Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VERA ANTUNES | ||
Descritores: | DIVISÃO DE COISA COMUM DECISÃO SURPRESA CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DIVISIBILIDADE FRACÇÃO AUTÓNOMA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I–Notificadas as partes para se pronunciarem sobre o entendimento do Juiz, considerando ser possível conhecer imediatamente da questão da indivisibilidade da fracção, sendo que o recorrente nada disse e após foi proferida decisão, esta não foi uma decisão surpresa, proferida sem que tenha sido observado o princípio do contraditório, nos termos invocados pelo Recorrente, pelo que improcede a invocada nulidade. II–O convite ao aperfeiçoamento destina-se a conceder à parte a faculdade de aperfeiçoar, completar, esclarecer o que foi alegado em sede de articulados, mas não compete ao tribunal substituir-se à parte convidado a parte a alegar factos essenciais que não haja anteriormente referido. III–Não é admissível a divisão da fracção autónoma mediante a divisão da mesma em novas fracções autónomas, atribuindo-se a cada um dos comproprietários a propriedade plena sobre cada uma das novas fracções assim constituídas, excepto se o título constitutivo a tanto autorizasse – no qual, junto pelo R. com a contestação, nada resulta nesse sentido – ou se o R. demonstrasse ter havido uma decisão da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição, que assim deliberasse. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I.–Relatório: Em 25 de Junho de 2019, foi instaurada pela sociedade A…, Lda., (sendo actualmente A. H… S.A.) uma acção especial para divisão de coisa comum, contra B...SA, P..., M..., MA... e L..., comproprietários da fracção autónoma designada pela letra “AD”, Loja D, do prédio urbano sito Av..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de S. Sebastião da Pedreira e inscrito na matriz predial da freguesia das Avenidas Novas sob o artigo …. Invocou na p.i. que a A. e os R. são comproprietários da referida fracção autónoma nas seguintes percentagens: (i) 778,29/1000 (setecentos e setenta e oito virgula vinte e nove mil avos) pertencentes à A. A…, Lda., (actualmente à H, S.A.); (ii) 82,46/1000 (oitenta e dois virgula quarenta e seis mil avos), pertencentes ao B… SA.; (iii) 116,5/1000 (centro e dezasseis virgula cinco mil avos), pertencentes a P…; (iv) 5,65/1000 (cinco virgula sessenta e cinco mil avos), pertencentes a M... e esposa MA... e (v) 17,10/1000 (dezassete virgula dez mil avos) pertencentes a L…. A Autora veio invocar que a fracção correspondente à loja D – “uma divisão com galeria, possui uma área privativa de 130,00m2, conforme se podia comprovar pelo teor da caderneta predial anexa aos autos e, ainda, que apenas tem acesso por uma entrada pela Av. F…, no cruzamento com a Av. L… e Av…; Foi ainda defendido pela Autora, a indivisibilidade da fracção, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 209º do Código Civil, desde logo, porque, qualquer divisão importaria uma alteração da sua substância e, bem assim, uma clara diminuição do valor da mesma, bem como um claro prejuízo para o uso a que se destina, além de que, nos termos do artigo 1422º A. nº 3 do Código Civil: “Não é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas…” Tendo, a final, sido requerida a realização de prova pericial com vista a se determinar o valor de mercado do imóvel. * Em sede de contestação o B...SA, veio contestar a indivisibilidade da fracção, invocando que, através do título constitutivo da propriedade horizontal datado de 31 de Outubro de 1972 e respectiva rectificação datada de 5 de Dezembro de 1972, os espaços comerciais do referido prédio urbano estão fraccionados em apenas 6 (seis) fracções autónomas, correspondendo a fracção B às lojas na 1ª cave; a fracção C corresponde às lojas da 2ª cave e as lojas do r/c às fracções D, E, CZ e DA; cada fracção autónoma constituída e destinada ao comércio, corresponde a um conjunto de lojas, localizadas no mesmo piso, conforme se pode aferir pela Licença de Utilização nº …, emitida pela CML, datada de 15 de outubro de 1991, onde é referido a composição de 15 (quinze) ocupações destinadas a lojas. Ou seja, cada fracção autónoma do referido prédio urbano, corresponde a mais do que uma loja, enquanto espaço físico autónomo destinado ao comércio, conforme se pode comprovar a título de exemplo pela loja ocupada pelo Banco, a qual possui contadores autónomos de água e de luz, encontrando-se a ser regularmente utilizada pelo Banco para a actividade para que está licenciada. Na sua contestação foi igualmente impugnada a área constante da matriz (130m2), dado que, a mesma não corresponde à realidade, isto porque, apenas o Banco, enquanto comproprietário de 82,46/1000 (oitenta e dois virgula quarenta e seis mil avos), ocupa uma área de 159,50m2; O Banco defendeu assim a divisão em substância da fracção autónoma designada pela letra “DA”, isto porque, para além da divisão ter como objectivo o cessar da compropriedade pela concentração de cada consorte num objecto determinado e privativo, ao contrário do alegado pela A. é possível fraccionar a fracção sem que os comproprietários percam a essência da coisa dividida ou vejam alterada a sua função económico-social. Em sede de requerimento probatório, foi requerido que se oficiasse a Câmara Municipal de Lisboa para juntar aos autos as plantas finais, com área e localização definidas para a fracção autónoma designada pelas letras “DA”, bem como a respectiva delimitação, com vista a se comprovar a área, a localização, a delimitação e características do imóvel. * Por despacho proferido em 22/1/2021, foi determinado que “…A fim de melhor ponderar o ulterior prosseguimento dos