Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16981/20.5T8LSB.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: BANCO
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
VIOLAÇÃO DE DEVERES DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Num contrato com cláusulas contratuais gerais, cria-se para a parte que as elabora um dever de comunicação e um dever de informação, que decorrem dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro.
II – Recai sobre o outro contraente o ónus de invocar a violação ou preterição desses deveres.
III – Recai sobre a parte que elabora as cláusulas contratuais gerais o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e do cumprimento do dever de informação sobre os aspectos em que ele especialmente se verifique.
IV – Os deveres de comunicação e informação têm como fundamento a protecção da parte contratualmente mais fraca, procurando assegurar a boa formação da vontade do aderente ao contrato, de forma a que tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular e das suas implicações.
V – Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
VI – O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância, usando um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão (que conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que é correcta, mas também quando se reconheça situar-se numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade).
VII - A responsabilidade civil das pessoas colectivas por actos ilícitos praticados por seus representantes, agentes ou mandatários está sujeita ao regime da responsabilidade extracontratual baseada no risco, nos termos dos artigos 165.º e 500.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
VIII - Um Banco que não tem balcões de atendimento ao público, mas utiliza uma rede de agentes vinculados para exercer funções de promoção e de comercialização dos seus produtos, tirando lucros dessa sua actividade, responde civilmente – nos termos do artigo 500.º do Código Civil – perante os clientes que sofram danos ocasionados pela actuação dos seus agentes vinculados em abuso de representação.
IX - Para que se considere que um facto ilícito é praticado no exercício da função confiada ao comissário é necessário que, quer pela natureza dos actos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, o comissário se encontre numa posição especialmente adequada à prática de tal facto, bastando que o acto se enquadre formalmente no âmbito das competências do comissário (não sendo exigível ao cliente que verifique a licitude ou os poderes da sua actuação) e que o agente se tenha aproveitado da confiança gerada pela aparência social.
X - A responsabilidade objectiva do Banco, enquanto comitente, não é afastada mesmo que os actos do agente sejam dolosos, contrários às instruções do comitente e praticados com fins pessoais, em face do princípio ético-jurídico da confiança que se utilizado como critério jurídico interpretativo do n.º 2 do artigo 500.º do Código Civil.
XI - Se a ordem jurídica não protegesse os clientes, e estes não pudessem confiar nos funcionários dos bancos ou nos agentes vinculados que agem em seu nome, estaria instalada uma espécie de desordem económico-social e seria acentuada a exclusão dos menos letrados e informados, o que seria patológico para o funcionamento da economia e da sociedade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
M…, A…, AC… e NA… instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B, SA., peticionando:
a) a condenação do Réu no pagamento aos dois primeiros Autores das quantias de:
- €320.000 (sendo €300.000 referentes ao valor alegadamente investido na apólice de seguro da “Império Luxemburgo”, através do Réu e €20.000 referentes ao valor entregue à agente vinculada do Réu para compra de dólares), acrescida de juros remuneratórios sobre as quantias atrás indicadas, à taxa de 9,2 % nos termos acordados para a aplicação financeira (ou, caso assim não se entenda, à taxa aplicável aos depósitos a prazo desde a data da subscrição da aplicação, até efectivo e integral pagamento);
- €75.000 a cada um, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, no total de €150.000, acrescidos de juros moratórios calculados à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento;
b) a condenação do Réu no pagamento aos terceiro e quarto Autores:
- da quantia total de €83.000 (sendo €50.000 referentes à apólice de seguro da “Império Luxemburgo”; €33.000 referentes às quantias entregues para compra de dólares e a constituição de um depósito-aforro), acrescida de juros remuneratórios sobre as referidas quantias de €50.000 e €33.000, à taxa de 9,2 % nos termos acordados para a aplicação financeira (ou, caso assim não se entenda, à taxa aplicável aos depósitos a prazo desde a data da subscrição da aplicação, até efetivo e integral pagamento;
- €14.400, a título de lucro cessante;
- €55.000, a título de lucro cessante; quantias;
- €75.000 a cada um, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, no total de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescidos de juros moratórios calculados à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento.
Alegam, em suma, os Autores:
- o não cumprimento, por parte do banco, dos seus deveres de intermediário financeiro, através de actos protagonizados por agente vinculada do Réu, consubstanciadores de um ilícito culposo causador de prejuízos aos Autores, de índole patrimonial e não patrimonial, com o preenchimento dos requisitos legais da responsabilidade civil, no âmbito da actividade bancária e financeira do ora Réu;
 - em relação aos dois primeiros Autores, que dispunham de contas bancárias abertas junto da entidade demandada e todos os seus contactos com este banco eram realizados apenas através da agente vinculada, AP…;
- que esta, como gestora das contas dos mesmos, era quem, na prática, geria o património financeiro da 1.ª Autora e do 2.º Autor, aconselhando-os e sugerindo-lhes a realização de investimentos em vários produtos financeiros disponibilizados pelo Réu, bem como a constituição de depósitos à ordem e a prazo, a compra de moeda estrangeira, entre outros;- e que esta tinha total e ilimitado acesso às contas bancárias e demais património financeiro daqueles, movimentando-as livremente e de acordo com as sugestões e conselhos de investimento que convencia os demandantes a efetuar, sendo que estes confiavam na aludida agente;
- que foi nesse contexto que a 1.ª Autora e o 2.º Autor investiram nos produtos acima referidos (nos pedidos), onde aplicaram o valor global de €320.000, oriundo das suas poupanças;
- que, ao contrário do que pensavam, não foi realizada qualquer aplicação financeira em nome dos ditos Autores, e toda a documentação entregue por AP…, com as supostas aplicações, se revela como falsa;
- que os saldos das contas destes Autores, em 2016, encontravam-se praticamente “a zeros”, tendo ficado desprovidos de todas as quantias que tinham nas contas e que acreditavam haver investido em aplicações.
- que para além dos danos relacionados com o seu património em si, sofreram ambos relevantes prejuízos imateriais.
- que no tocante ao terceiro e quarto Autores, idêntica actuação foi levada a efeito pela mesma agente vinculada do Réu, por reporte aos produtos financeiros mencionados nos pedidos por eles deduzidos;
- que a dita agente vinculada e gestora de conta convenceu-os a aplicar as suas poupanças no seguro da “Império Luxemburgo”, pois afirmava tratar-se de uma aplicação extremamente rentável e segura, e que era efectuada através do ora Réu;
- e que também os fez acreditar que deveriam investir na compra de dólares, através do banco, por tal configurar um investimento rentável e seguro;
- que nunca foram informados pelo Réu de que a gestora de conta em causa não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos cliente;
- que em 2016, os referidos Autores vieram a tomar conhecimento de que não tinham quaisquer poupanças ou aplicações financeiras e que AP... se havia apropriado de todas as importâncias que por eles lhe foram entregues, com vista a investimento e poupança, ficando, assim, privados do património financeiro em questão, perdendo oportunidades de negócio em consequência disso, e sofrendo, à semelhança dos anteriores demandantes, de avultados danos imateriais.
Citada, veio a Ré apresentar Contestação peticionado a improcedência da acção e alegando, em suma, que:
- AP..., apesar de agente vinculada com contrato de prestação de serviços para com o Réu, adoptou um comportamento, não só incompatível com as funções que a mesma desempenhava, como violador das condições e regras aplicáveis à relação contratual bancária entre os clientes e o banco demandado;
- a confiança deles manifestava-se, não só na partilha dos códigos pessoais e intransmissíveis de acesso a homebanking, com AP..., como na partilha, em tempo real e conversas telefónicas, de SMS tokens, para que esta pudesse validar operações como se dos próprios clientes se tratasse, tudo à revelia do conhecimento do Réu;
- tanto quanto este sabe, o cerne dos prejuízos alegados resultou da pretensa subscrição de seguros de capitalização junto da “Império Luxemburgo”, seguradora com quem o Réu nem sequer trabalha;
- os clientes em causa, omitindo deliberadamente informação à aqui entidade bancária, validavam os extractos das contas como se os mesmos reflectissem fielmente os investimentos por si realizados, sendo fácil perceber, para uma pessoa média, que os movimentos a crédito correspondiam a transferências provenientes de contas bancárias de pessoas terceiras que os próprios clientes desconheciam em absoluto;
- relativamente ao perfil de clientes dos Autores, os dois primeiros são casados entre si, têm o ensino básico e desempenham actividade profissional como empresários da construção civil;
- indicaram ser ambos sócios gerentes de uma sociedade comercial com vários funcionários a seu cargo (em 2019), empresa que fora constituída no ano de 2001;
- os restantes Autores, casados entre si, também dispõem de habilitações literárias, sendo o 3.º Autor orçamentista na sociedade dos pais (os dois primeiros demandantes) e a 4.ª Autora licenciada e com alguma prática profissional de actividade bancária (nove meses).
A Ré, por via impugnativa, alegou factos tendentes a sustentar:
- o seu completo alheamento em relação à atividade empreendida por AP..., no tocante ao relacionamento desta com os Autores, a qual jamais exerceu funções de gestora de conta dos mesmos, não lhe sendo possível subscrever aplicações financeiras por eles;
 - que qualquer subscrição de produtos financeiros, através do banco, só se mostrava possível mediante as instruções específicas vindas dos Autores;
 - que a crença destes na regularidade da actividade de AP... não foi gerada, em nenhuma medida, pelo Réu;
 - que o que ocorreu foi por culpa dos Autores, sujeitos a particular nível de exigência na sua actuação.
Os Autores, no exercício do contraditório (franqueado por despacho proferido a fls. 701), alegaram que não facultaram à referida agente vinculada quaisquer dados de acesso às suas contas e que nem tal seria necessário, uma vez que esta, enquanto funcionária do Réu, podia aceder a tais dados e terá movimentado as contas bancárias sem qualquer autorização ou colaboração sua, só com manifesta má fé podendo agora o Réu vir tentar assacar-lhes culpa, quando estes são pessoas honestas que perderam as suas poupanças de uma vida de trabalho.
Dispensada a realização de Audiência Prévia foi proferido Despacho Saneador, sendo fixado o valor da acção, proferido despacho a definir o objecto do litígio (“decidir se o ora Réu deve ser responsabilizado perante os Autores pelos valores peticionados, em virtude da atuação da agente vinculada AP...”) e os temas da prova, bem como a admitir os meios de prova, e designada data para julgamento.
Realizada Audiência de Julgamento veio a ser proferida Sentença, da qual consta a seguinte parte decisória:
“Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente ação, por estar parcialmente provada, e improcedente a matéria excetiva deduzida, por não provada; em consequência:
a) Condena o Réu no pagamento aos dois primeiros Autores, M... (1.ª Autora) e A... (2.ª Autor), da quantia global de €320.000,00 (trezentos e vinte mil euros), sendo €300.000,00 referentes ao valor alegadamente investido na apólice de seguro da “Império Luxemburgo”; e €20.000,00 referentes ao valor entregue à agente vinculada do Réu para compra de dólares;
b) Condena o Réu no pagamento a cada um dos dois primeiros Autores da quantia – ora atualizada – de €16.853,54, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, no montante total de €33.707,08 (trinta e três mil, setecentos e sete euros e oito cêntimos);
c) Condena o Réu no pagamento aos dois restantes Autores, AC... (3.ª Autora) e NA... (4.º Autor), da quantia global de €83.000,00 (oitenta e três mil euros), sendo €50.000,00 referentes à apólice de seguro da “Império Luxemburgo”; e €33.000,00 referentes às quantias entregues para compra de dólares e a constituição de um depósito-aforro;
d) Condena o Réu no pagamento a cada um dos dois restantes Autores da quantia – ora atualizada – de €8.426,77, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, no montante total de €16.853,54 (dezasseis mil, oitocentos e cinquenta e três euros e cinquenta e quatro cêntimos);
e) Condena o Réu a pagar aos quatro Autores juros moratórios, à taxa legal de 4 %, sobre as respetivas quantias indemnizatórias, a contar desde a data da citação em relação às verbas das alíneas a) e c), e desde a presente data em relação às verbas das alíneas b) e d), até integral pagamento;
f) Absolve o Réu do restante peticionado nos autos.
Custas a cargo dos Autores e do Réu, na proporção dos respetivos decaimentos (cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 607.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo da dispensa prevista no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, que se determina em concreto.
Registe e notifique”.
É desta Sentença que vem interposto Recurso de Apelação por parte da Ré, a qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“A. o B, SA. não aceita que se tenha considerado provada a matéria constante dos pontos 11, 13, 14, 18, 64, 65, 69, 70, 72 e 73 e considera que deviam ter sido dados como provados os pontos XI e XII da matéria de facto não provada.
B. Por outro lado, existe matéria alegada pelo B, SA. na fase dos articulados que se deve considerar perfeitamente incluída nos Temas da Prova 2) e 3), que resultou inequivocamente provada em julgamento e que, inexplicavelmente, não consta da Sentença recorrida em nenhum dos sentidos possíveis.
C. Da fundamentação por parte do Tribunal a quo resulta que a prova do facto 13 (alegadas entregas dos 1.ºs Recorridos a AP...) decorreu dos documentos de fls. 32 a 46v, ou seja, dos Documentos n.os 3 a 21 da PI.
D. Nada resulta quanto a prova documental dos factos 64, 65 e 66, senão por remissão para as alegadas apólices falsas que constam de fls. 244v a 246v.
E. E resulta ainda que a matéria constante do ponto 69 (alegadas entregas dos 2.ºs Recorridos a AP... para suposto investimento em dólares americanos) decorreu dos documentos de fls. 247 a 254v, ou seja, dos Documentos n.os 42 a 50 da PI.
F. Esses documentos apenas evidenciam movimentos a débito em contas dos Recorridos, mediante levantamentos de numerário, cheques, transferências e (pasme-se!) pagamentos de serviços, mas deles nada resulta quanto ao destino dado a esses valores pelos Recorridos.
G. Quanto à alegada entrega a AP... de todos os valores mencionados nos pontos 13, 14, 64, 65 e 66 da matéria de facto provada a AP..., temos por certo, portanto, que nada resulta da prova documental.
H. Da prova testemunhal também nunca poderia resultar, pois nenhuma das testemunhas apresentadas pelos Recorridos declarou ter presenciado qualquer interacção destes com AP..., muito menos qualquer entrega de valores.
I. Sobre danos patrimoniais e alegadas entregas a AP..., não há nenhum depoimento testemunhal que seja, nessa matéria, mais do que depoimento indirecto resultante daquilo que as testemunhas terão ouvido dos próprios Recorridos.
J. Restam, portanto, as declarações de parte dos Recorridos, que não foram peremptórias quanto aos valores que entendem ter entregado a AP..., como resulta dos excertos das respectivas gravações transcritos na motivação, em concreto, de AL e M....
K. Além disso, é importante não esquecer o tema do valor probatório das declarações de parte, que o próprio Tribunal a quo qualificou como insuficiente para a prova de factos por si só, quando desacompanhadas de outros meios de prova que as corroborem devidamente.
L. Assim, se aquilo que foi afirmado em sede de declarações de parte poderia ter encontrado “conforto probatório” nos outros meios de prova no tocante aos efectivos débitos nas suas contas, não há qualquer dúvida de que nenhum outro meio de prova ofereceu a essas declarações de parte qualquer sustento quanto à alegada entrega de tais valores a AP....
M. E se assim é, então é igualmente insofismável que o Tribunal a quo não poderia ter considerado provada a matéria constante dos pontos 11, 13, 14, 18, 64, 65, 69, 72 e 73, devendo tais pontos ser eliminados da matéria provada por V. Exas.
N. Estranha-se que o Tribunal a quo não faça qualquer referência a qualquer meio de prova sobre o ponto 70 da matéria de facto provada, nomeadamente porque constam dos autos, como Documento n.º 7 junto com a Contestação, tanto
(i) as Condições Gerais aplicáveis ao contrato de abertura de conta de cada um dos casais de Recorridos, como
(ii) as declarações expressas de aceitação dessas Condições Gerais por parte de todos os quatro Recorridos.
O. Nessas Condições Gerais o B, SA. comunicou, claramente, a todos os Recorridos, as limitações à actividade de AP..., conforme se alegou devidamente nos artigos 57, 161, 222, 223 e 237 da Contestação – entre as quais a proibição de receber valores de clientes.
P. E não há dúvidas de que foram os Recorridos quem aceitou expressamente as referidas Condições Gerais, porque tais assinaturas não foram impugnadas quanto à sua genuinidade.
Q. Neste âmbito, mais do que as declarações de parte não serem corroboradas por outros meios de prova, estamos perante uma situação em que as mesmas foram claramente contrariadas pela prova documental que referimos acima.
R. OB, SA. produziu prova (documental) mais do que apta, não só a tornar duvidosa a alegação dos Recorridos (para os efeitos do artigo 346.º do CC), mas mesmo a demonstrar a falsidade dessa alegação.
S. Pelo que, não só a matéria do ponto 70 nunca poderia ter sido dada como provada, como, pelo contrário, o Tribunal a quo deveria ter considerado provada a matéria alegada pelo B, SA. nos referidos pontos da sua Contestação.
T. Pelo que se requer que, com base na matéria alegada nos artigos 57, 161, 222, 223 e 237 da Contestação, e em face da prova documental referida (Documento n.º 7 da Contestação), seja alterada a redacção do ponto 70 da matéria de facto provada, nos seguintes termos:
70. Os Autores foram informados pelo Réu, logo no momento da abertura de conta, de que a agente vinculada AP... não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos clientes, nem a actuar ou tomar decisões de investimento em nome ou por conta dos clientes, nem a celebrar contratos em nome do Réu, nem a receber qualquer tipo de remuneração dos clientes”.
U. Da instrução da causa, em particular da prova produzida em audiência, cremos ter resultado provada matéria extremamente relevante devidamente alegada pelo B, SA. na sua Contestação.
V. A qual não pode ser qualificada como “conclusiva, repetida, irrelevante ou de direito”, pelo que não se lhe pode aplicar a justificação do Tribunal a quo para que a mesma não seja mencionada na Sentença recorrida, uma vez que “o sentido e o alcance dos temas da prova enunciados (cfr. artigo 410.º, segmento inicial, do Código de Processo Civil)”, não só permitia, como aliás impunha essa menção.
