Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | INVENTÁRIO BENS COMUNS PARTILHA ADICIONAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | Se no documento particular autenticado, em que foi feita a partilha dos bens comuns do casal, consta a indicação de outros bens que alegadamente são comuns e que não foram partilhados, por força de vários erros de direito dos ex-cônjuges que se revelam no próprio documento, tal é suficiente para justificar a pertinência da partilha adicional (desses bens) em novo inventário. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: H e M contraíram casamento em 19/01/1989 (ele tinha então 27 anos e ela 24 anos), sem convenção antenupcial. Em Fevereiro de 2021, a mulher intentou uma acção de divórcio contra o marido. Em Abril de 2021, a mulher requereu o arrolamento dos bens comuns do casal, o que veio a ser decretado. A 18/10/2021, na acta de tentativa de conciliação, o processo de divórcio é convertido em divórcio por mútuo consentimento, tendo sido homologado o acordo dos cônjuges quanto aos bens comuns (“existem bens comuns a partilhar nomeadamente os constantes do processo que constituiu o apenso A”) e foi decretado o divórcio entre eles (a acta é de 18/10/2021, corrigida quanto à referência aos bens comuns por despacho de 26/11/2021; a acta, com as emendas consta de 29/11/2021, não sendo correcto, pois, invocar-se, sem mais, a acta de 18/10/2021). A 20/04/2022, no arrolamento, requerente e requerido vêm informar que: Chegaram a acordo quanto aos termos da composição do presente litígio, conforme documento particular autenticado de partilha que juntam. As viaturas não foram consideradas na partilha uma vez que já se encontram registadas nos nomes dos respectivos proprietários, situação que é devidamente confirmada nos termos deste acordo. Ambas as partes obrigam-se a assinar qualquer documentação necessária ao encerramento ou desvinculação de contas bancárias e aplicações financeiras. Nestes termos, deve ser determinado o levantamento do arrolamento decretado em todos os bens imóveis, móveis, contas bancárias e aplicações financeiras, e direitos sociais. Termos em que pedem e esperam deferimento. Juntam: 1 documento Seguem-se as assinaturas da requerente e do requerido. O documento particular autenticado por advogado tem o seguinte conteúdo [simplificou-se através da eliminação do que não era necessário, mas manteve-se a forma e as expressões utilizadas – entre parênteses rectos constam os elementos que foi possível colher das certidões dos registos prediais juntas pela requerente com o requerimento inicial de partilha e das escrituras notariais juntas pelo requerido na oposição ao arrolamento apenso, elementos esses colocados por este TRL com base nessas certidões e ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4, ambos do CPC]: Partilha consequente a divórcio 1.º contratante [requerido]. 2.ª contratante [requerente]. Os contratantes foram casados um com o outro sob o regime da comunhão de adquiridos, mas por sentença proferida no processo de divórcio […], foi entre ambos decretado o divórcio por mútuo consentimento. Que o património comum do seu dissolvido casal é constituído pelos seguintes bens: Activo Bens adquiridos pelo casal com recurso a fundos recebidos por doação de terceiro em consideração do estado de casado 1\ 3508 – inscrito a favor do 1.º contratante, casado [no registo consta: comprada por ambos, já casados; na escritura, doc. 6 do arrolamento, consta como comprador o requerido, casado com a requerente, sem menção da proveniência do dinheiro]; 2\ 3509 – inscrito a favor do 1.º contratante, casado [no registo consta: compradas ½ + ½ pelo requerido, casado; nas duas escrituras, docs 7 e 8 do arrolamento, consta como comprador o requerido, casado com a requerente, sem menção da proveniência do dinheiro]; 3\ 6074 – inscrito a favor do 1.º contratante, casado [no registo: comprada pelo requerido, casado; na escritura, doc. 9 do arrolamento, consta como comprador o requerido, casado com a requerente, sem menção da proveniência do dinheiro]; 4\ artigo matricial 10946 – não inscrita no registo predial; 5\ 437 – 10/100 inscritos a favor do requerido, solteiro, [1/2 de] 15/100 inscritos a favor do requerido, solteiro, e [1/2 de] 35/100 inscritos a favor do requerido, casado, e 20/100 inscritos a favor do requerido casado [no registo consta como causa da inscrição ‘compra’; na escritura referente apenas aos 35/100, doc. 10 do arrolamento, consta como comprador o requerido, casado com a requerente, sem menção da proveniência do dinheiro]; 6\ 3290 – 4/10 inscritos a favor do requerido, casado [no registo consta como causa: compra; na escritura, doc. 11 do arrolamento, consta como comprador o requerido, casado com a requerente, sem menção da proveniência do dinheiro]; 7\ 278/19900620-M252 – inscrito a favor do requerido, casado [no registo consta como causa: compra; na escritura, doc. 15 do arrolamento, consta como comprador o requerido, casado com a requerente, sem menção da proveniência do dinheiro]; 8\ quatro quotas na M-Lda, no valor total de 8750€, em comum e sem determinação de parte ou direito com [a irmã], tendo a sociedade