Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8185/16.8T8LSB.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
FORMAÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
PROPOSTA DE CONTRATO
ACEITAÇÃO DA PROPOSTA DE CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Uma vez estabelecida a veracidade da subscrição do documento particular pela pessoa a quem é atribuído, dela resulta a veracidade do respetivo conteúdo: o documento particular faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor.
II – As declarações recetícias, porque se destinam a alguém, só começam a produzir os seus efeitos a partir do momento em que são recebidas ou conhecidas pelo(s) destinatários(s).
III – O sistema clássico de formação do contrato assenta num diferente posicionamento das partes, tomando uma delas a iniciativa do negócio, mediante a proposta, e manifestando a outra a sua conformidade com a mesma: aceitação.
IV – Diz-se proposta a declaração pela qual uma pessoa manifesta a outrem a sua intenção de celebrar determinado negócio, destinada a integrar o correspondente conteúdo, se ele vier a concretizar-se.
V – Da aceitação resulta o contrato; não haver, pois, verdadeira aceitação quando a competente declaração surja dubitativa ou condicionada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Tendo Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
BAADER BANK AKTIENGESELLSCHAFT, sociedade com sede em Weihenstephaner Strasse 4, 85716 Unterschleissheim, distrito administrativo de Munique, Alemanha, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum ordinário contra FINCOR- SOCIEDADE CORRETORA S.A., agora denominada PATRIS –SOCIEDADE CORRETORA SA, sociedade com sede na Rua Duque de Palmela, 37, 3.º andar, 1250-097 Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 534 310,00 (quinhentos e trinta e quatro euros e trezentos e dez cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora calculados à taxa legal vencidos desde 20 de fevereiro de 2016 até à data da propositura da ação e vincendos até integral e efetivo pagamento, bem como a pagar as despesas com as diversas tentativas infrutíferas de resolução extrajudicial da disputa entre as partes na fase pré-contenciosa, numa indemnização no valor de € 5501,57 (cinco mil quinhentos e um euro e cinquenta e sete cêntimos), acrescidos de juros desde a citação até integral pagamento.
Foi proferida sentença que absolveu a ré dos pedidos contra a mesma formulados.
Inconformado, veio o autor apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[2]:
1. A sentença proferida nestes autos pelo Tribunal a quo julgou erradamente o presente litígio, cometendo uma grave injustiça e colocando em crise fundamentos essenciais do comércio e do funcionamento dos mercados financeiros.
2. Em particular, a sentença sob recurso desconsiderou totalmente princípios básicos do direito dos contratos, elementos essenciais de prova documental (corroborados pela prova testemunhal), bem como regras da experiência comum e específica do comércio, decidindo incorretamente pontos concretos da matéria de facto, como também aplicando erradamente o direito.
3. O presente recurso suscita duas questões essenciais, as quais devem respondidas afirmativamente:
a. a de saber se existiu um contrato de compra e venda de 2 milhões de obrigações argentinas pelo preço de 1.640.000,00 Euros (correspondente a 82% do valor nominal de 1 Euro) entre as partes Fincor e Baader Bank para revenda por este a um terceiro, a City & Continental, cujos termos contratuais foram negociados em simultâneo e em que o segundo contrato somente existiu porque existiu o primeiro; e
b. a de saber se deve a Fincor responder pelos prejuízos causados pelo incumprimento
do contrato consistente na falta de entrega dos 2 milhões de obrigações em questão no montante de 534.310,00 Euros, prejuízos esses correspondentes à diferença entre preço acordado entre Fincor e Baader Bank e o preço que o Baader Bank recomprou as obrigações para entregar ao seu cliente City & Continental, comprador das mesmas;
a. Foi celebrado um contrato entre Baader Bank e Fincor
4. No que se refere à primeira questão, é inequívoco que, ao contrário do que foi (mal)
decidido em primeira instância, foi efetivamente celebrado um contrato de compra e venda entre Fincor e Baader Bank tendo por objeto dois milhões de obrigações argentinas (ISIN DE 0003045357) pelo preço de 1.640.000,00 Euros (correspondente a 82% do valor nominal de 1 Euro), sendo que esta conclusão resulta direta e necessariamente da leitura conjugada e cronologicamente referenciada das declarações negociais vertidas nos docs. n.º 8 e 9 junto com a p.i. e 7 junto com a contestação, os quais contêm o registo duradouro e imodificável da negociação entre Baader Bank e Fincor, Baader Bank e City & Continental e Fincor e Wave Securities.
5. Os referidos docs. n.º 8 e 9 juntos com a p.i. e 7 junto com a contestação demonstram as declarações negociais expressamente proferidas pelas partes e os respetivos exatos momentos em que as mesmas foram proferidas, evidenciando também o sentido que as partes então atribuíram às mesmas.
6. Dos factos dados como provados nos pontos 1 a 5, 8, 9 e 12 a 15 da decisão sobre a matéria de facto, e dos referidos docs. n.º 8 e 9 junto com a p.i. e 7, resulta, sem margem para
qualquer dúvida, que a Fincor apresentou ao Baader Bank uma proposta firme e que o Baader Bank aceitou essa proposta firme, conforme decorre aliás do facto considerado provado no ponto 14 da matéria de facto supramencionado.
7. Em particular, o referido doc. n.º 8 mostra que (i) às 14:43, o Baader Bank pediu à Fincor que esta apresentasse uma proposta firme; (ii) às 15:11 e 15:14 a Fincor apresenta uma proposta firme; (iv) às 15:25 o Baader Bank aceita a proposta firme da Fincor («ok done @82 / 2mio@82») e (v) às 15:26 a Fincor reitera a confirmação do negócio («tku done»).
8. A aceitação de uma proposta firme tem o efeito jurídico de se formar um contrato, nos termos nomeadamente dos artigos 224.º, 228.º e 230.º do Código Civil, pelo que, no caso, ao contrário do que foi decidido em primeira instância, formou-se um contrato entre as partes.
9. A conclusão do tribunal a quo no sentido de que, face à matéria julgada provada, não se formou contrato entre Baader Bank e Fincor viola direta e frontalmente o disposto nos artigos 224.º, 228.º, 230.º, 235.º e 236.º do Código Civil.
10. Ainda assim, e à cautela, o ora apelante impugna, nos termos do artigo 640.º do CPC alguns pontos da matéria de facto por terem sido, imprecisa, incompleta ou erradamente, julgados, dado que resultam claramente provados dos meios de prova constantes nos autos, e por serem suscetíveis de corroborar e retirar qualquer dúvida quanto à interpretação das declarações negociais das partes que formaram o contrato.
11. Deste modo, a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada nos seguintes termos e com os seguintes fundamentos:
a. Deve ser dado como provado o teor integral das declarações negociais expressas pelas partes no Instant Bloomberg constante dos Docs. n.º 8 (conversa entre Fincor e Baader Bank) e 9 (conversa entre Baader Bank e City & Continental) juntos com a p.i. e Doc. n.º 7 (conversa entre Fincor e Wave Securities) junto com a contestação, por resultar provado nos autos quer pelos próprios documentos, que conforme resultou também provado, foram proferidos no Instant Bloomberg que permite manter um registo duradouro e imodificável das declarações das partes (ponto 8 dos factos provados), por não ter sido impugnado na sua genuinidade pelas partes e, muito pelo contrário, por terem sido aceites por ambas as partes, e corroborados pelos depoimentos das testemunhas que neles intervieram e que os confirmaram em audiência de julgamento, resultando desses documentos outros factos relevantes para além dos factos considerados provados nos pontos 11 a 22 da decisão da matéria de facto, de que ora se recorre – devendo, por isso, ser aditados os pontos 11.º-A, 22.º-A e 26.º-A com o teor proposto nas presentes alegações e que, por facilidade, consta do Anexo I às mesmas, que ora se reproduz:
Facto a aditar como ponto 11.A:
No dia 16 de outubro de 2015, ocorreu a conversa no Instant Bloomberg entre NG…, representante da Fincor, e RL…, representante da Wave Securities nos termos constantes do Doc. n.º 7 junto com a contestação.
Facto a aditar como ponto 22.A:
No dia 16 de outubro de 2015, ocorreu a conversa no Instant Bloomberg entre NG…, representante da Fincor, e SP…, do Baader Bank, à qual se juntou, a partir das 16:15:43, também AH…, nos termos do teor do Doc. n.º 8 junto com a p.i. a fls. 286 e seguintes do processo.
Facto a aditar como ponto 26.A:
No dia 16 de outubro de 2015, ocorreu a conversa no Instant Bloomberg entre AH…, do Baader Bank, e AA…, da City & Continental, à qual se juntaram, a partir das 16:21:09, também SP… do Baader Bank e, a partir das 15:37:14, RS… da City & Continental, nos termos constantes do teor do Doc. n.º 9 junto com a p.i. a fls. 298 e ss do processo.
b. Os factos julgados provados nos pontos 29, 32, 37, 45 e 46 estão, nalguns casos, imprecisamente, noutros casos, incorretamente julgados na decisão de primeira instância e, noutros ainda contêm matéria de direito ou conclusiva, devendo os mesmos ser alterados de modo a constarem na decisão sobre a matéria de facto nos termos constantes das presentes alegações e do Anexo I às mesmas, que ora se reproduzem:
«29. AA… deu o seu acordo para a compra das obrigações pelas 15:27:03 («done» / «feito»)91 depois de às 15h26:59 AH… lhe ter confirmado a conclusão do negócio que NG… e SP… estavam a realizar.»
«32. NG… pediu para desfazer o negócio ao Baader Bank e os representantes do Banco SP… e AH… contactaram a sua contraparte City & Continental para tentar ajudar a Fincor na resolução da situação, mas a City & Continental não aceitou desfazer o negócio, porque também tinham vendido as obrigações em questão ao mesmo tempo e poderiam ter um custo muito superior que era a perda do cliente, razão pela qual mantiveram a transação conforme acordada nas diversas conversas e razões pelas quais também o Baader Bank não pôde desfazer o negócio com a Fincor.»
«37. A 16 de outubro de 2015, às 15:27:03, o autor vende as obrigações em discussão nos autos à sua cliente City & Continental.»
«45. [Eliminado] ou subsidariamente corrigido para o facto com o seguinte teor:
Para confirmação e liquidação dos contratos negociados no chat da Bloomberg é emitido e confirmado um documento denominado trade ticket ou trade confirmation.