W. De acordo com as declarações de parte dos Recorridos, as alegadas entregas de valores a AP... teriam tido lugar em numerário entregue em mão no escritório da própria.
X. Comparando com a relação que tinha com outra instituição bancária (Caixa Geral de Depósitos) a Recorrida M... afirmou, no excerto das suas declarações de parte transcrito na motivação, que, embora tivesse feito entregas em numerário – presume-se que para depósito – nessa relação com a Caixa Geral de Depósitos, essas entregas ficavam todas reflectidas nos extractos, ao contrário do que sucedeu com o B, SA..
Y. Todos os extractos de contas de todos os Recorridos constantes dos autos são absolutamente omissos quanto a entradas a crédito dos valores que alegam ter entregado a AP..., sendo que a Recorrida M... também reconheceu, nos excerto que se transcreveu das suas declarações de parte, que recebeu extractos da conta.
Z. Os 2.ºs Recorridos, também reconheceram que, quanto a entregas de valores a AP... no suposto investimento em dólares, não houve, nem reflexo nos extractos, nem título documental algum.
AA. Além disso, a prova documental (extractos de conta) mostra que os valores que supostamente se destinavam a um investimento através de uma conta aberta no B, SA. tiveram que ser alegadamente levantados dessa mesma conta para serem entregues em mão a AP..., para depois voltarem ao património dos Recorridos em supostos investimentos.
BB. Ainda sobre as entregas de valores, constata-se dos extractos de conta (que padecem da mesma insuficiência probatória) que uma parte teria sido feita através de cheques em branco entregues a AP....
CC. Ainda de acordo com os extractos de conta dos Recorridos, numa terceira modalidade de entregas a AP..., estão em causa transferências feitas da conta dos Recorridos via homebanking,
DD. O que, como resulta do depoimento testemunhal de V… os transcrito na motivação, sucedeu com recurso a uma password de acesso ao serviço, uma segunda password de negociação para ordenar cada uma dessas transferências e um terceiro código de validação recebido por SMS no telemóvel do titular da conta.
EE. Há um ponto relacionado com essas transferências que não pode ser escamoteado, que são os descritivos das mesmas, os quais, não só não estavam, de forma alguma, relacionados com investimentos, apólices ou seguros, como alguns deles estavam visivelmente relacionados com justificações diversas, como transferências para terceiros.
FF. São os Recorridos quem aponta esses movimentos por transferência como supostas entregas para investimento, de onde resulta que, mesmo na tese de que as mesmas foram ordenadas por AP..., não colhe a alegação de que teriam sido feitas com os seus códigos sem que os mesmos os tivessem facultado àquela.
GG. Essas movimentações bancárias não podiam, ao mesmo tempo, ter sido abusivas (sem que os Recorridos tivessem fornecido os códigos pessoais) e pretendidas (reconhecidas pelos Recorridos como destinadas aos alegados investimentos).
HH. Ainda em termos de entregas, os extractos de conta evidenciam finalmente alguns movimentos identificados como pagamentos de serviços.
II. Não há qualquer razoabilidade em defender a expectativa de que a esses pagamentos de serviços se seguisse um qualquer investimento por parte de AP... com os valores em causa.
JJ. Já no que toca aos rendimentos dos supostos investimentos, todos os Recorridos foram unânimes, nos excertos transcritos das declarações de parte, ao afirmarem que sempre que receberam supostos juros foi através de entregas de numerário em mão, por parte de AP....
KK. Sobre a documentação que foi aportada aos autos pelo Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Lisboa, proveniente do processo-crime (n.º 5627/15.3TDLSB) em que AP... é arguida, por via de Ofício de 14.02.2022, o melhor que os Recorridos conseguiram referir foi que a justificação para a existência de documentos assinados por A... seria a de que este assinava frequentemente documentos em branco a pedido de AP....
LL. Embora os Recorridos tenham anunciado uma impugnação da genuinidade dessa documentação ao abrigo do artigo 446.º do CPC, essa impugnação não mereceu qualquer inclusão em sede de temas da prova, como impõe o artigo 449.º, n.º 2, do CPC, nem qualquer decisão a título de incidente no quadro da Sentença recorrida.
MM. Assim, tem de concluir-se que a mesma foi considerada manifestamente improcedente, nos termos do artigo 448.º, n.º 3, sendo certo que os Recorridos não mais reclamaram ou reagiram à manutenção dessa documentação nos autos.
NN. Tendo o B, SA. respondido à impugnação e não tendo declarado não pretender fazer uso dessa documentação nos autos, a mesma tinha que ter sido considerada na Sentença recorrida, como impõe o artigo 448.º, n.º 2, a contrario.
OO. Até porque a prova produzida em audiência não se pronunciou sobre a genuinidade dessa documentação, restando concluir que a referida impugnação improcedeu.
PP. É, por isso, lamentável que o Tribunal a quo aparente não ter-lhe atribuído relevância para a decisão a proferir, pois tem relevância, e não é pouca.
QQ. A matéria que decorre, tanto das declarações de parte nos termos expostos, como da documentação a que de nos referimos, cabia perfeitamente nos Temas da Prova n.ºs 2) e 3),
RR. E trata-se, tanto de matéria alegada pelo B, SA. nos artigos 21, 27 a 30, 33, 37, 72, 102, 108, 119, 120, 125, 139, 143, 148, 159 (iii), 160, 212 e 235 da Contestação, como de factos instrumentais resultantes da instrução da causa e que, portanto, não careciam de alegação expressa pelo B, SA. nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
SS. O B, SA. também alegou, nos artigos 95, 96 e 97 da Contestação, que informou os Recorridos, logo no momento das suas aberturas de conta, por via das Condições Gerais que estes expressamente aceitaram, dos meios à disposição destes para consulta das empresas de seguros para as quais o B, SA. actuava como mediador.
TT. E alegou ainda, nos artigos 76, 77 e 78 da Contestação, ter informado os Recorridos dos outros canais de comunicação que colocou ao seu dispor, preferencialmente o serviço de homebanking, mas também o call center telefónico e os centros de investimento,
UU. O que os Recorridos demonstraram ter percebido quando, mais tarde, contactaram directamente o B, SA. (vide ponto 28 da matéria de facto provada).
VV. Todas essas alegações foram evidenciadas documentalmente por via dos Documentos n.ºs 7, 13 e 14 da Contestação (e ainda do Documento n.º 37 junto com a PI), e devem considerar-se abrangidas pelo Tema da Prova 2).
WW. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto quando desconsiderou essas alegações e omitiu da Sentença recorrida um juízo de prova sobre as mesmas, violando o disposto no artigo 5.º, n.º 2, do CPC.
XX. Em consequência do que se referiu, requer-se a V. Exas. que, de acordo com a prova produzida nos autos que referimos expressamente, sejam aditados novos pontos 89, 90, 91, 92, 93 e 94 à matéria de facto provada, com as seguintes redacções:
“89. As entregas de valores pelos Autores a AP..., cujo valor global se desconhece, tiveram lugar por via de numerário entregue em mão, cheques emitidos em branco (sem preenchimento do campo do beneficiário), transferências cujos descritivos não evidenciam qualquer relação com os investimentos e pagamentos de serviços a entidades cuja identidade se desconhece.”
“90. Nenhuma das entregas de valores feitas pelos Autores a AP... alguma vez foi reflectida nos extractos das respectivas contas junto do B, SA. e, no caso do investimento em dólares americanos, as entregas feitas pelos 2.ºs Autores a AP... não foram tituladas em qualquer tipo de comprovativo, falsificado ou não.”
“91. Os Autores receberam valores de AP..., a título de rendimentos dos investimentos, em diversas ocasiões, inclusivamente na residência daquela, tendo o Autor A... assinado recibos desses recebimentos, e tendo todos os recebimentos sido pagos em numerário entregue em mão por AP....”
“92. AP... chegou a assinar um comprovativo de recebimento do valor de €20.000, em 29.01.2014, para entrega ao Autor A..., tendo justificado essa entrega como tendo sido feita pelo referido Autor a título de empréstimo a AP....”
“93. Na relação dos 1.ºs Autores com a Caixa Geral de Depósitos nunca foram feitas entregas de valores para investimento por via de cheques em branco, todas as entregas em umerário foram reflectidas nos extractos da sua conta, e todos os rendimentos de investimentos foram pagos por crédito em conta.”
“94. O B, SA. informou os Autores, nas respectivas aberturas de conta, por via das suas Condições Gerais, dos meios à sua disposição para confirmação das entidades para as quais aquele actuava como mediador de seguros, bem como dos canais de comunicação ao dispor dos Autores, como o homebanking, o call center telefónico e os centros de investimento.”
YY. Existem também nos autos meios de prova aptos a fundamentar a prova de factos instrumentais relevantes, bem como outra matéria de facto provada, que cremos serem aptos a justificar, do ponto de vista da razoabilidade e da experiência comum, a prova dos factos XI e XII.
ZZ. Apesar de não terem presenciado as interacções dos Recorridos com AP..., as testemunhas do B, SA. referiram-se a procedimentos, limitações e pressupostos transversais a todos e quaisquer clientes, que não há razão para terem sido diferentes no caso dos Recorridos, nem indícios de que o tenham sido.
AAA. Tal como foram descritos e pela forma como o sistema se encontrava e encontra estruturado, que não há qualquer outra explicação razoável, com base na experiência comum, para a realização abusiva de transferências das contas dos Recorridos por parte de AP... que não fosse o facto de aqueles terem facultado a esta os seus códigos pessoais e intransmissíveis.
BBB. Das transcrições dos depoimentos de V..., MF... e CS…. feitas na motivação resulta, inequivocamente, que AP... não tinha qualquer forma de ordenar transferências a partir da conta de um cliente, mesmo da sua carteira, por sua exclusiva iniciativa e com base na plataforma informática e nos meios que o B, SA. colocava à sua disposição.
CCC.Resultou dessa prova que para ordenar uma transferência via homebanking para fora do seu património (i.e. para uma conta não titulada por si), qualquer dos Recorridos necessitava da sua password de acesso (para aceder à sua área de cliente na plataforma de homebanking), da password de negociação (para ordenar a transferência) e do código SMS token (para validar essa ordem).
DDD. Esses códigos, como explicou com clareza a testemunha V..., no excerto que se transcreveu na motivação, são enviados, sem excepção, a todos os clientes no momento em que a conta se considera validamente aberta.
EEE. O envio decorre de um processo automatizado e informatizado, portanto sem intervenção humana, que culmina com a geração de códigos aleatórios e encriptados, que são impressos em documentos,
FFF. Os quais, por sua vez, são, então, remetidos aos clientes para as moradas por estes indicadas e comprovadas no processo de abertura de conta, para que não restem dúvidas de que as moradas lhes correspondem e não a qualquer terceiro.
GGG. A validação da abertura de conta pressupõe uma total correspondência e congruência da documentação entregue pelos clientes e decorre de um processo realizado em back office por um departamento central do Novo Banco, S.A., não do B, SA.,
HHH. No qual não tem qualquer intervenção o agente vinculado que, em cada caso, tenha recebido dos clientes a documentação assinada e tenha entregado essa documentação aos serviços do B, SA. para tratamento posterior.
III. Apelando à razoabilidade e à experiência comum, parece-nos mais do que evidente que as transferências, embora consentidas por todos os Recorridos – como se vê da circunstância de nestes autos as considerarem entregas de valores para investimento –, só podem ter sido feitas por AP....
JJJ. Nenhum cliente decidiria, por sua livre iniciativa, atribuir descritivos como aqueles que constam dos extractos a transferências que ordenasse para subscrição de investimentos financeiros.
KKK.Tal como sucedia com os descritivos de transferências de contas de outros clientes que AP... realizou com os códigos que estes lhe forneceram, os descritivos aqui em análise, dada a sua propositada opacidade e ininteligibilidade, só podem evidenciar que as transferências em causa foram todas ordenadas por AP....
LLL. Decorre ainda dessa prova testemunhal que AP... não podia ter obtido os códigos pessoais ilicitamente, pois o próprio B, SA. não tem conhecimento das passwords de cada cliente, como peremptoriamente esclareceu a testemunha V… no excerto transcrito.
MMM. Essa possibilidade não é real, nem sequer verosímil, pois a Acusação proferida pelo Ministério Público contra AP... no processo-crime, depois de mais de quatro anos de inquérito, consta dos autos, e da sua análise resulta claramente que nenhum crime lhe é imputado a esse respeito.
NNN. Os Recorridos não alegam
(i) qualquer irregularidade nos processos de abertura de conta,
(ii) não impugnam a genuinidade das assinaturas dessa documentação,
OOO. E dos depoimentos transcritos das testemunhas do B, SA. resulta que
(iii) após validação da abertura das contas foram impreterivelmente remetidos aos Recorridos os seus códigos pessoais, e que
(iv) as transferências relevantes nestes autos foram feitas com recurso a esses códigos.
PPP. E resulta ainda que não havia outra forma de AP... ter acesso aos códigos pessoais dos Recorridos que não fosse mediante partilha voluntária por parte destes, pois o próprio B, SA. não tem registo ou conhecimento dos códigos de nenhum cliente.
QQQ. Com base na análise rigorosa e imparcial da prova documental (extractos) e testemunhal (V..., MF… e CS…) constante dos autos, à luz dos critérios que devem nortear a sua valoração nos termos da Lei processual, em particular os previstos no artigo 607.º, n.os 4 e 5 do CPC, requer-se a V. Exas. que corrijam o erro de julgamento do Tribunal a quo e, em consequência, revertam a decisão proferida relativamente aos pontos XI e XII da matéria de facto não provada, incluindo ambos esses pontos na matéria de facto provada.
RRR. As funções de AP..., conforme delimitadas legal e contratualmente, deveriam restringir-se à angariação de clientes, à recolha de documentação para abertura de contas e à promoção e prestação de informação relativamente a investimentos que o B, SA. intermediava.
SSS. Não corresponde à verdade que “o contacto pessoal e direto do Réu com os seus clientes (onde se incluem os Autores) não era possível, atenta a ausência de balcões de atendimento ao público”, pois os Recorridos foram devidamente informados pelo B, SA. de todos os meios de contacto à sua disposição, sendo o acesso a homebanking a via preferencial, mas complementado pelo call center telefónico e pelos centros de investimento.
TTT. Por isso, também não é correcto afirmar que “AP... era o único contacto dos Autores com o Réu”.
UUU.Também não é verdade que “[t]udo se processava num contexto cénico de exercício aparente de funções como agente vinculada do Réu (que formalmente era)”, pois os Recorridos ignoraram a informação prestada pelo B, SA. quanto às limitações à actividade de AP... no momento das aberturas das respectivas contas,
VVV. Entregaram valores em numerário em mão a AP..., alguns dos quais alegadamente provenientes de levantamentos das próprias contas no B, SA., onde já se encontravam depositados,
WWW. Entregaram cheques em branco a AP..., sem exigirem qualquer comprovativo a não ser, numa das ocasiões, um documento sem timbre do B, SA. no qual AP... declarou ter recebido o valor em causa a título de empréstimo, quando reconhecem que nunca o fizeram na relação com outra instituição bancária,
XXX. Permitiram a AP... a movimentação das suas contas por via da realização de transferências – com descritivos completamente inexplicáveis e sem aparente ligação aos supostos investimentos – e de pagamentos de serviços,
YYY. Tendo-lhe fornecido – ou indiscriminadamente, ou para efeitos de cada uma dessas operações concretas, o que é irrelevante – os seus códigos pessoais de movimentação de contas. ZZZ. Os Recorridos, desde logo, violaram claramente os contratos de abertura de conta celebrados com o B, SA., tornando-se exclusivamente responsáveis pelos movimentos daí decorrentes, especificamente as referidas transferências e pagamentos de serviços.
AAAA. Nenhuma das supostas entregas de valores a AP... culminou com movimentação a crédito nas suas contas devidamente reflectida nos seus extractos, o que os Recorridos aceitaram e não comunicaram ao B, SA., apesar de este os ter informado desde o início de todas as formas de comunicação que não passavam pelas interacções com AP....
BBBB. Os Recorridos receberam também entregas de alegados juros por via de numerário entregue em mão por AP..., ao contrário do que sucedia com os investimentos feitos através de outra instituição, cujos rendimentos eram creditados directamente na conta bancária.
CCCC.Considerando esse envolvimento, é gravíssima a partilha de códigos pessoais, que tem consequências autónomas (exclusiva responsabilização dos Recorridos pelos movimentos daí resultantes), e também extremamente censurável o facto de terem decidido fechar os olhos a todos os indícios de irregularidade.
DDDD. O que levou a que não tivessem levantado qualquer dúvida perante o B, SA., inviabilizando, com essa conduta, a possibilidade de este detectar essas irregularidades em devido tempo.
EEEE. Para o efeito que aqui estamos a discutir, o que importa concluir é que nunca, nesse contexto, os Recorridos podiam ter legitimamente confiado que AP... estivesse a actuar no âmbito das funções para as quais foi contratada pelo B, SA..
FFFF. É, assim, francamente errado afirmar, como afirmou o Tribunal a quo, que “foi através da geração de uma aparência do exercício regular das funções que lhe haviam sido confiadas pelo Réu (a captação dos Autores como clientes do Réu para a realização de aplicações financeiras), mas em flagrante abuso das mesmas (já que lhe estava vedada, além do mais, a receção de dinheiro por parte dos Autores), que a mesma AP... logrou cometer os atos ilícitos em questão”,
GGGG. Se há coisa que nunca houve, desde o início das interacções dos Recorridos com AP..., foi uma aparência (para um cliente minimamente diligente) de exercício regular das funções.
HHHH. Em consequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, também não poderá dizer-se que “não se provou que os Autores tivessem fornecido os dados de acesso às suas contas bancárias a AP...; e que, inclusivamente, lhe facultaram os seus códigos de utilizador (user name), as palavras de passe (passwords) de acesso e de negociação, bem como os códigos enviados por SMS para os seus respetivos telemóveis (SMS token) – cfr. factos não provados XI e XII”.
