s e as 20h22m56s, o B. e o MP” concretizaram o encontro previamente acertado entre ambos, durante o qual aquele entregou haxixe a este (sessões nºs 28576, 2577, 28593 e 28594 do alvo 107727040, transcritas fls. 111, 112, 113 e 114 do Anexo VIII). No dia 14 de Abril de 2020, às 14h28m18s, o P. contactou, através do telemóvel com o número 966247019, com o B. , para o número 935858480, que este utilizava, acertando entre si um encontro, para este lhe entregar haxixe, utilizando a expressão “Antes de bazar da zona, passa aí no Pajomi, yá”. Às 14h30m10s, o B. respondeu ao P. , por mensagem escrita, “Tou aqui pajomi” (sessões nºs 29562 e 29564 do alvo 107727040, transcritas fls. 119 e 120, do Anexo VIII). No dia 16 de Abril de 2020, às 21h22m43s, às 21h28m34s e às 21h30m07s, o B. e o P. trocaram mensagens escritas entre si, através dos números de telemóvel 93… e 96… por meio das quais combinaram um encontro, com o propósito de o B. entregar haxixe ao P. , utilizando as expressões “Daqui a pouco já te dou tk”, “Trankilo mano quando tiveres a vir manda msg para sair da casa do meu pai” e “Mal tiveres para vir avisa-me assim eu saio logo de casa e vou pra baixa” (sessões nºs 29876, 29877 e 29879 do alvo 107727040, transcritas fls. 121, 122 e 123, do Anexo VIII). No dia 18 de Abril de 2020, às 17h19m44s, o B. contactou, através do telemóvel com o número 935858480, com um indivíduo, de nome MP, para o número 96…, que este utilizava, para acertar encontro entre ambos, para o primeiro entregar haxixe ao segundo, utilizando as expressões “Tou aqui no teu mambo, vou levantar massa mon, preciso levantar massa, vem aqui”, “Yá tou a sair agora” e “vai, vai” (sessão nº 30124 do alvo 107727040, transcrita fls. 131, do Anexo VIII). No dia 21 de Abril de 2020, às 15 horas, o B. encontrava-se no interior da barbearia, com as luzes acesas e com as cortinas interiores corridas, de modo a impedir o visionamento do que se passava no interior do estabelecimento. Às 15h10m, o indivíduo já mencionado, de nome MP, procurou o B. na barbearia deste, bateu à porta e aguardou. Às 15h11m, o B. abriu a porta, deixou entrar o referido indivíduo e fechou a porta, de seguida. Passado 1 minuto, o mesmo indivíduo abandonou a barbearia e dirigiu-se a uma paragem do autocarro dos Transportes Colectivos do Barreiro, sempre observado por Agentes da PSP do Barreiro. Às 15h35m, o MP apanhou o autocarro nº 1 dos Transportes Colectivos do Barreiro, vindo a ser sempre seguido por Agentes da PSP do Barreiro que, às 16 horas, o abordaram, quando saiu numa paragem da Avª Escola dos Fuzileiros Navais, na Quinta da Lomba, Barreiro, e a apreenderam 4, 35 gramas de produto estupefaciente, que havia acabado de comprado ao “B. , produto esse que reagiu a haxixe (cfr. relato de vigilância nº 16, datado de 21 de Abril de 2020, fls. 602-603, 604-605, 606-607, 608 e 609). No dia 22 de Abril de 2020, às 17h31m23s, o B. contactou, através do telemóvel com o número 93…, com o P., para o número 96…, que este utilizava, para acertar encontro entre ambos, para o P. entregar haxixe ao B. , na casa deste, utilizando as expressões “Tou”, “Ya, tás onde?”, “Cubículo”, “Hã?”, “Em casa”, “Passa aí, tou no cubículo”, “Tranquilo, tranquilo, vu aí ter então” e “Vá, até já, até já” (sessão nº 30789 do alvo 107727040, transcrita fls. 134, do Anexo VIII). Às 18h00m43s, o B. contactou com o P. , agora por mensagem escrita, através dos mesmos contactos telefónicos, insistindo para que este aparecesse na sua casa, utilizando a expressão “Demoras?” (sessão nº 30794 do alvo 107727040, transcrita fls. 135, do Anexo VIII). No dia 23 de Abril de 2020, às 19h17m03s, na posse do haxixe que lhe foi entregue pelo P. , no dia 22 de Abril de 2020, o B. contactou, por mensagem escrita, através do telemóvel com o número 93…, com o MP”, para o número 91…, que este utilizava, para acertar encontro entre ambos, para lhe entregar haxixe, na casa deste (do MP”), vindo o mesmo a concretizar-se às 19h24m46s, por meio da mensagem escrita que o B. enviou ao “MP” com a expressão “Dexe mano”, o que o MP” anuiu, respondendo, também por mensagem escrita, às 19h25m20s, “Ya” (sessões nºs 30903 e 30904 do alvo 107727040, transcritas fls. 1139 e 140, do Anexo VIII). (…) No dia 