Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CARLOS ALMEIDA | ||
Descritores: | INQUÉRITO SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO COMPETÊNCIA DEFENSOR OFICIOSO HONORÁRIOS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/06/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | A competência para a atribuição de honorários a defensor oficioso, nomeado pelo M.º P.º na fase de inquérito de um processo que, depois de suspenso provisoriamente nos termos dos artigos 281º e 282º CPP, veio a ser arquivado por cumprimento das injunções que haviam sido impostas, pertence ao Magistrado do M.º P.º titular do mesmo. | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa 1 – Depois de, no dia 7 de Maio de 2007, o Ministério Público ter determinado o arquivamento do inquérito n.º 179/06.8GBMFR por ter verificado que o arguido tinha cumprido a injunção que lhe havia sido aplicada e por já ter decorrido o prazo da suspensão provisória do processo (fls. 76), a defensora oficiosa nomeada nestes autos requereu ao sr. juiz de instrução que lhe fossem fixados os honorários devidos pela sua intervenção (fls. 80). Tendo o processo sido remetido ao sr. juiz de instrução, foi por ele proferido, no dia 6 de Junho de 2007, o despacho que se transcreve (fls. 85): «Entendemos que em sede de inquérito não compete ao J.I.C. fixar honorários que estão já fixados em tabela legal. Assim, devolva ao Ministério Público». 2 – No dia 5 de Julho de 2007, o Ministério Público interpôs recurso desse despacho (fls. 87 a 94). A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões: - «O despacho que é objecto de recurso carece de qualquer fundamento legal; - Não existe nenhuma norma que confira directa ou indirectamente competência ao Ministério Público para fixar / ordenar o pagamento de honorários; - A Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, contém normas que contemplam o juiz como entidade que fixa honorários; - Perante um requerimento similar ao que consta dos autos as secções de processos não passam automaticamente uma nota de honorários; - Na ausência de qualquer norma que confira competência ao Ministério Público para fixar Honorários ou que preveja que os mesmos devem ser pagos oficiosamente, o mesmo é dizer independentemente de despacho, não podia o meritíssimo juiz de instrução proferir o despacho que é objecto de recurso. - Não foi observado o regime estabelecido pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com o que prescreve a Portaria n.º 1386 de 10 de Novembro, designadamente os n.ºs 7º - 1 - 2, 8º - 1 - 2; Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso, revogar-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro em que ordene que se passe nota de honorários de acordo com a tabela anexa à Portaria n.º 1386 de 10 de Novembro. Mas V.Exas farão como sempre a habitual justiça». 5 – A sr.ª procuradora-geral-adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 104 a 107 no qual defende que o recurso não merece provimento. 6 – Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal. II – FUNDAMENTAÇÃO 7 – A única questão que o presente recurso coloca é a da competência para a atribuição de honorários a uma defensora oficiosa nomeada pelo Ministério Público na fase de inquérito de um processo que, depois de suspenso provisoriamente, nos termos dos artigos 281º e 282º do Código de Processo Penal, veio a ser arquivado por se ter verificado que o arguido tinha cumprido as injunções que lhe haviam sido impostas. Esta questão tem recebido deste Tribunal da Relação, como refere a sr.ª procuradora-geral-adjunta no seu parecer, respostas algo desencontradas, propendendo uns para a solução de que a competência pertence ao juiz de instrução[1] e outros para que ela cabe ao Ministério Público[2]. Importa, pois, tomar partido nessa controvérsia. 