IIII. Também não podia o Tribunal a quo, se tivesse considerado todos os meios de prova carreados para os autos (e.g. o Documento n.º 7 da Contestação), afirmar que “os Autores jamais foram informados pelo Réu, ou por qualquer outra pessoa ou entidade, que a agente vinculada AP... não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos clientes”.
JJJJ. A ausência de um nível mínimo de diligência dos Recorridos na sua interacção com AP..., quando tinham sido informados de que esta tinha diversas limitações à sua actividade – com ênfase na proibição de receber valores de clientes –, quando o B, SA. lhes tinha facultado os meios para confirmarem que este não intermediava subscrições de seguros de Companhia de Seguros Império, e quando tinham sido informados de todas as outras vias de contacto com o B, SA. que não o contacto pessoal com AP..., muito antes de relevar para efeitos do instituto da culpa do lesado ou do abuso do direito, releva para efeitos da delimitação do âmbito das funções de AP... prevista no n.º 2 do artigo 500.º do CC. KKKK.Nunca se poderia, assim, defender que a actuação daquela criou um “estado de confiança (boa fé)” dos Recorridos no seu comportamento. 
LLLL. Como se vê, foi claramente o silêncio conivente e a falta de diligência dos Recorridos o factor decisivo para os danos que aqui alegam, e não “a natureza dos actos de que foi” incumbida AP..., nem a natureza “dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados” pelo B, SA..
MMMM. Considerando as limitações à sua actuação enquanto agente vinculada e a anormalidade dos procedimentos adoptados com os Recorridos, a actuação de AP... claramente não pode ter-se como compreendida no âmbito dos poderes de que AP... gozava no exercício da comissão.
NNNN. É inevitável que se conclua que, ao contrário do que defendeu o Tribunal a quo, falhou claramente o preenchimento dos pressupostos de imputação de responsabilidade ao B, SA., ao abrigo do artigo 500.º do CC, na qualidade de comitente.
OOOO. Urge corrigir o erro de julgamento do Tribunal a quo, absolvendo-se o B, SA. da responsabilidade que lhe foi imputada nestes autos pelos Recorridos, o que expressamente se requer de V. Exas.
PPPP. Subsidiariamente, a conduta francamente negligente dos Recorridos deve ser relevada de outra perspectiva, não enquanto elemento de delimitação do âmbito das funções de AP... para efeitos do artigo 500.º do CC,
QQQQ. Mas sim em termos de causalidade, por se reconhecer que foi esse relacionamento negligente e conivente dos Recorridos que conferiu a AP... os meios para, não só se apropriar de valores que os Recorridos lhe entregaram para investimento, como para fazê-lo durante um período de tempo mais longo do que sucederia se o B, SA. tivesse tomado conhecimento das irregularidades da sua actuação.
RRRR. A responsabilidade do B, SA. ao abrigo do artigo 500.º do CC, caso V. Exas. considerem que existe – o que apenas se equaciona por dever de patrocínio, sem conceder –, sempre teria que ser excluída por ausência de causalidade face aos danos, conforme previsto no artigo 570.º do CC, que o Tribunal a quo entendeu, e mal, não ter aplicação in casu,
SSSS.Precisamente porque nada houve nos actos (exíguos) dos quais o B, SA. incumbiu AP..., nem nos meios técnicos (restritos) que colocou à sua disposição, nem na comunicação (logo na abertura de conta) com os Recorridos, nem no sistema de controlo da sua actividade que tinha implementado, que tivesse conferido a AP... os meios para se apropriar de valores dos Recorridos, ou que tivesse provocado nos Recorridos a convicção de que a actuação daquela era perfeitamente regular.
TTTT. Além disso, sempre teriam que ser descontados das indemnizações em que o B, SA. foi condenado valores pelos quais o B, SA. nunca poderia ser responsabilizado,
UUUU. Nomeadamente os que tivessem sido apropriados por AP... na sequência de transferências e pagamentos de serviços ordenados com base nos códigos pessoais que os Recorridos lhe forneceram voluntariamente, que perfazem o valor global de €56.660, no caso dos 1.os Recorridos (Documentos n.os 3, 11 e 25 da PI), e de €12.000, no caso dos 2.ºs Recorridos (Documentos n.os 47 e 50 da PI).
VVVV.O mesmo se diga sobre todos os valores que comprovadamente foram pagos por AP... ao longo do tempo aos Recorridos, a título de supostos rendimentos, pois os danos patrimoniais a considerar serão apenas os correspondentes à diferença entre os valores que os Recorridos tiverem entregado a AP... e aqueles dos quais acabaram por não ser ver privados, por lhes terem sido devolvidos, independentemente do título a que o foram,
WWWW. Já que os Recorridos não se apresentam – nem podiam – nestes autos a reclamar um interesse contratual positivo baseado nos contratos inexistentes, pelo que não se pode considerar, à luz do que estabelecem os artigos 562.º e 563.º do Código Civil, existir um nexo de causalidade entre a conduta de AP... e a perda de valores que esta, ao longo do tempo, acabou por devolver à esfera patrimonial daqueles.
XXXX. Falamos, assim, dos valores de €39.552,00 no que toca aos 1.ºs Recorridos e de €3.500 pagos aos 2.ºs Recorridos (Cfr. documentação junta aos autos proveniente do processo-crime por via do Ofício de 14.02.2022).
YYYY. As indemnizações em que o B, SA. foi condenado a título de danos patrimoniais deveriam, assim, neste cenário subsidiário, ser reduzidas para os valores de €223.788,00 no caso dos 1.ºs Recorridos e de €67.500,00 no caso dos 2.ºs Recorridos, o que se requer.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis:
Deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência:
A. Ser declarada procedente a impugnação da matéria de facto e:
(a) serem dados como não provados os pontos 11, 13, 14, 18, 64, 65, 69, 72 e 73 da matéria de facto provada na Sentença recorrida por ausência de prova a esse respeito que corrobore as declarações de parte;
(b) ser alterada a redacção do ponto 70 da matéria de facto provada, nos termos requeridos, por ter sido produzida pelo B, SA. prova documental em sentido 85/86 contrário ao alegado, e não provado, pelos Recorridos;
(c) serem dados como provados novos pontos 89, 90, 91, 92, 93 e 94, com as redacções requeridas, com base na matéria alegada pelo B, SA. ou em factualidade instrumental resultante da instrução da causa, toda ela provada nos autos testemunhal e documentalmente; e
(d) serem dados como provados os pontos XI e XII da matéria de facto não provada na Sentença recorrida, em resultado da aplicação dos critérios da experiência comum e da razoabilidade implícitos no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC. ~
Em consequência: B. Deve ser declarada procedente a impugnação da decisão de Direito e:
(a) Ser o B, SA. integralmente absolvido dos pedidos formulados ao abrigo da responsabilidade do comitente, por se reconhecer falhar o preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 500.º, n.º 2, do CC, não cabendo a actuação de AP..., de nenhuma perspectiva, no âmbito das suas funções;
Subsidiariamente:
(b) Ser excluída a responsabilidade do comitente imputada ao B, SA., por se reconhecer que, do ponto de vista da causalidade, foi a negligência dos Recorridos o factor decisivo para os danos alegados, ao abrigo da culpa do lesado prevista no artigo 570.º do CC;
Subsidiariamente, ainda:
(c) Deve ser reduzido o valor dos danos patrimoniais sofridos pelos Recorridos e, consequentemente, reduzidas as indemnizações a pagar a esse título pelo B, SA., para os valores de €223.788,00 aos 1.ºs Recorridos e de €67.500,00 aos 2.ºs Recorridos, quer por estes serem exclusivamente responsáveis pela movimentação das contas decorrente da partilha de códigos pessoais com AP..., quer ao abrigo do disposto nos artigos 562.º e 563.º do CC, por lhes terem sido restituídos valores ao longo do tempo a título de suposta remuneração dos investimentos inexistentes,
Apenas assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
Os Autores apresentaram Contra-Alegações, nas quais defendem a improcedência do recurso porque:
“1ª). Nas suas doutas Motivações de Recurso, vem o Recorrente impugnar a douta Sentença, datada de 28/02/2023, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível - Juiz 6, que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou o Recorrente.
2ª). Sucede que, salvo melhor entendimento, a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, não padece de nenhum dos vícios que o Recorrente lhe aponta, não merece reparo ou censura de qualquer ordem, natureza ou medida, correspondendo a uma decisão bem fundamentada, que escalpelizou corretamente toda a matéria de facto submetida a julgamento.
3ª). Os aqui Recorridos consideram que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, decidiu bem, quer de facto, quer de Direito, motivo pelo qual defendem que a douta motivação de recurso apresentada pelo Recorrente, com o devido respeito, que é muito, não pode merecer qualquer acolhimento.
4ª). O presente recurso serve para cimentar a convicção de que mais não representa que uma tentativa do Recorrente para se eximir das suas responsabilidades perante os Recorridos e demais lesados pela actuação da agente vinculada do Recorrente, à semelhança do que sucedeu no âmbito do processo n.º 21171/16.9T8LSB. Com efeito, já nesse processo, num caso idêntico ao dos autos e em que está em causa a actuação da mesma agente vinculada, o Recorrente foi condenado por este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e recorreu deste Acórdão, que veio a ser confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 08/11/2018 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2019, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt )
5ª). Também no processo n.º 7253/19.9T8LSB, o Recorrente foi condenado pelo Tribunal de 1.ª instância, decisão confirmada por este Tribunal da Relação, em consequência da actuação ilícita da mesma agente vinculada (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 24/11/2022).
6ª). O Recorrente recusa-se a aceitar a responsabilidade objectiva que sobre si impende e vem sustentar uma presumível e generalizada culpa de todos os clientes que foram lesados, entre os quais os Recorridos, esquecendo-se que, no caso em apreço, não logrou provar haver qualquer culpa dos Autores, ora Recorridos.
7ª). Foi o Recorrente quem escolheu a agente vinculada, AP..., para o representar junto dos seus clientes e era sobre o Recorrente que impendia a obrigação de verificação da idoneidade da referida agente vinculada, nos termos do disposto no artigo 294.º-B, n.ºs 3 e 4 do Código dos Valores Mobiliários (CVM).
8ª). O Recorrente age como se a AP... tivesse dupla personalidade e só vinculasse o Recorrente naquilo que lhe é conveniente, na parte boa da sua actuação, como sucedeu com a abertura de dezenas de contas de clientes, que até era premiada pelo Recorrente.
9ª). No que se refere à actuação ilícita da AP..., o B, SA. lava as suas mãos, foge à sua responsabilidade e age como se nada tivesse a ver com isso, como se as movimentações entre contas de clientes e de AP... não se verificassem no interior do próprio Recorrente e debaixo dos seus olhos.
10ª). O Recorrente pretende, a qualquer custo, que este Venerando Tribunal presuma que os Recorridos facultaram os seus códigos pessoais para a AP... apropriar-se das suas poupanças, generalizando os casos de todos os clientes e como se estes fossem cúmplices de AP..., quando não foi produzida qualquer prova credível nesse sentido no julgamento dos presentes autos.
11ª). Não foi produzida qualquer prova de que os Recorridos tivessem alguma vez dado as passwords de acesso às suas contas a AP... ou os códigos sms para que esta fizesse as transferências das contas destes para as suas próprias contas ou para contas de terceiros.
12ª). Na verdade, os Recorridos nunca facultaram quaisquer passwords de acesso às suas contas à gestora de conta do Recorrente.
13ª). Conforme se demonstrará, o que o Recorrente pretende com este recurso resultaria numa violação manifesta do princípio da tutela confiança e da responsabilidade das pessoas colectivas pelos actos dos seus representantes e auxiliares.
14ª). Os Recorridos, desde que abriram conta bancária no B, SA., sempre tiveram como personal financial advisor AP..., que conheciam como funcionária do B, SA..
15ª). AP... sempre agiu na qualidade de representante do Recorrente no cumprimento de obrigações do mesmo, pois apresentou-se e agiu perante os clientes como representante do Banco, intervindo ativamente na concretização dos investimentos propostos, abertura de contas bancárias, recolha de documentos, reconhecia assinaturas, certificava documentos, recebia fundos dos clientes, efetuava depósitos, subscrevia apólices de seguro, sendo o único ponto de contacto que os Recorridos tinham com o Recorrente, dado que este não tinha balcões de atendimento ao público por se tratar de um banco eletrónico.
16ª). A verdade é que com esta atuação, não existindo qualquer contacto direto do B, SA. com os clientes, a não ser através de AP..., esta abriu mais contas do que as solicitadas, ordenou centenas de transferências que os clientes desconheciam e efetuou várias aplicações financeiras não autorizadas.
17ª). Foi no desempenho das funções para o Recorrente que AP... desenvolveu a sua atuação ilícita, tendo lesado os Recorridos que confiaram na agente vinculada do Recorrente em virtude das funções que esta exercia para este.
18ª). O Mm. Juiz do Tribunal recorrido valorou as provas de acordo com a imediação e o princípio da livre apreciação da prova e fez uma conscienciosa ponderação dos elementos probatórios e das circunstâncias que os envolvem, conforme resulta de toda a douta motivação da decisão sobre a matéria de facto.
19ª). O Tribunal a quo considerou provados os factos constantes dos pontos 11, 13, 14, 18, 64, 65, 69, 72 e 73 da matéria de facto provada, dado que ficou demonstrado pelos documentos juntos aos autos e em audiência, pelo depoimento dos Autores, quer das testemunhas, que os Autores confiaram as suas poupanças à agente vinculada do Réu para subscrever os seguros de capitalização negociados pela sucursal do Luxemburgo e para investimento em dólares americanos.
20ª). Os Autores não pretendem receber nada mais do que aquilo a que legitimamente têm direito por corresponder às suas poupanças que confiaram à agente vinculada do B, SA. e ao que foi o seu dano.
21ª). Sendo certo que, não podem subsistir dúvidas de que os Autores é que são os lesados neste caso e não estão a tentar lesar o B, SA., como este pretende fazer crer.
22ª). Só com manifesta má-fé pode o Recorrente duvidar do facto de os Autores terem confiado as suas poupanças a AP..., na qualidade de agente vinculada do Recorrente. Desde logo, tal resultou da confissão que a referida agente vinculada fez no âmbito do processo-crime, tendo esta confessado, integralmente, ter recebido tais quantias dos Autores.
23ª). Acresce que, aquela agente vinculada entregou aos Autores as apólices dos alegados seguros de capitalização que foram juntas aos autos a fls. 244v a 246v, o que comprova que estes lhe entregaram aquelas quantias para subscrição dos seguros.
24ª). Para além de terem recebido as apólices dos seguros de capitalização, pelas declarações dos Autores ficou demonstrada a confiança que estes tinham na agente vinculada exclusiva do B, SA. e as quantias que lhe entregaram para aplicação em seguros e em dólares, através do B, SA..
25ª). As declarações dos Autores – no que se refere à forma como eram feitos os investimentos e à confiança depositada na agente vinculada do B, SA. – foram corroboradas pelos depoimentos das testemunhas Augusto e Diogo Timóteo, também eles lesados pela actuação da referida agente vinculada.
26ª). É evidente que os Autores entregaram, em numerário, as quantias peticionadas nos presentes autos à agente vinculada do B, SA., ora Recorrente, tal como sucedeu com outros lesados.
27ª). Os factos descritos nos pontos 11, 13, 14, 18, 64, 65, 69, 72 e 73 da matéria de facto provada foram corretamente julgados como provados, não devendo ser feita qualquer alteração no que se refere a esta decisão.
28ª). O Recorrente pretende ver alterada a redação do ponto 70 da matéria de facto provada para que se passe a considerar provado que “os Autores foram informados pelo Réu, logo no momento de abertura de conta, de que a agente vinculada AP... não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos clientes, nem a actuar ou tomar decisões de investimento em nome ou por conta dos clientes, nem a celebrar contratos em nome do Réu, nem a receber qualquer tipo de remuneração dos clientes.”
29ª). Alega o Recorrente que tal informação consta das Condições Gerais aplicáveis ao contrato de abertura de conta que foram aceites pelos Autores, ora Recorridos.
30ª). Sucede, porém, que as Condições Gerais de abertura de conta são contratos de adesão que foram assinados pelos Autores sem que lhes tivesse sido explicado o respectivo teor. Como um contrato de adesão, está sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos DL 220/95, de 31/1 e 249/99, de 7/7.
31ª). O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais, tem o dever de informação e comunicação sobre o conteúdo de tais cláusulas, pois que só podem ser corretamente aceites pela outra parte se desta forem conhecidas, sob pena de ocorrerem vícios na formação da vontade, nomeadamente os aludidos nos artigos 246.º, 247.º e 251.º do Código Civil, e de que tais cláusulas se considerarem excluídas dos contratos celebrados, nos termos do disposto no artigo 8.º, al. a), do mesmo DL 446/85.
32ª). Na verdade, o Recorrente não produziu qualquer prova no sentido de ter informado os Autores do que alega, pelo contrário, os Autores, ora Recorridos afirmaram que ninguém os tinha informado de tal facto.
33ª). Os Autores limitaram-se a confiar na única pessoa que era o seu contacto junto do B, SA. e que era a agente vinculada deste, sendo que esta sempre lhes disse para confiarem nela e que todos os procedimentos de entregas em numerário eram normais.
34ª). Aliás, os Autores não tinham razões para duvidar de tal procedimento de entregas em numerário, uma vez que foi o procedimento seguido aquando das aberturas de conta e tudo funcionou sem qualquer advertência por parte do B, SA., ora Recorrente, que recebeu o dinheiro da sua agente vinculada e efectuou a abertura de contas dos Autores.
35ª). Pelo que, deverá manter-se a redacção do facto provado sob o ponto 70 da matéria de facto provada.
36ª). No que se refere às designações das transferências que foram efectuadas das contas dos Autores/Recorridos para o investimento em dólares, as mesmas resultaram de indicações dadas por AP..., como resulta do depoimento da Autora AC..., sendo que o motivo para tais designações apenas será do conhecimento da própria AP..., mas, seguramente estará relacionado com alguma tentativa de ocultação de informação.