26 de Abril de 2020, às 16h51m51s, o B. contactou, por mensagem escrita, através do telemóvel com o número 93…, com o C, seu primo, para o número 93… que este utilizava, para lhe pedir para ir a casa do P. buscar produto estupefaciente, utilizando a expressão “Sobnocubiculodeleondeeutinhaocarro”, tendo obtido por resposta do CM ”, “Nseiaondeehemfrentemmacrecheondtinhaovizinhobofia”, tendo o B. explicado que era junto de um túnel, “Antesdotuneléoprediodeleondeestava” (sessões nºs 31284, 31285 e 31288 do alvo 107727040, transcritas fls. 142, 143 e 144, do Anexo VIII). Às 17h01m45s, o CM acabou por contactar com o B. , através dos mesmos contactos telefónicos, para melhor perceber onde residia o P. tendo aquele lhe dado indicações mais específicas (sessão nº 31289 do alvo 107727040, transcrita fls. 145, do Anexo VIII). (…) No dia 7 de Julho de 2020, às 8h15m, na sequência do cumprimento de mandados de busca domiciliária na residência do arguido B. , foi localizado e apreendido: Sete placas de haxixe, com o peso total de 712, 72 gramas de pólen de haxixe, sendo que 696, 29 gramas estavam dissimuladas dentro de uma caixa, na despensa da cozinha, divididas em 7 barras de, aproximadamente, 100 gramas cada, e as restantes 20,43 gramas encontravam-se acondicionadas dentro de uma pequena bolsa, que estava em cima da mesa da sala. Destas sete placas de haxixe, 5 tinham marca/inscrição “Primo Kush”, semelhante à marca/inscrição do haxixe apreendido ao arguido T. , e duas placas tinham a inscrição “Banana Cush”; Duas balanças de precisão, em perfeito estado de funcionamento, localizadas em cima do frigorifico, sendo que uma delas tem vestígios de haxixe; Três telemóveis, localizados em cima do frigorífico; . A quantia monetária total de 30 635€, dividida em vários locais, da seguinte forma: → A quantia de 560€ foi localizada no interior da sua carteira, fraccionada em notas, com o valor facial de 10€ e de 5€; → A quantia de 10 020€ foi localizada no fundo de uma gaveta da casa de banho, separada em 2 montes, sendo um de 5000€ e outro de 5 020€; → A quantia de 20 000€ foi localizada no fundo de uma gaveta da cozinha, dividida em montes, cada um no valor total de 5000€. Todo o dinheiro estava embrulhado em meias, de cor preta, e a maior parte eram notas de 10€ e de 20€. → Os restantes 55€ estavam no interior de um robe, que estava no seu quarto, bem como os 3 telemóveis. (…) O total das apreensões efectuadas aos arguidos resultou, assim, em: 1155,26 gramas de haxixe, suficiente para 2311 doses individuais; 10,11 gramas de anfetaminas, suficiente para 101 doses individuais; A quantia monetária de 34 096,30€. Cada um dos arguidos agiu com perfeito conhecimento das características estupefacientes dos produtos que detinham em seu poder, sabendo igualmente que a sua detenção, cedência, transacção e venda lhes eram proibidas por lei, querendo, com isso, auferir proventos económicos a que não tinham direito. Cada um dos arguidos agiu sempre de forma livre, porque capaz de se determinar segundo a sua vontade, e de forma deliberada e consciente, querendo actuar da forma supra descrita. Mais sabia cada um dos arguidos que as respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei. Os factos indiciariamente imputados aos arguidos resultam dos elementos de prova que constam dos autos, designadamente: . (…) Os arguidos não prestaram declarações quanto aos factos que lhes são imputados, no uso de direito que lhes assiste, à excepção do arguido C. que quis responder apenas quanto a aspectos da apreensão de haxixe e dinheiro levada a cabo na sua residência, tendo o mesmo referido que o produto estupefaciente era para seu consumo e que o dinheiro, eram € 390,00 relativos a um prémio de apostas (Placard) que recebeu e os restantes € 2.000,00 eram as suas economias desde há 1 ou 2 anos. São, todavia, já abundantes os elementos de prova que constam dos autos e que vão acima referidos, indiciadores de toda a factualidade que lhes é imputada. De facto, tanto as vigilâncias, como as intercepções telefónicas realizadas durante a investigação, não deixam dúvidas quanto à participação de todos os arguidos na factualidade exaustivamente descrita no douto despacho de apresentação dos arguidos a