autos, designadamente, o elencado no art. 926º e 927º do CPC, considera-se essencial a prévia junção das citadas plantas finais, pelo que, se defere o requerido.” * Por requerimento datado de 19 de Abril de 2021 a Câmara Municipal de Lisboa veio proceder à junção aos autos de duas plantas obtidas a partir da consulta do Proc. nº …, invocando a falta de identificação da fracção, pois as peças desenhadas existentes não indicam essa designação, mais referindo que apenas com a junção da certidão da conservatória com a descrição da fracção ou da caderneta predial, seria possível obter mais alguma informação. * Notificadas as partes para se pronunciarem o R. B… limitou-se a referir que, face ao teor da informação prestada pela Câmara Municipal de Lisboa, através das plantas juntas aos autos não se consegue aferir a que fracção correspondem, situação esta que, é expressamente reconhecida pela Câmara. * Foi proferido despacho em 31/12/2022 ordenando as seguintes diligências: (i) Seja oficiada novamente a CML para proceder à junção das plantas da fracção DA, remetendo à mesma cópia da certidão predial e da caderneta predial urbana; (ii) Sendo controvertida a questão respeitante à divisibilidade da fracção, e tendo sido solicitado pelo A. a avaliação de mercado da fracção, as partes foram notificadas para em 10 (dez) dias se pronunciarem quanto à realização da perícia e extensão do seu objecto à questão da divisibilidade e eventual composição de quinhões, se viável, bem como, à indicação de peritos para esse efeito. * Por despacho proferido em 5 de Junho de 2023 foi ordenada a realização da prova pericial, a realizar por um único perito, tendo as partes sido notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 467º nº 2 do CPC. * A 13 de Outubro de 2023 foi proferido outro despacho nos seguintes termos: “Melhor compulsados os autos, afigura-se ser possível decidir, desde já, a questão da indivisibilidade do prédio objeto destes autos, nomeadamente considerando que se trata de fração autónoma em prédio constituído em propriedade horizontal, sem que tenha sido alegada a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal. Assim, e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, pretendendo o Tribunal conhecer, desde já, e sem necessidade de perícia, da indicada questão, notifique as partes para, em dez dias, querendo, alegarem como tiverem por conveniente.” * Notificadas as partes, o R. B… nada veio dizer. A A. sustentou a indivisibilidade da fracção, já invocada no r.i., alegando, em resumo que tratando-se de fracção autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal, não têm as partes nestes autos poderes para efetuar só por si a divisão material da mesma, ainda que tal fosse viável (cfr. art.º 1422º-A, n.º 3 do Código Civil). * Em 23 de Dezembro de 2023 foi proferida a seguinte Sentença: “A… Ld.ª, propôs a presente ação de processo especial para divisão de coisa comum contra B… SA, P..., M..., MA... e L..., para pôr termo à compropriedade que, com os réus, detém sobre a fração autónoma “DA” do prédio urbano sito na Av… descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de São Sebastião da Pedreira e inscrito na matriz predial da freguesia das Avenidas Novas sob o artigo … Alega que a fração é insuscetível de ser dividida em substância, por tal importar uma clara diminuição do seu valor. Citados (cfr. ref.as 24091156, de 27.09.2019; 24007436, de 19.09.2019; 24047990, de 24.09.2019; 23997040, de 18.09.2019; e 25655070, de 26.02.2020), apenas o réu B… SA, contestou, a ref.ª 24288101 (14.10.2019), alegando ser a fração divisível em substância. No apenso A, H…, SA, foi habilitada, por sentença transitada em julgado, no lugar da autora. Para conhecimento da indivisibilidade do prédio e eventual formação de quinhões, foi determinada a realização de perícia, tendo as partes sido notificadas para se pronunciarem quanto à indicação de peritos. Porém, considerando a inexistência de alegação de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, entendeu o tribunal estar já em condições de conhecer da identificada questão da indivisibilidade, sem realização de perícia, tendo notificado as partes para se pronunciarem (ref.ª 428992348). Apenas a autora se pronunciou, pela indivisibilidade. Cumpre, então, decidir a questão da indivisibilidade suscitada nestes autos. É entendimento comum na jurisprudência que o juízo sobre a (in)divisibilidade incide sobre o estado atual do prédio, e não sobre um estado hipotético que o prédio venha a assumir, na sequência de trabalhos de intervenção e alteração. Com efeito, e como de forma clara elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de abril de 2011 (proc. n.º 30031-A/1979.L1.S1, rel. Hélder Roque), “o juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que a mesma se encontra quando a divisão é requerida, atendendo-se ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser”. Acresce que a divisão em substância da fração em causa nos autos pressupõe, necessariamente, a constituição de novas frações, que apenas poderá ocorrer com autorização do título constitutivo ou da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição (n.º 3 do artigo 1422.