37ª). Quanto às aparentes contradições entre os depoimentos dos Autores/Recorridos AC... e do seu marido NA..., para além deste tema representar ainda, como resultou claro, de um turbilhão de emoções, onde o desespero pela perda das poupanças de uma vida se mistura com a revolta pela fora como foram ludibriados e manipulados pela AP..., na qualidade de agente vinculada do B, SA.,
38ª). O motivo que levou os Recorridos a fazê-lo parece-nos claro: havia uma confiança absoluta e incondicional na AP... pelo que tudo o que ela lhes dizia para fazer era efetuado sem ser questionado.
39ª). Os Recorridos nunca entregaram quaisquer códigos à AP... nem a terceiros, sendo que não existe qualquer prova nos autos que não tenha sido assim.
40ª). As designações e formas de pagamento foram sempre determinadas pela AP..., o que resulta evidente da forma como todo este enredo foi montado por aquela.
41ª). E quanto à questão dos documentos oriundos do processo-crime e que foram juntos pelo Réu, ora Recorrente, a verdade é que os mesmos foram expressamente impugnados pelos aqui Recorridos sendo que, em bom rigor, não tinham qualquer influência para a boa decisão da causa, pelo que nada há a criticar ao Mº Juiz do Tribunal a quo. Aliás, tendo os Autores/Recorridos impugnado tais documentos, cabia ao Réu/Recorrente fazer prova de que tais documentos eram genuínos, o que não se verificou.
42ª). Alega o Recorrente que os factos não provados XI e XII devem ser julgados provados, porquanto os Recorridos teriam fornecido os dados de acesso às suas contas bancárias a AP... e facultaram-lhe os seus códigos de utilizador (user name), as palavras-passe (passwords) de acesso e de negociação, bem como os códigos enviados por SMS para os seus respectivos telemóveis (SMS token).
43ª). As testemunhas do Recorrente apenas descreveram o alegado funcionamento ideal e em abstrato do sistema de segurança do B, SA. e revelaram nada saber sobre a forma como AP... efectuou a movimentação das contas dos Recorridos e de vários outros lesados.
44ª). Sendo certo que nenhuma das testemunhas afirmou, nem podia afirmar, ter conhecimento directo de que os Autores tivessem alguma vez facultado os dados de acesso às suas contas bancárias à agente vinculada do Recorrente.
45ª). Ao contrário do que parece pretender o Recorrente, a culpa dos Recorridos não se presume e a verdade é que AP... movimentou milhões de euros nas contas de clientes e nas suas contas, sem que o B, SA. tivesse conseguido evitar, o que indicia uma falta de controlo por parte do Recorrente e não a culpa dos lesados, entre os quais estão os Recorridos.
46ª). Os saldos de milhões de euros nas contas bancárias de uma funcionária do próprio banco nunca alertou o Recorrente e o levou a investigar o que se passava e pretende agora que o Tribunal reverta uma decisão que foi corretamente julgada e de acordo com a prova produzida em audiência.
47ª). A verdade é que, ao longo de vários anos, AP... conseguiu movimentar milhões de euros pelas diversas contas pessoais e dos clientes, dentro do B, SA., conforme se pode verificar pelo extrato da sua conta bancária e do documento junto aos autos, elaborado pela Polícia Judiciária no âmbito da investigação do processo-crime que corre contra a mesma.
48ª). O procedimento era o mesmo para todos os recorridos, AP... fazia entrar e sair valores das contas, quer das suas, quer dos clientes do B, SA., para fazer face a pagamentos pessoais, tendo-se apoderado de todas as quantias que estes pensavam ter investidas, quer nas apólices, quer em contas a prazo e nos seus saldos.
49ª). É importante evidenciar que o Recorrente é um banco electrónico, sem balcões de atendimento, e que todos os contactos eram mantidos através do contacto pessoal com a gestora de conta dos Recorridos que era a AP..., na qual depositavam confiança e nada os fazia crer em contrário.
50ª). O facto de a AP... ser a agente vinculada escolhida pelo B, SA. para gerir as contas dos Recorridos, sempre levou os Recorridos a confiarem que esta era uma pessoa idónea para o exercício de tal função. Aliás, conforme já se referiu, era o Recorrente quem tinha a obrigação de verificar a idoneidade dos seus agentes vinculados.
51ª). Nenhum dos Recorridos recebeu códigos de acesso às contas bancárias, pelo que não pode o Recorrente tentar ousar o argumento de que teriam facultado os códigos a AP... para se eximir à responsabilidade pelos atos praticados pela agente vinculada, no âmbito das funções que desempenhou para o mesmo.
52ª). Deverão ser mantidos como não provados os factos XI e XII, conforme bem decidiu o Mmo. Juiz do Tribunal a quo.
53ª). Em consequência, deve manter-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto.
54ª). Sendo AP... agente exclusiva do B, SA., nunca os Recorridos poderiam pensar que ela apresentava produtos não comercializados pelo mesmo.
55ª). Ao longo de todos estes anos os Recorridos pensavam que tinham as poupanças de uma vida de trabalho da família investidas nas aplicações do Réu.
56ª). O mais grave é que nestes 14 anos, o Recorrente que apesar de ter aqui confirmado em termos gerais que tinham um sistema de controlo perfeito e que analisavam as contas dos agentes vinculados, a verdade é que quando questionados sobre a situação da AP... ser titular de diversas contas bancárias dentro da própria instituição, dos saldos de milhões que a mesma apresentava e das inúmeras transferências efetuadas entre as contas dela no Réu e as dos vários clientes, todos foram unanimes em dizer que não sabiam e não se aperceberam desta situação.
57ª). Não é concebível que nestes anos todos nunca os Recorridos tivessem sido chamados para essas supostas reuniões de controlo, pois caso tal tivesse sucedido, poderiam ter percebido o que se estava a passar.
58ª). Ora, não podemos deixar de evidenciar que o Mmo. Juiz do Tribunal recorrido valorou as provas de acordo com a imediação e o princípio da livre apreciação da prova e fez uma conscienciosa ponderação dos elementos probatórios e das circunstâncias que os envolvem, conforme resulta de toda a douta motivação para a decisão sobre a matéria de facto.
59ª). Os factos provados e não provados em audiência encontram-se corretos e resultaram de toda a produção de prova, quer documental, quer testemunhal, como aqui foi explicado detalhadamente.
60ª). Os valores em que todos os Recorridos foram lesados e que constam da douta Sentença, resultaram da atuação de AP... no âmbito das funções desempenhadas para o B, SA..
61ª). A pretensão do Recorrente carece de fundamento quer quanto aos factos alegados por este, como se deixou demonstrado supra, quer quanto aos fundamentos de Direito.
62ª). Resultou dos factos provados que o Recorrente disponibiliza serviços de intermediação financeira, enquanto instituição de crédito, designadamente na comercialização de produtos de investimento, produtos estruturados, seguros, etc., pelo que entre os Autores, ora Recorridos e o Réu, ora Recorrente, estabeleceu-se a correspondente relação contratual.
63ª). E, para o estabelecimento de tal relação contratual foi essencial a intervenção de AP..., enquanto PFA do Recorrente e arrogando-se, desde o seu início, uma posição privilegiada e exclusiva de agente de ligação entre o banco e os investidores.
64ª). De facto, o contacto pessoal e directo do Recorrente com os seus clientes (onde se incluem os Autores) era impossível, atento o facto de ser um banco digital, sem balcões de atendimento ao público, apoiando o seu negócio numa rede de PFA, vocacionada para o contacto pessoal e directo destes com os seus clientes.
65ª). Foi o Recorrente quem confiou à AP... (como certamente aos demais PFA) as funções que não podia executar nos balcões de atendimento, por inexistentes, designadamente aquelas que a AP... exerceu junto dos Autores, ora Recorridos, relacionadas com a prestação de informações de todos e quaisquer assuntos relacionados com o R. ou com o tratamento e acompanhamento das questões relacionadas com os investimentos dos Recorridos.
66ª). O R. tinha ao seu serviço agentes vinculados (PFA), como a AP..., para prosseguir a sua actividade bancária, em geral, e de intermediação financeira, em particular, claramente exorbitando, sem que o B, SA. a censurasse, como devia, as funções de agente vinculado.
67ª). A relação contratual dos Autores, ora Recorridos, com o Réu foi, ao longo dos anos sempre mantida através do contacto com a AP..., através de e-mail, telefone ou no escritório no edifício C onde ostentava placas e prémios que lhe foram sendo atribuídos pelo Réu.
68ª). A AP... exerceu a sua actividade de PFA no Réu durante catorze anos, tinha na sua posse cartões, impressos e formulários do Réu, preenchia os impressos para abertura de conta e conferia os documentos de identificação dos Autores, estava inserida numa estrutura hierárquica do Réu, uma vez que tinha um Team Leader e um Director Comercial e participava em reuniões de equipa na sede do Réu.
69ª). A AP... entregou aos Autores as apólices da Império Luxemburgo e fê-los crer que eram um produto comercializado pelo Réu, com segurança e boa rentabilidade, tendo-lhes transmitido que tais aplicações não comportavam qualquer risco quanto ao capital garantido.
70ª). Sucede, porém, que os saldos das contas bancárias dos Autores estavam a zero em Abril de 2016 e vieram a concluir que as apólices da Império Luxemburgo eram falsas, assim como não havia qualquer investimento em dólares.
71ª). Por seu turno, a AP... tinha mais de 10 contas bancárias abertas em seu nome no Recorrente, algumas com a designação Império Lux I e Império Lux II, sendo que nas contas de AP... eram movimentados muitos milhões de euros oriundos de contas de vários clientes do Recorrente.
72ª). Da análise dos factos provados e da prova produzida em julgamento, não é controvertido que a actuação de AP... configura uma actuação ilícita e culposa, geradora de obrigação de indemnizar os Autores, pelos prejuízos a estes causados.
73ª). A AP..., em proveito próprio, tirou partido desta forma de organização dos meios de produção do B, SA. e da falta de controlo por parte deste, ganhando a confiança dos Autores, ora Recorridos, durante o período em que estes mantiveram o seu relacionamento comercial com o Recorrente, pois sempre se manifestou disponível para tratar de todas e quaisquer questões financeiras daquele, pelo que todas as suas sugestões e aconselhamentos eram aceites pelos AA, não tendo estes questionado as orientações por aquela fornecidas quanto à gestão das aplicações financeiras ou operações bancárias ou, quando o fizeram, sempre a AP... lhes garantiu que eram procedimentos normais.
74ª). Decorre do art.º 293º, nº 1, al. a) do Código dos Valores Mobiliários (CVM) que o Réu, enquanto instituição de crédito, está autorizado a exercer a actividade de intermediário financeiro.
75ª). E do art.º 294º-A do CVM decorre que pode o mesmo ser representado por agente vinculado na prestação dos serviços aí elencados, designadamente na prospecção e captação de clientes para a actividade de intermediação financeira e na recepção e transmissão de ordens.
76ª). Ou seja, o agente vinculado actua como representante do intermediário financeiro (no caso concreto, o Réu), sendo este responsável por quaisquer actos ou omissões do agente vinculado no exercício das funções que lhe foram confiadas (al a) do nº 1 do art.º 294º‑C do CVM), e estando obrigado a controlar e fiscalizar a actividade desenvolvida pelo agente vinculado, adoptando as medidas necessárias para evitar que o exercício pelo agente vinculado de actividade distinta daquela prevista no nº 1 do art.º 294º-A possa ter nesta qualquer impacto negativo (al. b) e c) do mesmo nº 1 do art.º 294º-C).
77ª). Ou seja, na relação entre o intermediário financeiro e o agente vinculado, este actua em nome e em representação daquele, sujeitando-se ao controlo e fiscalização da sua actividade por parte do intermediário financeiro, e tendo de se sujeitar às medidas que lhe forem impostas por este último, destinadas a assegurar que a sua actividade de agente vinculado do intermediário financeiro não se desvia daquela que a lei lhe possibilita. E, por seu lado, o intermediário financeiro responde pelos actos e omissões do seu agente vinculado, quanto ao exercício das funções que lhe confiou.
78ª). Do mesmo modo, decorre do art.º 165º do Código Civil que as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.
79ª). E o art.º 500º do Código Civil dispõe que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
80ª). O comitente assume, assim, uma posição de garante da indemnização perante o terceiro lesado, gozando do direito de regresso contra o comissário para se ressarcir de quanto haja pago, nos termos do disposto no artigo 500.º, n.º 3, do Civ. Civil.
81ª). São da responsabilidade do comitente os actos praticados com abuso de funções, isto é, os actos formalmente compreendidos no âmbito da comissão, mas praticados com um fim estranho a ela. – ANTUNES VARELA – Das Obrigações em Geral, 2. Ed., págs. 519 ss..
82ª). O comportamento danoso foi levado a cabo fazendo o comissário AP... uso dos meios colocados à sua disposição pelo comitente, o B, SA., aqui Recorrente.
83ª). Basta que, nas palavras de A. Varela, haja uma conexão adequada entre o facto ilícito e a função.
84ª). A actuação da referida AP... ocorreu porque a mesma se aproveitou da sua posição de agente vinculado do Recorrente, no âmbito da actividade de intermediação financeira deste prestada aos Recorridos.
85ª). Disponibilizando o Recorrente serviços de intermediação financeira, enquanto instituição de crédito, designadamente na comercialização de produtos de investimento, produtos estruturados, produtos fiscais, seguros e acesso aos mercados bolsistas, e pretendendo os Autores investir as quantias que detinham, entre ambos estabeleceu-se a correspondente relação contratual.
86ª). E para o estabelecimento de tal relação contratual foi essencial a intervenção de AP..., enquanto PFA do Recorrente.
87ª). Com efeito, o contacto pessoal e directo do Recorrente com os seus clientes (onde se incluem os Autores, aqui Recorridos) não era possível, atenta a ausência de balcões de atendimento ao público, sendo feito através dos seus PFA.
88ª). A AP... aproveitou-se da forma de organização dos meios de produção do Recorrente, ganhando a confiança dos Autores, aqui Recorridos e levando-os a investir nas apólices de seguros de capitalização da Império Luxemburgo e na compra de dólares, produtos pretensamente comercializados pelo R., apesar de lhe estar vedado, enquanto agente vinculado do Recorrente, receber ou entregar dinheiro ou instrumentos financeiros dos Recorridos.
89ª). Todavia, a circunstância de o ter feito, como modus operandi dos actos ilícitos praticados, não significa que os mesmos foram praticados fora do desempenho da função que lhe foi confiada e apenas por ocasião dela, mas apenas e tão só que os mesmos foram praticados com abuso das funções que lhe foram confiadas pelo Recorrente.
90ª). É que a circunstância do Recorrente não deter balcões de atendimento ao público, antes apoiando o seu negócio numa rede de Personal Financial Advisors, vocacionada para a “venda ao domicílio” por contacto pessoal e directo com os seus clientes (em substituição daquele modelo clássico de negócio de “venda em estabelecimento comercial”), significa que dependia dos referidos Personal Financial Advisors para o cumprimento das regras de conduta a que aludem os art.º 73º e seguintes do RGICSF (aprovado pelo D.L. 298/92, de 31/12), nas quais assenta o princípio da confiança ínsito à actividade bancária e financeira.
91ª). O que equivale a afirmar que o Recorrente confiou à referida AP... (como certamente aos demais Personal Financial Advisors) as funções que não podia executar nos balcões de atendimento (por inexistentes), designadamente aquelas que a mesma AP... exerceu junto dos Recorridos, relacionadas com a abertura de contas, a prestação de informação de todos e quaisquer assuntos relacionados com o Recorrente, com os produtos disponibilizados pelo mesmo para subscrição pelos Recorridos, ou com o tratamento e acompanhamento das questões relacionadas com os investimentos dos mesmos.
92ª). E foi por deter esse leque de funções, que lhe havia sido confiado pelo Recorrente, que a referida AP... logrou convencer os Recorridos a fazerem aplicações num produto financeiro supostamente disponibilizado pelo B, SA., ora Recorrente.
93ª). As instituições bancárias estão sujeitas à disciplina do Banco de Portugal, constituindo a confiança um elemento essencial da respectiva actividade, pois só se aquela existir é que alguém confiará o seu dinheiro a uma instituição. 94ª). Os Recorridos confiaram as poupanças de toda uma vida ao Recorrente, através da sua agente vinculada, sendo que para eles a AP... era a sua gestora de conta.
95ª). O Recorrente, por seu turno, confiou na AP... para o representar junto dos seus clientes, até a premiou pelo seu bom desempenho.
96ª). Assim, o Recorrente criou nos Recorridos a convicção de que a AP... estava a agir no exercício da função que lhe foi confiada pelo Recorrente, por não existir razão que permita supor o contrário, e que era pessoa idónea par o exercício de tal função.
97ª). Há uma “presunção de que o empregado bancário se conduz no âmbito dos poderes, não sendo comum, nem exigível que os clientes o confiram” – Ac. STJ de 02/03/1999 e 25/10/2007;
98ª). Os clientes confiam que os bancos cumprem o seu dever de controlar e fiscalizar a actividade desenvolvida pelos seus funcionários ou agentes – ar. 294º‑C do CVM.
99ª). Porém, o Recorrente falhou, totalmente, no controlo e fiscalização da actividade exercida por AP....
100ª). Veja-se que o Recorrente permitiu durante anos que a AP... abrisse e movimentasse contas bancárias na sua própria instituição denominadas “Império Lux I” e “Império Lux II”, designações essa que, só por si, já são suspeitas e através das quais foram movimentados muitos milhões de euros oriundos de contas de vários clientes.
101ª). Verificaram-se enormes falhas de controlo por parte do Recorrente, o que escancarou as portas para que uma das suas agentes vinculadas lesasse dezenas de clientes.
102ª). Por outro lado, ao contrário do que pretende o Recorrente, não havia qualquer relação entre os Recorridos e a AP..., para além da normal relação de confiança entre clientes e a sua gestora de conta. 103ª). Os Recorridos são pessoas simples, e confiaram as suas poupanças ao Recorrente, não houve qualquer culpa ou excesso de confiança dos Recorridos na AP..., pelo contrário, o Recorrente é que delegou e confiou totalmente na sua agente, e até a premiou pelo seu desempenho, tendo omitido o seu dever de controlar e fiscalizar a sua actuação.