interrogatório judicial. (…) Resulta também, quer da quantidade de vezes que foi registada a actividade de tráfico de estupefacientes aos arguidos, quer dos lucros avultados que resultaram, para os mesmos, da diferença entre o preço de compra e de venda daqueles produtos que transacionavam, quer ainda das actividades profissionais que os arguidos declararam ter, empregados fabris, na construção civil, serralheiro, cargas e descargas e barbeiro, que os arguidos fazem da venda de estupefacientes o seu principal meio de subsistência. Ao arguido B. , que declarou ser barbeiro, auferir entre 2.000 a 3.000 euros por mês, pagar € 700,00 de rendas de sua casa e do seu estabelecimento e tem 2 filhos em guarda partilhada, pelo que não contribui para os respectivos alimentos, foram apreendidas 712,72 gr de pólen de haxixe, suficiente para mais de 1.400 doses individuais, em valor superior a € 3.000,00, 2 balanças de precisão, 3 telemóveis e € 30.635,00 em dinheiro, que se encontrava espalhado pela sua casa, dissimulado no interior de meias escondidas; (…) Resulta dos elementos de prova carreados aos autos e acima referidos que, no período em que os arguidos foram investigados, de 25.03.2019 a 20.06.2020, encontram-se documentadas 77 intervenções em dias diferentes, tendo, nesse período, os arguidos realizado o seguinte número de transacções de estupefacientes: o arguido B. – 37, o arguido R. – 15, o arguido J. – 18 (tendo o mesmo contactado, pelo menos 16 vezes, com a sua namorada Daniela para o auxiliar em diversas tarefas directamente relacionadas com as operações de tráfico de estupefacientes), o arguido E. – 15, o arguido C. – 4, o arguido P. – 19. Estes números demonstram que os arguidos se dedicavam, exclusivamente, à compra e venda de estupefacientes, desenvolvendo a sua actividade quase sempre em condições “frenéticas”, havendo alturas em que foram observadas 5 transacções em cerca de uma hora, como por exemplo o arguido E. no dia 10.04.2019, o mesmo arguido efectuou 4 transacções em 20 minutos, no dia 06.05.2019, o arguido B. efectuou 5 transacções em pouco mais de meia hora no dia 29.10.2019, o mesmo, efectuou 15 transacções, com o mesmo cliente, MP” entre os dias 07.01.2020 e 05.03.2020 e no dia 19.02.2020, entre as 13:56 e as 16:49, o arguido R. efectuou 6 transacções. Fortemente indiciado resulta o facto de os arguidos se virem dedicando, pelo menos desde o início da investigação, à compra e venda de estupefacientes e que vivem dos lucros que tal actividade lhes proporciona. O arguido B. foi condenado pela prática do crime de ofensas à integridade física, por sentença transitada em 23.04.2007, em pena de multa; pela prática do crime de dano na forma tentada, por sentença transitada em 03.12.2007, em pena de multa; pela prática do crime de roubo, por sentença transitada em 19.01.2009, em pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova; pela prática do crime de detenção ilegal de arma, por sentença transitada em 22.06.2009, em pena de multa; pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, por sentença transitada em 05.07.2013, em pena de 4 meses de prisão, substituída por multa. (…) Donde resulta que, quer o arguido B. , como o arguido R. , assim como o arguido P. Nobre, já foram condenados em penas de prisão, ainda que suspensas ou substituídas por multa ou TFC e, mesmo assim, nem a ameaça de prisão foi suficiente ou adequada para acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa que então, como agora se verifica, demonstrando estres arguidos não terem consciência da ilicitude dos seus actos. Do que se deixa dito e atentas as condutas e o percurso de vida dos arguidos, pode-se concluir pela existência, em concreto, dos seguintes perigos:Fuga, tendo em conta que os arguidos estão agora confrontados com a gravidade dos factos que lhes são imputados e a pena que, previsivelmente lhes serão aplicadas, pelo que tentarão eximir-se à acção da justiça, tendo ainda em conta que nenhum dos arguidos, tal como acima se deixou referido, convenceu da verdade das suas declarações relativamente às suas profissões e remunerações; Perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, uma vez que, pese embora o tempo que decorreu desde o início da