o capital social de 25.000€ [no registo consta: por sucessão por morte em 2016 – TRL]; 9\ Uma quota de 3.333,34€ na U-Lda, em comum e sem determinação de parte ou direito com [a irmã], tendo a sociedade o capital social de 5.000€ [no registo comercial consta uma inscrição de 04/12/2014 de uma alteração ao contrato de sociedade, em que se diz que o requerido e a irmão têm essa quota – não se diz qual a causa nem quando é que ela ocorreu; consta outra transmissão, mas de 2022, já depois da acção e da sentença de divórcio, pelo que é irrelevante]; 10\ Uma quota de 3.000€ na A-Lda, doada pelo pai do requerido por conta da quota disponível e uma quota de 1.200€ em comum e sem determinação de parte ou direito com [a irmã], tendo a sociedade o capital social de 6.000€ [no registo junto aos autos consta um extracto condensado de inscrições e averbamentos de 1992 a 2003 numa ficha de 1967, pelo que não se esclarece nada com esse extracto; e depois há uma inscrição de uma transmissão de uma quota, inscrição de 12/11/2014, de 1800€ a favor do requerido e da irmã, sem menção da causa, nem da data, embora tendo como sujeito passivo o pai deles; no registo constante do arrolamento como doc. 21 consta uma doação a favor do filho, casado, inscrita a 03/02/1993 de uma quota de 134.000$ doada pelo pai; nessa data havia três quotas de 134.000$; e a escritura de doação, doc. 22, confirma o que antecede; 134.000$ = 668,40€]. Bens adquiridos por compra na constância do casamento Bens imóveis [segue-se a descrição de 2 imóveis, como verbas 11 e 12, com o valor atribuído para esta partilha de 40.000€ e 275.000€, respectivamente] Direitos sociais [segue-se a descrição de 2 quotas sociais como verbas 13 e 14, com o valor atribuído para esta partilha de 715.000€ e 5.000€, respectivamente] Bens móveis [segue-se a descrição de uma “universalidade de bens móveis que compõem o recheio do imóvel identificado em 12, ao qual atribuem o valor de 15.000€ para efeitos desta partilha […]”] Considerações diversas A. Que sobre as verbas descritas sob os números 1, 2, 3, 5, 6, 7, 11 e 12, incidem os seguintes registos de arrolamento no âmbito dos autos de arrolamento […] B. Que, nos termos do artigo 1791 do Código Civil, cada ex-cônjuge perde todos os benefícios recebidos de terceiro em consideração do estado de casado, acordando as partes que, não obstante as verbas 1 a 7 terem sido adquiridas por compra, foram-no com dinheiro doado ao ex-casal pelos pais do 1.º contratante, pelo que a 2.ª contratante perde o seu direito à meação nestas verbas — situação que se aplica às verbas 1 a 7 desta partilha. C. Que relativamente às verbas 8 a 10 desta partilha, as mesmas foram recebidas pelo 1.º contratante a título de doação e/ou herança, pelo que lhe pertencem exclusivamente, não obstante terem sido arroladas no processo judicial supra identificado. Partilha em valor Conferidos e aceites os valores do activo constantes da relação de bens apresentada supra, os contratantes acordam na partilha pela forma seguinte: Os bens comuns do casal dissolvido têm o valor de 1.050.000€. O valor da meação de cada um dos ex-cônjuges é de 525.000€. Que feita a partilha em valor do património conjugal, procedem à partilha em espécie do seguinte modo: Ao 1.º contratante, em pagamento da sua meação, são adjudicadas as verbas números 11, 13, 14 e 15, no valor total de 775.000€. Uma vez que o seu quinhão é no valor de 525.000€, torna à 2.ª contratante o valor de 250.000€, valor que é pago através de cheque […], à ordem da 2.ª contratante, datado de hoje. À 2.ª contratante em pagamento da sua meação é adjudicada a verba n.º 12, no valor de 275.000€. Recebendo tornas no valor de 250.000€, das quais presta a devida quitação, está preenchido o seu quinhão nesta partilha. Relativamente à verba 15 acordam as partes o seguinte: [sem interesse para o caso] Mais declaram: Que nestes termos, nada têm a prestar um ao outro, para igualação dos seus direitos. Que se encontram partilhados todos os bens pertencentes à comunhão conjugal, pelo que não são devedores um ao outro de qualquer outro valor quer a título de tornas ou compensação no âmbito da partilha do património do dissolvido casal. Pela 2.ª foi dito que destina o prédio adjudicado a sua habitação própria e permanente. Funchal, 06/04/2022. Seguem-se assinaturas da requerente e do requerido [e todas as folhas estão rubricadas por eles] Segue-se o termo de autenticação da mesma data no qual entre o mais consta: Os signatários apresentaram o documento em anexo que é um contrato de partilha em consequência de divórcio, tendo declarado que já o leram, que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo e o assinaram, e que o conteúdo do mesmo exprime a sua vontade. Os ex-cônjuges não indicaram código de acesso ao depósito on-line do documento particular autenticado. O registo da verba 15 mostra-se feito [conforme certidão junta no requerimento de arrolamento de 22/01/2023, apenso C], o que teve de acontecer com base no documento particular autenticado, pelo que não há razão para pôr em causa que ele tenha sido depositado. A 27/04/2022 segue-se a seguinte sentença no arrolamento: Nos presentes autos de