104ª). Foi através da criação de uma aparência do exercício regular das funções que lhe haviam sido confiadas pelo Recorrente (a captação dos Recorridos como clientes do Recorrente para a realização de aplicações financeiras), mas em abuso das mesmas (já que lhe estava vedada a recepção de dinheiro por parte dos Recorridos), que a mesma AP... logrou a prática dos actos ilícitos em questão.
105ª). Que é o mesmo que afirmar, como no referido Acórdão de 10/11/2016 deste Tribunal da Relação de Lisboa, que a relação de comissão (estabelecida entre o Recorrente e a referida AP...) foi adequada para a produção do resultado dos actos ilícitos (dado ter criado nos lesados (os Autores, ora Recorridos) uma “convicção de confiança na licitude da conduta daquele” (o comissário, ou seja, a AP...).
106ª). Neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/11/2018 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2019, proferidos no processo n.º 21171/18.9T8LSB.
107ª). Não resultaram provados quaisquer factos que demonstrem ter havido culpa dos Recorridos, ao contrário do que o Recorrente vem sustentar, em manifesto desespero de causa.
108ª). Os Autores, ora Recorridos, em nada contribuíram para o prejuízo sofrido ou respectivo agravamento, como vem bem afirmado na douta Sentença recorrida, afastando-se qualquer actuação culposa dos Autores, para efeitos do disposto no artigo 570.º do Código Civil. ~
109ª). Pelos mesmos fundamentos, ou seja, pela ausência de prova de quaisquer factos nesse sentido, não houve qualquer abuso de direito por parte dos Recorridos.
110ª). Por conseguinte, “O Recorrente deve ser responsabilizado, nos termos do disposto no artigo 500.º do Código Civil pelos danos sofridos pelos Recorridos – que correspondem aos valores em que se viram desapossados e aos danos não patrimoniais – em consequência da actuação ilícita e culposa do agente vinculado daquele, a AP..., na medida em que os actos praticados por tal agente vinculado o foram no exercício das funções que lhe foram confiadas pelo Recorrente, ainda que em abuso das mesmas funções.” – conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/11/2018, supracitado.
111ª). E: “VIII - Na relação com os clientes, e na ausência de outra disposição legal, a inobservância dos deveres do art.º 294º-C, n.º 1 b) releva na aplicação da alínea a) do art.º 294º-C, em termos de graduação de culpa do intermediário financeiro. IX – O intermediário responde pelo risco, nos termos do art.º 500º, n.º 2 do Código Civil, por força da tutela da confiança, a qual assume um especial relevo na prática bancária, em que os clientes confiam os seus valores e poupanças a uma instituição, dependendo muitas vezes o sucesso de tal actividade precisamente na confiança em que os intermediários financeiros asseguram a guarda desses valores e depósitos. X - Esta tutela das aparências, ou seja, a confiança legítima que os lesados possam ter depositado na actuação do comissário, no sentido de as mesmas se compreenderem no âmbito material da comissão, é a que leva a responsabilizar o comitente por actos do comissário, ainda que praticados contra as suas instruções.” – conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/24/2022, supracitado.
112ª). Pelo exposto, consideramos que os fundamentos de Direito do Recurso interposto pelo Recorrente deverão improceder, devendo manter-se a douta Sentença Recorrida”.
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Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo a qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará:
A – verificar se alguma da factualidade apurada se mostra adequadamente colocada em causa e, na afirmativa, se existe algo a alterar quanto:
i- aos Factos 11, 13, 14, 18, 64, 65, 69, 72 e 73 da matéria de facto provada, que entende deverem passar a não provados;
ii- ao Facto 70 da matéria de facto provada, cuja redacção pretende que passe a ser (“os Autores foram informados pelo Réu, logo no momento de abertura de conta, de que a agente vinculada AP... não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos clientes, nem a actuar ou tomar decisões de investimento em nome ou por conta dos clientes, nem a celebrar contratos em nome do Réu, nem a receber qualquer tipo de remuneração dos clientes”);
iii- aos Factos não provados XI e XII (que entende deverem passar a provados);
iv- ao acrescentar de seis factos (89, 90, 91, 92, 93 e 94), decorrentes da instrução do processo;
B – verificar da correcta subsunção jurídica dos factos apurados.
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Dispensados que foram os Vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação de Facto
O Tribunal considerou provada[2] a seguinte factualidade[3]:
1. O Réu é uma sociedade anónima que tem por objecto o exercício de actividades permitidas por lei aos bancos; no exercício da sua actividade, o Réu disponibiliza aos seus clientes produtos de investimento e poupança onde se incluem, para além dos produtos financeiros tradicionais, tal como as contas à ordem remuneradas, depósitos a prazo e operações de crédito, diversos fundos de investimento, nacionais e internacionais, bem como produtos estruturados, produtos fiscais, seguros e acesso em tempo real aos principais mercados bolsistas.
2. A actividade bancária do Réu desenvolve-se por via electrónica, por contacto telefónico, através de atendimento em centros de investimento, e por contacto direto e permanente entre os seus clientes e os vários Personal Financial Advisors que tem ao seu serviço, não possuindo balcões de atendimento ao público.
3. Um dos Personal Financial Advisors era AP…, a qual, na relação que estabeleceu com os ora Autores, actuou enquanto agente vinculada do Réu, exercendo essa sua actividade em exclusivo para este banco (com contrato de prestação de serviços datado de 27 de Junho de 2002, junto a fls. 28v a 31).
4. Todos os contactos que os Autores mantinham com o Réu eram efectuados através da sua agente vinculada AP....
5. AP... aconselhava e sugeria aos Autores a abertura de contas bancárias no Réu, a realização de investimentos em diversos produtos financeiros disponibilizados, bem como a constituição de depósitos à ordem e a prazo, a compra de moeda estrangeira, entre outros.
6. AP... era o único contacto dos Autores com o Réu, a qual os informou, logo desde o início da relação, que todo e qualquer assunto respeitante ao banco deveria ser tratado directamente com ela, apresentando tal procedimento como uma marca do serviço personalizado praticado junto dos clientes, uma vez que o banco não dispunha de balcões de atendimento ao público.
7. AP... apresentava-se perante os Autores com cartões com a identificação do banco Réu e tinha em seu poder vários impressos e formulários do Réu. recebia os Autores (e outros clientes) num escritório situado em Lisboa, na Rua..., que ostentava, no interior, alguns prémios atribuídos pelo banco à sua agente vinculada (escritório sito no Edifício C, …., em Lisboa).
8. Enquanto agente vinculada do Réu, AP... encontrava-se sujeita à direcção e supervisão por parte daquele banco, estava inserida na estrutura hierárquica do banco e careciam, alguns dos seus actos (tal como a abertura de contas), de confirmação por parte de um superior hierárquico.
9. A 1.ª Autora e o 2.º Autor, casados entre si, em Abril de 2011 abriram uma conta bancária junto do Réu, através da sua agente vinculada AP..., ambos passando a ser titulares da conta com o número 923367510002.
10. Tratando-se de pessoas com pouca instrução escolar (4.º ano de escolaridade), os referidos Autores confiavam totalmente nos conselhos de AP..., atenta a sua alegada experiência no ramo bancário e a formação que afirmava possuir para o desempenho das suas funções.
11. Nesse contexto, AP... recebeu diversos montantes e alegou ter subscrito aplicações financeiras com as poupanças dos dois primeiros Autores, sendo uma delas um contrato de seguro de capitalização da sucursal do Luxemburgo da companhia de seguros “Império” (ou “Império Luxemburgo”).
12. No total, durante diversos anos, AP... fez crer aos referidos dois Autores que teria sido investido nesse seguro de capitalização um montante global de €300.000, tendo aquela entregue aos dois primeiros Autores os documentos insertos a fls. 31v e 47, para comprovar a subscrição do seguro de capitalização em causa.
13. Tal montante global correspondeu aos movimentos seguintes (devidamente documentados de fls. 32 a 46v):
- Em 21.10.2011 foi feito o levantamento, ao balcão do BES, do montante de €20.000 da conta que tinham aberta junto do B, SA. com o n.º 923367510002, e este montante foi entregue a AP... para aplicação no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 24.10.2011 foi feita uma transferência no montante de €6.300 (“TRF NRODRIG P/ MRODRIG”) que, segundo AP..., seria para aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 24.10.2011 foi feita uma transferência de €3.520 (“MROD LOJ p/ MRODR L”) que, segundo AP..., também seria para aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 25.10.2011 foi feito o levantamento do montante de €16.860 ao balcão do BES e entregue a AP..., para aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 25.10.2011 foi entregue a AP... um cheque de €5.180, da conta dos Autores junto doB, SA., para aplicação no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 27.10.2011 foi entregue a AP... um cheque no montante de €7.420, para esta aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 03.11.2011 foi feito o levantamento de €11.000 ao balcão do BES e entregue a AP..., para esta aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 08.11.2011 foi feita uma transferência no montante de €7.840 (“ELECTROD P/ ELECTROD”) que, segundo AP..., teria sido para aplicar no seguro da Império Luxemburgo.
- Em 14.11.2011 foi feita uma transferência de €5.000 (“DEPOSITOS P/ DEPOSITOS”) que, segundo AP..., também teria sido para aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 15.11.2011 foi entregue a AP... um cheque no valor de €5.110, para esta aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 16.11.2011 foi feita uma transferência de €4.000 (“PGT P/ PGT”) que, segundo a mesma agente AP..., também foi para aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 22.11.2011 foi entregue a AP... um cheque no valor de €9.470, para aplicação no seguro da Império Luxemburgo;
- Através de vários levantamentos de cheques de caixa, foi levantado do BES o montante total de €81.400, e entregue a AP..., para aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 02.12.2011 foi feito o levantamento na CGD no montante de €12.500 que foi entregue a AP..., para aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 05.12.2011 foi feito o levantamento na CGD no montante de €5.000, e deste valor foi entregue o montante de €1.900 a AP..., para aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 05.12.2011 foi feita uma transferência da conta dos Autores na CGD, no montante de €22.500, para uma conta indicada por AP..., com o objectivo de aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 02.12.2011 foi entregue a AP... um cheque da CGD no montante de €50.000, para aplicar no seguro da Império Luxemburgo;
- Em 17.02.2012 foi depositado um cheque da conta dos Autores da entidade Santander Totta, no montante de €30.000, na conta do B, SA..
14. Em 29 de Janeiro de 2014 foi entregue a AP... o montante de €20.000, em dinheiro/numerário, para compra de moeda estrangeira – dólares USA – alegadamente através do banco Réu, por aconselhamento da referida agente vinculada;
15. Com vista a convencer os Autores de que o seu dinheiro estava a ser investido na Império Luxemburgo, AP... efectuou os identificados movimentos e entregou-lhes uma “apólice” do referido seguro da Império Luxemburgo (cfr. documentos de fls. 31v e 47).
16. De acordo com o afirmado por AP..., tais aplicações não comportavam qualquer risco quanto aos valores investidos.
17. No ano de 2016, os referidos dois Autores tomaram conhecimento de que não tinham qualquer aplicação, uma vez que os documentos referentes ao seguro da Império Luxemburgo eram falsos e que o dinheiro que foi entregue e movimentado pela agente vinculada jamais se utilizou em qualquer apólice de seguro ou aplicação financeira.
18. Com a realização dos mencionados movimentos, AP... apoderou-se da quantia global de €320.000, a qual era pertença dos dois primeiros Autores e que aquela fez sua.
19. Beneficiou a mesma agente da total confiança que tais Autores depositavam na sua pessoa e seus serviços profissionais.
20. Por ela foi garantido aos dois primeiros Autores que os referidos investimentos teriam taxas de rentabilidade acima da média, de 9,2 %, sendo que, segundo AP..., o resgate do valor investido seria possível em períodos curtos, o que beneficiava o investidor, tendo assim conseguido convencê-los a, durante vários anos, aplicar o seu dinheiro.
21. Mais garantiu que tais investimentos não comportavam qualquer risco quanto ao capital aplicado, sendo seguros.
22. De acordo com AP..., os investimentos eram automaticamente renovados, o que levou os aludidos Autores a não estranharem não receber o capital e juros no final de cada período de subscrição desses mesmos produtos.
23. No mês de Fevereiro de 2016, o 2.º Autor solicitou a AP... que fizesse o levantamento do dinheiro aplicado em dólares, mas esta adiou sucessivamente o levantamento do dinheiro com base em diversas desculpas.
24. Entretanto, o 2.º Autor solicitou a AP... que efectuasse o levantamento de todo o dinheiro que havia aplicado – acreditava ele – através do banco Réu, uma vez que pretendia investir na compra de um terreno.
25. Foi a ausência de resposta por parte de AP... que os levou a desconfiar que algo de estranho se passava, uma vez que, até então, nunca ela tinha deixado de lhes responder com prontidão.
26. Permanecendo AP... incontactável, os dois Autores decidiram contactar a Império Luxemburgo.
27. A Império Luxemburgo informou-os de que não eram titulares de quaisquer aplicações naquela instituição (cfr. documento de fls. 48 e 48v).
28. Foi, então, que iniciaram contactos junto do Réu, no sentido de tentarem perceber o que se tinha passado, havendo solicitado ao banco que lhes disponibilizasse informações e extractos bancários referentes às contas das quais eram titulares.
29. Os funcionários do Réu informaram os ditos Autores que nada sabiam e que havia outros clientes, acompanhados pela agente vinculada AP..., que se encontravam em situação idêntica.
30. Atento o descrito, foi apresentada queixa-crime contra AP....
31. Através de sucessivos pedidos de informação apresentados junto da Polícia Judiciária e do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), os dois Autores foram percebendo o que se tinha passado com o dinheiro que deveriam ter nas contas bancárias do Réu ou nas aplicações realizadas por intermédio de AP....
32. Mais recentemente, foi elaborado e dado a conhecer aos Autores, através de consulta ao processo criminal, um relatório da Polícia Judiciária, que identifica todos os movimentos financeiros praticados pela agente vinculada AP..., quer em relação aos Autores, quer em relação a outros lesados por aquela, pois que se tratava de uma rede elevada de clientes (cfr. documento de fls. 49 a 53).
33. AP... fez várias transacções financeiras das contas bancárias destes Autores, que estes desconheciam por completo, para as suas contas pessoais e para terceiros desconhecidos (cfr. documentos de fls. 53v a 56v).
34. Para além de transferir os fundos das contas dos Autores para as suas próprias contas, AP... efectuava o suposto pagamento dos juros prometidos, com base no dinheiro obtido junto de outros clientes, fazendo centenas de movimentações diárias das contas de vários clientes do Réu, incluindo as contas abertas em nome dos Autores, mas que eram desconhecidas destes.
35. De acordo com o já referido relatório da Polícia Judiciária junto ao processo criminal que se encontra em curso, veio a apurar-se que, para levar a efeito o seu plano de apropriação de valores das contas dos Autores e de outros clientes do banco Réu, AP... tinha, ela própria, dez contas bancárias abertas no Réu em seu nome pessoal (cfr. documento de fls. 49 a 53 e informação de fls. 707).
36. Nas contas bancárias abertas em nome de AP... eram realizados centenas ou milhares de movimentos, apresentando saldos com valores muito elevados, na ordem de mais de um milhão de euros (cfr. documentos de fls. 57 a 59v).
37. AP... tinha acesso aos códigos de segurança das contas que movimentava, fazendo uso dos mesmos para realizar as transferências dos valores que se encontravam nas contas bancárias dos Autores e de outros clientes do Réu, para as suas contas pessoais, domiciliadas igualmente no Réu, ou para contas de alguns familiares seus, utilizando tal estratagema para se apoderar das quantias alheias, como veio a suceder, e fazendo crer aos Autores que os valores em causa se encontravam aplicados e que, a qualquer momento, poderiam ser resgatados.
38. Por estes e outros factos, o Ministério Público acusou a arguida AP... pela prática de 51 crimes de burla qualificada, 22 crimes de falsificação de documento, 19 crimes de burla informática, entre outros (cfr. documento de fls. 60 a 243v).
39. Os Autores confiavam plenamente na aludida agente vinculada do Réu, bem como no sistema de segurança do mesmo, enquanto instituição bancária, não havendo tido qualquer razão de suspeição até ao ano de 2016.
40. Ao contrário do que os Autores pensavam, não se realizou qualquer aplicação financeira em seu nome, e toda a documentação entregue por AP..., com as supostas aplicações, é falsa.
41. Durante anos, AP... conseguiu enganar os Autores, fazendo-os crer que o dinheiro deles ainda existia, quando já havia sido transferido para a sua conta pessoal, apoderando-se do dinheiro dos mesmos.
42. Os (pretensos) documentos da “Império Luxemburgo” serviam para os Autores acreditarem que o dinheiro tinha sido aplicado naquele fundo financeiro.
43. AP..., ao longo destes anos, transmitia-lhes que pagava juros por depósito nas contas bancárias, apenas para os convencer de que o dinheiro estava mesmo aplicado e que a instituição estaria a pagar os respectivos juros.
44. Em conversas que tinham com aquela, ela sempre lhes disse que o dinheiro estava aplicado na Império Luxemburgo e sempre lhes garantiu que o poderiam resgatar, apesar de não ser a solução ideal devido à perda dos juros.
45. Os Autores sempre confiaram na referida pessoa, porque tinham confiança no seu trabalho e na solidez, rigor e controlo do banco Réu, jamais tendo acreditado que a mesma os pudesse burlar, até porque o próprio Réu, caso tal acontecesse, seria alertado.
46. Algumas das transferências das contas bancárias dos Autores visavam pagamentos pessoais e pagamentos de supostos juros a outros clientes do banco Réu (cfr. documentos de fls. 49 a 53 e 60 a 243v).
47. AP... efectuava transferências das contas dos clientes, usando as designações que entendia, fazendo movimentações do dinheiro entre várias contas, destinando-se a seu uso próprio, transferindo valores para a sua conta pessoal e para contas das pessoas com quem tinha ligações pessoais (FA..., SM…, JG…, entre outros).
48. Os saldos das contas dos Autores, em 2016, encontravam-se praticamente a zeros, tendo ficado desprovidos das quantias que pensavam ter investido em aplicações.