investigação, ainda a mesma se não mostra concluída, havendo outros suspeitos por identificar e porque os arguidos, agora confrontados com os factos que lhes são imputados e a pena a que se encontram sujeitos, procurarão formas de desvirtuar e subverter provas e meios de prova já existentes e a surgir no futuro; Continuação da actividade criminosa pois que, como se referiu, os arguidos dedicam-se, exclusivamente à actividade de tráfico para fazer face à sua subsistência; e Grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas, tendo em conta o crime em causa e a visibilidade social que a prática do mesmo implica, considerando, ainda, toda a criminalidade associada ao consumo e trafico de estupefacientes. Pelo exposto, consciente dos princípios subjacentes à aplicação de qualquer medida de coacção, concordando com a promoção que antecede porque entendo como suficientes, adequadas e proporcionais à situação a acautelar, tendo ainda em conta as sanções que, atendendo à factualidade indiciariamente imputada aos arguidos, lhes virão a ser aplicadas, determino que os arguidos aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos, para além do TIR que já prestaram, às seguintes medidas de coacção: Os arguidos B., R., J. , C. e P. – Prisão Preventiva – artigos 191º a 193º, 196º, 202º, n.º 1, al. a) e c) e 204º, al a), b) e c), todos do CPP. (…) Não se equaciona, sequer, a aplicação, aos arguidos B. , R., J. C. e P. de medida de coacção não privativa da liberdade ou de OPHVE, tendo em conta que o crime imputado aos arguidos, de tráfico de estupefacientes, é desenvolvido, a maior parte das vezes, tal como acontecia agora nos casos concretos, em casa dos arguidos, onde são, pelo menos, combinados e acertados todos os pormenores do negócio respectivo. (…)” * O arguido B. veio recorrer do despacho que determinou a sua prisão preventiva, formulando as seguintes conclusões: “ 1. O recorrente não se conforma com a medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi aplicada. 2. A recorrente não tem antecedentes criminais e é cidadão português. 3. O recorrente é proprietário do estabelecimento comercial “Barber Shop”, auferindo entre 2000€ e 3000€ mensais. 4. É imputada a prática do crime de tráfico de estupefacientes na aquisição e venda de haxixe a terceiros. 5. A imputação de que o mesmo desenvolvia a actividade de tráfico de droga resulta das vigilâncias, escutas telefónicas e autos de busca domiciliária e apreensões. 6. A Defesa discorda que se possa concluir pela prática do tráfico de droga, tendo por base as vigilâncias policiais quando delas não resulta qualquer movimentação suspeita de troca/transacção. 7. A apreensão de estupefaciente ao MP não permite por si só concluir pela venda da droga por parte do recorrente. A vigilância tão pouco dá conta de transacção e o indivíduo é detido após ter percorrido várias artérias da cidade num autocarro (transporte público). 8. Tão pouco o MP foi inquirido quanto à proveniência do estupefaciente e se o mesmo já o detinha antes de entrar na barbearia do recorrente. 9. A vigilância do dia 21 de Abril de 2020 é desacompanhada de intercepções telefónicas. 10. A intercepção telefónica que dá conta da conversação mantida entre o recorrente e o MP é datada de 18 de Abril de 2020 e desacompanhada de qualquer vigilância. 11. As expressões e palavras tais como “casaco” e “pijama” não consubstanciam qualquer código, porque usadas uma única vez e não poderão significar outra coisa que um casaco e um pijama. 12. Tais intercepções telefónicas desacompanhadas de meios de prova não permitem concluir pela interpretação e/ou concretização do seu contexto. Assim nos ensina o Acórdão do STJ com o processo n.º 03P3213, de 07.01.2004. 13. No caso dos autos, as vigilâncias são desacompanhadas de intercepções telefónicas e de apreensões, que permitissem comprovar a ilicitude do produto alegadamente transacionado. 14. No caso dos autos as intercepções telefónicas realizadas ao telefone do recorrente foram realizadas desacompanhadas de outros meios de prova, designadamente vigilâncias electrónicas e apreensões judiciais. 15. O despacho judicial recorrido fundamenta a existência dos perigos constantes do art.º 204.