arrolamento vieram requerente e requerido apresentar documento subscrito por ambos e respectivas mandatárias no qual acordam sobre o objecto do litígio. […] Atenta a qualidade dos intervenientes no requerimento que antecede, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos, e o objecto livremente disponível em discussão nestes autos, ao abrigo do disposto nos artigos 283/2 284, 289 a contrario e 290, todos do CPC, e 1248 e 1249, ambos do CC, julgo válida e relevante a transacção apresentada, pelo que a homologo como sentença, condenando as partes a observá-la nos seus precisos termos e, consequentemente, julgo extinta a instância, de acordo com o disposto no artigo 277/-d do CPC. […] Tendo sido solicitado por ambas as partes, ao abrigo do disposto no artigo 373/3 do CPC, aplicável ex vi artigo 376/1 do mesmo diploma determino o cancelamento do arrolamento efectuado nos presentes autos. Notifique e diligências necessárias, procedendo às necessárias comunicações às conservatórias competentes. A 13/09/2022, a ex-cônjuge intenta um inventário para partilha dos bens comuns em consequência do divórcio decretado entre ela e o requerido, dizendo, no essencial, que visa a partilha adicional dos bens comuns ainda não partilhados pelo ex-casal no contrato de partilha celebrado em 06/04/2022; de facto, tratou-se de uma partilha extrajudicial celebrada entre as partes através de documento particular que como tal não constitui caso julgado, não estando a requerente impedida de instaurar este inventário para adicionalmente obter a partilha total do património comum; é legítimo às partes efectuar nova partilha de outros bens expressamente deixados de fora da partilha anterior. No artigo 18 apresenta a relação de bens comuns a partilhar em 10 verbas, que são as 10 primeiras verbas do documento particular autenticado. O ex-cônjuge veio opor-se ao inventário dizendo que o que a requerente parece pretender fazer valer é a inventariação de bens próprios do requerido, adquiridos por herança, e de bens adquiridos pelo ex-casal com recurso a fundos doados por terceiros em consideração do estado de casados e que caducaram com o divórcio. Na medida em que não existem quaisquer bens comuns a inventariar ou a partilhar a instauração de uma acção de inventário é desprovida de qualquer sentido. Os bens comuns do casal foram partilhados pelo documento particular autenticado. Nele acordaram na partilha dos bens comuns do casal, designadamente: dos bens adquiridos pelo casal com recurso a fundos recebidos por doação de terceiro em consideração do estado de casado (bens imóveis e direitos sociais [verbas 1 a 10 do documento particular, segundo diz); nos termos daquele documento particular convencionou-se: “Que, nos termos do artigo 1791 do CC, cada ex-cônjuge perde todos os benefícios recebidos de terceiro em consideração do estado de casado, acordando as partes que, não obstante as verbas 1 a 7 terem sido adquiridas por compra, foram-no com dinheiro doado ao ex-casal pelos pais do 1.º contratante, pelo que a 2.ª contratante perde o seu direito à meação nestas verbas (…)”. E que: “relativamente às verbas 8 a 10 desta partilha, as mesmas foram recebidas pelo 1.º contratante a título de doação e/ou herança, pelo que lhe pertencem exclusivamente, não obstante terem sido arroladas no processo judicial supra identificado.”; não existem quaisquer bens comuns a inventariar; a requerente limitou-se a fazer uma alusão indirecta aos bens próprios do requerido, encapotando-os malogradamente como comuns; ambas as partes também assinaram, pelo seu punho, o requerimento de junção do contrato de partilha ao procedimento cautelar de arrolamento especial que correu termos sob o apenso A destes autos para efeitos de transacção sobre o objecto do litígio; a requerente apenas podia lançar mão de partilha adicional caso existissem outros bens não previstos na partilha extrajudicial, o que não é o caso porque os bens ora “inventariados” constituem as verbas 1 a 10 do contrato de partilha celebrado; a requerente litiga de má fé, porquanto instaura os presentes autos sabendo que não existem quaisquer bens comuns a partilhar e que, do que houve, foi-lhe adjudicado um imóvel e pago tornas no valor de 250.000€; a requerente omite esses factos e pretende somente retaliar o requerido, bem como enriquecer à custa deste; aliás, nenhuma outra conclusão resulta também do facto de a requerente se ter recusado a assinar a procuração que lhe foi remetida para rectificação dos registos prediais, conforme minuta que se junta como doc. n.