Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | EDUARDO PETERSEN SILVA | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÃO DE CONDOMÍNIO LEGITIMIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/21/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | O proprietário horizontal em condomínio, que o foi apenas desde 2017 a 2022, não tem legitimidade para impugnar deliberações de condomínio de 2008 e de 2015. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório O Autor J intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Réu Condomínio do Edifício … , representada pelo Administrador do condomínio, na pessoa da sociedade … Lda, peticionando a final que fosse “declarada inexistência, nulidade e/ou anulação das deliberações das assembleias de condóminos de 27 de Maio de 2008; 08 de Abril de 2015; 20 de Março de 2012; 19 de Julho de 2017; 16 de Abril de 2019; e 15 de Julho de 2020; por violação da lei, e do Regulamento do Condomínio, e abuso de direito”. Em síntese, alegou que é proprietário de fração autónoma integrante do condomínio, desde 14 de Julho de 2017, e que, nem ele, nem a anterior proprietária estiveram presentes nas referidas assembleias de condóminos. Nunca receberam qualquer convocatória para tais assembleias, e só tomou conhecimento das mesmas em 07 de Fevereiro de 2022, quando, com base nas deliberações que pretende impugnar, o R. lhe acção executiva pelo pagamento de determinados valores com base no artigo 36.º do Regulamento do Condomínio, que foi aprovado nessas deliberações. * O R. contestou, alegando litispendência, uma vez que o Autor deduziu oposição no processo de execução com os mesmos fundamentos alegados na presente acção; alegando ilegitimidade do Autor, uma vez que só adquiriu o prédio em 14 de Julho de 2017, não tendo legitimidade para impugnar deliberações anteriores; alegando ilegitimidade do Autor, atendendo a que vendeu o prédio no dia 22 de Janeiro de 2022; alegando caducidade do direito de impugnar as deliberações, uma vez que há muito que decorreram os 60 dias estipulados na lei. Impugnou, invocando que o Autor foi sempre devidamente convocado e foram sempre remetidas as actas ao mesmo, sendo a presente ação um mecanismo utilizado para que o Réu não proceda ao pagamento dos montantes que lhe são peticionados em sede da ação executiva. Finalmente, invocou que o A. litiga de má fé e que a alegação é abusiva. * O Autor exerceu o contraditório, alegando, em síntese, que tem legitimidade para intentar a presente acção pois as deliberações constituem fundamento para o montante peticionado na ação executiva; só tomou conhecimento das deliberações em 07 de Fevereiro de 2022, motivo pelo qual não caducou o seu direito; nunca recebeu cartas ou e-mails enviados pelo condomínio; não litiga de má fé, exercendo o seu direito de acção. Tendo sido suscitado pelo R. que o valor da causa indicado pelo A. estava incorrecto, o tribunal veio a decidir que “(…) O autor indicou como valor da causa o de 7.500,00€, mas em face ao exposto e ao critério aludido, afigura-se que o valor indicado na contestação, de 320.515,37 euros (com o fundamento exposto nos artigos 8.º e 9.º da contestação, está mais conforme com o mesmo, à luz do artigo 301.º do CPC, pelo que se fixa como valor da causa o de 320.515,37 euros”. Remetidos, em consequência, os autos ao tribunal competente, veio a realizar-se audiência prévia, na qual se frustrou a tentativa de conciliação, e foi concedida a palavra aos i. mandatários para se pronunciarem sobre a possibilidade de o Tribunal proferir, desde logo, saneador sentença, tendo os mesmos referido nada ter a opor (referência citius nº 53485387). Seguidamente foi proferido saneador sentença de cuja parte dispositiva consta: “A) Julgo verificada a exceção de caducidade e, consequentemente, julgo a presente ação totalmente improcedente. B) Julgo verificada a exceção de abuso do direito e, consequentemente, julgo a presente ação totalmente improcedente. C) Condeno o Autor J como litigante de má fé, na multa processual de 2 U.C’s (duas unidades de conta). D) Condeno o Autor J no pagamento das custas processuais”. * Inconformado, o A. interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida não pode manter-se uma vez que não efectuou uma correcta apreciação dos princípios legais e das normas em vigor: 2. A decisão final não está de acordo com os factos provados, e existem factos provados que são meros juízos conclusivos e valorativos, devendo por isso este Venerando Tribunal proceder à alteração da matéria de facto provada, nos termos dos artigos 640º e 662.