º do CPP, “pelo percurso de vida do recorrente”, não obstante o mesmo averbar no seu CRC um crime de idêntica natureza (mas de menor gravidade e uma pena de 4 meses de prisão substituída por uma pena de multa) com trânsito em julgado em 2013, portanto há mais de 7 anos. 16. O despacho judicial recorrido fundamenta a existência dos perigos constantes do art.º 204.º, do CPP, pela “conduta do recorrente nos autos”, não obstante dar conta da sua inserção profissional. 17. A invocação do perigo de fuga pela alusão ao princípio da previsibilidade não colhe aceitação na jurisprudência e viola a necessidade de concretizar nos autos a existência de tal perigo. 18. Desconhece-se de que forma poderia o recorrente perturbar o inquérito, na aquisição e conservação de uma prova, tal como os relatos de vigilância externa e as transcrições das intercepções telefónicas. 19. Não existe perigo para grave para a ordem e tranquilidade públicas. 20. A invocação dos perigos constantes do art.º 204.º do CPP não se basta com a mera enunciação. 21. Inexistem os perigos de fuga, de perturbação do inquérito e de grava perturbação para a ordem e tranquilidade públicas. 22. No que concerne ao perigo de continuação da actividade criminosa, realça-se o facto concreto de a última vigilância efectuada ao recorrente ter ocorrido no dia 21 de Abril de 2020, e a última transcrição de intercepção telefónica ter ocorrido no dia 6 de Maio do mesmo ano. 23. A detenção do recorrente ocorre após 2 (dois) meses da conversação telefónica, já transcrita nos autos, o que muito se diz da necessidade de acautelar o referido perigo com uma medida privativa da liberdade. 24. Não obstante a quantidade de estupefaciente, a sua qualidade é considerada uma droga leve, de menor malefício para a saúde do consumidor. 25. A menor lesão para a saúde tem vindo a ser comprovada com as reiteradas descriminalizações do consumo e da venda deste tipo de estupefaciente (canábis), em vários países, e também em Estados Federais do EUA, tendo o Canadá sido o último país a liberalizar a sua comercialização. 26. A canábis continua proibida na sua comercialização e consumo em Portugal, mas permitida para fins terapêuticos, pelo que daqui se retira que os seus efeitos poderão ser, em determinadas situações de doença, benéficos à saúde. 27. Se assim se não entender, e se se verificar a existência de fortes indícios da prática do crime de tráfico de estupefacientes (na aquisição e venda), sempre se dirá que a substituição da prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação é suficiente para acautelar os perigos por que vem indiciado. 28. Na verdade, a medida de coacção de OPHVE não é incompatível com a indiciação pelo crime de tráfico de estupefacientes. 29. Meste sentido processo n.º 273/08.0JELSB que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Silves, a cujos arguidos, cidadãos espanhóis sem qualquer vínculo social, profissional e familiar a Portugal, e foi determinado pelo douto Tribunal da Relação de Évora a alteração da medida de coacção de prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica. 30. E durante o período de reclusão nas suas habitações, não existiu um único incumprimento e, apesar da posterior condenação em prisão efectiva, apresentaram-se voluntariamente no estabelecimento prisional, e ali cumpriram o remanescente da pen. E, momento algum se colocou a hipótese de fugirem. E eram eram estrangeiros com forte ligações (únicas) ao seu país de origem. 31. No caso dos autos, não existe nenhuma transacção de estupefaciente comprovadamente realizada a partir da sua habitação. Apenas existem suspeitas em virtude das intercepções telefónicas ao seu telemóvel. 32. Contudo e uma vez mais, realçamos a insuficiência de tal indício por estar desacompanhado de qualquer outro meio de prova. 33. O apoio familiar assegurará, para além de outras, a sobrevivência do recorrente, custeando as suas despesas e as da habitação, pelo que não necessitaria de providenciar pelo seu sustento, acautelando assim, duplamente, o alegado perigo de continuação da actividade criminosa. 34. A própria medida de coacção de OPHVE é, por si só, dissuasor de qualquer comportamento ilícito, não só pela limitação de movimentos e o seu controlo, mas também pela sua natureza, uma vez que cessa qualquer ímpeto criminoso do negócio ilícito realizado com alguém sob a alçada da Justiça. 