º-A do Código Civil). Finalmente, a divisão em substância e subsequente constituição de novas frações depende, ainda, da verificação dos pressupostos e requisitos de ordem administrativa. No caso dos autos, o requerido B…, SA, único interessado que se pronunciou pela divisibilidade, não alega qualquer facto que permita concluir pela existência de condições, no presente, para a divisão em substância, nomeadamente nada alegando (nem demonstrando) quanto à existência de autorização pelo título constitutivo da propriedade horizontal ou pela assembleia de condóminos, para a pretendida divisão em substância da fração autónoma. Tendo em conta o exposto, atendendo ao estado atual da fração objeto destes autos, e sem necessidade de outras considerações, nos termos e pelos fundamentos acima expostos, desde já julgo indivisível a fração autónoma “DA” do prédio urbano sito na Av…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de São Sebastião da Pedreira e inscrito na matriz predial da freguesia das Avenidas Novas sob o artigo …. Para a conferência de interessados com os fins previstos no n.º 2 do artigo 929.º do Código de Processo Civil, fixo o dia 14.10.2024, pelas 13h30. Notifique, com a advertência do n.º 4 do artigo 929.º do Código de Processo Civil.” * Inconformado com esta sentença, dela recorreu o R. B...SA, Concluindo: “A)–No âmbito de uma acção especial de divisão de coisa comum, a decisão proferida sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, consubstancia uma verdadeira e efectiva sentença, assistindo, por conseguinte, legitimidade ao ora Recorrente, B...SA, para instaurar o presente recurso de apelação; B)–Salvo o devido respeito, o ora Recorrente considera que a sentença que ora se submete à apreciação de V. Exªs, é uma decisão com uma falta de sustentabilidade atroz, incoerente e contraditória, verificando-se uma violação clara da lei substantiva, por erro de interpretação e de aplicação de determinados preceitos legais, nomeadamente, dos artigos 209º, 1419º e 1422º A do Código Civil; C)–Além de que, nos presentes autos, não se procedeu às diligências probatórias necessárias (não obstante, terem sido inicialmente ordenadas e consideradas manifestamente necessárias e pertinentes), para aferir sobre a questão relacionada com a (in)divisibilidade da fracção autónoma objecto dos presentes autos, nem tão-pouco, a uma análise aprofundada e critica de determinados meios probatórios constantes do processo, nomeadamente, da prova documental. D)–Efectivamente, a sentença que ora se submete à apreciação de V. Exªs, julgou indivisível a fracção autónoma designada pela letra “AD”, Loja D, do prédio urbano sito Av..., em Lisboa, com base nos seguintes fundamentos: (i) estado actual do imóvel; (ii) nada ter sido alegado pelo Banco ora Recorrente relativamente à existência de autorização pelo título constitutivo da propriedade horizontal ou pela assembleia de condóminos e (iii) não estarem verificados os pressupostos e requisitos de ordem administrativa para a divisão e constituição de novas frações. E)–Salvo o devido respeito, não corresponde à verdade que, o ora Recorrente não tenha alegado quaisquer factos que permitam concluir pela existência de condições para a divisão em substância, isto porque, na sua contestação veio invocar a seguinte factualidade: (i)- De acordo com o título constitutivo de propriedade horizontal, os espaços comerciais do referido prédio urbano estão fraccionados em apenas 6 (seis) fracções autónomas, correspondendo a fracção B às lojas na 1ª cave; a fracção C corresponde às lojas da 2ª cave e as lojas do r/c às fracções D, E, CZ e DA. (ii)- Cada fracção autónoma constituída e destinada ao comércio, corresponde a um conjunto de lojas, localizadas no mesmo piso, conforme se pode aferir pela Licença de Utilização nº …, emitida pela CML, datada de 15 de outubro de 1991, onde é referido a composição de 15 (quinze) ocupações destinadas a lojas; (iii)- Cada fracção autónoma do referido prédio urbano, corresponde a mais do que uma loja, enquanto espaço físico autónomo destinado ao comércio, conforme se pode comprovar a título de exemplo pela loja ocupada pelo Banco a qual possui contadores autónomos de água e de luz; (iv)- A divisão em substância da fracção autónoma designada pela letra “DA”, porque, para além da divisão ter como objectivo o cessar da compropriedade pela concentração de cada consorte num objecto determinado e privativo, ao contrário do alegado pela A. é possível fraccionar a fracção sem que os comproprietários percam a essência da coisa dividida ou vejam alterada a sua função económico-social. F)–Por outro lado, não podemos deixar de referir que, para demonstrar a divisibilidade respectiva fracção autónoma foi requerida a realização da prova pericial e, ainda, que a Câmara Municipal de Lisboa fosse oficiada, para proceder à junção aos autos das plantas finais, a fim de se demonstrar a área, localização, delimitação e características da fracção autónoma designada pelas letras “DA”. G)–E, a verdade é que, a sentença que ora se submete à apreciação de V. Exªs, veio decidir sob a indivisibilidade da fracção, apesar de se encontrarem controvertidas as seguintes questões: (i) valor de mercado; (ii) área, delimitação, confrontações e características actuais do imóvel e, ainda, (iii) se a divisão da fracção importa uma alteração da sua substância, da diminuição do valor da mesma e um claro prejuízo para o uso a que se destina. H)–Cabe igualmente referir que, no caso em apreço, o Tribunal a quo, também não teve em consideração determinados documentos constantes do processo, mais concretamente, a Licença de Utilização nº …, emitida pela CML, datada de 15 de outubro de 1991, a qual vem referir o seguinte: “composição – 5 ocupações destinadas a lojas com menos de 100m2 de área cada, no r/c, com extensão interior para a sobreloja, onde se situam mais 10 ocupações destinadas a lojas, com menos de 100m2 cada e uma zona de recepção”. I)–Sendo assim, em face do exposto, deverá ser ordenada a anulação da decisão proferida em primeira instância e a remessa dos autos ao tribunal a quo, para que sejam realizadas as correspondentes diligências probatórias, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 640º e da na alínea c) do nº 2 do art. 662º do