49. Era intenção do 2.º Autor adquirir um terreno para plantação de vinha.
50. Deixou de conseguir realizar tal compra, tendo-se frustrado as suas expectativas de vir a obter mais rendimentos e de poupar para ajudar financeiramente a sua família.
51. Uma vez que ficou sem as suas poupanças, em consequência da actuação daquela agente vinculada do Réu, viu-se impedido de investir na plantação de vinha.
52. Para além do acima exposto, e psicologicamente, os dois primeiros Autores ficaram bastante afectados, sem as poupanças de uma vida de trabalho.
53. Os dois primeiros Autores passaram a viver com muita ansiedade, tristes e com receio de nunca mais conseguirem recuperar o dinheiro de uma vida de trabalho.
54. Sofreram ambos um enorme desgosto, passando a viver ansiosos sobre o que seria o seu futuro e o dos seus filhos.
55. Deixaram de poder ajudar os seus filhos, como faziam anteriormente e como tencionavam continuar a fazer.
56. Deixaram de ter vontade de sair e de conviver com familiares e amigos.
57. Passaram a ter bastantes dificuldades em dormir.
58. A 3.ª Autora e o 4.º Autor são casados entre si.
59. Em 3 de Janeiro de 2012, os ditos Autores reuniram-se com a agente vinculada do Réu, AP..., no já identificado escritório da Rua..., em Lisboa.
60. Nessa data, ambos preencheram todos os impressos necessários à abertura de uma conta bancária junto do Réu.
61. A conta bancária foi aberta em nome da 3.ª Autora (1.ª titular) e do 4.º Autor (2.º titular), com o n.º 92338369001.
62. Nesse mesmo dia, os dois Autores receberam um e-mail de confirmação do seu pedido de abertura de conta (cfr. documento de fls. 244).
63. AP... foi, desde o início, a “Personal Financial Advisor” daqueles dois Autores junto do Réu.
64. Em 4 de Janeiro de 2012, o 4.º Autor entregou a AP... o montante total de €40.000, para, através do banco Réu, aplicar num seguro da Império Luxemburgo – que ela afirmava ser bastante seguro e ter boa rentabilidade – correspondente a (cfr. documentos de fls. 244v a 245v):
- €28.500 que foram levantados de conta que tinham junto do Santander Totta;
- €7.100 que foram levantados de conta que o 4.º Autor tinha na CGD (Caixa Geral de Depósitos);
- €4.400 correspondentes a dinheiro que lhes havia sido oferecido.
65. Posteriormente, entregaram-lhe mais €10.000, correspondentes a:
- €3.200, de um levantamento da conta no banco Réu, em 24.09.2012;
- €6.500, de um levantamento da conta no banco Réu, em 25.09.2012;
- €300 em numerário.
66. As supra referidas entregas destinavam-se à subscrição de seguro da Império Luxemburgo, no montante total de €50.000 (cfr. documentos de fls. 246 e 246v).
67. AP... convenceu tais Autores a aplicar as suas poupanças no seguro da Império Luxemburgo, pois afirmava tratar-se de uma aplicação extremamente rentável e segura, que era efectuada através do banco Réu.
68. E também convenceu os dois Autores de que deveriam investir na compra de dólares (USA), através do Réu, por se tratar de um investimento rentável e seguro.
69. Com o propósito de investirem numa aquisição de dólares e depósito-aforro, através do banco Réu, os Autores entregaram a AP... a quantia global de €33.000, correspondente a (cfr. documentos de fls. 247 a 254v):
- €5.600 de um levantamento em numerário no balcão de Torres Vedras do BES, em 28.01.2014;
- €2.600 de um levantamento em numerário no balcão do BES, em 31.01.2014;
- €3.000 de um levantamento em numerário no balcão de Torres Vedras do BES, em 28.02.2014;
- €4.160 de um levantamento em numerário no balcão do BES, em 29.04.2014;
- €7.640 em numerário;
- €2.500 referentes a uma transferência (“ISAB P/INU”), em 07.07.2014, que, segundo AP..., seria para a compra de dólares;
- €2.500 referentes a uma transferência (“P/CARROCONT”), em 06.07.2014, que, segundo AP..., seria para a compra de dólares;
- €1.000 referentes a uma transferência, efectuada em 28.12.2015 (“PARA PAGAMENTO DE ABONOS SEM TAXAS”) que, segundo AP..., seria para aplicar num depósito-aforro;
- €3.000 referentes a um alegado pagamento de serviços, efectuado em 28.12.2015 que, segundo AP..., seria para aplicar num depósito-aforro;
- €1.000 referentes a uma transferência, efectuada em 28.12.2015 (“PARA PAGAMENTO DE ABONOS SEM TAXAS”) que, segundo AP..., seria para aplicar num depósito-aforro.
70. Os Autores jamais foram informados pelo Réu, ou por qualquer outra pessoa ou entidade, que a agente vinculada AP... não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos clientes.
71. Desde o processo de abertura de conta (inclusive), todos os documentos foram sempre trocados com a referida agente e foi sempre esta a tratar de todos os assuntos dos Autores junto do Réu.
72. No ano de 2016, os Autores vieram a tomar conhecimento de que não tinham quaisquer poupanças ou aplicações financeiras e que a agente vinculada AP... se tinha apropriado das quantias que lhe foram entregues pelos Autores para investimento e poupança.
73. (…) Ficando desprovidos das suas poupanças.
74. A 3.ª Autora e o 4.º Autor tencionavam comprar um apartamento na zona de Torres Vedras.
75. Uma vez que ficaram sem as suas poupanças, em consequência da actuação da agente vinculada do Réu, a 3.ª Autora e o 4.º Autor não puderam investir na aquisição de um terreno na Ericeira por €45.000.
76. Psicologicamente, ficaram ambos afectados, sem as poupanças da sua família.
77. Tanto o 4.º Autor como a 3.ª Autora passaram a viver com ansiedade, com o receio de nunca mais conseguirem recuperar o dinheiro de uma vida de trabalho.
78. Sofreram ambos um grande desgosto, tristeza que ainda perdura.
79. Passaram a viver ansiosos sobre o que seria o seu futuro e o da sua filha.
80. Deixaram de ter vontade de sair e de conviver com familiares e amigos.
81. Adiaram o sonho/projecto de ter outro filho.
82. Viram-se impedidos de viajar/planear as suas férias.
83. Passaram a ter dificuldades em dormir.
84. Os dois primeiros Autores, apesar de possuírem o ensino básico, têm actividade profissional como empresários da construção civil, tendo indicado ambos no formulário de abertura de conta, de Abril de 2011, ser sócios gerentes da firma Xxx Lda., sociedade de construção civil e obras públicas (cfr. documento de fls. 312 e 312v).
85. (…) Sociedade comercial constituída no ano de 2001.
86. A 3.ª Autora e o 4.º Autor (este, um dos filhos dos dois primeiros Autores) são também casados entre si, tendo este indicado, aquando da abertura de conta no ora Réu, ter completado o ensino secundário e ser orçamentista na referida sociedade comercial (cfr. documento de fls. 313v e 314).
87. A 3.ª Autora indicou ser licenciada e tinha, na altura, actividade profissional como directora de relações públicas de uma sociedade de advogados em Torres Vedras, passando ela a ser gestora de stocks numa sociedade do ramo da distribuição alimentar (cfr. documento de fls. 315 a 316).
88. (…) Tal como exerceu actividade bancária durante cerca de nove meses, entre 2007 e 2008, como comercial no banco Santander Totta (cfr. documento de fls. 315 a 316).
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O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida:
I. AP..., na relação que estabeleceu com os Autores, actuou sempre como gestora das suas contas bancárias e, na qualidade de gestora das contas dos Autores abertas junto do Réu, era ela quem, na prática, geria o património financeiro daqueles.
II. O seu escritório (mencionado no ponto 7 supra) ostentava, na sua entrada (exterior), uma placa identificativa do banco Réu.
III. AP... passou a ser a gestora da conta bancária com o número 923367510002.
IV. O 2.º Autor deixou de ganhar cerca de €50.000 em resultado da plantação de vinha e valorização do terreno que pretendia adquirir.
V. Por força da actuação de AP..., o 2.º Autor ficou desesperado e entrou em depressão que veio a resultar em demência; o mesmo demandante teve de recorrer a apoio psicológico, encontrando-se ainda a receber tratamentos médicos.
VI. Os dois primeiros Autores frequentaram diversas consultas de psiquiatria para procurar apoio para o seu sofrimento, passando a tomar medicação antidepressiva.
VII. A 3.ª Autora e o 4.º Autor previam arrendar o referido apartamento na zona de Torres Vedras a, pelo menos, €300 mensais.
VIII. O terreno situado na Ericeira foi vendido a terceiros, no ano de 2019, pelo preço de €100.000.
IX. Estes dois Autores passaram a dispor de mau ambiente familiar, pautado por diversas discussões entre si e com os familiares mais próximos sobre o futuro; foram ambos submetidos a tratamento psicológico.
X. Todo o procedimento acima descrito e seguido por AP..., em relação aos quatro Autores, designadamente as transferências das quantias monetárias destes para a agente AP..., era do conhecimento por parte do banco Réu.
XI. Os Autores forneceram os dados de acesso às suas contas bancárias a AP....
XII. (…) Inclusivamente, facultaram-lhe os seus códigos de utilizador (user name), as palavras de passe (passwords) de acesso e de negociação, bem como os códigos enviados por SMS para os seus respectivos telemóveis (SMS token).
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Apreciação da Matéria de Facto
O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[4].
Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”.
Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[5], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);
2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[6], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[7], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[8].
Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[9] e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco).
Assim, caberá ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e que “o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta”, pelo que “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância[10] (sublinhado e carregado nossos).
Ana Luísa Geraldes sublinha mesmo que, em “caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[11].
O Tribunal da Relação deve usar aquilo a que Miguel Teixeira de Sousa chama de “um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação”[12].
Verificadas as Alegações e Conclusões da Recorrente importa começar por verificar se a impugnação dos factos se mostra correctamente efectuada e, neste aspecto nada há a colocar em causa.
Assim vejamos os pontos de discordância da Ré-Recorrente:
I – quanto à necessidade de os Factos 11, 13, 14, 18, 64, 65, 69, 72 e 73 passarem a não provados.
Entende a Ré que não foi produzida prova (nomeadamente documental) nesse sentido e que apenas são baseados nas declarações de parte dos Autores.
Os Autores vieram dizer que não assiste razão à Ré, bastando conjugar as declarações dos Autores M…, AC... e NA…, com os depoimentos das testemunhas AS… e DT…
O Tribunal a quo, por seu turno e quanto a esta matéria, numa metódica e bem sistematizada análise da prova produzida, teve oportunidade de referir o seguinte:
“a decisão do Tribunal teve por base a análise conjugada e crítica da prova produzida na presente demanda, com enfoque para os elementos probatórios seguintes:
a) A ponderação do espólio documental oferecido na fase dos articulados (até ao saneamento da ação), bem como após essa etapa, o qual – em parte – foi paulatinamente mencionado nos diversos pontos correspondentes (para uma maior facilidade na sua identificação específica); realçamos, mas sem procurar esgotar, o conjunto documental apresentado pelos Autores aquando do oferecimento da sua petição inicial, com enfoque para os elementos documentais constantes de fls. 31v a 254v (como acima sinalizados):
- Documento de fls. 31v, pretensa apólice da Império Luxemburgo na titularidade dos dois primeiros Autores, com o valor cotado de €300.000,00 e a taxa de juro de 9,2 %;
- Documentos de fls. 32 a 46v, documentação bancária diversa e comprovativa das várias movimentações que deram azo à aplicação nos produtos financeiros descritos;
- Documento de fls. 47, pretensa apólice da Império Luxemburgo na titularidade dos dois primeiros Autores, com o valor cotado de €270.000,00 e a taxa de juro de 9,2 %;
- Documento de fls. 48 e 48v, comunicação eletrónica nos termos da qual a Império Luxemburgo informou não serem titulares de quaisquer aplicações naquela instituição;
- Documento de fls. 49 a 53, relatório da Polícia Judiciária que identifica todos os movimentos financeiros praticados pela agente vinculada AP..., quer em relação aos Autores, quer em relação a outros lesados por aquela;
- Documentos de fls. 53v a 56v, várias transações das contas destes dois Autores, que estes ignoravam, para as suas contas pessoais e para terceiros desconhecidos;
- Documentos de fls. 57 a 59v, contas abertas em nome de AP...;
- Documento de fls. 60 a 243v, acusação pública contra AP...;
- Documentos de fls. 244 a 254v, documentos bancários e pretensas apólices da Império Luxemburgo na titularidade dos restantes dois Autores, com os valores cotados de €50.000,00 e, também, as taxas de juro de 9,2 % (cfr. documentos de fls. 246 e 246v);
 - Não se relativiza, por outro lado, todo o espólio documental oferecido a partir da contestação do Réu, de que realçamos os documentos de fls. 323 a 363, 377 a 462v, 463 a 528v, 574 a 693v, 707 e 718 a 832, bem como a documentação proveniente do processo criminal, de fls. 837 a 851, que em parte corroborou, e noutra jamais infirmou, a versão factual acima selecionada quanto à matéria concretamente apurada na lide;
b) As declarações de parte prestadas pela 1.ª Autora, por referência aos concretos pontos 4 a 8, 10 a 26, 31, 33, 34, 37, 41 a 45 e 48 a 57;
c) As declarações de parte prestadas por 3.ª Autora e 4.º Autor, por referência aos concretos pontos 59 e 63 a 83;
d) Os depoimentos das cinco testemunhas inquiridas em sede de audiência final, comuns às partes (MM…, AS…, DT…, AG… e CG…).
Vejamos agora, com um maior detalhe descritivo, a prova constituenda produzida em sede de audiência final, e que contribuiu para a sedimentação dos factos provados.
=> Declarações de parte da 1.ª Autora. Declarações prestadas à matéria factual constante dos artigos 6.º a 16.º, 20.º a 40.º, 47.º, 49.º, 50.º, 55.º, 58.º a 63.º, 66.º, 72.º a 75.º, e 77.º a 89.º, todos da petição inicial.
Referiu que a conta bancária do B, SA. ainda está aberta, foi a funcionária AP... quem a aconselhou e abriu a conta. A declarante nunca chegou a ir ao banco, o marido é que lá se deslocava, era por intermédio de AP... que tudo se tratava. Ela tinha acesso às contas e aos movimentos que eram lá realizados. Era com ela que tudo se tratava, ela é que fazia tudo, não se lembra se pediram cartões, sendo no escritório da Rua..., em Lisboa, que a mesma trabalhava. Há aspetos de que a declarante não memorizou, mas foi com AP... que trataram dos assuntos. O marido (2.º Autor) chegou a entregar dinheiro, foi através dela que tudo se processou, e sempre através dela.
Não se recorda se foi em 2011 a abertura da conta bancária. Autora e marido eram os titulares da conta. Têm só a quarta classe, em termos de grau de escolaridade. Confiavam na AP... como gestora de conta. E também se incluíram seguros, da companhia seguradora “Império”, ela era para os Autores a funcionária do B, SA.. Não se lembra bem do montante, mas deverá ter sido ao todo cerca de 300 mil euros. 20 mil euros, mais tarde, entregaram para compra de moeda estrangeira. Ela dizia que eram produtos seguros. Vinha (o dinheiro) das poupanças. Ela nunca disse que havia a possibilidade de perderem o dinheiro, e afirmou que podiam a qualquer altura levantar, estaria melhor ali do que no BES… O capital estava sempre lá e “nós acabávamos por viver dos juros”.
O marido quis comprar uma propriedade e, a dada altura, pretendia o dinheiro de volta. Ela começou a adiar e já não atendia telefonemas, mesmo com a intervenção dos filhos dos Autores. Havia tentativas de contacto para o marido levantar o dinheiro e ela, AP..., deixou de responder. Os filhos é que, depois, se puseram no terreno, e perceberam que tinham perdido o dinheiro em causa.
Os filhos é que foram fazer queixa dela: 300 mil euros em seguros e 20 mil em moeda estrangeira (mais tarde).
Eram as poupanças que tinham de uma vida de trabalho. O marido não chegou a fazer o investimento: o terreno valorizou-se imenso, tanto quanto sabe. Sofreram muito emocionalmente com tudo, o marido não ficou a mesma pessoa, ficou mais agressivo e impaciente, e tanto que havia trabalhado para lograr acumular o dinheiro. Faziam vida de pobres, jamais passearam para poupar o dinheiro. Foram noites e noites sem dormir, tomavam já antidepressivos. Começaram ambos em processo de isolamento, estão diferentes e a viver todo este sofrimento. Nunca se esquecem. O marido está revoltado e a sofrer também, e muito. De igual sorte, os filhos fizeram o mesmo e tinham a mesma gestora de conta, AP....
Confrontada a ora declarante com o teor de fls. 323v, confirmou ser a sua assinatura. Não leram as condições do banco. O procedimento da CGD era idêntico ao seguido pelo B, SA.. Chegaram a receber extratos com as entradas do dinheiro que entregavam a AP.... Cheques e dinheiro entregavam-nos a esta última. Ela é que instruía sobre o modo de entrega dos montantes.
Foi algures no ano de 2016 que tiveram conhecimento da situação. Recebiam o dinheiro “em juros”, pela mão dela, a qual tudo movimentava. Deslocavam-se de propósito ao escritório dela, na Rua... (Lisboa), para o processamento dos assuntos pendentes.
=> Declarações de parte da 3.ª Autora (nora dos 1.ª e 2.º Autores). Declarações prestadas à matéria factual constante dos artigos 92.º, 96.º a 106.º, 112.º, 113.º, 116.º, 117.º, e 119.º a 130.º, todos da petição inicial. Referiu a declarante e demandante que abriram (ela e o marido) e têm conta no B, SA., com a gestora AP..., sendo que esta é que tratou da abertura da conta.
Terá sido no ano de 2012, deslocou-se com o marido ao escritório de AP... e entregaram-lhe cópias dos documentos necessários para a abertura da conta bancária; o B, SA. enviou um e-mail. Ela era uma “funcionária do banco”, segundo disse, estava num escritório, mas não sabe se o dito escritório pertencia ao banco Réu. Os símbolos eram do banco e todos os documentos que ela dava tinham o símbolo do banco, tratava-se de um escritório sito na Rua..., em Lisboa. O banco não tem agências espalhadas pelo País e “as coisas, através dela, funcionavam”.
