Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ELEONORA VIEGAS | ||
Descritores: | PROPRIEDADE INDUSTRIAL MODELO INDUSTRIAL MATÉRIA DE FACTO INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. O artigo 347.º do CPI, que transpõe para a ordem interna os artigos 13.º e 14.º da Directiva 2004/48/CE, sem consagrar uma responsabilidade objectiva, reforça a tutela dos direitos de propriedade intelectual na medida em que aligeira o requisito da culpa e consagra um conceito de dano que transcende os limites da teoria da diferença entre a situação real em que o facto deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria sem o dano; II. Os interesses concretamente visados pelos artigos 13.º e 14.º Directiva 2004/48/CE não substituem a exigência de um nexo de causalidade adequada, mas são um elemento a levar em conta na resolução das dúvidas que possam surgir quanto à existência da ilicitude ou do nexo de causalidade, de modo a que a interpretação do direito nacional seja conforme aos objectivos da Directiva. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório A, B …, Lda intentou um acção contra a A …, Lda formulando os seguintes pedidos: a) Ordenar à Ré que cesse o fabrico, a oferta, a distribuição, a colocação no mercado, a importação, a exportação ou a utilização de quaisquer produtos com características idênticas à do produto que se encontra protegido através do desenho comunitário n.º 009199227-0001, validamente registado no Instituto Europeu de Propriedade Intelectual; b) Ordenar que a Ré se abstenha de promover, publicitar e oferecer para venda quaisquer produtos com características idênticas à do produto que se encontra protegido através do desenho comunitário n.º 009199227-0001, registado no Instituto Europeu de Propriedade Intelectual; c) Condenar a Ré a retirar do mercado todos os produtos com características idênticas à do produto que se encontra protegido através do desenho comunitário n.º 009199227-0001, bem como a informar todos os revendedores, distribuidores e/ou estabelecimentos comerciais aos quais tenham sido fornecidos os referidos produtos que a sua venda é ilícita e não deve ter lugar; d) Destruir os moldes necessários à produção dos produtos com características idênticas à do produto que se encontra protegido através do desenho comunitário n.º 009199227-0001; e) Pagar à Autora uma indemnização por perdas e danos cujo montante se deve determinar em sede de liquidação de sentença. A contestação apresentada pela R. foi julgada extemporânea, tendo por despacho de 8.07.2024 sido declarados confessados os factos articulados pela A. na petição inicial e as partes notificadas para os efeitos previstos no disposto no n.º 2 do artigo 567.º do Código de Processo Civil. Foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, decidiu: 1.1 Ordena-se à Ré que cesse o fabrico, a oferta, a distribuição, a colocação no mercado, a importação, a exportação ou a utilização de quaisquer produtos com características idênticas à do produto que se encontra protegido através do desenho comunitário n.º 009199227-0001, validamente registado no Instituto Europeu de Propriedade Intelectual; 1.2 Ordena-se que a Ré se abstenha de promover, publicitar e oferecer para venda quaisquer produtos com características idênticas à do produto que se encontra protegido através do desenho comunitário n.º 009199227-0001, registado no Instituto Europeu de Propriedade Intelectual; 1.3 Condena-se a Ré a retirar do mercado todos os produtos com características idênticas à do produto que se encontra protegido através do desenho comunitário n.º 009199227-0001, bem como a informar todos os revendedores, distribuidores e/ou estabelecimentos comerciais aos quais tenham sido fornecidos os referidos produtos que a sua venda é ilícita e não deve ter lugar; 1.4 Ordena-se a destruição dos moldes necessários à produção dos produtos com características idênticas à do produto que se encontra protegido através do desenho comunitário n.º 009199227-0001; 1.5 Condeno a Ré a pagar à Autora uma indemnização por perdas e danos cujo montante se deve determinar em sede de liquidação de sentença, balizado pelo disposto no art.º 347.