CPC. J)– Por outro lado, é completamente falso o argumento invocado na sentença que ora se submete à apreciação de V. Exªs, no sentido de que, não encontram verificados os pressupostos e requisitos de ordem administrativa para a divisão e constituição de novas frações, isto porque, a verdade é que, na eventualidade de se considerarem necessários tais requisitos, a Câmara Municipal de Lisboa, até à presente data, ainda não proferiu qualquer decisão nesse sentido; K)–Mais, caso se entenda que, o ora Recorrente não se pronunciou sobre os eventuais requisitos administrativos relacionados com a divisão da fracção, nem sobre a existência de autorização pela assembleia de condóminos (isto, na eventualidade de se considerar que, os mesmos sejam necessários) perante tal cenário, o Tribunal a quo deveria ter procedido à prolação de despacho de aperfeiçoamento, convidando o Banco ora Recorrente a aperfeiçoar o seu articulado. L)–Pelo que, a sentença ora proferida consubstancia uma decisão surpresa e, por isso, nula, (arts. 3º nº 3 e 191º nº 1 do CPC). M)–Acresce que, salvo o devido respeito, a sentença que ora se submete à apreciação de V. Exªs peca por um notório erro de interpretação e aplicação do disposto nos arts 209º e 1419º e nº 3 do art. 1422-A do Código Civil. N)–De acordo com o disposto no art. 209º do Código Civil, são divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam, ou seja, as coisas só são juridicamente divisíveis caso possam ser cindidas em partes, sem que percam a sua subsistência, sem que se reduza o seu valor e sem que o seu uso próprio seja prejudicado. O)–Por outro lado, a n/ jurisprudência é praticamente unânime ao considerar que, o juízo acerca da divisibilidade da coisa comum, deve reportar-se à situação presente em que se encontra a coisa quando a questão é apreciada. P)–Ora, no caso sub judice, a sentença que ora se submete à apreciação de V. Exªs veio decidir sob a indivisibilidade da fracção autónoma, sem ter em consideração o estado actual do imóvel (dividido por várias lojas e com uma saída comum), fazendo tábua rasa do teor da licença de utilização já junta aos presentes autos e sem que tenham sido realizadas as diligências probatórias claramente reconhecidas como necessárias e pertinentes, com vista a fundamentar a sua decisão, mais concretamente, a realização da prova pericial e a junção aos autos das telas finais por parte da Câmara Municipal de Lisboa. Q)–E, a verdade é que, em relação à fracção autónoma objecto dos presentes autos, é possível a imediata composição de quinhões e, por conseguinte, a adjudicação das fracções em que se dividiu a coisa, a qual permanece como una até à presente data, não implicando a aludida divisão, diminuição do valor do imóvel ou prejuízo para o uso a que se destina. R)–Logo, a sentença ora recorrida veio preconizar uma errónea interpretação e aplicação do disposto no art. 209º do Código Civil, dado que, na situação em apreço, a fracção autónoma designada pela letra “DA”, é perfeitamente divisível, podendo ser fracionada sem alteração da sua substância e, ainda, sem que ocorra qualquer diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destina. S)–Em face das referidas disposições legais, considera-se que, é perfeitamente viável obter pela via judicial a modificação do título constitutivo, desde que, exista acordo de todos os condóminos para o referido efeito. T)–Finalmente, cabe ainda referir que, a sentença que ora se submete à apreciação de V. Exªs, procedeu a uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1419º e 3 do art. 1422º A do Código Civil, isto porque, pelo facto de o Banco ora Recorrente não ter feito qualquer referência quanto à existência de autorização da assembleia de condóminos para a pretendida divisão em substância da fracção autónoma, de imediato, considerou como indivisível o referido imóvel. U)–Situação esta que, é de todo inadmissível, isto porque, caso se entendesse que se encontrava em falta qualquer referência quanto à existência de autorização da assembleia de condóminos para a pretendida divisão, deveria ter proferido um despacho de aperfeiçoamento, concedendo ao Banco ora Recorrente a faculdade em pronunciar-se sobre tal matéria. V)–Ou seja, a sentença que ora se submete à apreciação de V. Exªs veio a considerar indivisível a referida fracção autónoma com base em tal pressuposto, apesar de os condóminos nunca se terem pronunciado quanto à divisão da fracção autónoma designada pela letra “DA” e, ainda, sem que tenha sido conferida ao ora Recorrente a faculdade em aperfeiçoar o seu articulado. Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs, deverá ser decretada a revogação/anulação da decisão proferida em primeira instância, assim se fazendo a costumada justiça.” * Não foram apresentadas contra-alegações. * No despacho que admite o recurso, a Juiz a quo pronuncia-se sobre as invocadas nulidades nos seguintes termos: “Pese embora o recorrente não autonomize a alegação de nulidade da decisão por constituir decisão surpresa, uma vez que tal questão é abordada no recurso interposto, sempre se diga a esse respeito que se afigura que o despacho de ref.ª 428992348, proferido em 12.10.2023, afasta a ocorrência de tal vício.” * Colhidos os vistos cumpre decidir. *** II.–Questões a decidir: Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente. Deste modo no caso concreto a questão a apreciar consiste em: - Da nulidade da sentença, por constituir uma decisão surpresa; - Do erro na interpretação dos artigos 209º, 1419º e 1422º A do Código Civil. *** III.–Fundamentação de Facto. A factualidade relevante para conhecimento do presente recurso é a que consta do Relatório supra. * IV.