º 3 e se dá por integralmente reproduzida; esta minuta foi remetida por e-mail para a anterior mandatária da requerente no dia 15/07/2022, no seguimento do contrato celebrado e com vista à regularização integral das situações pendentes; foi expressamente convencionado que as partes assinariam toda a documentação que viesse a revelar-se necessária à regularização da situação patrimonial de ambos, o que a requerente incumpriu, mas apenas após conclusão do registo do imóvel que lhe foi adjudicado, diligenciado pelo requerido, sendo apenas este o motivo pelo qual no registo dos bens das verbas 1 a 7 do contrato de partilha ainda consta o nome da requerente; deve ser condenada em multa equivalente a 5 UC, e numa indemnização ao requerido, a fixar em valor não inferior a 5.000€; conclui no sentido de ser julgada procedente a excepção dilatória de não verificação dos pressupostos legais para a instauração de inventário e, consequentemente, ser ordenada a imediata extinção da instância; ou ser julgada improcedente por não provada. A minuta em causa tem o seguinte teor: “[a requerente], constitui sua bastante procuradora A, advogada [que era a advogado do requerido – como se pode ver na procuração junta com a oposição ao arrolamento - TRL], a quem confere os poderes específicos, para em sua representação, proceder à rectificação das escrituras [notariais] de compra e venda […], no sentido de confirmar a declaração proferida pelo seu ex-marido, que à data daquelas compras, o dinheiro investido nas mesmas foi proveniente de rendimentos de bens próprios dele, confirmando na integra a proveniência daquele dinheiro, constituindo assim os prédios objecto daquelas escrituras, bens próprios dele – tudo nos termos da alínea (c) do artigo 1723 do Código Civil, dando assim também cumprimento ao contrato de partilha homologado por decisão judicial proferida no processo 875/21.0T8FNC-A […] Que a mandatária poderá negociar consigo mesma.” A requerente respondeu à oposição, reproduzindo o que já constava do requerimento inicial. Após foram dados como provados os seguintes factos: o casamento sem convenção antenupcial (facto 1), a sentença de divórcio (facto 2) e o conteúdo do documento particular autenticado (factos 3 a 6). Como facto 7 acrescentou-se que “A requerente do presente inventário visa a partilha dos bens descritos em 4 [verbas 1 a 10]). De seguida, julgou-se procedente a oposição ao inventário e em consequência determinou a extinção destes autos e condenou-se a requerente na multa de 3 UC como litigante de má fé relegando-se para momento ulterior a fixação da indemnização a favor do requerido. Isto com a seguinte fundamentação em síntese e com simplificações: Dispõe o artigo 2102/1 do CC: Havendo acordo dos interessados, a partilha é realizada nas conservatórias ou por via notarial, e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos em lei especial.” Ora no caso vertente os ex-cônjuges firmaram a sua vontade – por acordo – constante de documento contendo um termo de autenticação no qual reconhecem que o mesmo exprime a sua vontade quanto à existência dos bens comuns a partilhar (e a forma como o foram) e os bens que ficaram excluídos desse acervo. Não foi alegado pela requerente, em sede própria, que tivesse posto em causa a validade desse documento nem os factos dele constantes. Por outro lado, também não resulta que os bens ora indicados a serem partilhados tenham vindo ao conhecimento da requerente após a subscrição do acordo ou que não tenham sido considerados nesse acordo (fundando nesse caso a necessidade de partilha adicional – artigo 1129 do CPC). Pelo exposto apenas resta por concluir pela procedência da oposição ao inventário. A requerente não poderia desconhecer o conteúdo do documento por ela subscrito - e cuja validade formal e material não pôs em causa – nem a extensão dos bens ali descritos nem a adjudicação efectuada pelo que não lhe era lícito recorrer ao presente meio processual visando discutir novamente o destino daquelas 10 verbas. A requerente conhecia e não podia deixar de conhecer que a pretensão deduzida não tinha fundamento, pelo que agiu de má-fé. A requerente recorre desta sentença, reproduzindo o que já constava do requerimento inicial e terminando com as seguintes conclusões: 1\ A sentença recorrida interpretou erradamente as disposições legais aplicáveis, designadamente o preceituado no artigo 1129 do CPC ao negar-lhe o direito de exigir em inventário a partilha adicional de bens comuns após divórcio que ainda não foram objecto de partilha; 2\ O “acordo” oferecido como doc.1 da oposição do cabeça-de-casal é um documento particular susceptível de ser corrigido pela parte desfavorecida inicialmente em nome da satisfação parcial do seu direito à meação dos bens adquiridos pelo casal na constância do casamento; 3\ Em momento algum da sua actuação em juízo, agiu como litigante de má-fé e por isso a sua conduta processual não preenche o disposto no artigo 542 do CPC. 4\ Ao contrário do decidido na sentença recorrida, o incidente de oposição terá de ser julgado improcedente com todas as consequências legais, devendo ordenar-se o procedimento do inventário. O requerido respondeu, deduzindo a questão prévia da rejeição do recurso por incumprimento dos ónus de alegação previstos nos artigos 639 e 640 do CPC e, no resto, defendendo a sua improcedência pelos fundamentos já referidos na oposição ao inventário. * Questões que importa decidir: a da falta de cumprimento dos ónus dos recorrentes previstos nos artigos 639 e 640 do CPC; a de saber se devia haver uma partilha adicional. Os factos a ter em consideração são os factos dados como provados pela sentença recorrida, complementados pelos elementos acrescentados por este TRL ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC, e por aqueles que decorrem das ocorrências processuais transcritas no relatório deste acórdão. * Apreciação: Antes de mais esclareça-se que, apesar dos artigos 1770/2 e 2102/1 do CC sobre a forma da partilha – por exemplo, o último diz que “Havendo acordo dos interessados, a partilha é realizada nas conservatórias ou por via notarial, e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos em lei especial.” -, também é possível a partilha extrajudicial formalizada por documento particular autenticado, por força dos artigos 22/-f e 23 do DL 116/2008, de 04/07 (Remédio Marques, anotações ao artigo 1689 do CC anotado, vol. IV, da Almedina, 2020, páginas 297-298; Jorge Duarte Pinheiro, O direito da família contemporâneo, Gestlegal, 7.