46. [Eliminado]»
c. Finalmente, deve ser aditado, como ponto 54, à decisão da matéria de facto a quo, por serem relevantes e resultarem provados, os factos alegados nos artigos 182.º e 183.º da contestação da Fincor, cujo teor corresponde à confissão de que, em 22 de Outubro de 2015, a Ré interpelou a Wave Securities LLP «para que esta cumprisse a venda dos 2 (dois) milhões de Obrigações Argentinas ocorrida em 16.10.2015 (…) tendo salientado que caso viesse a incorrer em quaisquer danos os mesmos seriam imputados à Wave Securities», os quais foram expressamente aceites para não mais serem retirados pelo Baader Bank nos termos do artigo 465.º, n.º 2, do CPC e estão provados documentalmente (Doc.s n.º 12 a 14 da contestação), devendo ser-lhe dada a redação proposta nas presentes alegações e que constam do Anexo I às mesmas, que ora se reproduz:
«Em 22 de outubro de 2015, por email e por carta, a Ré Fincor informou que, segundo o seu registo, a Wave Securities tinha incumprido o contrato de compra e venda de 2.000.000 obrigações pelo preço de 1.640.000,00 Eur, celebrado em 16.10.2016 e com data de liquidação em 20.10.2016, e interpelou a mesma para o cumprimento do contrato até o dia 26 de outubro seguinte, sob pena de reservar o direito de apresentar a matéria no regulador responsável e de reclamar no tribunal todos os danos e prejuízos que resultarem do incumprimento».
12. Ora, aplicando o direito aos factos considerados provados na decisão a quo e ainda aos pontos concretos de facto que foram objeto de impugnação no capítulo II.2 das presentes alegações (embora, mesmo sem estes, o sentido da decisão a quo devesse conduzir à conclusão que ora se retira), nomeadamente de acordo com as regras de interpretação dos contratos e que regulam a eficácia das declarações negociais (artigos 236.º, 224.º, 228.º 230.º e 235.º do CC), não há nenhuma dúvida de que houve uma proposta completa, precisa, firme e formalmente adequada da parte da Fincor de venda para revenda a terceiro de dois milhões de obrigações argentinas ao preço firme de 82% do valor nominal de um euro, que o Baader Bank aceitou entre as 15:25:49 e as 15:26:00 do dia 16 de outubro de 2015, formando-se o Contrato entre as partes, sendo que a Fincor ainda reitera a aceitação da aceitação às 15:26:11 (cfr. factos dados como provados nos pontos 12 a 15, maxime ponto 14 da decisão sobre a matéria de facto e Doc.s n.º 8 e 9 juntos com a p.i. e Doc. n.º 7 junto com a contestação).
13. Resulta igualmente da aplicação do direito aos factos provados, pelos mesmos fundamentos indicados, que, em simultâneo, o Baader Bank estava a negociar com o seu cliente City &Continental a venda das mesmas obrigações, tendo emitido uma proposta completa, precisa, firme e formalmente adequada às 15:26:59, imediatamente após a conclusão do Contrato entre Baader Bank e Fincor, proposta essa que a City & Continental aceitou às 15:27:03 do dia 16 de outubro de 2015, formando-se contrato subsequente também entre as referidas partes (cfr. pontos de facto 26 a 31 da decisão da matéria de facto a quo, com a redação ora reclamada, bem como teor do Doc. n.º 9 junto com a p.i.).
14. A conclusão de que houve Contrato entre Fincor e Baader Bank é claramente corroborada por três elementos: (a) o comportamento contemporâneo do Baader Bank, expresso no diálogo com a City & Continental, o qual evidencia que o Baader Bank se considerou vinculado pelo contrato celebrado pela Fincor, pois de outro modo não teria apresentado proposta firme à City & Continental; (b) o comportamento contemporâneo da Fincor, expresso no diálogo com a Wave Securities, o qual mostra que a Fincor quis apresentar proposta firme ao Baader Bank e que tinha vontade em ficar vinculada; (c) o comportamento subsequente das partes após a celebração do negócio demonstra que SP…, do Baader Bank, e NG…, da Fincor, estavam os dois plenamente conscientes de que tinham concluído um contrato.
15. Em particular, NG… pede várias vezes a SP… para cancelar ou desfazer o negócio (cfr teor do Doc. n.º 9 junto com a p.i.). Ora, para qualquer declaratário normal e razoável, ainda para mais com a experiência e conhecimentos técnicos elevados na área profissional em causa, somente faz sentido pedir para «desfazer» ou «cancelar» um negócio se e na medida em que o mesmo tenha sido celebrado, bem como somente faz sentido a reação de desespero, pânico, dificuldade, assunção de culpa em que NG… ficou por não ter os títulos para entregar se existisse, como existia, uma obrigação contratual de entregar as obrigações.
16. Por seu turno, igualmente só faz sentido o Baader Bank ter tentado contactar o seu cliente City & Continental a pedir para cancelar o negócio, inclusive pondo em contacto a Fincor com a City & Continental para o mesmo efeito, se as partes considerassem que tinham sido celebrados dois contratos, um entre a Fincor e o Baader Bank e outro subsequente entre o Baader Bank e a City & Continental (ponto 32 da decisão da matéria de facto e docs. n.º 8 e 9 juntos com a p.i. e doc.s n.º 7 e 12 a 14 juntos com a contestação).
17. Do ponto de vista jurídico, não há, no caso, direito de arrependimento ou de revogação unilateral de contratos; a revogação do contrato pressuporia um acordo entre as partes que, no caso, não ocorreu.
18. Não há também dúvida de que, de acordo com o princípio geral fixado expressamente no artigo 219.º do CC e atenta a ausência de regulamentação específica no CVM, no Cod Com ou CC quanto à forma de negócios de compra e venda de valores mobiliários fora de mercado regulamentado, o contrato de compra e venda das obrigações em questão é livre quanto à forma legal e válido e eficaz apenas com base nas declarações negociais emitidas, por escrito, no Instant Bloomberg, plataforma que garante a imodificabilidade das declarações.
19. Inexistindo qualquer forma convencional, que nem foi alegada ou provada, e de acordo com factos públicos e notórios e as regras da experiência, o trade ticket, Vcon e/ou trade confirmation constituem, como aliás, o nome indica mera confirmação dos elementos do negócio para efeitos de registo interno e de envio à contraparte para liquidação e cumprimento das operações realizadas.
20. Deste modo, resulta inequívoco que as partes celebraram Contrato que se qualifica como compra e venda comercial de valores mobiliários entre intermediários financeiros (Fincor e Baader Bank) para revenda a terceiro (City & Continental), ao qual, na falta de disposições especiais no CVM, se aplicam o Cód Com e o CC, nomeadamente o artigo 467.º do Cód. Com que permite a compra e venda comercial de bens alheios como válida, ficando o vendedor obrigado a adquirir validamente e a fazer a entrega ao comprador, sob pena de responder por perdas e danos. b. A Fincor é responsável perante o Baader Bank pelos danos causados pelo incumprimento do contrato, no valor de 534.310,00 Euros
21. Quanto à segunda questão relevante, nomeadamente a de saber se e em que termos é devida indemnização pelo incumprimento contratual da Fincor, demonstrou-se nas presentes alegações ter havido incumprimento contratual culposo pela Fincor ao não adquirir nem entregar as Obrigações ao Baader Bank, que, por sua vez, tinha de as entregar na mesma data à respetiva contraparte City & Continental.
22. Com tal incumprimento, a Fincor causou danos ao Baader Bank, que teve de suportar os custos da recompra a que procedeu para poder entregar as obrigações à sua contraparte City & Continental, pelo que estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual necessários para existir obrigação de indemnização pela Fincor.
23. As operações realizadas pelo Baader Bank para comprar no mercado as obrigações argentinas que a Fincor não entregou estão documentalmente evidenciadas (cfr. docs. n.º 27 a 29 juntos com a p.i) e foram corroboradas através do depoimento da testemunha DT… que, ao contrário do que foi julgado em primeira instância, está em condições plenas de poder confirmar a existência das referidas transações mediante os respetivos registos, que são da sua responsabilidade (Ficheiro áudio 20181212135446_17841428_2871029, relativo à sessão de audiência de 12 de dezembro de 2018, minutos 00:16:32 a 00:22:24 e 00:36:39 a 00:39:16)92.
24. No que se refere à questão da responsabilidade contratual da Fincor pelos danos causados ao Baader Bank, impugnam-se alguns pontos concretos da matéria de facto que foram, imprecisa, incompleta ou erradamente, julgados, tendo-se demonstrado, com base nos elementos de prova produzida nos autos – essencialmente documental e também testemunhal –, bem como nas regras da experiência comum, os fundamentos e o teor que se entende deverem ser considerados nos pontos de facto ora em questão, nomeadamente os seguintes:
a. Deve ser alterado o teor do ponto 35 dos factos provados incluídos na decisão sobre a matéria de facto, o qual, embora corresponda parcialmente à verdade, encontra-se imprecisamente julgado, devendo o mesmo ser substituídos pelos pontos 35, 35.º-A e 35.º-B, cuja redação consta dos termos explicitados nas presentes alegações e constantes do Anexo I às mesmas, e que ora se reproduz:
No dia 20 de outubro de 2015, o Baader Bank enviou à Fincor a carta que constitui o doc. n.º 11 junto com a p.i., na qual notificou a Fincor da existência de uma situação de incumprimento e interpelou a Fincor para proceder à entrega das obrigações, sob pena de a posição poder ser comprada por conta e risco da Fincor, ficando a cargo desta diferenças de preço, encargos potenciais, multas, etc.
Facto a aditar como ponto 35.º-A:
Nesse mesmo dia, a Fincor respondeu ao Baader Bank, informando que não reconhecia o negócio referido, nos termos que resultam do doc. n.º 12 junto coma p.i.