35. Nestes termos deve o recorrente ser restituído à liberdade, com a medida de coacção TIR, já prestada nos autos e a aplicação da obrigação de apresentações periódicas diárias no posto da polícia da área da sua residência. 36. Se assim se entender, dever-se-á alterar a medida de coacção de prisão preventiva para a OPHVE, sendo esta última medida de coacção a mais adequada e proporcional que a prisão preventiva aplicada nos autos”. O Ministério Público apresentou Resposta, concluindo do seguinte modo: “ No presente inquérito foi o arguido detido e sujeito a primeiro interrogatório judicial, no âmbito do qual se determinou que o mesmo aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito a tir, já prestado, e à medida de coacção de prisão preventiva. 2. O MM Juiz fundamento a existência de fortes indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do DL 15/93 de 22 de janeiro, alicerçados nos elementos probatórios juntos aos autos designadamente intercepções telefónicas e respectivos autos de transcrição, vigilâncias e apreensões. 3. As vigilâncias e as intercepções telefónicas realizadas durante a investigação não deixam dúvidas quanto à participação de todos os arguidos na factualidade exaustivamente descrita no douto despacho de apresentação dos arguidos a interrogatório judicial. 4. Os aludidos meios de obtenção de prova concatenados com o resultado das buscas e apreensões efectuadas são elementos de prova sérios e inequívocos que permitem concluir pela existência de fortes indícios. 5. Das apreensões efectuadas em resultado da busca domiciliária realizada na residência do arguido B. , foram apreendidas sete placas de haxixe, com o peso total de 712,72 gramas de pólen de haxixe. 6. O arguido B. declarou ser barbeiro, auferir entre 2000 € e 3000€ por mês, pagar 700 € de rendas da sua casa e do estabelecimento, sem prejuízo de deter na residência cerca de 30.000€ em dinheiro, notas de 10 e 20 euros, ocultas em meias. 7. O MM Juiz de Instrução fundamentou factualmente os perigos de fuga, de perturbação do inquérito, de continuação da activdade criminosa e perturbação da ordem pública. 8. Ponderando os manifestos e concretos perigos verificados, a gravidade do ilícito e a pena que previsivelmente será de aplicar ao arguido, tendo subjacente os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade previstos no citado artigo 193.º, do CPP, afigura-se que só uma medida privativa da liberdade será apta a fazer cessar os mencionados perigos e a acautelar as necessidades de prevenção que o caso reclama. 9. Com efeito, a natureza do crime e os bens encontrado na residência do arguido são indicativos de que o mesmo, com elevada facilidade, pode prosseguir a sua actividade em casa e de forma ainda mais camuflada, pelo que é de todo inviável a aplicação da obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica. 10. Nessa conformidade, mostra-se suficiente, adequada, necessária e proporcional no caso concreto do arguido a aplicação de prisão preventiva”, * O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo. Uma vez remetido a este Tribunal, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da improcedência do recurso. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP. Proferido despacho liminar e dispensados os “vistos”, teve lugar a conferência. * II – Objecto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões (já supra mencionadas) da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação da decisão da primeira instância – artigos 403º e 412º, nº 1, do Código do Processo Penal. O recorrente sustenta que não estão preenchidos os pressupostos para a sua prisão preventiva, pelo que deve ser restituído à liberdade, com a medida de coacção TIR, já prestada nos autos e a aplicação da obrigação de apresentações periódicas diárias no posto da polícia da área da sua residência. Todavia, se assim se não entender, dever-se-á alterar a medida de coacção de prisão preventiva para a medida de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica. * III – Fundamentação (dos fortes indícios do crime de tráfico de droga) Sustenta o arguido que não há