ª edição, 2020, pág. 569), documentos particulares esses que se titularem “actos sujeitos a registo predial devem conter os requisitos legais a que estão sujeitos os negócios jurídicos sobre imóveis”, ficando “a validade da autenticação dos documentos particulares […] dependente de depósito electrónico desses documentos, bem como de todos os documentos que os instruam.” (art.º 24 do mesmo DL). Segundo ainda o n.º 5 deste artigo 24, “a consulta electrónica dos documentos depositados electronicamente substitui para todos os efeitos a apresentação perante qualquer entidade pública ou privada do documento em suporte de papel”, mas, para isso é necessário que as partes se dignem informar os autos da chave de acesso a tais documentos, o que no caso não foi feito por nenhuma das partes. Posto isto, Segundo Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de direito da família, vol. I, 5.ª edição, 2016, Imprensa da Universidade de Coimbra, pág. 504, “A partilha, numa acepção ampla, compõe-se de três operações básicas: a separação de bens próprios, como operação ideal preliminar; a liquidação do património comum, destinada a apurar o valor do activo comum líquido, através do cálculo das compensações e da contabilização das dívidas a terceiros e entre os cônjuges; e a partilha propriamente dita” (no essencial no mesmo sentido, Guilherme de Oliveira, Manual de direito da família, Almedina, 2020, pág. 188, n.º 338; Remédio Marques, anotação ao artigo 1689 do CC anotado, vol. IV, da Almedina, 2020, páginas 296-301; Rute Teixeira Pedro, anotação ao art.º 1689 do CC anotado, vol. II, 2017, Cedis/Almedina, págs. 577-578; para Jorge Duarte Pinheiro, no entanto, a partilha, em sentido amplo, só abrange as duas últimas operações – obra citada, pág. 568). A posição do requerido, seguida pela sentença recorrida, corresponde a ver no documento particular autenticado um contrato de partilha numa acepção ampla, entendendo as declarações e considerações dos ex-cônjuges como regulação de parte dessas questões. Está ainda implícita na posição do requerido, seguida na sentença, a consideração da disposição constante do artigo 2121 do CC [Fundamentos da impugnação: A partilha extrajudicial só é impugnável nos casos em que o sejam os contratos] que, para além do mais, quer dizer: a partilha só deixa de valer como tal no caso de ser impugnada com êxito. A posição da requerente corresponde a ver no documento particular autenticado apenas um contrato de partilha propriamente dita, consubstanciado na parte em que se partilham os bens e entende implicitamente que os artigos 2121 e 2122 do CC [Partilha adicional: A omissão de bens […] não determina a nulidade da partilha, mas apenas a partilha adicional dos bens omitidos] apenas se referem à partilha propriamente dita. (embora os artigos 2121 e 2122 do CC se estejam a referir à partilha dos bens da herança, aplicam-se também à partilha de bens do património comum do casal, já que os problemas que se resolvem são os mesmos nos dois casos) Veja-se então o que consta do dito documento particular autenticado, dito de partilha consequente a divórcio. Os ex-cônjuges começam por dizer que o património comum do seu dissolvido casal é constituído pelos seguintes bens: Activo: Bens adquiridos pelo casal com recurso a fundos recebidos por doação de terceiro em consideração do estado de casado. E seguem-se as 10 verbas em causa. Portanto, todas estas 10 verbas seriam, nos dizeres dos próprios ex-cônjuges, bens do património comum. No entanto, depois, não incluem o valor destas verbas na “partilha em valor” pelo que, pode-se dizer, como é sugerido pela requerente, que a partilha em sentido próprio, não as incluiu. E não se tratou de fazer a separação dos bens próprios [como é sugerido pelo requerido na resposta ao recurso, quando diz: “a requerente limitou-se a fazer uma alusão indirecta aos bens próprios do requerido”], pois que os ex-cônjuges, já se disse, consideraram que os bens eram do património comum. Aliás, no mesmo sentido aponta o que eles dizem sobre as verbas: “as 10 verbas em causa são bens adquiridos pelo casal com recurso a fundos recebidos por doação de terceiro em consideração do estado de casado.” Foi o dinheiro que foi doado, não os bens; os bens foram comprados com o dinheiro. A doação de dinheiro, ao casal, isto é, aos membros do casal (porque o casal não tem personalidade jurídica) transforma esse dinheiro em compropriedade, em partes iguais, dos membros do casal (art.