Facto a aditar como ponto 35.º-B
No dia 21 de outubro de 2015, o Baader Bank escreveu novamente à Fincor, declarando que após o decurso do prazo fixado para que este procedesse à entrega das obrigações, o Baader Bank poderia proceder ao buy-in, i.e., à recompra dos títulos por conta da Fincor, imputando-lhe quaisquer danos, diferença de preço, multas, nos termos que resultam do doc. n.º 14 junto com a p.i.
b. Deve ser acrescentado, como ponto 34-A da decisão da matéria de facto, um facto relativo à falha de liquidação da transação realizada em 16.10.2015 entre Baader Bank e City & Continental, na data de liquidação, em 20.10.2015, pelo primeiro em relação à segunda, por força da falha de liquidação por parte da Fincor da transação previamente realizada com o Baader Bank no mesmo dia, o qual foi alegado, mas não consta nem dos «factos provados» nem dos «factos não provados» da decisão sobre a matéria de facto e que deverá constar dos factos provados nos termos explicitados nas presentes alegações e constantes do Anexo I às mesmas, que ora se reproduz:
Facto a aditar como ponto 34.º-A
No dia 20 de outubro de 2015, o Baader Bank também tinha de entregar à City & Continental as obrigações que comprara à A. e deveria ter recebido da Fincor nesse mesmo dia, mas, como a Fincor não as entregou, o Baader Bank também não as entregou ao seu cliente, a City & Continental.
c. Com maior relevância, devem ser aditados como pontos 55 a 60 da decisão sobre a matéria de facto os constantes dos pontos 1 a 6 dos «factos não provados» da mesma, com a redação retificada de acordo com o que foi alegado na p.i., por, contrariamente ao que se considerou na decisão a quo, o seu teor resultar claramente provado nos autos, por prova documental (Docs. n.º 27, 28 e 29, bem como ainda 21 e 22 juntos com a p.i.) corroborada por depoimento da testemunha DT… (Ficheiro áudio  20181212135446_17841428_ 2871029, minuto 00:16:32 a 00:22:24 e 00:36:39 a 00:39:16)93 que, contrariamente ao que foi decidido na primeira instância, confirmou que interveio e teve conhecimento dos factos em questão, indo, por isso, a decisão impugnada nestes pontos e devendo os mesmos ser julgados como provados nos termos explicitados nas presentes alegações e constantes do Anexo I às mesmas, que ora se reproduzem:
«55. No dia 23 de outubro de 2015, o Autor recomprou 119.000 obrigações pelo preço de 94,00% do respetivo valor nominal, correspondente ao valor total de 111.860,00 Euros, as quais entregou à sua contraparte, a C&C, tendo sofrido um dano de 14.280,00 Euros correspondente à diferença entre o preço acordado entre ele e a Ré e o preço a que o Autor recomprou as obrigações».
«56. No dia 14 de janeiro de 2016, o Autor recomprou 133.000 obrigações pelo preço de 105% do respetivo valor nominal, correspondente ao valor total de 139.650,00, tendo sofrido um dano de 30.590,00 Euros correspondente à diferença entre o preço acordado entre ele e a Ré e o preço a que o Autor recomprou as obrigações. Embora se tenha disponibilizado para entregar de imediato as 133.000 obrigações à C&C, esta não aceitou de imediato, por estar a solucionar situação análoga com a sua contraparte».
«57. A C&C vendeu as obrigações à Exotic Partners LLP e esta vendeu a outrem, a Spinnaker Capital, Ldt..»
«58. No dia 15 de janeiro de 2016, uma das contrapartes na cadeia de contratos celebrados na sequência dos factos objeto destes autos, a Spinnaker Capital Ldt., procedeu à recompra no mercado de um lote de 1.881.000 obrigações emitidas pela República da Argentina sob o n.º 2009-3, ISIN DE0003045357 que estavam em falta tendo depois feito repercutir os custos que teve com a mesma na sua contraparte vendedora, a Exotic Partners, LLP a qual, por sua vez, fez repercutir os custos em que incorreu na sua contraparte vendedora, a C&C, a qual, por sua vez, também fez repercutir os custos que teve junto do autor, a sua contraparte vendedora.»
«59. Foi deste modo que o Autor procedeu à recompra do lote de 1.748.000 obrigações que lhe faltavam para cobrir a falha de liquidação física junto da C&C.»
«60. No dia 1 de fevereiro de 2016 o Autor assumiu a posição na recompra pela C&C de 1.748.000 obrigações em questão pelo preço líquido de 110,00% do respetivo valor nominal correspondente ao valor total de 1.922.800,00 euros, as quais haviam sido recompradas a 15 de janeiro de 2016 pela Spinnaker Capital Ldt para solucionar a questão emergente dos factos em discussão nos autos.»
25. A correspondência eletrónica trocada entre as partes constante dos Docs. n.º 27 a 29 juntos com a p.i. referidos está assinada por representantes das mesmas (além de endereçada a e remetida por emails de representantes e funcionários das partes), não tendo sido impugnados quanto à veracidade da assinatura ou genuinidade, sendo por isso documentos particulares assinados e tendo a força probatória consagrada no artigo 376.º do CC, fazendo prova plena das declarações neles atribuídas aos seus autores.
26. Acresce que não é credível que as partes e contrapartes em questão enviassem os respetivos documentos particulares assinados e com documentos comprovativos dos negócios, os quais se celebram sem especial forma legal, sem que os mesmos existissem, especialmente quanto estão em causa intermediários financeiros reputados e com níveis de confiança e diligência elevados no mercado.
27. Decorre, assim, da aplicação do direito aos factos concretos que devem ser considerados provados, e contrariamente ao julgamento no Tribunal a quo, que, ao não adquirir e entregar as obrigações ao Baader Bank na data de liquidação da operação em 20.10.2015, a Apelada Ficor incumpriu culposamente a sua obrigação, constituindo-se em mora e na obrigação de reparar os danos causados ao credor nos termos do artigo 804.º do CC.
28. O Baader Bank, através do envio de carta de interpelação para cumprir com a obrigação de entrega até 22.10.2015, sob pena de proceder à recompra das obrigações para entregar à sua contraparte, convolou a mora em incumprimento definitivo, o qual é culposo, não apenas porque a Fincor sabia que tinha celebrado um negócio para revenda a terceiro e que o incumprimento contratual definitivo ia causar danos ao Baader Bank, além de que sempre vigora a presunção de culpa prevista no artigo 799.º, n.º 1, do CC, relativamente à qual não houve prova em contrário.
29. Uma vez convolada a mora em incumprimento definitivo da Fincor e optando o Baader Bank por reclamar indemnização pelo incumprimento do contrato, o mesmo ficou desonerado da sua contraprestação, ou seja, da obrigação de pagar o preço.
30. De acordo com a lei (artigos 562.º e ss do CC) e a doutrina citadas, o direito do Baader Bank à indemnização pelos danos causados pela Fincor com o respetivo incumprimento contratual, podendo o credor, segundo entendimento defendido na doutrina citada, «avaliar o seu prejuízo pela diferença entre o valor da prestação que deveria ter recebido e o valor da contraprestação que deveria ter realizado (ou que se vê restituída) […]»94.
31. O cálculo do dano deve corresponder à diferença entre o preço total da recompra das obrigações (no montante de 111 860,00 Euros +139 650,00 Euros +1 922 800,00 Euros = 2 174 310,00 Euros) e o preço acordado com a R. no Contrato inicial (1.640.000,00 Euros) – cfr. Docs. n.º 31 e 32 juntos na p.i. – o que dá um total de 534 310,00 Euros (quinhentos e trinta e quatro mil, trezentos e dez euros), montante ao qual devem acrescer os respetivos juros de mora comerciais desde a data em que a mesma deveria ter sido paga (i.e., 19 de fevereiro de 2016 – cfr. Doc. n.º 29 junto com a p.i.).
32. Não há dúvida de que o referido prejuízo só existiu porque existiu o incumprimento contratual culposo da Fincor, a qual foi, aliás, informada de todos os procedimentos, sem que tenha participado ou agido no sentido de mitigar os danos causados, e que do incumprimento contratual pela Fincor era previsível e adequado que o Baader Bank tivesse de entregar as obrigações à sua contraparte que, por sua vez, tinha de entregar as Obrigações à respetiva contraparte e assim por diante na sequência de compras e vendas a que o negócio celebrado entre Fincor e Baader Bank deu lugar.
Termos em que deve ser revogada a sentença de primeira instância proferida pelo Tribunal a quo e ser substituída por Acórdão que julgue a presente ação totalmente procedente e, em consequência, condene a Ré, ora apelada no pagamento do total de 534.310,00 Euros (quinhentos e trinta e quatro mil, trezentos e dez euros), montante ao qual devem acrescer os respetivos juros de mora comerciais vencidos e vincendos contados desde 20 de fevereiro de 2016 até à data do efetivo e integral pagamento.
A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação do autor.
Colhidos os vistos[3], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[4]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por BAADER BANK AKTIENGESELLSCHAFT, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.)  Reapreciação da decisão de facto.
2.)  Formação de um contrato de compra e venda entre as partes.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. O Baader Bank é um banco de investimento de direito alemão com sede em Unterschleissheim que tem como principal atividade a prestação de serviços bancários e financeiros.
2. O Baader Bank tem vasta experiência na negociação e transação de valores mobiliários, sendo líder no mercado das sociedades corretoras em Frankfurt é membro diversas bolsas[5] de valores alemãs e europeias e tem acesso através da sua rede às bolsas de valores de Nova Iorque, Tóquio e Singapura.
3. A Fincor, agora Patris – Sociedade Corretora SA[6], é uma sociedade de direito português com sede em Lisboa, constituída em 1992, integrada no grupo Patris Investimentos, levando a cabo o exercício de atividades legalmente consentidas às sociedades corretoras nos termos do DL nº 262/2001, desenvolvendo a sua atividade quer com clientes institucionais, quer com clientes particulares.
4. A Ré é um intermediário financeiro, vendendo e comprando para terceiros, facto que era do conhecimento do Autor.
5. As obrigações emitidas pela República da Argentina sob o nº 2009 – 3, ISIN DE0003045357 estão depositadas junto da Clearstream Bank AG, Frankfurt, na Alemanha.
6. O terminal Bloomberg é um sistema informático que disponibiliza a profissionais financeiros[7] e de outras áreas o serviço Bloomberg Professional que consiste numa plataforma através da qual aqueles podem aceder, em tempo real, a dados, notícias e informação sobre os mercados e transações de modo a possibilitar decisões de negócio mais rápidas, adequadas e informadas. bem como celebrar contratos de forma segura na plataforma comercial online.
7. A plataforma comercial online é um programa de software informático no qual os seus utilizadores podem transacionar instrumentos financeiros – ações, obrigações, outros instrumentos derivados, etc. – através de uma rede de intermediários[8] financeiros, tendo a particularidade de que podem fazê-lo de qualquer lugar[9] e virtualmente através de qualquer dispositivo em oposição ao que sucedia no tradicional “floor trading”.
8. A referida plataforma comercial online Bloomberg inclui uma ferramenta tecnológica, um serviço de mensagens instantâneo, o Instant Bloomberg, que permite manter um registo duradouro e imodificável de todas as declarações emitidas pelas partes.
9. As pessoas intervenientes na indicada plataforma são profissionais e atuam em nome e em representação de um intermediário financeiro.
10. O Autor e a Ré tinham celebrado outras transações anteriores pelo Instant Bloomberg.
11. No dia 16 de outubro de 2015 NG…, operador de vendas da Ré foi contactado[10] por RL… da Waver Securrities[11] que lhe propôs para venda dez milhões de obrigações emitidas pelo Estado Argentino.
12. NG…, através do indicado chat da Bloomberg, procurou encontrar comprador para as mesmas.
13.Pelas 14:44:24 do dia acima indicado SP…, empregado do Autor, indicou estar interessado em 2 milhões das indicadas obrigações para um terceiro, seu cliente.