AP... sugeriu que fizessem uma aplicação/seguro de 50 mil euros: 40 mil mais 10 mil euros para fazer uma apólice maior no seguro, por referência à seguradora “Império”. Ela dizia que era uma aplicação sem riscos, e os Autores não queriam correr riscos. O capital tinha de ser sempre garantido, renovável, e “o banco ia pagando os juros”.
AP... dava em dinheiro/numerário os juros. Fizeram, depois, mais um investimento de 33 mil euros em dólares norte americanos, e ela também aludiu que não havia riscos e era rentável.
Nunca viram nada em que se suspeitasse da atuação da gestora de conta, tudo se passava como noutro banco qualquer. A dada altura, quiseram fazer um resgate do dinheiro para adquirir um apartamento ou um terreno, tentaram reaver o dinheiro e ela não respondia.
Deslocaram-se às instalações do Réus, na praça do …, em Lisboa, por cima do BES. Foi-lhes, então, dito que se passava algo de muito grave. Um senhor de nome MF…, que trabalhava no B, SA., referiu que haviam sido enganados e tinham perdido todas as poupanças. Ela trabalhava lá no banco e foram enganados: 50 mil euros no seguro mais 33 mil em moeda estrangeira, 83 mil euros na totalidade, que deixaram de ter.
Pensa que a taxa de juro era de 9,2 %, ou cerca de. Só pretendiam adquirir um imóvel em Torres Vedras ou um terreno, para terem uma fonte de rendimento mensal no futuro. As rendas, naquela altura, cifravam-se em cerca de 300 euros, se tivessem adquirido o apartamento em Torres Vedras. O terreno estava à venda por 45 ou 50 mil euros, depois foi vendido por 100 mil euros. Perderam o investimento todo que pretendiam fazer. Eram todas as poupanças que tinham e tiveram de recorrer ao auxílio dos pais. Perderam tudo o que conseguiram juntar os dois, em anos.
Quanto aos danos psicológicos, tal afetou a vida pessoal, perderam a sua sociabilidade, não tinham vontade de estar com ninguém, só com os sogros e com os pais. O desgosto foi muito grande. Adiaram o sonho de ter outro filho.
O senhor MF… disse para “apertarem com o banco”. Perceberam que tinham perdido tudo, pois que lhes disseram não haver apólices nenhumas aplicadas, estando várias pessoas na mesma situação do que eles. Assinalou que os dados que constam da abertura de conta estão corretos. Não existiam logótipos do B, SA. na apólice de seguro da “Império”. Era a AP... que dizia como proceder às entregas de dinheiro, confiavam no banco e sabiam que ela trabalhava no B, SA.. Não tem ideia de cheques em branco. Quatro transferências foram realizadas a partir da conta do B, SA.: “ela dizia para nós descrevermos as transferências”. Já não se recorda como eram validadas essas transferências, mas “metiam um código” e recebiam um número por mensagem do telemóvel. A “gestora de conta” dava o dinheiro em mão, referente aos juros, sendo que a 3.ª Autora assumiu que já trabalhara num banco. O investimento em dólares não ficou documentado. E a mencionada taxa de 9,2 % considerou-a como uma “taxa normal”, a qual lhe não causou nenhuma estranheza.
=> Declarações de parte do 4.º Autor (filho dos 1.ª e 2.º Autores). Declarações prestadas à matéria factual constante dos artigos 92.º, 96.º a 106.º, 112.º, 113.º, 116.º, 117.º, e 119.º a 130.º, todos da petição inicial. Assumido orçamentista, o 4.º Autor disse haverem reunido com AP... num escritório da Rua..., em Lisboa, ela como trabalhadora do B, SA. e já gestora de conta do pai, 2.º Autor. Preencheram os impressos através dos serviços dela. Foi sempre com ela que tudo se tratou, confiavam plenamente em AP.... Aplicaram poupanças num seguro da “Império Luxemburgo” (50 mil euros no total). Ela pedia numerário. Fizeram mais aplicações em dólares, crê que 31 ou 32, talvez 33 mil euros, mas não se recorda bem. Não queriam correr riscos, venciam juros a 9,2 %, de seis em seis meses recebiam os juros. Era assim que o B, SA. trabalhava. Confiavam nela por ser funcionária do B, SA.. Nunca ninguém disse que ela não podia receber dinheiro dos clientes, AP... era “a cara do banco”. Tinha impressos na secretária, um quadro no escritório com o dizer “B…”, ela apresentava-se com cartões do banco. Recebiam os juros, mas os dos dólares nunca foram pagos.
A certa altura, pretendiam resgatar os valores dos dólares, e ficaram sem nada. Foi ao banco e falou com um senhor MF…, e ele afirmou que era tudo falso. Foram participar à polícia e passou a existir um processo criminal a correr contra ela, AP.... No banco, souberam que tinham perdido as poupanças, num total de 83 mil euros.
Conseguiriam 300 euros por mês se tivesse feito o investimento no apartamento T1, ou um terreno sito na Ericeira, cuja oportunidade perderam. Ficou com três ou quatro mil euros, apenas. O terreno subiu de 45 mil euros para 80 mil euros. Atualmente, já passa dos 80 mil euros.
A nível familiar, foi muito difícil, tiveram de recorrer à ajuda de familiares, e já tinham uma criança com três anos de idade, apenas. As férias acabaram, deixaram de poder ir de férias com amigos, deixaram de os acompanhar e de ter vontade de novas amizades. Ela era uma empregada do banco, não era a título individual que confiavam nela, mas sim como funcionária do banco. Passou noites sem dormir, a pensar na sua vida (“voltou à estaca zero”). Adiaram o sonho de ter mais um filho e foi tudo muito duro.
Assinalou, ainda, o 4.º Autor que abriram a conta no banco normalmente, o dinheiro era entregue em numerário. Os valores destinavam-se a investir num seguro. Ficou sempre descansado. Nunca estranharam o terem levantado dinheiro de uma conta do B, SA.: não faz ideia das transferências e jamais recebeu códigos para validar as transferências. Entregaram os valores a AP..., que desapareceram da conta naquela altura. Foi ela quem fez as transferências com acesso aos códigos. Todos os seus dados e da esposa estão corretos. Quanto ao valor dos dólares, não estava documentado em extratos de conta. Nos dólares ficaram sem documento nenhum. Os juros ficaram sempre lá, respeitantes aos dólares investidos; ou seja, nunca receberam qualquer quantia que se relacionasse com a aplicação dos dólares em si. Diferente, porém, era a situação com o seguro de capitalização. A taxa de juro pareceu-lhe normal, a de 9,2 %, não lhe suscitando desconfiança a sua cotação elevada.
=> Depoimento da testemunha MM…. Mãe da 3.ª Autora e sogra do 4.º Autor, a testemunha afirmou, na substância, que o seu genro, desde que tudo aconteceu, mudou na sua personalidade, ficaram os dois (3.ª Autora e 4.º Autor) muito nervosos, eram pessoas bastante calmas e, agora, andam sempre nervosos. Tinham uma menina pequena, mas ficaram com a sua vida destruída. Têm sofrido imenso, e os sogros ficaram na mesma condição. Nunca mais foram quem eram. Perderam tudo ao nível das suas poupanças – o que os destruiu.
=> Depoimento da testemunha AS…. Com relação de amizade para com os Autores de longa data (há cerca de 33 anos) e reconhecendo ter uma ação judicial instaurada contra o banco Réu (que ganhou na 1.ª Instância, na 2.ª Instância e o banco recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça), frisou que, em virtude dessa amizade, os Autores também colocaram verbas no B, SA.. Deu o número de telefone de AP..., era ela a Personal Financial Advisor de todos. O banco não tinha agências bancárias abertas ao público, qualquer assunto iam-no tratar à Rua... e lidar com AP.... Viu placas de prémios que a mesma recebeu do B, SA.. Também foi lesado com a atuação desta senhora, deixando-o sem dinheiro (à testemunha). O que o cliente tivesse para lhe dar, a visada recebia. Nunca conheceram mais ninguém no B, SA.. Ela é que tratava de tudo e era o único contacto. Passou a ser a gestora de conta dos Autores e eles falaram com ela; agora, estão no mesmo drama. Ela vendia vários produtos, assim o fez ao seu pai e a si, testemunha, mormente os relacionados com a companhia de seguros “Império”. Disse não saber bem onde é que os Autores investiram, quais os produtos em si. Reconheceu os documentos de fls. 31v, 47, 246 e 246v como documentos iguais aos seus, são os da “Império”. Já o pai da testemunha tinha documentos desses em seu poder. Reconheceu este tipo de apólice perfeitamente. Tudo muito parecido aos documentos que tinha da “Império”. Os Autores investiram também neste produto, ela apresentava-o como um produto sem risco. Dos juros eram feitas contas, anualmente. Ela disse que era possível resgatar o capital e a testemunha ficou com a ideia de que AP... integrava a estrutura hierárquica do banco. Jamais o banco disse o contrário, sobre ela. Deixou de atender o telefone. Foram entregar o caso à Polícia judiciária, existindo hoje um processo criminal contra ela. Pensa que foi cerca de 300 mil euros, que os pais perderam (do filho não sabe). Teve um impacto brutal na vida deles, o pai “quase perdeu o juízo à conta de tudo isto”, não sabendo bem a testemunha dos negócios relacionados com o terreno. Nunca ninguém no banco falou consigo.
A questão é que o B, SA. não tinha balcões abertos ao público e AP... tinha cerca de 10 contas abertas no B, SA., em nome dela. Impactou sempre na vida de todos. Passaram mal, os Autores mais novos, casados, com uma filha para criar, sem dinheiro…
À testemunha nunca foi apresentado o produto relativo aos dólares. No âmbito do processo-crime, AP... terá “confessado” a prática dos crimes, sendo a testemunha aí assistente. Todavia, jamais presenciou às interações dos Autores com AP.... Tudo parecia estar a correr bem, supostamente…
=> Depoimento da testemunha DT…. Referiu conhecer os Autores há muitos anos e declarou ter uma ação judicial instaurada contra o ora Réu (a mesma ação da anterior testemunha, de quem é sobrinho). Também assistente no processo-crime, a testemunha foi um dos lesados na sequência da atuação de AP.... Desde muito novo que a senhora geria o património da família. Havia contratos de seguro em que os clientes cediam a posição, e ficava com a posição deles. Ela nunca deu apólice nenhuma (disse). Chegou a deslocar-se à Polícia Judiciária contra o B, SA.. Conheceram-na, por muitos anos, como colaboradora do B, SA., enquanto agente do B, SA.. Confiavam nela, que confessou tudo no processo-crime. Os contactos eram realizados com esta agente, não havia balcões espalhados pelo País. Sempre a conheceu como sendo colaboradora do banco, ela era o único contacto que tinha, o banco nunca informou de nenhum aspeto negativo sobre a pessoa dela. Pelo que lhe disseram, era tudo tratado por intermédio desta senhora. Muitas pessoas perderam as suas poupanças.
Ficaram sem fundos de repente. Partilhavam o sofrimento entre si. Eram apresentados como produtos sem risco, completamente seguros. Haviam deixado claro que não queriam correr quaisquer riscos, mas nada do que projetaram se concretizou.
=> Depoimento da testemunha AG…. Filho dos dois primeiros Autores e irmão do 4.º Autor (cunhado da 3.ª Autora), frisou que o seu progenitor ficou completamente de rastos, teve um acidente vascular cerebral (AVC) e tornou-se uma pessoa com vergonha. “Só nós é que sentimos”. Reservara este dinheiro para a agricultura dele, mas deixou de investir na compra de um terreno. Ficou muito complicado para a mãe, ela reserva-se e esconde-se para não mostrar que está frágil. Já se esqueceu de ir buscar os netos à escola, sendo que o irmão ficou sem nada. Tencionava adquirir um apartamento para não estar dependente dos filhos (referiu). A cunhada esteve uns meses desempregada.
Também esta testemunha teve envolvimento patrimonial com AP..., também foi lesada. Porque teve um filho que nasceu com problemas de saúde, não avançou para Tribunal. Não chegou a possuir conta bancária aberta no B, SA., mas ela – AP... – ficou com o seu dinheiro.
=> Depoimento da testemunha CG. Casada com a anterior testemunha, referiu ser nora dos dois primeiros Autores e cunhada dos demais. Sabe que foram lesados e que perderam as suas poupanças. A sogra ficou com insónias, sendo que o sogro se tornou numa pessoa muito revoltada com a vida. Ele queria muito comprar um terreno, na altura. Não comprou nada, pois perdeu o dinheiro. Os cunhados ficaram mais reservados, mesmo em relação às amizades que tinham. Viu apenas uma vez a AP..., como “gestora de conta” do cunhado. Não chegou a receber os impressos da mesma, ela nunca chegou a abrir-lhe conta bancária. Veio a saber que os sogros perderam o dinheiro. Ficou convencida de que ia abrir a conta no B, SA., e AP... também ficou com o dinheiro dela, testemunha. A testemunha entregou-lhe o dinheiro e os impressos porque achava que era apenas uma mera formalidade, tendo confiado nos serviços dela.
No atinente ao sentido e alcance dos esclarecimentos, depoimentos e declarações prestados em audiência final, na parte alusiva à factualidade que se considera provada, foram acima sintetizados sem preocupação exaustiva de esgotar tudo o que se afirmou a esse nível, o que tão-pouco se pretende na sentença.
 A prova está gravada e foi objeto de avaliação pelo julgador, o qual sedimentou, na sua livre valoração, tudo o que de assente se exarou (cfr. artigos 396.º do Código Civil e 466.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Foram depoimentos e declarações que, conjugados entre si e/ou articulados com o acervo documental junto nas fases próprias do pleito, consentiram que o Tribunal desse como demonstrados tais factos concretos – assim se sinalizando que a prova levada a cabo pelos demandantes teve a virtualidade de respaldar, quase no essencial, a matéria constitutiva por eles deduzida, com o sentido e alcance delineado no seu articulado inicial (tal como o impõe o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
No tocante às declarações de parte dos três Autores, e a propósito deste meio de prova, tem sido nosso entendimento, desde sempre, que, “(…) em relação a factos que são favoráveis à procedência da ação, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da ação, deponha ele como «testemunha» ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas” (cfr. Ac. Rel. Porto de 20.11.2014, relatado por Pedro Martins e com texto disponível em www.dgsi.pt).
Esta vertente de “princípio de prova” propugna que as declarações de parte não são suficientes, por si só, para estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final, sendo apenas coadjuvantes da prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova; ou seja, as declarações de parte terão de ser corroboradas por outros meios instrutórios, tendo em conta o óbvio interesse direto que a própria parte tem no resultado da demanda.
Não pode aceitar-se que um meio de prova como as declarações de parte, isoladamente considerado, valha, como se uma “ilha” fosse, quando desligado de outros instrumentos instrutórios, na certeza de que, em princípio, as declarações correspondem à verbalização (oral e “confirmativa”) do que se encontra narrado, em texto escrito, na peça processual respetiva (no caso do autor, na petição inicial; no caso do réu, na contestação); será mera prova perfunctória, sem mais.
In casu, é isento de qualquer dúvida que as declarações dos Autores perfizeram aquele limiar mínimo ou suficiente que permitiu a sustentação dos pontos provados acima indicados (sobretudo esses, mas as declarações não se limitaram a tal), obtendo nos demais meios instrutórios algum conforto probatório necessário para esse efeito.
Tais declarações de parte foram convincentes no seu cerne e alcance, no respeitante aos mencionados pontos concretos, dispondo de condições credíveis e/ou verosímeis para estruturar a matéria fáctica em presença, e afirmada através da conjunta petição inicial.
Relativamente aos factos não provados, o Tribunal assim os considerou porquanto não foi produzida prova suficiente, ou foi produzida prova em contrário e infirmativa.
Com efeito, num balanceamento valorativo da prova produzida neste processo, ao abrigo da sua livre apreciação crítica, ficámos convictos em dar maior importância aos meios levados a efeito pelos Autores; na certeza de que as testemunhas atrás indicadas foram congruentes com o espólio documental apresentado com a petição inicial, munidas de um conhecimento estruturado e idóneo sobre a facticidade submetida à sua inquirição.
Em todo o caso, esses meios de prova produzidos pelos Autores não se revelaram suficientes para respaldar os pontos I a X indemonstrados (pontos III a VI, declarações de parte da 1.ª Autora; pontos VII a IX, declarações de parte da 3.ª Autora e do 4.º Autor).
Tal como os instrumentos de prova do banco Réu jamais puderam sedimentar os pontos XI e XII, cujo ónus incumbia à defesa (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Vejamos pois, agora relativamente às testemunhas arroladas pelo banco Réu, o alcance dos respetivos (três) depoimentos prestados, sendo certo que as testemunhas oriundas da defesa não tiveram um contacto direto e estreito com os factos concretos, que se pudesse comparar com as restantes testemunhas ouvidas e, bem assim, com os Autores que submeteram a juízo a sua versão presencial e direta dos factos.
=> Depoimento da testemunha V…. Mencionou que trabalhou para o Réu desde março de 2002 até dezembro de 2021 (desde dezembro de 2021 que trabalha para o Novo Banco). AP... era uma agente vinculada do banco. Ela dispunha de um aplicativo onde gerava a abertura de conta, com base em documentação fornecida pelos clientes, identificação, morada e contactos dos clientes. Enviava para um serviço central de um departamento externo. Podia receber os clientes onde quisesse. O cliente dava os seus elementos, ela gerava um número de conta, documentação que um departamento verificava e confirmava se estava tudo correto. A conta bancária ficava ativa e dava-se a geração das passwords. O núcleo do Novo Banco é que fazia essa geração. O cartão ia para a casa do cliente “com a raspadinha”. Era tudo enviado para a casa do cliente, com a “raspadinha” por cima e o picotado intactos. Os códigos estão encriptados no sistema. Serve para o uso do homebanking e só assim é que a operação se realiza. Não tem conhecimento de a agente se ter apoderado dos códigos dos Autores, no sistema não conseguiu ver nada. Ela tinha de ter uma instrução escrita do cliente. A alteração de dados da conta é algo que só através do cliente poderia ser feito. A testemunha não teve interação com estes clientes. Era impossível à agente, sem instrução do cliente, ter acesso ao token do telemóvel.