º 944/1 do CC). Se, depois, o casal compra imóveis com esse dinheiro e se na compra não consta a proveniência do dinheiro, os bens são comuns: o artigo 1723/-c, a contrario, do CC: “Conservam a qualidade de bens próprios: […] Os bens adquiridos […] com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.” E repare-se que nem na oposição o requerido disse que os bens foram adquiridos com dinheiro próprio (dele). (são coisas diferentes, doar dinheiro, doar um imóvel, ou pagar, com intenção de doar, o preço da compra do imóvel – doação indirecta -; sobre tudo isto, por exemplo, Rita Lobo Xavier, anotação a um acórdão do TRC de 21/01/2003, publicada nos Cadernos de Direito Privado, n.º 5, págs. 30 a 36, Qualificação de um bem adquirido a título gratuito por cônjuge casado no regime de comunhão de adquiridos; ac. do TRP de 11/04/2005, proc. 668/05, publicado na CJ2005, tomo II, páginas 186 a 188; Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada, pág. 602; Francisco Manuel Brito Pereira Coelho, Dissolução da união de facto e enriquecimento sem causa, em anotação a um acórdão do STJ publicado na RLJ 145/3995, Nov-Dez2015, páginas 118 a 125) Apesar do que antecede, os ex-cônjuges fazem, depois, a consideração B e é com base nela que não incluem as verbas 1 a 7 na partilha propriamente dita: “nos termos do artigo 1791 do CC, cada ex-cônjuge perde todos os benefícios recebidos de terceiro em consideração do estado de casado, acordando as partes que, não obstante as verbas 1 a 7 terem sido adquiridas por compra, foram-no com dinheiro doado ao ex-casal pelos pais do 1.º contratante, pelo que a 2.ª contratante perde o seu direito à meação nestas verbas — situação que se aplica às verbas 1 a 7 desta partilha.” Quanto a 1.ª parte da consideração, a invocação do art.º 1791 é errónea porque, como já se disse acima e se for certo o que foi por eles dito antes, os imóveis não são benefícios recebidos de terceiro. O que foi recebido de terceiro foi dinheiro. (sob o art.º 1791 do CC, veja-se especificamente Paula Távora Vítor, anotação no CC anotado, Livro IV da Almedina, 2020, páginas 563 a 568; Rute Teixeira Pedro, obra citada, págs. 696-698; e também Antunes Varela, CC anotado, vol. IV, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1992, págs. 563-566, e os acórdãos do STJ de 16/03/2016, proc. 1808/13.2TBMTS-A.P1.S1; e de 13/04/2021, proc. 3931/16.2T8MTS.P1.S4; bem como o ac. do TRP de 09/10/2023, proc. 2216/21.7T8PRD.P1). Quanto à 2.ª parte, ela começa por conter um anúncio de um acordo [de vontades], para logo a seguir passar a conter uma afirmação que repete o que o já tinha sido dito, pelo que é a reafirmação de que os imóveis são comuns. E depois fazem, segundo eles, a aplicação da norma invocada para chegarem à conclusão que expressam, conclusão que é triplamente errada, de que a ex-cônjuge perde o seu direito à meação nas verbas 1 a 7. Os três erros são os seguintes: (i) os benefícios não são os imóveis, são os dinheiros recebidos; (ii) a haver perda de benefícios os perdedores têm de ser dois ex-cônjuges e não apenas a ex-cônjuge; (iii) não há meações em bens concretos, o que há é meação no todo que é o património comum. E tendo em conta o conjunto da consideração vê-se que há outro erro: não há acordo [de vontades], o que há é uma aplicação errada da lei, para se chegar a uma conclusão de direito errada. Portanto, a consideração B é um simples conjunto de erros de direito sem qualquer possibilidade de implicar a perda, pela ex-cônjuge – ou melhor, pelo ex-casal -, das verbas 1 a 7 e, por isso não justifica a exclusão da partilha de tais verbas. Aliás, é por causa da inocuidade de tal consideração B que o requerido não consegue registar, com base no documento particular em causa, as verbas 1 a 7 em seu nome e que, por isso, foi pedir à requerente que assinasse uma minuta de procuração que lhe permitisse alterar o que consta das declarações feitas nas escrituras das compras registadas e, indo ainda mais longe, lhe tenha pedido que essa procuração desse o poder à mandatária para negociar consigo mesmo. Ainda para tentar salvar a situação, o requerido vem dizer que “foi expressamente convencionado que as partes assinariam toda a documentação que viesse a revelar-se necessária à regularização da situação patrimonial de ambos”, mas do contrato em causa não consta que a requerente tenha assumido tal obrigação. Consta algo parecido, não no contrato, sim no requerimento com que ele foi junto aos autos, mas só quanto às contas bancárias e aplicações financeiras. Apesar disto tudo, importa ainda ver a descrição que eles fazem das verbas 1 a 7 em si: Quanto a 2, 3, 6 e 7: o que eles dizem, de forma incompleta (não indicam o facto inscrito), não afecta o que vem para trás. E o que consta do registo vai no mesmo sentido, embora esteja em parcial contradição com o que é dito por eles: as verbas não foram compradas pelo casal, foram sim compradas pelo requerido. Mas trata-se de bens comuns, mesmo que comprados pelo requerido, no estado já casado, porque não se diz que tivesse sido com dinheiro só dele. Quanto à verba 4, não se diz nada, pelo que não contraria o que