º do C.P.C.. 3. Dos presentes autos constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto, e a ora recorrente impugnou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e indicou os concretos meios probatórios, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 4. Do conjunto dos factos resultantes da matéria de facto provada, e ainda dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, e respectivos meios probatórios constantes do processo, que impunham que o Tribunal “a quo” tivesse tomado uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da ora recorrida, para a tarefa a encarar neste recurso em função da delimitação objectiva antes operada, sobreelevam os pontos seguintes: - os descritos supra nos pontos 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 12 da matéria de facto provada; - o descrito supra no ponto 13) que deve ser aditado à matéria de facto provada, facto que não foi tido em conta na decisão final, apesar de documentalmente provado, conforme alegado supra, e respectivo meio probatório; - a impugnação do descrito no pontos 4) da matéria de facto provada, que deve ser eliminado, e a alteração da redacção do ponto 10) da matéria de facto provada, supra dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, e respectivos meios probatórios; 5. Quanto à questão de saber se à data da propositura da acção, 28 de Fevereiro de 2022, verificava-se a caducidade do direito do recorrente proceder à impugnação das deliberações tomadas nas assembleias de condóminos de 27 de Maio de 2008 e 8 de Abril de 2015, que aprovaram o Regulamento do Condomínio e a sua ratificação. 6. Inexiste a excepção de caducidade do direito de propor a acção, porque não se trata nesta acção da anulação das deliberações tomadas na assembleia, mas de ser condenado o Recorrido a reconhecer a nulidade das deliberações da assembleia de condóminos de condóminos de 27 de Maio de 2008 e de 08 de Abril de 2015, em razão de, no procedimento de convocatória não ter sido feita prova de ter sido convocada a proprietária à data, a quem o recorrente adquiriu o imóvel, como Condómina que era, para nela estar presente), e como tal foi cometida a nulidade de origem, prevista nos art.ºs 286º e 1432º/1 CC, norma esta imperativa. 7. Ou, a entender-se haver lacuna de regime (por todos, Pinto Duarte "Propriedade Horizontal", Almedina, Coimbra, 2019, p. 106), nulidade também por força do disposto no art.º 56º/1 a) CSC: "são nulas as deliberações ... tomadas em assembleia geral não convocada." 8. Entendimento diverso, redundaria em flagrante violação dos artigos 286º e 1432.º/1 do Código Civil, norma esta imperativa, ou, a entender-se haver lacuna de regime, violação do art.º 56º/1 a) Código Sociedades Comerciais. 9. Quanto à questão de saber se a interpretação do art.º 1433º n.º 1 do Código Civil com o sentido de que no âmbito e alcance desta disposição legal cabe a anulabilidade das decisões de aprovação e ratificação do regulamento do condomínio, tomadas em assembleias gerais de condóminos para as quais não se fez prova ter sido convocado o condómino proprietário à data, a quem o recorrente adquiriu o imóvel, viola ou não, o disposto nos art.ºs 18º n.º 3, 61º n.º 1, 62º n.º 1 e 204º da Constituição da República e 70º n.º1 b) e 72º n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional? 10. No regime legal da propriedade horizontal a convocatória é essencialíssima ao exercício e sobretudo à defesa dos direitos patrimoniais de cada um dos Condóminos. 11. E daqui se retira a imperatividade da convocatória da assembleia geral como pressuposto do exercício, precisamente, dos referidos direitos privativos e de defesa (proprietária) da posição de cada Condómino, na Assembleia Geral, esta que delibera sobre assuntos que dizem respeito ao quantum do concreto benefício, perda ou oneração de rendimento do capital investido, fracção a fracção, ou, como é o caso dos presentes autos, a aprovação do regulamento do condomínio que contém, entre outras, normas sancionatórias, nomeadamente, penalidades monetárias devidas pelo atraso no pagamento de quotas de condomínio. 