º do C. da Propriedade Industrial. Inconformada com a sentença, dela apelou a A …, Lda, formulando as seguintes conclusões: (…) II - Para tanto, o Tribunal “a Quo” deu por provados os seguintes factos: (…) III - Com interesse para a boa decisão da causa, nada ficou por provar. IV - No modesto entendimento da Recorrente, andou mal o Tribunal “a Quo” na selecção que fez dos factos dados como provados V - Antes do mais, o Tribunal “a Quo” entendeu aqueles desenhos semelhantes com base na alegação da Autora sem nunca cuidar de indagar aquilo que consta do registo do desenho comunitário n.º 009199227-0001, e das suas representações. QUANTO À MATÉRIA DE FACTO DADA INDEVIDAMENTE POR PROVADA: VI - A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante. VII - No modesto entendimento da Recorrente, os seguintes factos foram, indevidamente, dados por provados: “1.4 Os aparelhos agrícolas produzidos e comercializados pela Autora gozam de notoriedade no mercado, quer pela sua qualidade, quer pelo carácter original do design que apresentam. 1.5 Os aparelhos agrícolas existentes no mercado apresentam um aspecto substancialmente diferente do desenho ou modelo da Autora (cfr. doc. 3). 1.6 O desenho comunitário da Autora apresenta as seguintes características de design: - Gamela inclinada de grande capacidade (+ 60litros); - Dimensões compatíveis com transporte em Euro Palete; - Comporta com accionamento posterior; - Tampas laterais fechadas sem abertura para partes móveis; - Rampa inferior inversa à direcção do vento; - Pega de transporte montada do lado do eixo das rodas. 1.14 Tais actos de confusão já provocaram e continuam a provocar danos e prejuízos à Autora, afectando, nomeadamente os seus resultados financeiros e pondo em causa a relação de confiança que ao longo de toda a sua actividade procuraram desenvolver com os seus clientes. 1.15 Para além dos prejuízos causados à Autora, devem ainda ser apurados os lucros obtidos pela Ré com a comercialização dos referidos produtos infractores.” VIII - Salvo o devido respeito, os factos supra descritos não traduzem acontecimentos ou factos concretos, mas apenas conclusões formuladas pela Autora e replicadas pelo Tribunal a Quo. DA INSUFICIÊNCIA DOS FACTOS PROVADOS PARA A DECISÃO IX - Não basta à condenação da Recorrente, a pagar à Autora uma indemnização por perdas e danos cujo montante se deve determinar em sede de liquidação de sentença, balizado pelo disposto no art.º 347.º do C. da Propriedade Industrial, se inexistem factos que qualifiquem a actuação da Recorrente com “dolo ou mera culpa”, isto é, que permitam o pedido formulado pela Autora, nos termos do artigo 347.º do CPI. X - Não resultam dos autos, e tampouco da sentença recorrida, factos que permitam assacar a responsabilidade da Recorrente em eventuais prejuízos ou lucros cessantes da Autora. XI - Não existem provados os factos que traduzam um comportamento, com culpa, por banda da Recorrente, XII - Tanto é que, tendo sido a Recorrente condenada a pagar à Autora uma indemnização por perdas e danos, dos factos provados não consta, como deveria, em que é que se traduziu o comportamento da Recorrente, XIII - Para a condenação da Recorrente, no pagamento de indemnização a favor da Autora, não resulta dos autos, como deveria, quaisquer factos que preencham os requisitos da culpa e do nexo de causalidade. XIV - Não resultando da sentença quaisquer factos que permitam qualificar a culpa da Recorrente, os danos provocados, ou o nexo causal entra os factos e os danos, deverá, nesta parte, ser a sentença recorrida substituída por outra que julgue improcedente o pedido de pagamento à Autora de uma indemnização por perdas e danos cujo montante se deve determinar em sede de liquidação de sentença. A, B …, Lda apresentou contra-alegações, concluindo o seguinte: A. O Tribunal a quo julgou a ação dos presentes autos procedente, dando como provados todos os factos alegados pela Autora na petição inicial, e tendo condenado a Ré, ora Recorrente, no pedido apresentado. B. A Recorrente veio impugnar a sentença proferida pelo Tribunal a quo, impugnando a matéria de facto dada como provada nos pontos 1.4, 1.5, 1.6, 1.14 e 1.15 dos factos dados como provados. C. A aqui Recorrida deu entrada da p.i. no dia 18/01/2024, tendo a Ré sido regularmente citada, no dia 08/02/2024 para, querendo, apresentar contestação no prazo de 35 dias. D. A Ré apresentou a sua contestação no dia 19/03/2024, não tendo, no entanto, procedido ao pagamento da multa prevista no artigo 139.