vem para trás. Quanto a 1, o registo diz outra coisa: trata-se de um bem expressamente adquirido pelos dois, o que, acrescente-se não está de acordo com a escritura, já que o bem foi só adquirido pelo requerido [embora casado]. Quanto a 5, há que aplicar ainda a regra do artigo 1726/1 do CC: “Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações.” Como a parte adquirida no estado de casado é mais valiosa do que a parte adquirida em solteiro, o bem é comum. Em suma, pelo que é dito no documento particular e não é contrariado pelo registo (nem pelas escrituras de compra), as verbas 1 a 7 são bens comuns do casal e não foram partilhadas, pelo que não se prova o fundamento de oposição deduzido e, por isso, a partilha adicional justifica-se plenamente (no sentido também da desvalorização de considerações do mesmo tipo das feitas no documento, ainda Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. III, 4.ª edição, Almedina, 1991, pág. 409). Quanto às verbas 8 a 10, os ex-cônjuges fazem ainda a consideração C: Que relativamente às verbas 8 a 10 desta partilha, as mesmas foram recebidas pelo 1.º contratante a título de doação e/ou herança, pelo que lhe pertencem exclusivamente, não obstante terem sido arroladas no processo judicial supra identificado. Desde logo: esta consideração está em contradição com aquilo que foi declarado pelos ex-cônjuges quanto às verbas 1 a 10, na parte que por isso também se refere às verbas 8 a 10: uma coisa não pode ter sido adquirida pelo casal com dinheiro doado e, simultaneamente, ter sido recebida por um dos membros do casal a título de doação e/ou herança. Havendo contradição entre a declaração e a consideração, não é possível dizer que a conclusão tirada pelos ex-cônjuges esteja certa (ou errada). Se se procurasse ajuda na descrição das verbas feitas pelos ex-cônjuges no documento, as das verbas 8 e 9 não suportam a consideração feita, pois que delas não consta qual a forma de aquisição das quotas em causa nem a data da sua aquisição. Já quanto à verba 10 ter-se-ia a indicação de que a maior parte foi doada, o que apontaria realmente para que fosse um bem próprio do requerido e não do casal (artigos 1722/1-b e 1726/1 do CC). Já as certidões de registo juntas apontariam no sentido de a verba 8 ser bem próprio, não ajudariam quanto à verba 9 ser bem próprio ou comum e poriam em causa a verba 10 (que não seriam 3.000€ + 1.200€, mas 1.800€ + 1.200€) e não ajudariam à qualificação dela como bem próprio ou comum (o que também acontece com a escritura que se reporta a uma quota desta sociedade). Ou seja, quanto a estas verbas o documento, registos e escrituras juntos não provariam o fundamento de oposição invocado, embora apontem, para já, no sentido de provavelmente a maior parte delas seja bem próprio do requerido. Mas o ónus da prova da necessidade de partilha adicional cabe ao que a requer, pelo que, se o fundamento invocado fosse só a falta de partilha das verbas 8 a 10 a pretensão da requerente devia ser indeferida. Seja como for, também aqui não há qualquer regulação, pelos ex-cônjuges dos seus interesses de acordo com as suas vontades. O que há é declarações de ciência de ambos, a invocação implícita de normas legais e a aplicação destas aos factos declarados. Assim, o contrato em causa é só um contrato de partilha propriamente dita, correspondente à parte do documento dita de partilha em valor e à descrição dos bens incluídos nessa partilha (verbas 11 a 15). O resto são declarações de factos e razões de direito invocadas pelos ex-cônjuges para não incluírem na partilha as restantes verbas. Pelo que, não há um contrato de partilha em sentido amplo que tivesse que ser impugnado para deixar de valer; há, sim: i\ uma partilha propriamente dita das verbas 11 a 15 que ninguém pôs em causa; ii\ razões alegadas para não partilhar as verbas 1 a 10 que estão erradas em relação às verbas 1 a 7 e iii\ razões que não podem ser aplicadas por falta de alegação unívoca em relação às verbas 8 a 10. Assim sendo, temos um caso subsumível ao disposto no art.º 2122 do CC: A omissão de bens […] não determina a nulidade da partilha, mas apenas a partilha adicional dos bens omitidos. Pois que há bens comuns (1 a 7) que não foram partilhados, porque os ex-cônjuges, mal, estavam ou diziam estar convencidos de que não tinham de ser partilhados e há bens (8 a 10) que podem ser, ou não, comuns, dependendo da alegação de factos que se venha a completar ou de prova que se venha a fazer, pois que não é na decisão do incidente de oposição à partilha que se tem de decidir a questão. No sentido da aplicação ao caso da norma do art.