14. Pelas 15:25:49 do dia acima indicado SP… aceitou a oferta que NG… lhe[12] fez pelas 15:11:52 de venda das obrigações com o valor líquido de 81,50, acrescendo 0,50 de comissão a dividir pelos dois.
15. Pelas 15:26:11 NG… escreveu no indicado chat “obrigado feito”.
16. Pelas 15:27:19 SP… respondeu “boa”,
17. Pelas 15:27:25 NG… escreveu “mmm obrigado”.
18. Pelas 15:28:41 SP… escreveu no chat “ok, compramos 2 milhões @82. Registamos os 82 líquidos correcto?”
19. NG… respondeu “mm pf S…” às 15:30:17.
20. Às 15:34:55 SP… respondeu “como é que divides a comissão”
21. NG… pelas 15:35:32 respondeu “será metade meu caro mas mm pf estou aqui com um probl” e pelas 15:41:56[13] “s… estou só à espera do ok ele colocou firme e agora já não atende mom mais peço[14] muita desculpa mm mais, desculpa o atraso.” E pelas 15h42:39 “mm mais”.
22. SP… respondeu pelas 15H43:21 “ok espero que ele atenda depressa Disse a nosso cliente que fechámos.”
23. NG… era funcionário da Ré exercendo funções de operador de vendas no mercado de divisas, nos mercados monetários e instrumentos de rendimento fixo (sales trader/ Money markets/fixed income), informação visível para quem com ele comunica na plataforma Bloomberg.
24. NG…, enquanto empregado da Ré, e em nome e por conta desta, já tinha celebrado com o Autor outros negócios relativos a transações mobiliárias anteriores.
25. Tais transações não foram postas em causa pela Ré.
26. Em simultâneo com a conversação acima indicada com a Ré, e como é prática habitual na atividade profissional das partes e mesmo a pedido da última, o Autor estava em negociações pela mesma via do Instant Bloomberg com um terceiro, seu cliente, para a subsequente venda das obrigações em questão.
27. A Ré sabia que o Autor compraria as obrigações para as revender a um terceiro, seu cliente.
28. Através do seu empregado AH… o Autor estava em linha com AA…, a exercer funções na City & Continental LLP no Instant Bloomberg tendo acordado na transação tendo por objeto os dois milhões de obrigações que NG… e SP… estavam a transacionar.
29. AA… deu o seu acordo para a compra das obrigações pelas 15h27:25 (“Compro dois milhões DE 000 3045357”) depois[15] de às 15h26:59 AH… lhe ter confirmado a conclusão do negócio que NG… e SP… estavam a realizar.
30. A City & Continental LLP é uma sociedade de direito inglês com sede em Londres, operando no mercado de obrigações, empréstimos e forfaiting baseado no LIBOR.
31. AH… apenas aceitou vender as 2 000 000 obrigações emitidas pela República da Argentina com o ISIN DE 0003 045 357 à C&C após SP… lhe ter confirmado que o negócio com a Ré tinha sido celebrado, tendo esta aceite o volume e o preço das obrigações.
32. NG… procurou desfazer o negócio junto das contrapartes, mas as mesmas não aceitaram.
33. O negócio entre NG… e SP… teve lugar fora do mercado regulamentado (“over-the-counter”, OTC).
34. No dia 20 de outubro de 2015 data da liquidação física do negócio a Ré não entregou ao Autor as obrigações em discussão nos autos.
35. O Autor contactou a Ré para obter as obrigações, mas esta negou a existência do contrato e de qualquer dever de proceder a tal entrega.
36. Apesar da insistência do Autor, procurando resolver extrajudicialmente o dissídio, a Ré não procedeu a tal entrega em momento algum, negando a existência do negócio.
37. A 16 de Outubro de 2015 o Autor vende as obrigações em discussão nos autos, à sua cliente City and Continental.
38. O buy in é um procedimento de recompra utilizado no mercado regulamentado quando há uma falha de liquidação física, ou seja, uma falta de entrega de título.
39. As obrigações em discussão nos autos são de liquidez reduzida.
40. A Autora disse à Ré que ia realizar a recompra das obrigações na troca de correspondência mantida.
41. A Autora recebeu da C&C uma carta com informações que tomou como boas atinentes à recompra e obrigações por parte daquela entidade.
42. No dia 4 de fevereiro de 2016 a Autora enviou à Ré documentação relativa ao procedimento de recompra de 2 000 000 obrigações e o cálculo do custo por si suportado.
43. No dia 11 de fevereiro de 2016 a Autora enviou uma carta à Ré interpelando-a para proceder ao pagamento de danos decorrentes de incumprimento contratual que lhe imputou, correspondente ao valor que alegou ter despendido na recompra das 2 000 000 obrigações, no valor de € 534 310, 00 até ao dia 19/02/2016.
44. A Ré não respondeu, nem procedeu a qualquer pagamento nos termos acima solicitados.
45. A realização dos contratos negociados no chat da Bloomberg implica a emissão e confirmação de um documento denominado Trade ticket.
46. O que o chat da Bloomberg permite é a divulgação de interesses de compra e de venda pelos diversos intervenientes.
47. A Ré, sendo uma sociedade de intermediação financeira, não tem nem pode ter carteira própria, dependendo da decisão do cliente.
48.Emitido e aceite o trade ticket é ele que é enviado para os escritórios de apoio (backoffice) departamento que se encarrega de executar as transações constantes dos trade tickets.
49. Em negócios anteriores entre o Autor e a Ré foram emitidos e aceites trade
tickets.
50. O Autor emitiu o trade ticket no caso sub iudice, tendo a Ré rejeitado o mesmo.
51. A prática comum de mercado em títulos altamente ilíquidos, como as obrigações argentinas em causa, é a de haver muito espaço de manobra e compreensão quando as transações não acontecem, o que sucede com alguma frequência.
52. As instituições com experiência reconhecem o risco elevado de negociar tais títulos e a falha mais habitual é a de liquidação, com as contrapartes a serem incapazes de entregar os títulos.
53. O trade ticket existe na plataforma Bloomberg sendo conhecido como “vcon”.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS
1. No dia 23 de outubro de 2015 o Autor recomprou 119 000 obrigações pelo preço de 119 000 obrigações, tendo sofrido um dano comercial de 97 580,00 euros correspondente à diferença entre o preço acordado entre ele e a Ré e o preço de mercado a que aquela teve de recomprar estas obrigações.
2. No dia 14 de janeiro de 2016 o Autor recomprou 133 000 obrigações pelo preço de 105,00%, correspondente ao valor total de 139 650,00. Embora se tenha disponibilizado para entregar de imediato as 113 000 obrigações à C&C, esta não aceitou de imediato, por estar a solucionar situação análoga com a sua contraparte.
3. A C&C vendeu as obrigações à Exotic Partners LLP e está terá vendido a outrem, a Spinnaker Capital Lta.
4. No dia 15 de janeiro de 2016 uma das contrapartes da cadeia de contratos celebrados na sequência dos factos objeto destes autos, a Spinnaker Capital Lta, procedeu à recompra no mercado de um lote de 1881000 obrigações emitidas pela República da Argentina sob o nº 2009-3, ISIN DE000304 5357 que estavam em falta tendo depois feito repercutir os custos que teve com a mesma na sua contraparte vendedora a Exotic Partners, LLP a qual, por sua vez, fez repercutir os custos em que incorreu na sua contraparte vendedora, a C&C, a qual, por sua vez, também fez
repercutir os custos que teve junto do Autor, a sua contraparte vendedora.
5. Foi deste modo que o Autor procedeu à recompra do lote de 1 748 000 obrigações que lhe faltavam para cobrir a falha de liquidação física junto da C&C.
6. No dia 1 de fevereiro de 2016 o Autor assumiu a posição na recompra pela C&C de 1748 000 obrigações em questão pelo preço líquido de 110,00% do respetivo valor nominal correspondente ao valor total de 1 922 800,00 euros, as quais haviam sido recompradas a 15 de janeiro de 2016 pela Spinnaker Capital Ldt, para solucionar a questão emergente dos factos em discussão nos autos.
7. A ser verdadeiro o buy in o mesmo aumentou acentuadamente os danos do Autor que, até então, tinham sido apenas de imagem.
8. O Autor teve custos com serviços jurídicos prestados por advogados alemães no valor de €4232, 59.
9. Um representante do Autor esteve em Portugal em 21 de janeiro de 2016 tendo despesas de deslocação no valor de €868, 98.
2.3. O DIREITO
Importa, pois, conhecer do objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso.           
1.) REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
O Código de Processo Civil de 1939 estabelecia como regra a inalterabilidade da decisão do tribunal coletivo sobre a matéria de facto constante do questionário. Solução que, podendo ser criticada (por, eventualmente, cercear excessivamente as garantias de um bom julgamento), tinha, todavia, uma justificação lógica e cabal: na verdade, não havendo redução a escrito das provas produzidas perante o tribunal coletivo, não podia a Relação controlar o modo como o mesmo coletivo apreciara essas provas[16].
Para que possa ser atendido neste tribunal a divergência quanto ao decidido em 1ª instância na fixação da matéria de facto, deverá ficar demonstrado pelos meios de prova indicados pelo apelante, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo, e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre.
Na realidade, tem que se ter presente, que no âmbito do julgamento em processo civil rege o princípio da livre apreciação das provas, sem prejuízo da observância de formalidade especial para a existência ou prova de um determinado facto, pese embora seja exigível que o julgador decida segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas - art. 640º, nº 1, als. a), b) e c), do CPCivil.
A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso[17].
Ele tem de especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida[18].
A apelante nas suas alegações ao impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, cumpriu os ónus de especificação/ identificação a que se referem os nºs 1 e 2, do art. 640º, do CPCivil.
Factos adicionais resultantes dos documentos nºs 8 e 9, juntos com a petição inicial e 7, junto com a contestação
A apelante entende que “Deve ser dado como provado o teor integral das declarações negociais expressas pelas partes no Instant Bloomberg constante dos Docs. n.º 8 (conversa entre Fincor e Baader Bank) e 9 (conversa entre Baader Bank e City & Continental) juntos com a p.i. e Doc. n.º 7 (conversa entre Fincor e Wave Securities) junto com a contestação, por resultar provado nos autos quer pelos próprios documentos, que conforme resultou também provado, foram proferidos no Instant Bloomberg que permite manter um registo duradouro e imodificável das declarações das partes (ponto 8 dos factos provados), por não ter sido impugnado na sua genuinidade pelas partes e, muito pelo contrário, por terem sido aceites por ambas as partes, e corroborados pelos depoimentos das testemunhas que neles intervieram e que os confirmaram em audiência de julgamento, resultando desses documentos outros factos relevantes para além dos factos considerados provados nos pontos 11 a 22 da decisão da matéria de facto, de que ora se recorre – devendo, por isso, ser aditados os pontos 11.º-A, 22.º-A e 26.º-A”.