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual a contestação foi considerada extemporânea pelo Tribunal a quo. E. Em face disto, o Tribunal a quo proferiu sentença, dando como provados os factos alegados pela Autora na p.i., e condenando a aqui Recorrente no pedido formulado pela Autora. F. Nos termos do nº 1 do art. 567º do CPC, a falta de contestação do réu que haja sido regularmente citado na sua própria pessoa leva a que se tenham como confessados os factos articulados pelo autor. G. No que ao facto 1.5 concerne, este ficou provado pelo documento 3 junto com a p.i., pelo que, entende a Recorrida que andou bem o Tribunal em considera-lo como provado. H. Quanto aos restantes factos (1.4, 1.6, 1.14 e 1.15) foram os mesmos dados como provados por confissão, confissão essa que resultou da não contestação da ação. I. De facto, a jurisprudência é pacífica e unânime ao considerar que a revelia implica a confissão dos factos articulados pelo autor na petição inicial. J. Além disso, vem a aqui Recorrente alegar que o efeito cominatório semi- pleno, resultante da situação de revelia operante, permite que o Tribunal possa considerar determinados factos como não provados. K. Salvo o devido respeito, o efeito cominatório semi-pleno a que alude a Recorrida significa que “quando se consideram confessados os factos, por falta de contestação, a causa é julgada “conforme for de direito” (n.º 2, in fine, do art. 567.º do CPC) ” – neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/03/2021 (Processo 572/19.6T8OLH.E1.S1, Relator Tibério Nunes da Silva) - ou seja, há confissão dos factos, mas não do direito, podendo esse julgamento conduzir, ou não há procedência da ação. L. Considerando-se assim que andou bem o Tribunal ao considerar todos os factos da petição inicial apresentada como provados. M. A Recorrente veio ainda pugnar pela “insuficiência dos factos provados para a decisão”, porquanto considera que «inexistem factos que qualifiquem a actuação da Recorrente com “dolo ou mera culpa”, isto é, que permitam o pedido formulado pela Autora, nos termos do artigo 347.º do CPI». N. Salvo o devido respeito, tendo sido dado como provado que a Ré, ora Recorrente, continuou a comercializar a máquina agrícola titula pelo desenho comunitário n.º 009199227-0001, mesmo após ter sido interpela pela Recorrida, a 04/07/2023 para cessar a comercialização, dúvidas não restam de que a aqui Recorrente atuou com culpa ao comercializar um aparelho semelhante ao produzido pela aqui Recorrida. O. A par disto, é entendimento maioritário da doutrina que a culpa, para efeitos da aplicação do artigo 347.º do CPI, se afere pela demonstração de que o infrator sabia ou tinha motivos razoáveis para saber que a sua conduta era ilícita. P. Constituindo o registo dos desenhos comunitários da Recorrida – de acesso livre e gratuito – motivo razoável para concluir que a Recorrente sabia que a sua conduta era ilícita e culposa. Q. Mais, ao serem dados como provados os factos vertidos nos pontos 1.8 a 1.14 dos factos dados como provados, estão, consequentemente, provados os danos que resultaram da conduta ilícita e culposa da aqui Recorrente. R. De modo que, considera a Recorrida que andou bem o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente ao pagamento de uma indemnização à Recorrida “por perdas e danos cujo montante se deve determinar em sede de liquidação de sentença, balizado pelo disposto no art.º 347.º do C. da Propriedade Intelectual”. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. Questões a decidir Nos termos dos artigos 635.º, nº4 e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. Assim, sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, as questões a decidir são a impugnação da matéria de facto e o erro de julgamento no que respeita à verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, por insuficiência de matéria de facto provada para tanto. * III. Fundamentação Na sentença foram considerados provados os seguintes factos: 1.1 A Autora é uma sociedade que se dedica à venda de máquinas e acessórios agrícolas e de auto; venda de combustíveis, lubrificantes, gaz, gaz para automóvel, restauração, hotelaria, cafetaria e turismo, importação, exportação, fabricação de máquinas para agricultura, englobando máquinas e acessórios destinados à indústria e serviços e respectiva assistência técnica e mecânica (cfr. doc. 1). 1.2 A Autora é titular do desenho comunitário n.º 009199227-0001, registado no Instituto Europeu de Propriedade Intelectual (cfr. doc. 2), válido até 06/10/2027. 