º 2122 do CC, permitindo, pois, a partilha adicional de bens que os ex-cônjuges por erro consideraram que não tinham de ser partilhados (verbas 1 a 7) [e naturalmente a discussão em sede dessa partilha da natureza de bens comuns ou não das verbas 8 a 10, que os ex-cônjuges consideraram, sem dados certos, ser próprios do requerido], veja-se, o que é dito por Antunes Varela, CC anotado, vol. VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 199: “A disposição reguladora do modo de sanar o defeito da partilha quando, como frequentes vezes sucede, se dá conta de que nela houve omissão de alguns bens da herança, remonta já ao Código de 1867. […] Apesar disso, a solução está longe de impor-se, logo à primeira vista, pela força do raciocínio em que assenta. Com efeito, a omissão de algum ou alguns dos bens da herança na partilha judicial ou extrajudicial dela pode despertar uma tal reacção nos interessados, variável naturalmente consoante a natureza e o valor dos bens omitidos, que a vontade conjectural de muitos deles seria, por certo no sentido de voltar atrás, baralhar de novo as cartas, e tirar outra vez o seu naipe. Simplesmente, essa solução simplista para um problema que nada garante se não repita, pode perturbar tantas e tão compreensíveis expectativas criadas, que a lei, na dificuldade séria de estabelecer critérios puramente estatísticos ou divisórias cronologicamente delimitadas, resolveu a questão através dum critério também radicalmente simplista, que é o de não considerar a omissão dos bens (qualquer que seja a sua causa) como fundamento de nulidade da partilha (quer se trate de partilha extrajudicial, quer judicial) e de mandar assim, na sequência dessa premissa, quer tenha ou não havido má fé por parte de algum dos interessados, proceder à simples partilha adicional dos bens omitidos, à qual todos os herdeiros, em princípio, se podem habilitar. (No caso de omissão dolosa - sonegação de bens - é que a sanção, como vimos, é diferente: art.º 2096). O sacrifício imposto a cada um dos interessados de a nenhum deles ser lícito requerer a anulação ou a declaração de nulidade da partilha, não obstante o pressuposto falso (erróneo ou infundado) de que cada um deles partiu (de já terem sido repartidos todos os bens constitutivos da herança), é de algum modo compensado pela expectativa aberta, em princípio, a todos eles de se habilitarem à partilha adicional dos bens omitidos. Verdadeiramente essencial para a validade da partilha é o mandamento de que ela tenha abrangido todos os bens hereditários conhecidos à data em que a divisão se efective, de acordo com o esquema processual (ou negocial) normal em que o acto se realiza […]. E havendo bens omitidos, a todo o tempo qualquer dos herdeiros poderá requerer a partilha adicional, dada a imprescritibilidade do direito de sair da comunhão hereditária (art.º 2101); […].” No mesmo sentido, em diferentes formulações, veja-se ainda Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. II, Almedina, 4.ª edição, 1990, páginas 545-554, 567-572 e, especialmente, 583-587 (e os diversos acórdãos citados no mesmo sentido); Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1990, paginas 363 a 376, especialmente págs. 374-376; Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, Quid Juris, 1999, páginas 317-318; e Cristina Araújo Dias, anotações aos artigos 2121 e 2122, no CC anotado, Livro V, Almedina, 2018, páginas 162-164. Nas obras citadas, Lopes Cardoso e Capelo de Sousa têm passagens que apontam no sentido de não se poder pedir uma partilha adicional, quando a partilha inicial foi extrajudicial. Vejam-se as páginas 584 e 375, respectivamente. Mas trata-se apenas de não o poder ser formalmente como tal – já que não há um processo anterior onde possa ser feita (veja-se o art.º 1129/1 do CPC: Quando se reconheça, depois de feita a partilha, que houve omissão de alguns bens, procede-se a partilha adicional no mesmo processo). Não, obviamente, no sentido de não poder ser requerido um inventário para a partilha desses bens que ainda não foram partilhados, que será então formalmente um inventário inicial (para fazer, substancialmente, uma partilha adicional, mas que formalmente é uma nova partilha que não inclui os bens já partilhados) – assim, os acórdãos do TRL de 27/11/2012, processo 891/11.0TBGDM.L1-7, de 14/09/2021, proc. 1083/21.5T8LRS.L1-7 (este citado pelo requerido) e o mais antigo de 11/04/1973, no BMJ 226/266, que conclui daquela impossibilidade: “antes haverá que instaurar processo autónomo” (este último também citado por Domingos de Sá, Do inventário, Almedina, 1993, pág. 245). * Do que antecede, decorre claramente que a requerente no recurso põe em causa o valor que o requerido e a sentença recorrida dão ao documento particular autenticado como obstáculo à partilha ao abrigo do art.º 1129 do CPC e as consequências retiradas a nível da litigância de má fé, pelo que não há qualquer incumprimento dos ónus de alegação previstos no art.º 639 do CPC quanto ao direito; e, quanto aos factos, a requerente não está a pôr em causa nenhum deles, ao contrário do pressuposto pelo requerido, pelo que também não há incumprimento dos ónus de alegação previstos no art.º 640 do CPC. * Demonstrado que há lugar à partilha adicional, tem de proceder também o recurso contra a condenação em litigância de má-fé, já que esta se baseou, mal, na inexistência do direito à mesma. * Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e revoga-se no seu todo a sentença recorrida, julgando-se agora a oposição à partilha improcedente, devendo os autos prosseguir os seus termos subsequentes. Custas de parte (não existem outras) pelo requerido. Lisboa, 07/12/2023 Pedro Martins António Moreira Carlos Castelo Branco |