Deverão assim, ser aditados os seguintes factos:
- No dia 16 de outubro de 2015, NG…, representante da Fincor, e RL…, representante da Wave Securities, emitiram as declarações negociais no Instant
Bloomberg que constam do Doc. n.º 7 junto com a contestação
- No dia 16 de outubro de 2015, NG…, operador de vendas da Fincor, e
AH…, emitiram as declarações negociais no Instant Bloomberg que constam do
Doc. n.º 8 junto com a p.i. a fls. 286 e seguintes do processo.
- No dia 16 de outubro de 2015, AH…, do Baader Bank, e AA…, da City & Continental, à qual se juntaram, a partir das 16:21:09, também SP… do Baader Bank e, a partir das 15:37:14, RS… da City & Continental,
emitiram as declarações negociais que constam do Doc. n.º 9 junto com a p.i. a fls. 298 e ss
do processo.
Por seu lado, a apelada entende em relação ao aditamento destes factos “não pode aditar-se o ponto 26-A pretendido pelo Apelante dado que o mesmo não resultou provado nos termos em que o mesmo pretende nem o Doc. 09 junto com a PI foi aceite pela Apelada, tendo, pelo contrário, sido impugnado para todos os efeitos legais”.
Vejamos a questão.
O tribunal a quo deu como provado que:
- A plataforma comercial online Bloomberg inclui uma ferramenta tecnológica, um serviço de mensagens instantâneo, o Instant Bloomberg, que permite manter um registo duradouro e imodificável de todas as declarações emitidas pelas partes (facto provado nº 8).
Em primeiro lugar, a apelada impugnou o documento 9, junto pela apelante com a petição inicial (art. 146.º da contestação).
Em segundo lugar, ao dizer-se que as testemunhas emitiram as declarações constantes dos documentos, está-se a dizer que as mesmas os subscreveram.
A apresentação do documento contém em si, expressa ou implicitamente, a afirmação de que provém da pessoa a quem é imputado. Uma vez estabelecida a veracidade da subscrição do documento particular pela pessoa a quem é atribuído, dela resulta a veracidade do respetivo conteúdo: o documento particular faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor (art. 376-1 CC) [19].
Ora, os documentos 8 e 9, juntos com a petição inicial, e 7, junto com a contestação, são “listagens” do serviço de mensagens, Instant Bloomberg, os quais, por não provirem das testemunhas a quem são imputados, não podem fazer prova plena das declarações destas.
Só caso as testemunhas tivessem subscrito tais documentos, é que se poderia dizer que emitiram tais declarações.
Autor do documento é quem o escreve (o “autor da letra” a que se refere o art. 374º CC, que exige que, no caso de impugnação, ela seja provada) ou manda escrever[20].
É que são coisas diferentes, uma, o registo do serviço de mensagens, outra, que as testemunhas emitiram tais declarações.
E foi isso que o tribunal a quo fez, confrontar as testemunhas com as declarações constantes de tais documentos (NG… explicou ao Tribunal recorrendo à transcrição da conversa que teve com SP… o modo como foram negociando; resulta das conversas transcritas, foi-lhe pedido um momento (através das abreviaturas mm e mmm – que, ainda que a testemunha tenha dito não saber o que significam – não pode ter outro sentido, atendendo ao contexto em que surgem – in fundamentação da sentença recorrida), e assim dar como provados os factos nºs 12 a 22, 28 e 29.
Agora, não se pode é dizer que as testemunhas emitiram as declarações constantes dessas listagens, quando os documentos não lhes são imputados, mas ao serviço de mensagens, Instant Bloomberg.
Assim sendo, porque não se pode dizer que as testemunhas emitiram as declarações constantes dos documentos 8 e 9 juntos com a petição inicial, e 7 junto com a contestação, não há que aditar à matéria de facto os pontos 11.º-A, 22.º-A e 26.º-A, como pretende a apelante.
Destarte, improcede, nesta parte, a conclusão 11-a, da apelação.
Factos incorretamente julgados (pontos 29, 32, 37, 45 e 46)
A apelante entende que “Os factos julgados provados nos pontos 29, 32, 37, 45 e 46 estão, nalguns casos, imprecisamente, noutros casos, incorretamente julgados na decisão de primeira instância e, noutros ainda contêm matéria de direito ou conclusiva, devendo os mesmos ser alterados”.
Vejamos a questão.
Factos provados nºs 29 e 37
A apelante entende que “os mesmos contêm imprecisões na medida em que não traduzem, fiel e integralmente, o que resulta provado do teor do Doc. n.º 8 junto com a p.i., em aspetos que são relevantes para a compreensão cabal e decisão do presente caso”.
A apelada, por sua vez, refere que “o ponto 29 dos factos provados não carece de qualquer correção dado que, a ser verdade que o Doc. 09 junto com a PI reproduz fielmente o que foi escrito pelos seus intervenientes, os mesmos contêm imprecisões na medida em que não traduzem, fiel e integralmente, e no que se refere ao ponto 37. também nada deve ser alterado ou acrescentado pois a decisão sobre a hora a que se celebrou um negócio como o negócio dos autos é conclusiva e matéria de direito na medida em que depende da interpretação do diálogo entre AH… e AA…”.
O tribunal a quo deu como provado que:
- AA… deu o seu acordo para a compra das obrigações pelas 15h27:25 (“Compro dois milhões DE 000 3045357”) depois de às 15h26:59 AH… lhe ter confirmado a conclusão do negócio que NG… e SP… estavam a realizar (facto provado nº 29).
 - A 16 de Outubro de 2015, o Autor vende as obrigações em discussão nos autos, à sua cliente City & Continental (facto provado nº 37).
Em relação ao facto provado nº 29, como se verifica pela análise do documento 9, junto com a petição inicial, o mesmo reproduz fielmente aquilo que foi escrito pelos intervenientes: “15h27:25 AA…: Compro dois milhões DE 000 3045357)”, pelo que, nesta parte, nada há a alterar.
Quanto ao facto provado nº 37, não se pode concluir do documento 8, que o apelante tenha efetivado a venda das obrigações à City & Continental às 15:27:03, pois AA…, representante desta, só às 15:27:25, escreveu: “compro 2 milhões”.
Não se pode assim concluir, que a venda das obrigações à City & Continental tenha sido efetivada às 15:27:03.
Assim sendo, como o documento 8 não prova por si a hora da venda das obrigações, tal prova teria que ser feita ou complementada por outros meios de prova, pelo que não tendo sido feita, nesta parte, também nada há a alterar.
Facto provado nº 32
A apelante entende que “tal facto não traduz, fiel e integralmente, o que resulta do teor dos Docs. n.º 8 e 9, cujo teor, conforme referido, foi confirmado nos depoimentos das testemunhas SP…, AH… e NG…”.
A apelada, por sua vez, refere que “dos presentes autos não resulta que a City & Continental tenha vendido as obrigações em causa nem tão pouco que o tenha feito ao mesmo tempo”.
O tribunal a quo deu como provado que:
- NG… procurou desfazer o negócio junto das contrapartes, mas as mesmas não aceitaram (facto provado nº 32).
Quanto a este facto provado, além da apelada ter impugnado o documento nº 9, o mesmo não se mostra impreciso e desconforme, pois traduz o essencial, isto é, que “a apelada tentou desfazer o negócio junto das contrapartes, mas que estas não aceitaram”.
Por outro lado, a redação proposta pelo apelante traduz essencialmente o que está provado no facto (pedido para desfazer o negócio e sua não aceitação), pois a restante matéria não respeita a factos concretos, mas a suposições (“poderiam ter um custo muito superior que era a perda do cliente).
Assim sendo, nesta parte, também não há que alterar a redação do facto provado nº 32.
Factos provados nºs 45 e 46.
A apelante entende que “os pontos 45 e 46 da decisão da matéria de facto contêm matéria conclusiva e/ou de direito, insuscetível de constituir matéria de facto”.
O tribunal a quo deu como provado que:
- A realização dos contratos negociados no chat da Bloomberg implica a emissão e confirmação de um documento denominado Trade ticket (facto provado nº 45).
-  O que o chat da Bloomberg permite é a divulgação de interesses de compra e de venda pelos diversos intervenientes (facto provado nº 46).
Os factos provados só devem conter matéria de facto, devendo estar rigorosamente expurgados de tudo quanto sejam questões de direito: de tudo quanto envolva noções jurídicas. Os factos materiais que possam interessar a estas noções é que devem ser respondidos.
Por vezes o mesmo termo é usado na linguagem jurídica e na linguagem comum. Nas respostas à matéria de facto deve arredar-se o emprego desses termos. Quando tal lá figure algum deles, deve entender-se que foi tomado no seu sentido vulgar, pelo menos quando este seja bem claro e preciso[21].
É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças apuradas no mundo exterior, e é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.
O facto é um acontecimento ou circunstância do mundo exterior ou da vida íntima do homem, pertencente ao passado ou ao presente, concretamente definido no tempo e no espaço e como tal apresentando as características de objeto (designadamente, da alegação processual e da prova feita em juízo) [22].
A matéria de direito respeita à aplicação das normas jurídicas aos factos, à valoração feita pelo tribunal, de acordo com a interpretação ou a aplicação da lei e a qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica; o resultado dessa atividade é avaliado segundo um critério de correção ou de justificação[23].
É admissível a utilização, pelas partes nos articulados e pelo juiz na decisão de facto, de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litígio[24].
Tendo o tribunal a quo dado como provado que a “realização dos contratos negociados no chat da Bloomberg implica a emissão e confirmação de um documento denominado Trade ticket”, não integra matéria de direito, pois não se está a afirmar que a emissão do documento é uma suposta condição ou requisito para conclusão do negócio.
Ora, caso fosse dado como provado que o Trade ticket era uma condição/requisito para conclusão do negócio, é que tal poderia integrar matéria de direito, e não matéria de facto.
Não sendo manifestamente o caso dos autos, pois o que se provou, foi que a realização dos contratos negociados no chat implicam a emissão do Trade ticket, e não que é uma condição para conclusão do negócio.
Aliás, que a “a realização dos contratos negociados no chat da Bloomberg implicava a emissão e confirmação de um documento denominado Trade ticket”, e que “o Instant Bloomberg é uma plataforma de conversação”, foi referido pelas testemunhas MN…[25] e PN…[26] (questão diversa é quando são emitidos, e quando se considera concluído o contrato).
Assim, porque o facto nº 45, não enuncia uma suposta condição ou requisito para conclusão de contratos, e o facto nº 46, não se refere a uma suposta “limitação” da plataforma Instant Bloomberg, e por não serem conclusivos, nem conterem matéria de direito, não há que alterar as respostas dadas pelo tribunal a quo.