12. Enfim, é imperativa a convocatória no âmbito e alcance da protecção constitucional proporcionada, sob o princípio da convergência prática (no conflito com um outro direito fundamental) da iniciativa e propriedade privada (cfr. art.ºs 182º/3, 61º/1 e 62º/1 todos da Constituição da República). 13. “Uma aplicação ao caso da mera literalidade do art.º 1433º/1 CC (apesar de tudo enviesada, na opinião da Recorrente e de que não prescinde) e de maneira a incluir na tatbestand do preceito a mera anulabilidade da não convocatória de Condómino para a assembleia, torna esta disposição legal norma inconstitucional, precisamente por não estar de acordo interpretativo com o segmento de normas da CRP acima citado (vd consequências a retirar, primeiro, do art.º 204º CRP, depois, dos art.ºs 70º/1 b. e 72º/2 da LTC). 14. Entendimento diverso, redundaria em flagrante violação dos artigos 18º/3, 61º e 62º da Constituição da República, CRP, artigos 8º, 280º, n.º 1 e 2, 281º, 294º e 295º do Código Civil, e art.º 17º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 15. Quanto à questão de saber se o recorrente tem legitimidade activa para a propositura da presente acção tendo deixado de ser proprietário em 22 de Janeiro de 2022, no caso de ter tido conhecimento da existência das deliberações referidas em i) supra, no âmbito de acção executiva instaurada contra si em 7 de Janeiro de 2022, na qual é peticionada a quantia de 5.843,46€, a título de penalidades com fundamento no artigo 36º do Regulamento de Condomínio, cuja existência desconhecia, não existindo nos autos prova de lhe ter sido dado a conhecer a existência desse Regulamento do Condomínio, nem tão pouco à anterior proprietária, relativamente à qual também inexiste nos autos: - prova de ter sido convocada para essas assembleias nos termos do artigo 1432.º do Código Civil; - prova de lhe terem sido enviadas essas deliberações de aprovação do Regulamento do Condomínio, e respectivo teor, ausente, nos termos do artigo 1432 do Código Civil. 16. A acção de nulidade pode ser proposta a todo o tempo, nos termos do art.º 286º do Código Civil. 17. Entendimento diverso, redundaria em flagrante violação do art.º 286º do Código Civil. 18. Quanto à questão de saber se se verifica a existência de abuso de direito e litigância de má-fé quando o recorrente exerce o referido direito de acção para a declaração de inexistência ou nulidade de deliberações de condóminos que alegadamente aprovaram norma atinente à aplicação de penalidade ínsita em Regulamento do Condomínio, com base no qual a Administração do Condomínio peticionou, e poderá voltar a peticionar, sanção pecuniária no âmbito de abuso de direito? 19. A acção de nulidade pode ser proposta a todo o tempo, e se a lei assim o dispôs, focou-a na indisponibilidade do direito correspectivo, que se extingue apenas por prescrição. 20. Em face do alegado supra quanto às questões a decidir, e respectivos fundamentos, supra, inexiste abuso de direito e litigância de má-fé do recorrente. 21. Entendimento diverso, redundaria em flagrante violação do Código Civil – art.ºs 286º e 334.º C. Civil Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. e tomando em consideração as Alegações e Conclusões supra, requer-se a V. Exas. que seja dado pleno e total provimento ao presente Recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada e mandada substituir por outra que faça seguir o debate da causa, julgando improcedente a excepção de caducidade do direito de acção, e improcedente a excepção de ilegitimidade, ou julgue de fundo no saneador; Neste último sentido cabe a condenação no pedido de nulidade das deliberações das assembleias de condóminos de 27 de Maio de 2008 e de 08 de Abril de 2015, em vez da improcedência do pedido; Porém, a manutenção do julgado, por aplicação do artigo 1433.º, n.º 4 sob a interpretação de que no âmbito e alcance desta disposição legal cabe a anulabilidade das decisões tomadas na assembleia geral de condóminos para a qual a Recorrente não foi convocada, vicia de inconstitucionalidade o referido preceito, por força de contrariar o disposto nos art.