8 – A magistrada recorrente, embora reconheça que a lei não contém qualquer disposição expressa que atribua a competência ao juiz de instrução nesta situação concreta, fundamenta a sua pretensão na seguinte ordem de argumentos: - O pagamento dos honorários depende de despacho, não podendo ser feito oficiosamente pela secretaria; - Não existe nenhuma norma que atribua expressamente ao Ministério Público a competência para fixar esses honorários; - Existem diversas normas que atribuem a competência para a atribuição de honorários, em outros casos, ao juiz; - O escopo de pagamento de uma adequada remuneração ao defensor só pode ser alcançado se a competência para a fixação dos honorários não for repartida entre o juiz e o Ministério Público; - Os despachos do Ministério Público não são passíveis de recurso. Analisemos então a questão colocada. Não se pode deixar concordar com a recorrente quando ela sustenta que os honorários não podem ser pagos independentemente de despacho, que não existe norma que expressamente atribua ao Ministério Público a competência para a fixação desses honorários e que diversos preceitos a atribuem, em determinados casos concretos, ao juiz. Tal não fundamenta, porém, só por si, a solução sufragada pela recorrente. Não nos parece, por outro lado, que proceda o quarto argumento utilizado pela recorrente. A repartição de competências entre o Ministério Público, o juiz de instrução e o juiz de julgamento não obsta, a nosso ver, à atribuição de uma remuneração adequada ao defensor uma vez que tanto os magistrados judiciais como os do Ministério Público estão sujeitos à lei e compete-lhes realizar o direito em cada um dos casos em que intervém. Maior atenção merece o último argumento, o de que os despachos do Ministério Público não são passíveis de recurso o que poderia deixar o defensor numa situação de desprotecção no caso de as suas pretensões remuneratórias não virem a ser satisfeitas[3]. Não será, contudo, essa a única situação em que tal pode acontecer, não implicando essa constatação a atribuição de competência ao juiz de instrução para a prática do acto em causa. Os argumentos utilizados pela recorrente não conduziriam, a nosso ver, à procedência do recurso uma vez que a lei atribui competência ao Ministério Público para proceder à nomeação do defensor, essa nomeação acarreta necessariamente o pagamento de honorários, esses honorários encontram-se fixados numa tabela com indicação de valores que não variam em função de qualquer valoração judicial e o processo não ultrapassou a fase de inquérito. Poder-se-ia, contudo, entender que a intervenção do juiz se impunha porque o acto tinha natureza jurisdicional. Não é, porém, no nosso modo de ver, essa a natureza do acto em causa[4]. Jurisdicionais são, em geral, de acordo com a doutrina mais credenciada[5], os «actos de agentes do Estado subordinados ao Direito», aqueles em que os agentes estaduais têm «que resolver ‘questões jurídicas’, entendendo-se por tal conflitos de pretensões entre duas ou mais pessoas, ou controvérsias sobre a verificação ou não verificação em concreto de uma ofensa ou violação da ordem jurídica». «O quid specificum do acto jurisdicional reside em que ele não apenas pressupõe mas é necessariamente praticado para resolver uma ‘questão de direito’». Porque, a nosso ver, nem sequer se trata de um acto materialmente jurisdicional, não podemos deixar de entender que a competência para a fixação dos honorários não pertence ao juiz de instrução, razão pela qual não pode deixar de improceder o recurso interposto pelo Ministério Público. III – DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público. Sem custas. ² [1] Acórdão proferido em 23 de Outubro de 2007 no recurso n.º 7191/07 da 5ª secção (relatado pelo desembargador Vieira Lamim), se bem que nesse caso concreto o defensor tenha sido nomeado para requerer a abertura de instrução.Lisboa, 6 de Fevereiro de 2007 (Carlos Rodrigues de Almeida) (Horácio Telo Lucas) (Domingos Duarte) ______________________________________________________________________ [2] Acórdãos proferidos em 10 de Outubro de 2007 e 7 de Novembro de 2007 nos recursos n.ºs 5978/07 e 7202/07 da 3ª secção (relatados pelo desembargador Rodrigues Simão) e em 27 de Junho de 2007 no recurso n.º 3753/07 também da 3ª secção (relatado pela desembargadora Teresa Féria). [3] Tal não parece, em princípio, ser o caso da fixação de honorários de um defensor que interveio num processo comum que não ultrapassou a fase de inquérito, em que os honorários se encontram fixados numa tabela e em que não há disposição legal que preveja a possibilidade da sua redução ou elevação. [4] Se o fosse tal tornaria constitucionalmente ilegítima a fixação administrativa dos honorários, como em diversas situações acontece. [5] Veja-se, por todos, QUEIRÓ, Afonso Rodrigues, in «A função administrativa», in «Revista de Direito e Estudos Sociais», Ano XXIV, N.ºs 1, 2 e 3, em especial p. 26, 30 e 31. |