Aditamento à matéria de facto
A apelante entende que “por ser relevante para a interpretação das declarações negociais proferidas pelas partes no chat e, portanto, para a decisão do litígio, bem como por ter sido confessado pela própria Fincor, confissão que foi expressamente aceite pelo Baader Bank, e por estar provado por documentos, deve ser aditado o seguinte facto”:
- Em 22 de outubro de 2015, por email e por carta, a Ré Fincor informou que, segundo o seu registo, a Wave Securities tinha incumprido o contrato de compra e venda de 2 000 000 obrigações pelo preço de 1.640.000,00 Eur, celebrado em 16.10.2016 e com data de liquidação em 20.10.2016, e interpelou a mesma para o cumprimento do contrato até o dia 26 de outubro seguinte, sob pena de reservar o direito de apresentar a matéria no regulador responsável e de reclamar no tribunal todos os danos e prejuízos que resultarem do incumprimento, nos termos
contantes dos doc.s n.º 12, 13 e 14 juntos com a Contestação.
Questão a decidir, é se entre as partes foi celebrado um contrato de compra e venda de obrigações, e caso o tenha sido, eventuais prejuízos daí decorrentes.
Assim sendo, torna-se irrelevante saber se a apelada interpelou a Wave Securities para que esta cumprisse a venda dos 2 milhões de obrigações, pois o que interessa saber, é se concluiu um contrato de compra e venda com a apelante, e não que aquela tenha interpelado outrem para cumprir.
Temos, pois, que por ser irrelevante para decisão da causa, não se adita o facto pretendido pela apelante.
Facto incorretamente julgado (ponto 35)
A apelante alega que “o teor do facto 35 é verdadeiro, mas insuficiente e impreciso, e que deve ser substituído pelos factos 35, 35-A e 35-B”.
Assim, entende que devem ser aditados os seguintes factos:
- No dia 20 de outubro de 2015, o Baader Bank enviou à Fincor a carta que constitui o
doc. n.º 11 junto com a p.i., na qual notificou a Fincor da existência de uma situação de incumprimento e interpelou a Fincor para proceder à entrega das obrigações, sob pena de a posição poder ser comprada por conta e risco da Fincor, ficando a cargo desta diferenças de preço, encargos potenciais, multas, etc.
- Nesse mesmo dia, a Fincor respondeu ao Baader Bank, informando que não reconhecia o negócio referido, nos termos que resultam do doc. n.º 12 junto com a p.i..
- No dia 21 de outubro de 2015, o Baader Bank escreveu novamente à Fincor, declarando que após o decurso do prazo fixado para que este procedesse à entrega das obrigações, o Baader Bank poderia proceder ao buy-in, ie, à recompra dos títulos por conta da Fincor, imputando-lhe quaisquer danos, diferença de preço, multas, nos termos que resultam do
doc. n.º 14 junto com a p.i..
O tribunal a quo deu como provado que:
- O Autor contactou a Ré para obter as obrigações, mas esta negou a existência do contrato e de qualquer dever de proceder a tal entrega (facto provado nº 35).
Em primeiro lugar, a apelada impugnou o conteúdo dos documentos 11 a 14 (art. 99º, da contestação), e em segundo lugar, o que apelante pretende com os aditamentos já consta do facto provado (não reconhecimento do contrato e de qualquer dever de proceder à entrega das obrigações).
Como entende a apelada, com o que se concorda, “O que resulta provado é, pois, o que consta do facto 35 da decisão da matéria de factos e não mais do que isso pois os documentos cujo conteúdo o Apelante pretende transcrever para o elenco dos factos provados são, precisamente, a prova documental em que o tribunal a quo se baseou para considerar provado o facto 35”.
Acresce dizer, como o faz a apelada, “que expressões como “notificar para o incumprimento” e “a que estava vinculada” são expressões conclusivas e com conteúdo jurídico próprio que não podem constar do elenco dos factos provados”.
Assim sendo, não há que aditar os factos que a apelante pretende, pois mostra-se suficiente o facto dado como provado pelo tribunal a quo.
Aditamento à matéria de facto (facto 34º-A)  
A apelante entende que por “ser relevante para a boa decisão da causa e por ter sido alegado e resultar provado nos autos, deve ser aditado o seguinte facto”:
- No dia 20 de outubro de 2015, o Baader Bank também tinha de entregar à City & Continental as obrigações que comprara à A. e deveria ter recebido da Fincor nesse mesmo dia, mas, como a Fincor não as entregou, o Baader Bank também não as entregou ao seu cliente, a City & Continental.
A apelada, por sua vez, entende que “nada há a modificar na decisão da matéria de facto, nada há a acrescentar, na medida em que os documentos de que o Apelante se socorre não fazem a prova pretendida e na medida em que a única testemunha inquirida sobre o buy in o que fez foi enviar e receber emails”.
Em primeiro lugar, como a apelada impugnou o conteúdo dos documentos 9, 10, e 27 (arts. 153/154 e 158, da contestação), juntos com a petição inicial, não se pode extrair deles a conclusão pretendida pela apelante, de que houve uma compra e venda, pois para prova desta, bastaria a junção dos respetivos comprovativos de aquisição, ou, testemunhas que tivessem participado nesse processo de compra.
Em segundo lugar, a matéria que a apelante pretende aditar, é irrelevante para decisão da causa, nomeadamente, que tinha de entregar as obrigações que comprara e deveria ter recebido, e como não lhas entregaram, também não as pode entregar.
Como entendeu o tribunal a quo “o Autor não fez qualquer prova de ter efetivamente realizado a operação de recompra e muito menos com o custo que alega. É certo que as suas testemunhas se referiram ao buy in, mas nenhuma teve nele qualquer participação (como por elas mesmas foi dito). Os documentos juntos aos autos têm natureza particular, não atestando que aquilo que lá está descrito tem correspondência real. O facto de o Autor dizer que vai fazer o buy-in ou que já o fez ou que gastou determinado montante para comprar as obrigações não permite provar, desacompanhado de qualquer outro elemento de prova que tal sucedeu e que o montante gasto foi o indicado.   A Ré não admitiu tal facto, como resulta da análise da sua contestação. Não sendo um facto de que tivesse de ter conhecimento e atenta a natureza dos factos em discussão, os mesmos carecem de prova. O documento 20 é um regulamento comunitário. o documento 21 é um documento particular que por si só não faz prova de qualquer facto, pelos motivos acima expostos. O mesmo se diga dos documentos dos documentos juntos sob os nº 22 a 30. Pela sua natureza, tais documentos tinham de ser contextualizados por outra prova, para que o seu sentido pudesse ser apreendido de forma segura e sem margem para dúvidas se pudesse concluir nos moldes sustentados pelo Autor, o que não sucedeu.
Assim, não há que aditar o facto pretendido pela apelante, pois o mesmo não se tem por provado.
Factos incorretamente julgados (pontos 1 a 6 dos factos não provados)
A apelante entende que “quanto ao s factos não provados nos pontos 1 a 6, o julgamento dos mesmos está incorreto, dado que, contrariamente ao que se considerou na decisão a quo, o seu teor resulta claramente provado nos autos, por prova documental corroborada por prova testemunhal, indo, por isso, a decisão impugnada nestes pontos e devendo os mesmos ser julgados como provados”.
A apelada, por sua vez, entende que “os documentos de que o apelante se pretende socorrer não fazem a prova pretendida e a única testemunha inquirida sobre o buy in nada sabia, pois o que fez foi enviar e receber emails.
Vejamos a questão.
O tribunal a quo deu como não provado que:
- No dia 23 de outubro de 2015 o Autor recomprou 119 000 obrigações pelo preço de 119 000 obrigações, tendo sofrido um dano comercial de 97 580,00 euros correspondente à diferença entre o preço acordado entre ele e a Ré e o preço de mercado a que aquela teve de recomprar estas obrigações (facto não provado nº 1).
- No dia 14 de janeiro de 2016 o Autor recomprou 133 000 obrigações pelo preço de 105,00%, correspondente ao valor total de 139 650,00. Embora se tenha disponibilizado para entregar de imediato as 113 000 obrigações àC&C, esta não aceitou de imediato, por estar a solucionar situação análoga com a sua Contraparte (facto não provado nº 2).
- A C&C vendeu as obrigações à Exotic Partners LLP e está terá vendido a outrem, a Spinnaker Capital Lta (facto não provado nº 3).
- No dia 15 de janeiro de 2016 uma das contrapartes da cadeia de contratos celebrados na sequência dos factos objeto destes autos, a Spinnaker Capital Lta, procedeu à recompra no mercado de um lote de 1881000 obrigações emitidas pela República da Argentina sob o nº 2009-3, ISIN DE000304 5357 que estavam em falta tendo depois feito repercutir os custos que teve com a mesma na sua contraparte vendedora a Exotic Partners, LLP a qual, por sua vez, fez repercutir os custos em que incorreu na sua contraparte vendedora, a C&C, a qual, por sua vez, também fez
repercutir os custos que teve junto do Autor, a sua contraparte vendedora (facto não provado nº 4).
- Foi deste modo que o Autor procedeu à recompra do lote de 1 748 000 obrigações que lhe faltavam para cobrir a falha de liquidação física junto da C&C (facto não provado nº 5).
- No dia 1 de fevereiro de 2016 o Autor assumiu a posição na recompra pela C&C de 1748 000 obrigações em questão pelo preço líquido de 110,00% do respetivo valor nominal correspondente ao valor total de 1 922 800,00 euros, as quais haviam sido recompradas a 15 de janeiro de 2016 pela Spinnaker Capital Ldt, para solucionar a questão emergente dos factos em discussão nos autos (facto não provado nº 6).