1.3 Os aparelhos agrícolas protegidos pelo desenho ou modelo comunitário acima identificado são comercializadas pela Autora e apresentam as características evidenciadas pelas imagens que se reproduzem: 1.4 Os aparelhos agrícolas produzidos e comercializados pela Autora gozam de notoriedade no mercado, quer pela sua qualidade, quer pelo carácter original do design que apresentam. 1.5 Os aparelhos agrícolas existentes no mercado apresentam um aspecto substancialmente diferente do desenho ou modelo da Autora (cfr. doc. 3). 1.6 O desenho comunitário da Autora apresenta as seguintes características de design: - Gamela inclinada de grande capacidade (+ 60litros); - Dimensões compatíveis com transporte em Euro Palete; - Comporta com accionamento posterior; - Tampas laterais fechadas sem abertura para partes móveis; - Rampa inferior inversa à direcção do vento; - Pega de transporte montada do lado do eixo das rodas. 1.7 A Ré é uma sociedade que se dedica ao fabrico, comércio, importação e exportação de reservatórios, recipientes metálicos, máquinas, utensílios agrícolas e equipamentos metalomecânicos; comércio, importação e exportação de material, equipamentos e artigos para a construção civil; compra e venda, importação e exportação, de máquinas industriais; comércio de veículos automóveis, peças e acessórios, bem como a sua importação e exportação; consultoria para os negócios e a gestão. 1.8 No âmbito da sua actividade, tem vindo a produzir e a comercializar um aparelho agrícola que reproduz as características protegidas através do desenho comunitário n.º 009199227-0001, do qual a Autora é titular: 1.9 As semelhanças entre os aparelhos agrícolas da Autora e da Ré são inegáveis. 1.10 Vejamos os seguintes quadros comparativos entre os desenhos registados da Autora e os produtos da Ré: 1.11 Os aparelhos agrícolas comercializados pela Ré têm um aspecto global absolutamente idêntico ao desenho comunitário n.º 009199227-0001, registado a favor da Autora. 1.12 A impressão global que os aparelhos agrícolas comercializados pela Ré suscitam no utilizador informado não difere em nada da impressão global suscitada nesse utilizador pelo desenho comunitário n.º 009199227-0001 da Autora. 1.13 Em virtude da comercialização dos referidos aparelhos agrícolas, a Ré está a causar confusão no mercado, incluindo nos seus clientes, quanto à origem e proveniência empresarial dos produtos em causa. 1.14 Tais actos de confusão já provocaram e continuam a provocar danos e prejuízos à Autora, afectando, nomeadamente os seus resultados financeiros e pondo em causa a relação de confiança que ao longo de toda a sua actividade procuraram desenvolver com os seus clientes. 1.15 Para além dos prejuízos causados à Autora, devem ainda ser apurados os lucros obtidos pela Ré com a comercialização dos referidos produtos infractores. 1.16 A Autora interpelou a Ré, em 04 de Julho de 2023, dando-lhe conta disto mesmo e solicitando a cessação imediata da comercialização do referido aparelho agrícola (cfr. doc. 4). 1.17 Sucede porém que, até à presente data, a Ré não cessou a comercialização do aparelho em causa. * III.2. Do mérito do recurso 2.1. matéria de facto A Recorrente impugna os pontos matéria de facto provada nos pontos 1.4 a 1.6 e 1.14 a 1.15., alegando que não traduzem acontecimentos ou factos concretos, mas apenas conclusões formuladas pela Autora e replicadas pelo Tribunal a quo. Face os termos da impugnação da R., não nos debruçaremos sobre o ónus que para si decorre do disposto no art. 640.º, n.º1 do CPP, assumindo que pugna pela pura eliminação dos factos que identifica. Tais factos – toda a matéria de facto, de resto – foram considerados provados por confissão do R., que não apresentou contestação em tempo, nos termos do art. 567.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que dispõe que: 1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. Com excepção do ponto 1.15 (Para além dos prejuízos causados à Autora, devem ainda ser apurados os lucros obtidos pela Ré com a comercialização dos referidos produtos infractores) que, efectivamente, não contém qualquer facto ou acontecimento/realidade constatável da vida, os restantes – ainda que assentes numa deficiente forma de alegação, mas que a R. não contestou – contêm factos na sua formulação: os aparelhos agrícolas produzidos e comercializados pela Autora gozam de notoriedade no mercado (1.4.); os aparelhos agrícolas existentes no mercado apresentam um aspecto substancialmente diferente do desenho ou modelo da Autora (1.5); o desenho comunitário da Autora apresenta as seguintes características de design (…) (1.6); tais actos de confusão já provocaram e continuam a provocar danos e prejuízos à Autora, afectando, nomeadamente os seus resultados financeiros e pondo em causa a relação de confiança que ao longo de toda a sua actividade procuraram desenvolver com os seus clientes (1.14). Pelo que se elimina apenas o (irrelevante) ponto 1.15, por conter apenas alegação de direito aplicável – o disposto no art. 347.