–Da nulidade da Sentença. No seu recurso, alega o recorrente que a decisão proferida é nula por constituir uma decisão surpresa, invocando os artigos 3º n.º 3 e 191º n.º 1 do Código de Processo Civil; ou seja, uma violação do princípio do contraditório, acarretando assim o vício em causa. A respeito desta nulidade, dois entendimentos se prefiguram. Um que considera que a omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual (a este propósito leia-se o Acórdão da Relação do Porto de 2/12/2019, Proc. n.º 14227/19.8T8PRT.P1 e extensa jurisprudência e doutrina aí citadas). As nulidades processuais são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais. No âmbito deste entendimento é considerado que a violação do princípio do contraditório se integra na previsão do art.º 195º do Código de Processo Civil, nos termos do qual as nulidades processuais podem consistir na prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei ou realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, sendo que no âmbito desta norma, as irregularidades aí previstas (não cabendo na previsão das nulidades principais, previstas nos artigos anteriores do Código de Processo Civil) só determinam a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.º 199º do Código de Processo Civil. Tal coloca a questão da necessidade da arguição desta nulidade ter de ser feita em primeiro lugar junto do tribunal Recorrido, não sendo o recurso de apelação o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art.º 196º a 199º do Código de Processo Civil. Outra nova linha doutrinária e jurisprudencial tem defendido no entanto que a omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia. Nestas circunstâncias o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório. Neste sentido António Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Ed., pág. 26 e 27, onde pode ler-se: “(…) a questão nem sempre encontra resposta tão evidente noutros casos, designadamente quando é cometida nulidade de conhecimento oficioso ou em que o próprio juiz, ao proferir a sentença, omite uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa. A sujeição ao regime das nulidades processuais, nos termos dos arts. 195º e 199º levaria a que a decisão que deferisse a nulidade se repercutisse na invalidação da sentença, com a vantagem adicional de tal ser determinado pelo próprio juiz, fora das exigências e dos encargos (inclusive financeiros) inerentes à interposição do recurso. Porém, tal solução defronta-se com o enorme impedimento constituído pela regra praticamente inultrapassável, ínsita no art. 613º, norma a que presidem razões de certeza e de segurança jurídica que levam a que, proferida a sentença (ou qualquer outra decisão), esgota-se o poder jurisdicional, de modo que, sendo admissível recurso, é exclusivamente por esta via que pode ser alcançada a revogação ou modificação do teor da decisão. (…) Por conseguinte, num campo de direito adjectivo em que devem imperar factores de objectividade e de certeza no que respeita o manuseamento dos mecanismos processuais, parece mais seguro assentar em que sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615º, nº1, al. d). Afinal, designadamente quando a sentença traduza para a parte uma verdadeira decisão-surpresa (não precedida do contraditório imposto pelo art. 3º, nº3), a mesma nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual correspondente à omissão do acto, sendo o recurso a via mais ajustada a recompor a situação integrando no seu objecto a arguição daquela nulidade.” Esta interpretação revela-se coerente com a atual concepção do principio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” – conf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, pag. 125. Finalmente, veja-se o que refere Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/6/2020, Proc. n.º 496/13.0TVLSB.L1.S1, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=decis%C3%A3o+surpresa: “A questão a resolver é a seguinte: uma decisão-surpresa é uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC ou uma nulidade da sentença de acordo com o estabelecido nos art. 615.º, 666.º e 685.º CPC? Segundo se pode imaginar, as dificuldades sentidas pela jurisprudência decorrem da circunstância de a decisão-surpresa resultar da omissão da audição prévia das partes e de, portanto, parecer que a ela está subjacente uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC. Há aqui, no entanto, uma confusão que importa procurar desfazer. A audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão-surpresa. Quer dizer: a decisão-surpresa é um vício único e próprio: a decisão é uma decisão-surpresa quando tenha sido omitida a audição prévia das partes. Noutros termos: há um vício (que é a decisão-surpresa), e não dois vícios independentes (a omissão da audiência prévia das partes e a decisão-surpresa). Em concreto: há um vício processual que é consequência da omissão de um acto. Se assim é, claro que o que há que considerar é o vício em si mesmo (a decisão-surpresa), e não separadamente a causa do vício e o vício. Em parte alguma do direito processual ou do direito substantivo se considera a causa do vício e o vício como duas realidades distintas. A única distinção que é possível fazer é ontológica: é a distinção entre a causa e a consequência. Dado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar.” Julga-se desta forma que é lícito ao recorrente invocar esta nulidade em sede de Recurso, dela cumprindo conhecer. Ora, observada a tramitação dos autos, resulta que foi proferido um despacho anterior à prolacção da decisão, em 13 de Outubro de 2023, em que o Tribunal a quo considerou ser possível decidir já quanto à questão respeitante à indivisibilidade da fracção, isto porque, dado que se trata de fracção autónoma