Para tal, o tribunal a quo fundamentou as suas respostas no facto de “o Autor não ter feito qualquer prova de ter efetivamente realizado a operação de recompra e muito menos com o custo que alega. É certo que as suas testemunhas se referiram ao buy in, mas nenhuma teve nele qualquer participação (como por elas mesmas foi dito). Os documentos juntos aos autos têm natureza particular, não atestando que aquilo que lá está descrito tem correspondência real. O facto de o Autor dizer que vai fazer o buy-in ou que já o fez ou que gastou determinado montante para comprar as obrigações não permite provar, desacompanhado de qualquer outro elemento de prova que tal sucedeu e que o montante gasto foi o indicado.   A Ré não admitiu tal facto, como resulta da análise da sua contestação. Não sendo um facto de que tivesse de ter conhecimento e atenta a natureza dos factos em discussão, os mesmos carecem de prova. O documento 20 é um regulamento comunitário. o documento 21 é um documento particular que por si só não faz prova de qualquer facto, pelos motivos acima expostos. O mesmo se diga dos documentos dos documentos juntos sob os nº 22 a 30. Pela sua natureza, tais documentos tinham de ser contextualizados por outra prova, para que o seu sentido pudesse ser apreendido de forma segura e sem margem para dúvidas se pudesse concluir nos moldes sustentados pelo Autor, o que não sucedeu. Não obstante nos documentos em apreço se fazer referência a pessoas como JA… e MV…, as mesmas nunca foram referidas em audiência de julgamento. Mais ainda, são referidas entidades estranhas aos autos como a Exotic Partners e a Spinnaker Ldt, que nem sequer foram referidas em audiência. Aliás, na sua petição inicial o Baader Bank refere que a Exotic Partners “terá vendido” (cfr. Art. 93º), sendo que tal redação indica uma hipótese e não uma certeza reconduzível a um facto.   teor dos documentos juntos aos autos de fls. 21 verso a 24 e 41 a 49, referindo-se que, a impugnação dos mesmos efetuada pela A. não tem por consequência a negação do conhecimento da sua existência e do seu teor, ficando ao Tribunal a sua apreciação conjuntamente com outros meios de prova e, no caso, o depoimento da testemunha CI…, conjugado com o teor de tais documentos permitiu ao tribunal formar a convicção segura da sua ocorrência”.
Vejamos o que disse a testemunha DT…, indicada pela apelante quanto a este facto, e que possa alterar com o seu depoimento a resposta que foi dada pelo tribunal a quo.
A testemunha referiu no seu depoimento que “não inseriu quaisquer dados no sistema”, e que “foi o S… que introduziu os dados no sistema”, pois o que ”faço é isto é, receber emails, enviar emails. Nós enviámos a notificação para o cliente, por exemplo, mas o negócio é feito pela trading desk, pelos traders”.
Conclui-se assim não tendo a testemunha participado no processo de buy in, não se sabe se foi realizada a operação de recompra e respetivo custo.
Por outro lado, a apelada, no art. 100º, da contestação, impugnou os arts. 93.º, 101.º a 106.º, da petição inicial.
Assim sendo, quanto às respostas dadas aos factos não provados nºs 1 a 6, porque a testemunha indicada pela apelante nada disse que possa alterar a resposta dada, ou por não haver outros elementos de prova que infirmem tais respostas (os documentos indicados pela apelante foram impugnados pela apelada), não há erro de julgamento, não havendo por isso, nesta parte, que alterar as respostas dadas pelo tribunal a quo.
2.)  FORMAÇÃO DE UM CONTRATO DE COMPRA E VENDA ENTRE AS PARTES.
A apelante entende que “foi celebrado um contrato de compra e venda entre Fincor e Baader Bank tendo por objeto dois milhões de obrigações argentinas (ISIN DE 0003045357) pelo preço de 1.640.000,00 Euros (correspondente a 82% do valor nominal de 1 Euro), sendo que esta conclusão resulta direta e necessariamente da leitura conjugada e cronologicamente referenciada das declarações negociais vertidas nos docs. n.º 8 e 9 junto com a p.i. e 7 junto com a contestação, os quais contêm o registo duradouro e imodificável da negociação entre Baader Bank e Fincor, Baader Bank e City & Continental e Fincor e Wave Securities”.
Mais refere que “dos factos dados como provados nos pontos 1 a 5, 8, 9 e 12 a 15 da decisão sobre a matéria de facto, e dos referidos docs. n.º 8 e 9 junto com a p.i. e 7, resulta, sem margem para qualquer dúvida, que a Fincor apresentou ao Baader Bank uma proposta firme e que o Baader Bank aceitou essa proposta firme, conforme decorre aliás do facto considerado provado no ponto 14 da matéria de facto supramencionado”.
Em particular, “o referido doc. n.º 8 mostra que (i) às 14:43, o Baader Bank pediu à Fincor que esta apresentasse uma proposta firme; (ii) às 15:11 e 15:14 a Fincor apresenta uma proposta firme; (iv) às 15:25 o Baader Bank aceita a proposta firme da Fincor («ok done @82 / 2mio@82») e (v) às 15:26 a Fincor reitera a confirmação do negócio («tku done»).
Assim, conclui que “a aceitação de uma proposta firme tem o efeito jurídico de se formar um contrato, nos termos nomeadamente dos artigos 224.º, 228.º e 230.º do Código Civil, pelo que, no caso, ao contrário do que foi decidido em primeira instância, formou-se um contrato entre as partes”.
Por seu lado, a apelada entende que “Às 15:27:25, NG… pede a SP… que aguarde utilizando a expressão “mmm” seguida de “obrigado” (às 15:27:32, cfr. Doc. 08 junto com a PI) sendo que, quando SP… pergunta sobre o preço líquido novamente (às 15:28:41) NG… volta a pedir que aguarde utilizando a expressão “mm” seguida de “pf S…” sem responder à questão que SP… coloca; SP… insiste novamente às 15:34:55, para acertar questões relativas à comissão do negócio e NG… volta a pedir para esperar, dizendo que tem um problema”.
Verifica-se, pois, que “NG… e SP… ainda não tinham acertado todos os elementos da transação pois o próprio SP… ainda não sabia nem a comissão nem o valor líquido da transação sendo SP… permaneceu com dúvidas sobre 2 dos 4 elementos essenciais do negócio / transação que estava a ser negociada (a comissão nem o valor líquido da transação)”.
Assim, conclui que “um contrato não está concluído quando o próprio comprador não sabe o preço que deve pagar nem quanto vai receber e/ou pagar de comissão a aceitação”.
O tribunal a quo entendeu que “A declaração de aceitação não pode ser isolada da conversação tida por SP… e NG…, em duas perspetivas diferentes, uma endógena à conversa e outra que, sendo exógena, não pode deixar de ser tida em atenção pelas partes. Em primeiro lugar, se é certo que NG… apresentou a proposta firme de vender 2 milhões de obrigações argentinas a 82 e que a mesma foi aceite, não é menos
verdade que logo na sequência da aceitação, NG… pediu um momento. Recorde-se que a aceitação foi às 15:25:49, NG… responde afirmativamente às 15h26:11 e às 15H27:25 pede um momento, poucos segundo depois de AH… ter confirmado o negócio ao seu interlocutor AA… (15:26:59). SP… pergunta às 15h28:41 como vão registar o negócio 2 milhões a 82) e 15h30:17 NG… torna a pedir-lhe um momento. Do exposto resulta que da análise da conversação entre os dois operadores do Autor e da Ré à luz do art. 227º do CC, o contrato de compra e venda em que o primeiro ancora o seu pedido principal, não estava ainda realizado/perfeito”.
Vejamos a questão, isto é, se entre as partes foi celebrado um contrato de compra e venda.
A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada – art. 224º, nº 1, do CCivil.
No que respeita ao contrato, havendo, pelo menos, duas declarações, uma emitida por cada uma das partes – a proposta e a aceitação -, importa estabelecer o modo por que ela se articula para o negócio se considerar perfeito[27].
As declarações recetícias, porque se destinam a alguém, só começam a produzir os seus efeitos a partir do momento em que são recebidas ou conhecidas pelo(s) destinatários(s). Entende-se que a chegada ao poder deste(s) ocorre quando a declaração se encontra na esfera de poder material da pessoa do destinatário: a sua caixa de correio (postal ou eletrónico), o seu telemóvel, a sua sede ou domicílio (consoante se trate de uma pessoa coletiva ou singular)[28].
O sistema clássico de formação do contrato assenta num diferente posicionamento das partes, tomando uma delas a iniciativa do negócio, mediante a proposta, e manifestando a outra a sua conformidade com a mesma: aceitação[29].
Para fixação do momento de obtenção do mútuo consenso, a lei civil atual orienta-se pelo critério que preside à teoria da receção, como resulta, desde logo, da primeira parte do nº 1, do art. 224º, do C.Civil (a teoria da receção aponta como relevante o da receção da declaração de aceitação pelo autor da proposta) [30].
Da aceitação resulta o contrato; não haver, pois, verdadeira aceitação quando a competente declaração surja dubitativa ou condicionada[31].
QUANTO À PROPOSTA:
Diz-se proposta a declaração pela qual uma pessoa manifesta a outrem a sua intenção de celebrar determinado negócio, destinada a integrar o correspondente conteúdo, se ele vier a concretizar-se[32].
Está provado que:
- No dia 16 de outubro de 2015, NG…, operador de vendas da Ré, foi contactado por RL… da Waver Securrities, que lhe propôs para venda dez milhões de obrigações emitidas pelo Estado Argentino (facto provado nº 11).
Assim, a apelada, como proponente, ao emitir a sua declaração dirigida à apelante, como destinatária, tomou a iniciativa do negócio, afirmando não só pretender celebrá-lo, mas dando a conhecer também a correspondente vontade negocial.
QUANTO À ACEITAÇÃO:
Aceitação é a declaração pela qual o destinatário de uma proposta negocial, ou qualquer interessado na oferta ao público, manifesta a sua concordância com o seu conteúdo[33].
Está provado que:
- Pelas 14:44:24 do dia acima indicado SP…, empregado do Autor, indicou estar interessado em 2 milhões das indicadas obrigações para um terceiro, seu cliente (facto provado nº 13).
- Pelas 15:25:49 do dia acima indicado SP… aceitou a oferta que NG… lhe fez pelas 15:11:52 de venda das obrigações com o valor líquido de 81,50, acrescendo 0,50 de comissão a dividir pelos dois (facto provado nº 14).
- Pelas 15:26:11 NG… escreveu no indicado chat “obrigado feito” (facto provado nº 15).
- Pelas 15:27:19 SP… respondeu “boa” (facto provado nº 16).
- Pelas 15:27:25 NG… escreveu “mmm obrigado” (facto provado nº 17).
- Pelas 15:28:41 SP… escreveu no chat “ok, compramos 2 milhões @82. Registamos os 82 líquidos correcto?” (facto provado nº 18).
- Às 15:34:55 SP… respondeu “como é que divides a comissão” (facto provado nº 20).
- NG… pelas 15:35:32 respondeu “será metade meu caro mas mm pf estou aqui com um probl” e pelas 15:41:56“s… estou só à espera do ok ele colocou firme e agora já não atende mom mais peço muita desculpa mm mais, desculpa o atraso.” E pelas 15h42:39 “mm mais” (facto provado nº 21).
Da matéria provada resulta que ”às 15:25 o Baader Bank aceita a proposta firme da Fincor («ok done @82 / 2mio@82»), e “às 15:26 a Fincor reitera a confirmação do negócio («tku done»).
Entende, pois, a apelante, que neste momento se formou o contrato entre as partes.