º, n.º2 do Código da Propriedade Industrial, que dispõe que, na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, o tribunal deve atender nomeadamente ao lucro obtido pelo infractor. * 2.2. do erro de julgamento Sustenta a Recorrente que não existem factos que qualifiquem a actuação da Recorrente com “dolo ou mera culpa”, que traduzam um comportamento culposo da R. ou de que conste em que é que se traduziu o seu comportamento culposo e o nexo de causalidade entre esse comportamento e os danos invocados, em suma, que permitam assacar-lhe a responsabilidade pelos prejuízos ou lucros cessantes da Autora. Vejamos. O artigo 347.º do CPI, que transpõe para a ordem interna os artigos 13.º e 14.º da Directiva 2004/48/CE, reforça a tutela dos direitos de propriedade intelectual na medida em que aligeira o requisito da culpa e consagra um conceito de dano que transcende os limites da teoria da diferença entre a situação real em que o facto deixou o lesado e a situação hipotética, em que ele se encontraria sem o dano; porém, não resulta da Directiva 2004/48/CE a consagração de uma responsabilidade objectiva; adicionalmente, só são indemnizáveis “os danos resultantes da violação” como prevê o artigo 347.º n.º 1, ou seja, os interesses concretamente visados pelos artigos 13.º e 14.º Directiva 2004/48/CE não substituem a exigência de um nexo de causalidade adequada mas são um elemento a levar em conta na resolução das dúvidas que possam surgir quanto à existência da ilicitude ou do nexo de causalidade, de modo a que a interpretação do direito nacional seja conforme aos objectivos da directiva - cf. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 4.ª Edição, Almedina, páginas 809 e 814 e Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, Almedina, páginas 1261 a 1271, cit. no ac. desta Secção de 13.07.2023, proc. 432/21.0YHLSB. Resultou provado que a Autora é titular do desenho comunitário n.º 009199227-0001, registado no Instituto Europeu de Propriedade Intelectual, válido até 06/10/2027 (facto 1.2); no âmbito da sua actividade, a Ré tem vindo a produzir e a comercializar um aparelho agrícola que reproduz as características protegidas através do desenho comunitário n.º 009199227-0001, do qual a Autora é titular (facto 1.8); com semelhanças inegáveis (facto 1.9), um aspecto global absolutamente idêntico (facto 1.11), e que suscitam no utilizador informado uma impressão global que não difere em nada da impressão global suscitada nesse utilizador pelo desenho comunitário n.º 009199227-0001 da Autora (facto 1.12). Por outro lado, resultou provado que, em virtude da comercialização dos referidos aparelhos agrícolas, a Ré está a causar confusão no mercado, incluindo nos seus clientes, quanto à origem e proveniência empresarial dos produtos em causa (facto 1.13) e que tais actos de confusão já provocaram e continuam a provocar danos e prejuízos à Autora, afectando, nomeadamente os seus resultados financeiros e pondo em causa a relação de confiança que ao longo de toda a sua actividade procuraram desenvolver com os seus clientes (1.14). Por último, ainda, resultou provado que a Autora interpelou a Ré, em 04 de Julho de 2023, dando-lhe conta disto mesmo e solicitando a cessação imediata da comercialização do referido aparelho agrícola (facto 1.16) e que até à presente data, a Ré não cessou a comercialização do aparelho em causa (1.17). Pelo que a matéria de facto provada é suficiente para se concluir pela culpa e o nexo de causalidade para efeitos do disposto no art. 347.º do CPI. Pelo que o recurso deve ser julgado improcedente. * IV. Decisão Pelo exposto, acordam em julgar o recurso improcedente, confirmando, com excepção da eliminação do facto provado 1.15, a sentença recorrida. Custas pela Recorrente (art. 527.º do CPC). Notifique. *** Lisboa, 9.04.2025 Eleonora Viegas Carlos M.G.de Melo Marinho Bernardino Tavares |