ºs 18º/3, 61º e 62º CRP.” * Contra-alegou o Réu formulando a final as seguintes conclusões: A – A douta sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo por isso ser confirmada; B – São, alias, vários os vícios de que enferma a demanda do recorrente, desde logo e como oportunamente alegado, os atinentes à legitimidade, oportunidade, litispendência, caducidade e, posteriormente à interposição da ação, - face à decisão proferida nos embargos à execução que correram seus termos pelo Juízo de Execução do Funchal, Juiz 1, com o número …/22.3T8FNC-A e que julgou improcedentes, por ilegitimidade os embargos deduzidos pelo reclamante no que respeita aos alegados vícios que diz existirem nas deliberações impugnadas – desrespeito do caso julgado material e falta de interesse em agir [o autor pagou a quantia fixada na sentença proferida no processo número …/22.3T8FNC-A]. C – O recorrente aceitou as deliberações que agora pretende impugnar na medida em que determinaram a divida reclamada no processo de execução que correu seus termos pelo Juízo de Execução do Funchal, Juiz 1, com o número …/22.3T8FNC-A, e tendo reconhecido essa divida e consequentemente a validade das deliberações, pelo pagamento, o presente recurso constitui um ato praticado em abuso de direito D – O recorrente não dá cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC quanto à impugnação da matéria de facto E – O presente recurso é, salvo melhor opinião, manifestamente improcedente, assim devendo ser julgado com as legais consequências, nomeadamente, para efeitos de multa e custas; Termos, com o mui douto suprimento de Vªs Exas, deve a recurso ser rejeita por improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências, * Corridos os vistos legais, cumpre decidir: II. Direito Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - as questões a decidir são a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e saber se os autos devem prosseguir (por não se verificar caducidade nem abuso de direito nem ilegitimidade nem litigância de má-fé) ou se deve a acção ser já considerada procedente. * III. Matéria de facto A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto é a seguinte: “1. Matéria de facto provada. Dos elementos probatórios constantes dos autos resultaram provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos: 1- A anterior proprietária (da) fração designada pela letra … do prédio descrito sob o n.º …, freguesia de …, concelho do …, Sra. U, não marcou presença nas assembleias de condóminos realizadas em 27 de Maio de 2008, 20 de Março de 2012 e 08 de Abril de 2015. 2- O Autor comprou a fração designada pela letra … do prédio descrito sob o n.º …, freguesia de …, concelho do … à anterior proprietária em 14 de Julho de 2017. 3- O Autor não marcou presença nas assembleias de condóminos realizadas em 19 de Julho de 2017, 16 de Abril de 2019 e 15 de Julho de 2020. 4- As atas relativas às assembleias de 27 de Maio de 2008, 20 de Março de 2012 e 08 de Abril 2015 foram notificadas a todos os condóminos, inclusive à Sra. U, anterior proprietária da fração designada pela letra … do prédio descrito sob o n.º …, freguesia de …, concelho do …. 5 - As convocatórias para as assembleias de 19 de Julho de 2017, 16 de Abril de 2019 e 15 de Julho de 2020, foram remetidas ao Autor, para o endereço da fração de que era proprietário, por correio registado simples. 6- As atas das assembleias de 19 de Julho de 2017, 16 de Abril de 2018 2019 e 15 de Julho de 2020 foram enviadas para o endereço da fração de que o Autor era proprietário por correio registado simples. 7- O autor é administrador de uma empresa de gestão de condomínios a C… Lda. que explora em regime de franchise a marca “…” gestora de condomínios. 8- Nos dias 7 de Março de 2018, 01 de Outubro de 2018, 03 de Julho de 2019 e 19 de Julho de 2019, foram remetidas cartas para o endereço postal da fração informando o Autor dos valores a pagar a título de quotas ordinárias e extraordinárias. 9- No dia 16 de Março de 2020, foi remetido e-mail para o correio eletrónico …, que foi recebido, informando o Autor dos valores a pagar a título de quotas ordinárias e extraordinárias e de que seria interposta acção executiva para a sua cobrança. 10- No dia 07 de Janeiro de 2022 foi instaurada ação executiva pela Ré contra o Autor, peticionando os valores alegadamente em dívida relativos a quotas ordinárias e extraordinárias. 11- O Autor vendeu a fração designada pela letra … do prédio descrito sob o n.º …, freguesia de …, concelho do …, no dia 22 de Janeiro de 2022. 