E, será neste momento, em que “Pelas 15:26:11 NG… escreveu no indicado chat “obrigado feito”, se formou o contrato de compra e venda entre as partes?
Pensamos que não.
Isto porque, quando NG… escreve “obrigado feito”, referia-se a determinadas cláusulas do futuro contrato que estava a ser negociado, no caso, o número de obrigações, e o preço por obrigação.
Assim, este momento só é relevante para a formação de vontade das partes quanto a determinadas cláusulas do futuro contrato, que não a todas elas.
E que o mesmo não se tem por concluído pelas 15:26, é que “pelas 15:28:41 (2 minutos após NG… ter escrito no “obrigado feito”), SP… escreveu no chat, “ok, compramos 2 milhões @82. Registamos os 82 líquidos correcto?”, e às “15:34:55 “como é que divides a comissão”.
Colocando dúvidas ao proponente, isto é, como iriam registar o valor líquido da transação, e qual a comissão a dividir pelos dois, não se pode ter o contrato por concluído, pois não há uma aceitação da proposta quando a declaração seja dubitativa.
Só se a aceitação fosse inequívoca é que se poderia ter o contrato por concluído, o que não se verificou, pois, o destinatário ao emitir uma declaração com dúvidas, ainda não aceitou o contrato na sua plenitude. 
O que já estava acordado era que a apelante comprava 2 milhões de obrigações argentinas, e que a comissão era dividir pelos dois, e nada mais estava ainda acordado.
E que nada mais estava acordado, reafirma-se, resulta de a apelante ter dúvidas quanto a outras cláusulas do futuro contrato e as ter colocado à apelada/proponente.
Assim, não se pode entender que tivesse aceitado a proposta, e como tal ter-se formado o contrato, pois ainda não estava acordado como iriam ser registadas as obrigações, nem o modo como iria ser dividida a comissão.
Se o apelante já tivesse aceitado a proposta em todos os seus elementos, e como tal, entender-se que se teria formado o contrato, não teria instado o proponente quanto a outros pontos do contrato.
Colocando questões ao proponente, não se pode concluir que a proposta tivesse sido aceite, e consequentemente, ter-se celebrado o contrato, pois ainda faltavam negociar algumas cláusulas do mesmo.
Se dúvidas não houvesse, se o contrato já estivesse concluído, com todas as cláusulas aceites pela apelante, SP… não teria perguntado: “Registamos os 82 líquidos correcto?”, e “como é que divides a comissão”.
A proposta quanto ao conteúdo tem de ser completa, no sentido de definir e abranger todos os elementos específicos do futuro contrato de sorte que para a formação do acordo bastará um «sim», um «aceito» do destinatário, a mera adesão à proposta, que em si já contém a substância do contrato, dependente apenas da aceitação[34].
O Código Civil não estabelece regime específico para a aceitação, salvo no que respeita à sua revogação (art. 235º, nº 2). É, portanto, legítimo aplicar-lhe, no mais, mutatis mutandis, o regime da proposta[35].
Assim, das duas, uma, ou, a proposta não era completa e como tal iria sendo complementada ao longo da negociação, como pensamos ter sido o caso, ou, era completa, e bastaria uma aceitação pura do destinatário.
Está provado que:
- No dia 16 de outubro de 2015 NG…, operador de vendas da Ré foi contactado por RL… da Waver Securrities que lhe propôs para venda dez milhões de obrigações emitidas pelo Estado Argentino (facto provado nº 11).
- NG…, através do indicado chat da Bloomberg, procurou encontrar comprador para as mesmas (facto provado nº 12).
- Pelas 14:44:24 do dia acima indicado SP…, empregado do Autor, indicou estar interessado em 2 milhões das indicadas obrigações para um terceiro, seu cliente (fato provado nº 13).
- Pelas 15:25:49 do dia acima indicado SP… aceitou a oferta que NG… lhe fez pelas 15:11:52 de venda das obrigações com o valor líquido de 81,50, acrescendo 0,50 de comissão a dividir pelos dois (facto provado nº 14).
A proposta inicial era relativa à “venda de dez milhões de obrigações emitidas pelo Estado Argentino”, e dessa proposta, ”SP… aceitou a oferta que NG… lhe fez de venda das obrigações com o valor líquido de 81,50, acrescendo 0,50 de comissão a dividir pelos dois”.
Ora, desta proposta não constavam, pois, quer o valor pelo qual seriam registadas as obrigações, nem a percentagem da comissão a dividir pelos dois.
Se a proposta não continha todas as cláusulas do futuro contrato, como resulta das dúvidas suscitadas pela apelante, só quando estas estivessem todas negociadas e acordadas, isto é, qual o valor líquido porque seria registada a transação, e a percentagem da comissão, é que se poderia ter o contrato por concluído.
Verifica-se, pois, que a apelante ao não saber nem a comissão, nem o valor líquido da transação, elementos essenciais do negócio que estava a decorrer, não pode dizer que o contrato de compra e venda estava concluído (no caso, quando NG… escreveu no chat “obrigado feito”, pois neste momento as cláusulas contratuais ainda não estavam todas acordadas).
Caso a apelante não concordasse com o valor líquido da transação e/ou com a percentagem da comissão, também não poderia dizer que o contrato estava concluído quando NG… escreveu “obrigado feito”, pois poderia não concordar com as restantes cláusulas a negociar.
É certo que, “NG… pelas 15:35:32 respondeu “será metade meu caro mas mm pf estou aqui com um probl” (quanto à divisão da comissão), mas a tal não respondeu a apelante (poder-se-ia entender o silêncio como concordância), e à pergunta ”registamos os 82 líquidos correcto?”, não houve qualquer resposta por parte da apelada.
Ora, como pelo menos à pergunta do registo das obrigações não houve qualquer resposta da apelada, não se pode concluir que houve concordância quanto à formação do futuro contrato de compra e venda.
Da aceitação resulta o contrato; não haver, pois, verdadeira aceitação quando a competente declaração surja dubitativa ou condicionada[36].
Temos, pois, que o contrato de compra e venda não se pode ter por concluído quando “Pelas 15:26:11, NG… escreveu no chat “obrigado feito”, pois pela apelante foram posteriormente suscitadas dúvidas quanto a cláusulas do futuro contrato, no caso, como iriam registar o valor líquido da transação, e qual a comissão a dividir pelos dois.
Porque não houve uma mera concordância com a proposta apresentada (a qual não contemplava o modo do registo das obrigações e da comissão), pois foram colocadas questões quanto ao registo das obrigações, e comissão a dividir, não se pode dizer que o contrato se tenha concluído.
Destarte, improcedem as conclusões do recurso de apelação (e ficando deste modo prejudicado o conhecimento da responsabilidade contratual por incumprimento).
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida.        
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pela apelante, porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida[37].

Lisboa, 2020-03-05
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins
Inês Moura
_______________________________________________________
[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[3] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[4] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
    Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[5] Lapso de escrita.
[6] Lapso de escrita.
[7] Lapso de escrita.
[8] Lapso de escrita.
[9] Lapso de escrita.
[10] Lapso de escrita.
[11] Lapso de escrita.
[12] Lapso de escrita.
[13] Lapso de escrita, face ao teor do documento nº 8, junto com a petição inicial.
[14] Lapso de escrita.
[15] Lapso de escrita.
[16] LEBRE DE FREITAS - ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª ed., p. 122.
[17] AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 157, nota (333).
[18] LEBRE DE FREITAS - ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Artigos 676º a 943º, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, p. 53.
[19] LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed.., pp. 275/76.
[20] LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed.., pp. 279.
[21] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, p. 187.
[22] LEBRE DE FREITAS, A Acão Declarativa Comum, À Luz do Código Revisto de 2013, 4ª edição, p. 226.
[23] REMÉDIO MARQUES, Acão Declarativa à Luz do Código Revisto (Pelo DL n.º 303/2007, de 24/08), p. 35.
[24] LEBRE DE FREITAS, A Acão Declarativa Comum, À Luz do Código Revisto de 2013, 4ª edição, pp. 227/28.
[25] “O Instant Bloomberg nós usamos no fundo para… para preparar negócios ou seja, gerar as… negociar as condições nas quais os negócios vão ser… vão ser executados e que depois geram ou não contratos que são aceites e aí sim a partir desse momento os negócios estão feitos”, E “É necessário que a contraparte, uma vez acertados os detalhes de qualquer negócio envie uma contrata, que se chama no Bloomberg um trade ticket, uma vez esse contrato, sendo enviado precisamos de confirmar os detalhes todos que se realmente coincidem com aquilo que tínhamos combinado e uma vez aceitado … aceite esse mesmo trade ticket o negócio é efetivamente, torna-se realidade”.
[26] “É uma plataforma de conversação, ou seja, o vulgar chat, entre, entre, intervenientes do mercado que possuem Bloomberg, e que nos últimos anos ganhou, ganhou, um peso muito grande na, na, negociação de operações, há uns anos atrás as operações tinham que ser todas feitas ao telefone e gravadas as conversas ao telefone para saber se há alguma dúvida de alguma operação ou nos termos em que se tinha fechado alguma operação, se pudesse ouvir as conversas, o chat da Bloomberg nos últimos anos com a internet e do chat passou a ganhar um peso muito grande era onde se fazia praticamente, é onde se fazem hoje em dia se calhar, 60, 70, 80% das transações que que não são feitas na internet” e, “A Bloomberg criou uma funcionalidade e por isso e que também ganhou muito peso e quase um monopólio nas comunicações entre as transações entre bancos e clientes porque criaram automaticamente esta confirmação, ou seja, criaram a possibilidade de ambos os intervenientes que falaram no chat poderem preencher essa trade ticket ou essa confirmação e enviar para a outra contraparte poder validar e finalizar a operação, ou seja, é, é assim que funcionam essas operações over the counter, porque para alem disso há as operações que não são over the counter, que são as operações de mercado normal organizado, em que o broker recebe a ordem do cliente e discutem diretamente na plataforma e a plataforma depois já comunica diretamente com os clientes, ou via Bloomberg, ou via lançamento de e-mail das confirmações, por isso, aí não há uma confirmação, a confirmação é enviada, feita pela bolsa organizada, mas como aqui são operações over the counter, ou seja, são operações fora do mercado organizado, todos os itens têm que ser validados antes de se poder fechar uma operação e principalmente numa operação destas com um título  muito especial, ou seja, um título único”.
[27] CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª edição, p. 90.
[28] ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2ª edição, p. 309.
[29] CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª edição, p. 98.
[30] CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª edição, pp. 100/01.
[31] MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, p. 300.
[32] CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª edição, p. 92.
[33] CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª edição, p. 96.
[34] CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª edição, pp. 92/3.
[35] CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª edição, p. 97.
[36] MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, p. 300.
[37] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.