indícios que tenha cometido um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º1 do DL 15/93, de 22/01. Se a dedução da acusação reclama indícios suficientes (entendidos como aqueles que traduzam uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena - 283º, nº 1, do Código do Processo Penal), os fortes indícios para a aplicação da prisão preventiva exigirão um grau mais elevado dessa probabilidade, mas certamente sem chegar ao juízo de certeza em que assenta uma condenação. Diz o recorrente que (i) das vigilâncias policiais não resulta qualquer movimentação suspeita de transacção de produto estupefaciente; (ii) a apreensão de estupefaciente ao MP não permite por si só concluir que venda da droga; (iii) as intercepções telefónicas são desacompanhadas de vigilâncias; (iv) as palavras tais como “casaco” e “pijama” não consubstanciam qualquer código, porque usadas uma única vez e não poderão significar outra coisa que um casaco e um pijama; e (v) as vigilâncias são desacompanhadas de intercepções telefónicas e de apreensões, que permitissem comprovar a ilicitude do produto alegadamente transacionado. Todavia, sem razão. Estão reunidos todos os meios de prova conducentes à prática do crime de tráfico de droga. Obtidos através de vigilâncias policiais, intercepções telefónicas, apreensão de droga e muito dinheiro, balanças de precisão, telemóveis. Todos estes elementos de prova demonstram à exaustão a actividade de tráfico de droga desenvolvida pelo recorrente. Contactos pessoais e telefónicos com indivíduos ligados ao tráfico e ao consumo de produto estupefaciente, frequência de locais habitualmente frequentados por traficantes e consumidores, um vaivém de indivíduos na barbearia (e demonstram os restantes elementos de prova que não era para fazer a barba ou cortar o cabelo), a apreensão de droga a MP depois de sair da barbearia e a grande prova real: o recorrente tinha na sua residência sete placas de haxixe, com o peso total de 712, 72 gramas de pólen de haxixe, sendo que 696, 29 gramas estavam dissimuladas dentro de uma caixa, na despensa da cozinha, divididas em 7 barras de, aproximadamente, 100 gramas cada, e as restantes 20,43 gramas encontravam-se acondicionadas dentro de uma pequena bolsa, que estava em cima da mesa da sala; destas sete placas de haxixe, 5 tinham marca/inscrição “Primo Kush”, semelhante à marca/inscrição do haxixe apreendido ao arguido T. , e duas placas tinham a inscrição “Banana Cush”; duas balanças de precisão, em perfeito estado de funcionamento, localizadas em cima do frigorifico, sendo que uma delas tem vestígios de haxixe; Três telemóveis, localizados em cima do frigorífico; a quantia monetária total de 30 635€, dividida em vários locais, da seguinte forma: → A quantia de 560€ foi localizada no interior da sua carteira, fraccionada em notas, com o valor facial de 10€ e de 5€; → A quantia de 10 020€ foi localizada no fundo de uma gaveta da casa de banho, separada em 2 montes, sendo um de 5000€ e outro de 5 020€; → A quantia de 20 000€ foi localizada no fundo de uma gaveta da cozinha, dividida em montes, cada um no valor total de 5000€. Todo o dinheiro estava embrulhado em meias, de cor preta, e a maior parte eram notas de 10€ e de 20€. → Os restantes 55€ estavam no interior de um robe, que estava no seu quarto, bem como os 3 telemóveis. Óbvio que com as apreensões de droga – prova real fortíssima –, de muito dinheiro embrulhado em meias pretas, balanças de precisão (uma delas com vestígios de haxixe) e telemóveis, estão plenamente corroborados todos os elementos que se extraem das intercepções telefónicas e vigilâncias policiais (meio de obtenção de prova que, in casu, constituem concretos meios de prova). Uma última nota para referir que o recorrente diz que as palavras pijama e casaco, escutadas em intercepções, não passam disso mesmo (pijama e casaco). Ora, se assim fosse – e manifestamente não é – não haveria necessidade da S. pedir “um pijama para mim, que eu depois quando sair pago-te lá que eu preciso para logo à noite”, mas o tamanho mais pequenino”, nem o indivíduo Pardelha dizer “depois traz um casaco para mim entendes” – cfr. intercepções de 11.02.2020, sessão nº 22012 do alvo 107727040, transcrita fls. 62 do Anexo VIII e de 14.02.2020, sessão nº 22547 do alvo 107727040, transcrita fls. 66 do Anexo VIII. Primeiro, porque o recorrente não vende pijamas, muito menos do tamanho mais pequenino, e, depois, porque se um casaco é tão só um casaco, qual a necessidade do entendes. O arguido está, deste modo, fortemente indiciado pela prática de um crime de tráfico de droga, punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos. (dos pressupostos para a prisão preventiva) O recorrente diz que não estão verificados os pressupostos para a prisão preventiva - art.