12- No dia 28 de Fevereiro de 2022 deu entrada a presente ação. * Os restantes factos demonstram-se irrelevantes para a decisão, desde já, a proferir, conclusivos ou de direito. 3. Motivação da matéria de facto. (…) 3.1 Motivação dos factos considerados provados. O Tribunal fundamentou a sua convicção com base na análise e valoração dos documentos presentes nos autos. O facto 1 encontra-se assente nos presentes autos. Quanto ao facto 2, o mesmo demonstra-se provado pelos documentos 6 e 8, juntos com a contestação, que demonstra a aquisição da propriedade. Relativamente ao facto 3, o mesmo encontra-se assente nos presentes autos No que concerne aos factos 4 a 6, os mesmos demonstram-se provados pelos documentos 7, junto com a contestação. Não olvida o Tribunal que o Autor impugnou esses documentos, invocando a falsidade dos mesmos; porém, tal não impede, naturalmente, a livre apreciação dos mesmos por parte do Tribunal. Note-se que o documento em causa demonstra que foram remetidas cartas a diversas frações e alguns dos proprietários dessas frações estiveram presentes ou fizeram-se representar nas assembleias em causa (cfr. documento 6 da petição inicial). Veja-se, por exemplo, que o documento 7, junto com a contestação, retrata que foi enviada carta à condómina L… e que a mesma esteve presente nas assembleias (cfr. consta do documento 6 junto com a petição inicial). Ou seja, se o documento demonstra a remessa de carta a pessoas que foram efetivamente notificadas e marcaram presença, então não se vislumbra por que motivo o mesmo documento que comprova a notificação de pessoas que marcaram presença não comprovaria a notificação do Autor e da anterior proprietária. Acresce que o documento não deixa de ter valor por ter sido impugnado, valendo como prova e sendo suficiente, no entender do Tribunal, para demonstrar que as diversas cartas e atas foram remetidas para a fração de que o Autor foi proprietário (algo que é sustentado pelo raciocínio de lógica supra exposto). À luz de tudo o referido o Tribunal não tem dúvidas em dar como provados os factos 4 a 6. Quanto ao facto 7, o mesmo demonstra-se provado pelo documento 9, junto com a contestação. O facto 8 demonstra-se provado pelos documentos 10 a 13, juntos com a contestação. Não olvida o Tribunal que tais documentos foram impugnados pelo Autor; porém, nada impede que o Tribunal os aprecie livremente, nos termos do artigo 366.º do Código Civil, sendo entendimento que os documentos juntos aos autos são suficientes para fazer prova de que tais cartas foram remetidas para a fração. No que concerne ao facto 9, o mesmo demonstra-se provado pelos documentos 14, junto com a contestação e 1, junto com o requerimento de 09 de Maio de 2022. Esses documentos, pese embora tenham sido de forma impugnados (de forma genérica, tal como todos os outros), são suficientes para demonstrar que foi enviado um email ao Autor. O facto 10 resultou provado do documento 8, junto com a petição inicial, bem como do documento 1, junto com a contestação. Quanto ao facto 11, o mesmo demonstra-se provado pelos documentos 6 e 8, juntos com a contestação. Por fim, o facto 12 resulta provado da data da entrada da petição inicial”. * IV. Apreciação Primeira questão: - da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Sustenta o recorrido que não foram cumpridos os ónus previstos no artigo 640º nº 2 do CPC. Deste resulta, em termos de ónus primários, que não podem ser objecto de despacho de aperfeiçoamento e conduzem à rejeição da impugnação, o ónus de referir, nas conclusões da alegação – que balizam o objecto do recurso – os factos concretamente impugnados e o sentido da resposta que o recorrente entende que o tribunal da Relação deve proferir. Vem indicado o nº 4 dos factos provados, com a menção de que deve ser eliminado. Vem indicado que o nº 10 dos factos provados deve ser alterado na sua redação, e vem indicado que deve ser aditado um facto sob o nº 13. Relativamente ao segundo e terceiro ponto de discordância, não se mostra feita a indicação, respectivamente, da alteração nem do aditamento. Rejeita-se a reapreciação nestes dois casos - artigo 640º nº 2 do CPC. Ainda que assim não se entendesse, a reapreciação era inútil e por isso proibida – artigo 130º do CPC: - é que aditar ao facto 10 que a execução versou também