constituída em propriedade horizontal, não foi alegada a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal. Ordenou assim que se notificasse as partes para se pronunciarem sobre este entendimento. Notificadas as partes, o recorrente nada disse. Não resulta assim dos autos que a decisão proferida tenha sido uma decisão surpresa, proferida sem que tenha sido observado o princípio do contraditório, nos termos invocados pelo Recorrente, pelo que improcede a invocada nulidade. Aborda ainda o recorrente a questão do convite ao aperfeiçoamento “… isto porque, caso se entendesse que se encontrava em falta qualquer referência quanto à existência de autorização da assembleia de condóminos para a pretendida divisão, deveria ter proferido um despacho de aperfeiçoamento, concedendo ao Banco ora Recorrente a faculdade em pronunciar-se sobre tal matéria.” É praticamente consensual na doutrina e jurisprudência que, perante uma petição inicial (ou articulado) deficiente, se impõe ao Juiz a prolacção de despacho de aperfeiçoamento; não o fazendo, comete uma nulidade que se reflecte na própria sentença e que acarreta a nulidade da mesma. Neste sentido e a título meramente exemplificativo, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto: de 10/9/2019, Proc. n.º 11226/16.5T8PRT-A.P1; de 30/4/2020, Proc. n.º 639/18.8T8PRD.P1; ou de 15/5/2020, Proc. n.º 4475/16.8T8MAI.P1 ou ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2020, Proc. n.º 656/14.7T8LRS.LL.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Efectivamente, é certo que incumbe às partes, nos termos do art.º 552º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil “Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”; a causa de pedir deve assim ser entendida como o conjunto fáctico que integra a previsão da norma ou a situação jurídica que, no entender do autor, se verifica e que conduz à procedência da acção; por outro lado, por banda do réu e de acordo com o art.º 572.º do mesmo diploma: “Na contestação deve o réu: a)-Individualizar a ação; b)-Expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor; c)-Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação; e d)-Apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; tendo havido reconvenção, caso o autor replique, o réu é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, no prazo de 10 dias a contar da notificação da réplica.” Os factos são essenciais, como dispõe o art.º 5º, n.º 1 do Código de Processo Civil, no sentido que a falta de algum ou alguns deles determina a ineptidão da p.i. e a consequente absolvição da parte contrária da instância (art.º 186º, nº 2 al. a); arts. 278º, nº 1 al. b), 577º, al. b) e 595º, nº 1 al. a), todos do Código de Processo Civil), ou a improcedência das excepções invocadas. Se estes factos essenciais estiverem alegados, a causa de pedir está identificada e a petição não pode ser inepta por falta de causa de pedir. No entanto, para além dos factos essenciais, que têm uma função individualizadora da causa de pedir e cuja omissão acarreta a ineptidão da p.i., pode ocorrer uma insuficiência na alegação de factos, complementares e concretizadores, os quais também integram a causa de pedir, embora tal deficiência não acarrete a ineptidão da p.i. Como ensina Lebre de Freitas, em Introdução ao Processo Civil, pág. 70 e seguintes, a função individualizadora da causa de pedir permite verificar se a petição é apta (ou inepta) para suportar o pedido formulado e se há ou não repetição da causa para efeito de caso julgado. Mas não é suficiente para que se tenha por realizada uma outra função da causa de pedir, que é a de fundar o pedido, possibilitando a procedência da acção. É relativamente a estes factos que se justifica a prolacção de um despacho de aperfeiçoamento, destinado a completar a causa de pedir, com a alegação de factos que vão complementar ou concretizar os factos alegados na causa de pedir ou aqueles que consubstanciam as excepções invocadas. Ora, se tal despacho se configurava como facultativo na vigência do Código de Processo Civil de 1961, na actual redacção do diploma o poder do juiz convidar as partes ao aperfeiçoamento dos seus articulados não é discricionário, mas antes um poder-dever, tal como resulta do art.º 590.º, n.º 2, al. b), e 4, do Código de Processo Civil: “(…) 2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: (…) b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes; (…) 4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.(…)”. Como referem Abrantes Geraldes, Pires de Sousa e Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, pág. 678: “Manifesta-se aqui um verdadeiro dever legal do juiz (despacho de aperfeiçoamento vinculado), no sentido de identificar os aspectos merecedores de correcção”. A razão de ser da norma em causa é a de que nenhuma ação pode findar com um juízo de improcedência fundado na mera deficiência da alegação de facto, pois isso revelará que foi omitido o despacho de convite ao aperfeiçoamento fáctico do respetivo articulado. Sendo assim um despacho a que o juiz está vinculado - caso se observem os respectivos pressupostos – cumpre determinar as consequências da referida omissão. A este propósito colocam igualmente as questões supra referidas sobre a nulidade da sentença, sendo que igualmente se entende que se a nulidade resultante da omissão do despacho de convite ao aperfeiçoamento tem repercussão na decisão da causa, julgada improcedente, pode e deve ser conhecida em recurso, pois é a própria sentença que fica viciada e deve ser anulada. Só assim se assegura o respeito pelo dever de cooperação que vincula o juiz da causa e se dá concretização à garantia de uma tutela jurisdicional efectiva, à prevalência das decisões de