º 204.º, als. a), b) e c), do CPP. Comecemos pelo perigo de fuga. O perigo de fuga não decorre apenas da gravidade da sanção criminal em que o arguido pode incorrer; o perigo de fuga deve tomar em conta a gravidade das sanções criminais e civis previsíveis para os crimes imputados ao arguido e outros factores relacionados com o carácter do arguido, a sua causa, a sua ocupação, as suas posses, os seus laços familiares - cfr. P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código do Processo Penal, pag. 204.). Com vasta prova reunida e com os seus antecedentes criminais (que incluem, entre várias, uma condenação por crime de roubo em pena de prisão suspensa na sua execução e outra por crime de tráfico de menor gravidade) sabe o arguido que lhe espera uma grave sanção, provavelmente pena de prisão efectiva. Dos elementos dos autos resultam ainda que o arguido lida com muito dinheiro e contacta muita gente, pelo que é real a possibilidade de em liberdade eximir-se à acção da justiça portuguesa. O perigo de perturbação da instrução probatória do processo é maior nas fases preliminares do processo e diminui com o decurso do tempo e com a realização das diligências mais importantes; mas a manutenção do perigo de perturbação e da instrução probatória pode ser justificada pelo tipo de crimes imputados e pela extrema complexidade da investigação – cfr. P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código do Processo Penal, pag. 204.). Também aqui o arguido não tem razão. Embora se reconheça que muita da prova está colhida, o inquérito ainda decorre e, resulta dos autos, a investigação também, com outros suspeitos e diligências a decorrer. Também há perigo de continuação da actividade criminosa, na medida em que o recorrente desenvolvia já um tráfico considerável, colocando ao serviço deste negócio ilícito todos os seus recursos, inclusive o seu estabelecimento comercial de barbearia, a sua residência e até envolvendo familiares e vizinhos. Será, pois, previsível, que, em liberdade e regressando ao seu meio, reincida no tráfico. E é igualmente certo que esta continuação da actividade criminosa perturbaria gravemente a ordem e a tranquilidade públicas. Acresce que, face às circunstâncias já expressas neste acórdão, nenhuma outra medida cautelar se mostra adequada ou suficiente às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime e às sanções que possivelmente venham a ser aplicadas. Por conseguinte, é de afastar uma obrigação de permanência na habitação. Basta verificar que a residência do arguido foi importante na sua actividade de tráfico (pesar o estupefaciente, dividir em doses, guardar a droga e dinheiro), sendo expectável que continuasse a traficar a partir de casa. Duas notas finais. A primeira para dizer que não faz sentido comparar distintos processos judiciais. Cada processo tem as suas envolvências específicas e cada arguido tem o seu iter criminis, o seu percurso de vida e sobre cada um recaem prognose distintas. A segunda para rejeitar a invocação de que há países a legalizar a comercialização do haxixe e que, mesmo em Portugal, o comércio da canábis é permitido para fins terapêuticos. Essa é função do legislador, não do julgador. É dever dos tribunais aplicar uma lei que pune criminalmente a venda de canábis para fins recreativos. Improcede integralmente o recurso, mantendo-se o recorrente em prisão preventiva. * IV – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto por B. , assim se confirmando a decisão do tribunal a quo que determinou a sujeição do arguido a prisão preventiva. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s. Lisboa, 17 de Novembro de 2020 P. Barreto Alda Tomé Casimiro |