sobre quantias devidas a título de penalização, relativamente às quais a sentença de embargos considerou inexistir título executivo, para demonstrar que o R. pode ainda vir a pedir esses valores ao A., é irrelevante para as decisões a tomar sobre caducidade, abuso de direito, ilegitimidade e litigância de má-fé. Sobretudo no caso da ilegitimidade, o fundamento da excepção invocada é apenas a qualidade de comproprietário condominial; e é que aditar-se o facto “13 - O réu reconheceu que a assembleia de condóminos realizada no dia 8 de Abril de 2015 não obteve o quórum legal constitutivo nem sequer deliberativo, quer em primeira convocatória quer em segunda convocatória, nos termos do artigo 1432.º, n.º 4 do Código Civil.”, não pode ser considerado por este tribunal porque não foi apreciada pelo tribunal de primeira instância a invalidade das deliberações, como se referirá na segunda questão. No facto provado nº 4 lê-se: “4- As atas relativas às assembleias de 27 de Maio de 2008, 20 de Março de 2012 e 08 de Abril 2015 foram notificadas a todos os condóminos, inclusive à Sra. U, anterior proprietária da fração designada pela letra… do prédio descrito sob o n.º …, freguesia de …, concelho do …”. Recorde-se que as partes nada opuseram à decisão do tribunal de proferir decisão final no saneador, ou seja, a senhora em causa, que havia sido indicada como testemunha, não foi ouvida. O recorrente entende que o facto deve ser eliminado porque é conclusivo. Como é manifesto, o facto é relativo à notificação da senhora em causa, e diz que ela foi notificada. Nisto nada há de conclusivo. O carácter conclusivo a que se refere o recorrente é afinal o de que o tribunal concluiu, a partir de documentos, impugnados pelo autor, pela resposta afirmativa à notificação da anterior proprietária. O recorrente não rebate especificamente o argumento do tribunal recorrido de que apesar da impugnação os documentos estão sujeitos à livre apreciação do tribunal – como lhe incumbe nos termos do artigo 639º do CPC – e não se encontrando na motivação que o tribunal recorrido consignou, erro notório na apreciação dos documentos invocados, improcede a pretensão de eliminação do facto provado nº 4. Segunda questão: Comece-se por esclarecer que o tribunal de primeira instância não apreciou a ocorrência dos vícios invocados pelo autor contra as deliberações, antes decidiu – ainda que peremptoriamente – pela verificação da excepção de caducidade, na qual incluiu uma apreciação da ilegitimidade do autor, e ainda pela verificação de uma situação de abuso de direito, e a partir destas concluindo pela improcedência do pedido, sem embargo de indicar também que se assim não fosse, sempre se verificaria a ilegitimidade do autor enquanto excepção dilatória. Isto significa que se esta Relação entender que não se verifica nenhuma dessas excepções, nem abuso de direito, os autos deverão prosseguir em primeira instância para o conhecimento dos invocados vícios das deliberações. Outra nota prévia é ainda a de que apenas de passagem o recorrente refere as deliberações tomadas nas assembleias de condóminos de 27 de Maio de 2008 e 8 de Abril de 2015, sendo que resulta do corpo da alegação que, por ter pago na sequência da execução, todas as questões relacionadas com todas as outras deliberações referidas na petição inicial perderam interesse. Em termos absolutamente lineares, não se tendo alterado o ponto 4 dos factos provados, cai por terra toda a argumentação recursiva relativa a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 1433º do Código Civil que consagrasse o vício da anulabilidade (e inerente caducidade) em vez da nulidade, quando o condómino não houvesse sido notificado do teor das deliberações, para, querendo, as impugnar. Repare-se que a questão da não convocatória perde interesse em face da manutenção do facto provado nº 4 e em face das partes nada terem oposto à decisão do tribunal de proferir decisão final no saneador, o que deitou por terra a necessidade de despacho sobre todos os requerimentos probatórios referidos nos articulados. Por outro lado, é a partir da invocação de desconhecimento, pelo proprietário condominial anterior, em última análise, do teor da deliberação, que o recorrente constrói a tese da nulidade, transmutando a anulabilidade literalmente prevista no referido preceito em nulidade – ora, isso não é o que resulta dos factos provados. Perceba-se também que a caducidade decretada se funda, no que toca às deliberações que ainda mantêm interesse para os autos, na notificação da anterior proprietária e no facto que se tem de ter por pressuposto, de que a mesma, nem outro qualquer condómino, impugnaram as referidas deliberações. Tanto basta para se dever confirmar a decisão que julgou procedente a caducidade. Mas mais, o tribunal de primeira instância considerou: “Evidentemente, o Autor não tem legitimidade para colocar em causa deliberações tomadas em assembleia que decorreram em momento anterior a de adquirir a fração. O Autor não detinha a qualidade de condómino em data anterior a 2017, motivo pelo qual não possui legitimidade para impugnar as deliberações tomadas em assembleias em data anterior a 2017. Permitir que um condómino colocasse em causa convocatórias para assembleias em datas em que não detinha a qualidade de condómino, além de contrariar a lei (cfr. artigo 1433.º/1, do Código Civil), contrariaria o princípio da confiança e colocaria em causa a estabilidade de todos os condóminos e do próprio condomínio”, e mais à frente, quando apreciou especificamente a questão da ilegitimidade: “Sem necessidades de grandes considerações, não restam dúvidas que o Autor não tem legitimidade para impugnar as deliberações relativas a datas em que não era proprietário e, consequentemente, não era condómino. Apenas os condóminos têm legitimidade para impugnar deliberações e o Autor não era condómino até ao ano de 2017. Admitir que alguém que compra uma fração e passa a ter a qualidade de condómino pudesse colocar em causa deliberações anteriores a essa data seria colocar em causa toda a segurança jurídica. Os condóminos, nomeadamente a anterior proprietária da fração, não impugnou essas deliberações no prazo legal, motivo pelo qual não podem as mesmas ser impugnadas pelo Autor que apenas adquiriu a qualidade de condómino em momento posterior. (…) O Autor não configura a ação como sendo condómino à data das deliberações, antes assume que apenas adquiriu a fração em 2017. Pelo exposto, não restam quaisquer dúvidas que o Autor não possui legitimidade para impugnar as deliberações anteriores a 2017. Relativamente às deliberações dos anos 2017 e seguintes, é entendimento do Tribunal que se aplica exatamente o mesmo raciocínio. Ainda que o Autor apenas tivesse tido conhecimento das deliberações em Janeiro de 2022 (salienta-se, novamente, que não foi isso que resultou provado), o Autor já não possuía a qualidade de condómino quando intentou a presente ação, uma vez que vendeu a fração em 22 de Janeiro de 2022. São os condóminos que tem legitimidade para impugnar as deliberações e não os ex condóminos. As deliberações tomadas em assembleia servem para regular a vida de um condomínio e dos condóminos e não dos ex condóminos”. Contra este entendimento, a saber e muito basicamente, que o direito de atingir as deliberações condominiais só pertence ao proprietário condominial e não a terceiro – assim se tendo de ler, mesmo no caso da suposta nulidade, que só pode invoca-la a todo o tempo quem for condómino – o recorrente não justifica minimamente a razão pela qual ele, que não era e depois já não era condómino, ou qualquer outra pessoa que nada tenha a ver com um condomínio de um qualquer prédio, pode pedir em juízo a supressão duma determinada deliberação. Sendo evidente, nos autos, que o A. não era condómino à data das deliberações que pretende impugnar, a sua ilegitimidade é verdadeiramente substantiva, face ao disposto no artigo 1433º do Código Civil. Tanto bastaria também para determinar a improcedência do recurso. Do abuso de direito: O tribunal sustentou a sua tese do seguinte modo: “Encontra-se assente nos presentes autos que o Autor adquiriu a fração designada pela letra (…) à anterior proprietária em 14 de Julho de 2017 e vendeu a mesma em 22 de Janeiro de 2022. O Autor pretende impugnar as seguintes deliberações: - 27 de Maio de 2008. - 20 de Março de 2012. - 08 de Abril de 2015. - 19 de Julho de 2017. - 16 de Abril de 2019. - 15 de Julho de 2020. Conclui-se, então, que o Autor foi proprietário da fração e, assim, condómino, entre 15 de Julho de 2020 e 22 de Janeiro de 2022, sem que, em algum momento, tenha colocado em causa as assembleias e deliberações tomadas. Estabelece o artigo 334.