mérito sobre as decisões formais (princípio pro actione). Feitas estas considerações, há que apreciar o caso dos autos. Lida a contestação, resulta que o R. em lado nenhum fez referência à possibilidade da alteração constar do título constitutivo, nem a qualquer assembleia de condóminos. Ora, o convite ao aperfeiçoamento destina-se a conceder à parte a faculdade de aperfeiçoar, completar, esclarecer o que foi alegado em sede de articulados, mas não compete ao tribunal substituir-se à parte convidado a parte a alegar facto essenciais que não haja anteriormente referido. Ainda assim, mais uma vez resulta dos autos que foi dada a oportunidade ao R., pelo despacho proferido em 13/10/2023 e notificado ao R., de alegar, esclarecer, requerer, o que tivesse por conveniente quanto à questão em causa, da alteração do título constitutivo uma vez que se trata aqui de uma fracção autónoma, nada tendo este vindo dizer. Não tem assim qualquer razão o recorrente, não havendo qualquer nulidade. *** V.–Do Direito Nos termos do art.º 1403.º do Código Civil, existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, exercendo os comproprietários em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas – art.º 1405º do Código Civil. Sendo vários os titulares do direito, o exercício conjunto do direito de propriedade está sujeito às regras e limitações previstas pelos artigos 1406º a 1411º do Código Civil. Desta forma, sendo assim regulado e partilhado o exercício do direito, prevê a Lei no art.º 1412º, n.º1, do Código Civil que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1972, Vol. III, página 343 e 344, em anotação ao artigo citado, “(…) o direito de que trata o artigo 1412º é, no fundo, um direito de dissolução da compropriedade, que normalmente se opera mediante a divisão em substância da coisa, mas que também pode realizar-se através da partilha do seu valor (ou preço) (…) o direito potestativo do artº 1412º distingue-se, entre todas as formas de dissolução da comunhão ou compropriedade, pelo facto de se dirigir contra todos os consortes e ter como fim prático a cessação da compropriedade (…) É exactamente para frisar a nota de que não se trata apenas de concretizar a quota do requerente na coisa comum, mas de dissolver a relação de compropriedade existente entre todos os consortes, que os tribunais italianos acentuam o carácter universal da acção de divisão da coisa comum (…) No processo terão que intervir todos os consortes, seja na posição de autores, seja na de réus “. Estipula o art.º 1413º do Código Civil que: “1.–A divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei de processo. 2.–A divisão amigável está sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa.” Em consonância com esta disposição, encontra-se regulado nos artigos 925.º a 930.º do Código de Processo Civil o processo de divisão de coisa comum, aqui em causa. Nos termos do art.º 925º do Código de Processo Civil: “Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.” A acção de divisão de coisa comum é uma acção de natureza real porquanto visa a modificação subjetiva e objetiva do direito real complexo em que se traduz a compropriedade. Assim, não há dúvida que este processo tem como pressuposto a compropriedade sobre um bem (ou a comunhão de quaisquer outros direitos na medida em que lhe sejam aplicáveis as regras da compropriedade por força do art.º 1404.º do Código Civil) e como finalidade a efetivação do direito à divisão que o art.º 1412.º do Código Civil confere aos comproprietários nos casos de divisibilidade ou indivisibilidade material da coisa. Esta acção desenvolve-se, processualmente, em duas fases distintas: a fase declarativa e a fase executiva, sendo na primeira que se aprecia, entre outras, a questão da divisibilidade ou indivisibilidade da coisa. No caso, não está em causa a compropriedade das partes nem as suas quotas, colocando porém o R. B… a questão da divisão da coisa. Tal divisão da coisa pode operar em substância ou em partilha do seu valor, consoante a coisa seja divisível ou indivisível. Tem sido entendimento da jurisprudência, do que é exemplo o Acórdão da Relação de Lisboa de 23/2/2017, proferido no Proc.º 166/12.7T2MFR-E.L1-2, que “O juízo acerca da divisibilidade ou indivisibilidade da coisa comum é efectuado com relação ao momento e estado em que se encontra a coisa, quando a divisão é requerida, e é apreciado na fase declarativa, sendo que, ocorrendo impossibilidade da divisão material da coisa, passa-se para a divisão jurídica.” Nos termos do disposto no artigo 209º do Código Civil, que estabelece a regra geral, são divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor, ou prejuízo para o uso a que se destinam; logo, se faltar uma destas características, a coisa é juridicamente tida como indivisível, conf. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, pág. 201. Na constituição da propriedade horizontal há que atender ainda às normas que regulam especificamente este instituto. Assim, diz o artigo 1414.º do Código Civil que “As fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal”, estabelecendo o art.º 1415º do mesmo diploma que “Só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública”, sendo que a falta destes requisitos importa a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal (cujo conteúdo vem previsto no art.º 1418º) e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, como refere o art.º 1416º. Na apreciação destes requisitos que possibilitam a propriedade horizontal há que atender não só ao aspecto material das coisas (em termos físicos, qualquer objecto pode ser dividido) mas ao seu enquadramento jurídico, devendo considerar-se para tais efeitos o disposto pelas normas que disciplinam a edificação urbana (desde logo, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo DL n.