º do Código Civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. “(…) Aqui chegados, dos factos provados resulta que o Autor foi proprietário da fração e, por isso, condómino, até Janeiro de 2022, não tendo colocado em causa qualquer assembleia ou deliberação. Seria, claramente, abusivo que lhe fosse possível colocar em causa deliberações tomadas em assembleias dos anos de 2008, 2012, 2015, 2017, 2019 e 2020. Durante um ano e meio o Autor foi condómino sem colocar em causa qualquer deliberação. Como já foi supra exposto, o direito que o Autor pretende exercer há muito que se encontra caducado; porém, ainda que não se encontrasse caducado, seria sempre abusivo atendendo ao tempo que decorreu desde a última das assembleias cujas deliberações o Autor pretende impugnar, sem que o Autor nada tivesse feito para impugnar as mesmas”. Não estando provado que o A. só tenha tido conhecimento das deliberações que pretendeu aqui impugnar em Janeiro de 2022, o recorrente no recurso nada opõe ao argumento de que na pendência da sua situação de proprietário não impugnou as deliberações que veio impugnar, e não tendo demonstrado o factor base da sua construção da nulidade – o desconhecimento das deliberações anteriores pela anterior proprietária – é manifesto que a pretensão dum proprietário adquirente em impugnar deliberações anteriores à aquisição, que não foram impugnadas pelo proprietário anterior, a intenção de assim alterar o ordenamento normativo estabelecido por um determinado condomínio, afectando e alterando situações passadas e pacíficas, excede manifestamente a boa-fé. Confirma-se assim a decisão que julgou procedente o abuso de direito. Finalmente, quanto à questão da litigância de má-fé: O tribunal considerou “No caso em apreço o comportamento processual do Autor é reprovável, tendo o mesmo deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar. O Autor apenas se tornou condómino em 2017 e deixou de o ser em 2022, no entanto, pretende impugnar deliberações de 2008, 2012, 2015, 2017, 2019 e 2020, após ter sido intentada contra si ação executiva, pese embora tenha sido condómino por mais um ano e meio desde a data em que se realizou a última deliberação que pretende impugnar. No mais, a Ré demonstrou que o Autor foi devidamente convocado para as assembleias, recebeu atas, sempre por cartas enviadas para a sua morada, bem como recebeu e-mails em 2018. Ainda assim, o Autor intentou a presente ação alegando não ter recebido cartas e e-mails e impugnando os documentos, de forma genérica, que comprovam o contrário. No mais, o Autor intenta a presente ação numa fase em que já não é condómino, após ter sido intentada contra si uma ação executiva. Todo esse comportamento do Autor é censurável e reprovável, motivo pelo qual será o mesmo condenado como litigante de má fé na multa processual que se fixa em 2 UC’s”. O recorrente defende que lhe assiste razão e consequentemente não deve ser condenado como litigante de má-fé. Nada contra-argumenta ao fundamento do tribunal recorrido em como só pretendeu impugnar as deliberações relativamente às quais recebeu ele mesmo cartas, conforme factos provados 5 e 6 – que não impugnou no recurso – quando lhe foi instaurada acção executiva, pese embora tenha sido condómino por mais um ano e meio desde a data em que se realizou a última deliberação que pretende impugnar”. Em face da não impugnação dos factos e até da restrição do recurso às deliberações anteriores ao tempo em que passou a ser proprietário e da afirmação que fez de que liquidou a quantia exequenda (também ela restringida às quotas ordinárias e extraordinárias) claro fica que alegou factos que não correspondem à verdade e que estava consciente de que a sua pretensão (relativamente às deliberações nas quais se fundaram as quotas em dívida) não tinha fundamento. Mantém-se assim a condenação como litigante de má-fé. Em suma, improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Tendo decaído, é o recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC. * V. Decisão Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e em consequência confirmam integralmente a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 21.12.2023 Eduardo Petersen Silva Adeodato Brotas Vera Antunes Processado por meios informáticos e revisto pelo relator |