º 38382/51, de 07/08, recentemente revisto pelo DL n.º 10/2024, de 08/01); as normas administrativas aplicáveis, nomeadamente, os regulamentos e licenciamentos camarários, aqui se compreendendo os requisitos exigidos para a afectação do uso das fracções; normas que regulam a higiene e segurança; e mesmo normas de cariz registral (do que é exemplo o disposto pelo artº 62º do Código do Notariado). Sobre a constituição da propriedade horizontal dispõe o art.º 1417º: “1.–A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário. 2.–A constituição da propriedade horizontal por decisão judicial pode ter lugar a requerimento de qualquer consorte, desde que no caso se verifiquem os requisitos exigidos pelo artigo 1415.º”. Ora, não é este o caso dos autos. No caso, a propriedade horizontal já está constituída. É certo que esta pode ser modificada nos termos do art.º 1419º, cuja redacção à data da entrada da p.i. em juízo (conf. Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho) era a seguinte: “1-Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos. 2-O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular a que se refere o número anterior, desde que o acordo conste de acta assinada por todos os condóminos. 3-A inobservância do disposto no artigo 1415.º importa a nulidade do acordo; esta nulidade pode ser declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no n.º 2 do artigo 1416.º”. Actualmente prevê o art.º 1419º, na redacção da Lei 8/2022, de 10-1, que entrou em vigor a partir de 10 de abril de 2022: “1-Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos. 2-A falta de acordo para alteração do título constitutivo quanto a partes comuns pode ser suprida judicialmente, sempre que os votos representativos dos condóminos que nela não consintam sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas frações se destinam. 3-O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular a que se refere o n.º 1, desde que o acordo conste de ata assinada por todos os condóminos. 4-A inobservância do disposto no artigo 1415.º importa a nulidade do acordo; esta nulidade pode ser declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no n.º 2 do artigo 1416.º”. Com esta alteração visou-se encontrar uma forma de evitar situações de bloqueio às alterações do título constitutivo exigindo o acordo de todos os condóminos, prevendo-se o suprimento judicial para a falta de acordo quando estejam em causa partes comuns. No entanto, esta não é igualmente a situação dos autos. O que tratam os autos é a divisão de uma fracção autónoma, detida em compropriedade. E, quanto a esta, regula especialmente o artigo 1422.º-A, n.º 3, o qual, note-se, vem expressamente excepcionado da aplicação do art.º 1419º: “3- Não é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas, salvo autorização do título constitutivo ou da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição”, mais referindo o n.º 4 que: “Sem prejuízo do disposto em lei especial, nos casos previstos nos números anteriores, cabe aos condóminos que juntaram ou cindiram as fracções o poder de, por acto unilateral constante de escritura pública ou de documento particular autenticado, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo.” Não é assim admissível a divisão da fracção autónoma mediante a divisão da mesma em novas fracções autónomas, atribuindo-se a cada um dos comproprietários a propriedade plena sobre cada uma das novas fracções assim constituídas, excepto se o título constitutivo a tanto autorizasse – no qual, junto pelo R. com a contestação, nada resulta nesse sentido – ou se o R. demonstrasse ter havido uma decisão da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição, que assim deliberasse. Nada disto foi alegado ou demonstrado nos autos. O que se plasma nos autos é que estamos perante uma fracção autónoma detida em compropriedade, em que o requerente desde logo invoca a sua indivisibilidade e em que apenas um dos comproprietários alega ser divisível, mas sem que tenha sequer invocado estarem reunidos os requisitos legais exigidos para tanto, sendo estes diversos como supra já referidos – deliberação da assembleia ou acordo de todos os condóminos; cumprimento da legislação que regula o licenciamento e a utilização, exigências legais e registrais para alteração do título constitutivo, como a realização de escritura pública ou documento particular autenticado. Desta forma, devendo atender-se ao estado actual da fracção, deve concluir-se que a mesma é indivisível, não sendo licito obrigar o requerente a permanecer na indivisão (nem sequer note-se, a aguardar que se viessem a verificar todas aquelas exigências legais para a divisão da fracção, excepto, obviamente, se a tanto acordar extrajudicialmente). Em consequência, julga-se que era efectivamente inútil mandar proceder a peritagem a fim de aferir da divisibilidade da fracção, uma vez que desde já resulta dos autos a sua actual situação de indivisibilidade. Pelo exposto, a sentença proferida deve manter-se, improcedendo o recurso. Quanto à perícia para aferir do valor da fracção, a mesma deverá ainda realizar-se, tal como desde o início requereu a A., por se julgar pertinente, nada obstando a que assim ocorra. *** VI.–Das Custas. As custas do Recurso são a cargo do recorrente, nos termos do art.º 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil. *** DECISÃO: Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o Recurso, mantendo-se a Sentença proferida. Custas pelo recorrente. * Registe e notifique. Lisboa, 6/6/2024 Vera Antunes - (Relatora) Gabriela de Fátima Marques - (1ª Adjunta) João Manuel Cordeiro Brasão - (2º Adjunto) |