Ela foi submetida a monitorizações, mas um pouco em termos gerais.
A testemunha era responsável pelas operações de back office (consultora externa e gestora de clientes).
O departamento externo do Novo Banco nada tinha que ver com o B, SA., que validava a abertura da conta.
O contacto telefónico, constante da base de dados, existia desde o momento da abertura da conta bancária. É possível que ela, AP..., colocasse lá um contacto telefónico que não fosse o do cliente.
Sabe a testemunha que nada foi detetado na monitorização daquela agente.
=> Depoimento da testemunha MF…. Mencionou que trabalhou para o Réu no período compreendido entre 2006 e 2018 (a partir de 2018, trabalha no banco I…). Em setembro de 2014, a testemunha assumiu a gestão da equipa da qual AP... fez parte, como agente vinculada. Tem alguma memória superficial dos nomes dos Autores. Não sabe se faziam parte da carteira de clientes daquela agente vinculada, não se recordando muito deles. Explicitou que um agente vinculado é alguém que tem um contrato de prestação de serviços com o B, SA., representação de exclusividade da atividade bancária. Não podia ser agente vinculada em relação a outro banco. Podia apresentar/divulgar produtos financeiros do banco, angariar clientes para o banco. Os seus terminais financeiros não têm autonomia para executar as funções. Há pessoas empregadas do banco que executam essas operações, mas não os agentes vinculados.
Não havia contrato de trabalho dela, mas o banco estava incumbido de monitorizar AP....
O que esta conseguia era a introdução de dados do cliente que davam origem à abertura de conta. Fez-se uma abertura de conta, mas ela não podia alterar os seus dados. AP... tinha uma plataforma informática disponibilizada pelo banco. Ela conseguia ver a ficha do cliente e o património financeiro do cliente. Na execução, apenas a anteriori podia criar a ficha do cliente e a abertura de conta. Ela pouco ou nada conseguia fazer. No mês de fevereiro de 2016, ela apresentou a sua demissão, alegando que ia para um projeto pessoal. Todos os clientes dela acabaram por ser redistribuídos.
O relatório concluiu que não havia irregularidades nas contas. Havia documentos de suporte que o demonstravam. Nunca nada foi reportado, até essa data, num grupo de 200 ou 300 agentes vinculados. Entre 100 e 200 clientes, houve 20 ou 30 reclamações. Outros clientes voltaram ao banco de forma mais recorrente.
Durante 15 ou 16 anos, nenhum cliente apresentou reclamação junto do banco Réu. Na visão da testemunha, não houve falha do banco. Tudo se reconduziu a negócios não bancários que resultariam da confiança pessoal que os clientes depositavam em AP....
Há dezenas de milhares de operações em base diária, disse. É impossível humanamente monitorizar isso, perguntar a todos os clientes. São transferências que o próprio cliente ordena. Os bancos não fazem validações disso. É suposto o cliente detetar um mês depois, quando recebe o extrato, se houve irregularidades. De dinheiro que não há rasto, nada sabe o banco. Era algo que a dita agente geria de forma física, há anos, com taxas de juro três vezes acima do que era a prática do mercado bancário. Não há forma de monitorizar o que não se encontra espelhado nos documentos do banco. O banco não tem como saber. Ademais, os agentes vinculados não podem transportar valores ou receber dinheiro em numerário do cliente. A testemunha negou haver afirmado “apertem com o banco” ou “ponham um processo contra o banco” a ninguém. Seria impossível ao banco controlar a eventual atividade paralela de AP..., sem nenhum benefício para o banco; pelo contrário, só o divisa como uma fonte de problemas e de dano reputacional para o B, SA.. Mais referiu que as reuniões de monitorização eram aleatórias. Ela só podia introduzir dados do cliente, registar dados, introduzir um dado diferente do que está na ficha.
Eram 45 agentes vinculados no B, SA. e a testemunha era team leader. A agente terá sido centenas ou milhares de vezes monitorizada. Obteve prémios por objetivos que terá cumprido. Afirmou que o banco tem uma oferta muito sofisticada de produtos e seguros de capitalização, mas jamais trabalhou com a “Império Luxemburgo”, é uma seguradora de um grupo concorrente do BES, era da CGD (Fidelidade). Os movimentos que visualizou tinham todos documentação de suporte. A partir de 2014, não houve movimentações com pedidos de justificação dos clientes. E os agentes vinculados não podem transportar dinheiro consigo. Não existe um único cliente em que este não peça um comprovativo em como entregou um cheque, se, por exemplo, houve deslocação à casa do cliente. As pessoas devem ter comprovativos daquilo que fazem e ser diligentes quando entregam o dinheiro ao banco: “a confiança não é um dado adquirido”, concluiu a mesma testemunha.
=> Depoimento da testemunha CS…. Esta testemunha afirmou (aos costumes) que trabalha para o banco Réu desde setembro de 2005, sendo responsável na área de organização, ou mais da área de controlo. Nunca interagiu com os clientes da agente vinculada AP.... Referiu que há um pilar inicial que depende do lado do cliente: “somos um banco eletrónico, as regras de acesso ao banco estão definidas, desde a origem”. Há um conjunto de identificadores que partem dos clientes, que estão em poder (só) dos clientes. Não tem conhecimento de ter havido qualquer violação de segurança quanto aos elementos que são enviados ao cliente: “nós não controlamos se os dados chegam ao efetivo conhecimento do cliente”. Se o cliente não cumprir com a sua parte, toda a segurança é colocada em causa, como se torna evidente. Em relação ao pilar do banco, o agente vinculado tem de estar separado fisicamente dos outros empregados, só tem acesso aos seus clientes, está limitado na sua atuação. Há vários procedimentos de controlo que o banco assume. O agente vinculado não pode fazer operações para fora do património, a aplicação dele não pode efetivar tal. O dinheiro não sai, não pode sair, do património do cliente, através do agente vinculado. Os agentes vinculados são acompanhados por pessoas internas do B, SA..
Há um conjunto de controlo formal que acompanha o agente vinculado na sua relação com o cliente. Vão verificar uma série de procedimentos, de forma aleatória, para ver se existe ali algum indício de risco na movimentação entre contas bancárias, e sempre aleatoriamente. Em 2005, as ações de monitorização já existiam. Não foi encontrada nenhuma irregularidade junto de AP..., a testemunha teria tido conhecimento de algum incidente que existisse.
Toda a atividade do B, SA. é regulada pelo Banco de Portugal, entre outras entidades. Há entidades reguladoras apertadas sobre o B, SA.. Eram realizadas reuniões com clientes, 10 % de clientes por ano aleatoriamente. Estes clientes não foram envolvidos no procedimento de controlo. Os meios eram limitados sobre os agentes vinculados. Ocorre, de igual sorte, o pilar da auditoria do banco. Mas quando há conivência entre o cliente e o agente vinculado, não há sistema de controlo que valha. O banco não pode controlar isso: “nunca trabalhámos com a Império Luxemburgo, pelo menos desde que estou no banco” (ano de 2005). Não têm um balcão tradicional; têm centros de investimento, isso sim. A captação poderá ser online, podia ir ao site; o banco é, desde sempre, eletrónico. Mas pode haver a rede de agentes vinculados. Estes não têm uma grande preponderância face ao restante. Os procedimentos de controlo sempre os houve, eram e são obrigatórios, a testemunha só encontra explicação através do próprio cliente. Há monitorização de toda a rede comercial: no caso daquela agente, se ocorresse alguma irregularidade, passaria sempre por si; durante os anos, ela foi alvo, seguramente, mais do que uma vez. A seleção era aleatória. Ela teria sido objeto de monitorização (“foi apanhada ou abrangida”). Veio a ser realizada uma auditoria pelo banco. E existir várias contas em nome do agente vinculado não é, por si só, sintomático de nada ou de suspeito – acrescentou-se neste depoimento –, não sendo algo que, necessariamente, redunde na prática de atividades bancárias ilícitas.
Nesse conspecto, a primeira testemunha da Ré falou com bastante desenvoltura sobre os procedimentos internos seguidos pela entidade bancária demandada, mas todas as suas declarações acabaram por estar pouco entrosadas com a materialidade invocada na petição inicial, ou mesmo aquém do relatado pelos Autores, sobretudo no tocante ao relacionamento do desempenho da agente vinculada com a atuação destes seus clientes.
A segunda testemunha da Ré, mesmo havendo assumido a gestão da equipa da qual AP... fez parte integrante, como agente vinculada, a verdade é que não conseguiu trazer à audiência dados concretos e objetivados quanto ao relacionamento atrás mencionado (agente/clientes), tendo sempre a preocupação discursiva de procurar não envolver o banco Réu em toda a “embrulhada financeira” promovida pela dita agente.
Já no que concerne à terceira testemunha, muito em sintonia com os depoimentos anteriores, também não logrou convencer sobre a total desresponsabilização do banco em relação à atuação daquela sua agente vinculada, não obstante sublinhar que os agentes (falando no geral) são acompanhados por pessoas internas do B, SA., existindo um acervo de controlo formal que segue o agente vinculado na sua lidação com os clientes do banco.
Em conclusão, tudo visto e ponderado quanto aos factos indemonstrados na ação (cfr. pontos I a XII), o Tribunal assim os considerou porquanto não foi produzida prova suficiente, ou foi produzida prova em contrário e infirmativa. É que os meios de prova carreados e requeridos pelos Autores (cfr. pontos I a X) e pela defesa (cfr. pontos XI e XII) não conheceram a virtualidade bastante para atribuir solidez à facticidade em presença.
Por fim, não obstante os Autores terem sido perentórios e bastante convictos sobre a matéria de facto inserida nos sucessivos pontos (indemonstrados) IV a IX (segmento final), o Tribunal considerou que, ou por se tratar de matéria estritamente do foro médico, que apenas pode ser atestada por documentação da especialidade correspondente, ou por se tratar de questões que dependem de avaliação económica ou de um outro tipo de documentação que poderia ter sido angariada para os presentes autos, as declarações dos Autores foram insuficientes para a comprovação de tais factos, mesmo na sua conjugação com alguns depoimentos testemunhais que se não distanciaram do aí afirmado.
De uma apreciação global da prova produzida dificilmente se poderia chegar à demonstração de tais aspetos concretos, fortemente condicionada ao supedâneo de documentação válida.
Em suma, tudo visto, ponderado e valorado, é de finalizar nos termos seguintes:
 - De antemão, em relação aos factos que não tiveram controvérsia nestes autos, elencamos os pontos 1 a 3, 9, 27 a 30, 35, 36, 38, 39, 58 e 60 a 62, como estando nessa condição (vindos da petição inicial); outrossim, os pontos 84 a 88 (vindos da contestação);
- Os meios de prova carreados e requeridos pelos Autores (prova documental, declarações de parte e prova testemunhal comum) foram relevantes para a demonstração, essencialmente, dos pontos (de facto) 4 a 8, 10 a 26, 31 a 34, 37, 40 a 57, 59 e 63 a 83;
 - Relativamente aos factos indemonstrados, assim se considerou porquanto não foi produzida prova suficiente, ou foi feita prova em contrário e dos mesmos infirmativa; nessa senda, os Autores não lograram demonstrar os pontos (de facto) I a X; e o Réu não conseguiu demonstrar os pontos (de facto) XI e XII, ambos relacionados com o último tema da prova enunciado (o único tema cuja laboração probatória incumbia à defesa).
A transcrição desta fundamentação é por demais expressiva do cuidado e rigor tidos pelo Tribunal a quo na explanação clara, quer da prova que foi produzida, quer da análise que sobre ela incidiu.
Ora, depois de ouvida toda a prova produzida (e não apenas os extractos transcritos pelas partes) e compulsada a vasta documentação que compõe os autos, a percepção que nos fica corresponde com exactidão àquela que vem expressa no texto elaborado pelo Tribunal a quo.
As divergências da Ré correspondem, basicamente, a uma visão parcial e selectiva da prova: é que não só as declarações de parte dos Autores são esmagadoras, pela clareza, verosimilhança e pela coerência[13], como – nas partes que resultaram descritas como provadas – encontraram âncora quer nas testemunhas, quer na prova documental, o que as tira do patamar do “podia ter sido como eles dizem”, para o do “é mais do que provável que tenha sido assim”.
A Ré faz uma análise da prova eivada daquilo a que os britânicos chamam de wishful thinking, ou seja, olha para a prova para nela encontrar o que que nela quer encontrar e lhe convém (e apenas isso), tomando os seus desejos como se a realidade probatória fosse concluindo em conformidade.
Não deixa de fazer um raciocínio lógico, mas faz um raciocínio viciado.
Basta ouvir as declarações dos Autores M..., NA… e AC..., bem como os depoimentos das testemunhas DT… e AS…, (vítimas do mesmo comportamento da mesma AP… agente vinculada do B, SA.), conjugando tudo com os documentos juntos de fls. 31 a 254 e 837 a 851 (muitos deles que vêm do processo crime contra esta última), bem como de fls. 323 a 363, 377 a 462 a 528, 574 a 693, 707 e 718 a 832 (que nada infirmam quanto ao que provado resultou[14]).
A Ré não pode dizer que a única prova é a das declarações de parte dos Autores. Isso é esquecer toda a documentação relativa às movimentações bancárias. É fazer como se não existisse. É ignorar a sua razão de ser. É fazer de conta que não se apercebeu (apesar de tarde) do comportamento recorrente da sua agente vinculada.
O que “não há, de facto, como qualificar” (para usar a expressão da Apelante) é como é que foi possível acontecer o que aconteceu. Mas aconteceu. E durante algum tempo o B, SA. beneficiou com o trabalho de angariação de clientes (e da sua manutenção) da aludida AP... (e por isso a premiou!). E o seu sistema de controlo interno permitiu que tudo acontecesse.
Não há quaisquer dúvidas (pelas declarações de parte) e pelos depoimentos das testemunhas (e ainda com o facto de a própria AP... no processo crime ter confessado a sua actuação e os recebimentos), que os Autores confiaram as suas poupanças à agente vinculada do Réu para subscrever os seguros de capitalização negociados pela sucursal do Luxemburgo e para investimento em dólares americanos, nos valores apurados.
Nem dúvidas restaram do porquê de tal ter acontecido (a confiança gerada pelas funções de agente vinculada do Réu, exercidas pela já referida AP...). E muito menos de as vítimas desta situação serem, em primeira linha, os clientes do B, SA. (em concreto, os Autores). Nem ainda de o próprio Banco acabar por ser também vítima da sua agente vinculada (mas apenas depois de ressarcir os clientes).
Dizer que não há mais prova para além das declarações de parte, é não só não olhar para a prova documental já citada (veja-se, por exemplo, as apólices dos seguros de capitalização que os Autores receberam - vd., documentos de fls. 244 a 246 – justificadas pelas suas entregas de dinheiro), como é não querer ler o que o Tribunal escreveu na sua cuidada fundamentação.
A defesa da Recorrente no sentido de que não comercializava os seguros em causa, perde força, porque era um produto apresentado pela sua agente vinculada, que para os clientes funcionava como “o Banco”, com toda a confiança que tal implicava e da qual decorria.
Quanto a estes factos, tudo ponderado, não se vislumbra – tudo devidamente ponderado e reverificado – a necessidade de introduzir qualquer alteração ao decidido, por inexistir qualquer segurança na conclusão da existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos eles, existindo uma total concordância com a apreciação feita pelo Tribunal a quo.
Indefere-se a pretensão da Ré-Recorrente quanto à necessidade de os Factos 11, 13, 14, 18, 64, 65, 69, 72 e 73, passarem a não provados.
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II – quanto à necessidade de o Facto 70 da matéria de facto provada (Os Autores jamais foram informados pelo Réu, ou por qualquer outra pessoa ou entidade, que a agente vinculada AP... não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos clientes), passar a ter uma distinta redacção (“os Autores foram informados pelo Réu, logo no momento de abertura de conta, de que a agente vinculada AP... não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos clientes, nem a actuar ou tomar decisões de investimento em nome ou por conta dos clientes, nem a celebrar contratos em nome do Réu, nem a receber qualquer tipo de remuneração dos clientes”).
Entende a Recorrente que tal consta do documento 7, junto com a contestação (que corresponde às Condições Gerais aplicáveis ao celebrado contrato de abertura de conta) e que não podia ter sido ignorado pelo Tribunal, por terem sido aceites pelos Autores e dele constarem as suas assinaturas (confirmado quanto a si pela Autora M… em audiência).
Sobre a matéria, referiram os Autores que o documento em causa corresponde a um contrato de adesão, por si assinado sem que lhes tivesse sido explicado o respectivo teor.
Não assiste razão à Recorrente.
De facto, o documento a que se reporta é um contrato de adesão, o que nos remete, necessariamente, para o regime das Cláusulas Contratuais Gerais, os artigos 5.º[15] e 6.º[16] do Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, têm aqui de ser relevados.
Como assinala Luís Filipe Pires de Sousa, em face do que decorre destes normativos, “recai sobre o proponente o dever de comunicação do teor das cláusulas, bem como o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva, acrescendo o dever de informação sobre os aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1.6.2010, João Camilo, 600/05, de 30.3.2017, João Trindade, 4267/12). Sem embargo, cabe ao aderente invocar a violação/preterição desses deveres por parte do proponente (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.6.2010, Bettencourt de Faria, 5611/03, de 21.10.2010, Lázaro Faria, 3214/06, de 28.9.2017, Tomé Gomes, 580/13, de 2.11.2017, Isabel Pereira, 620/09). Previamente à demonstração a que os ónus da prova previstos no DL nº 446/85, de 25-10, se reportam, tem de haver a demonstração, a cargo da parte que quer beneficiar da invalidade das cláusulas contratuais, de que se está em terreno próprio destas (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.3.2010, João Bernardo, 806/05)”[17].
Daqui decorre, portanto, que aos Autores cabia a alegação de que o Banco Réu preterira o cumprimento dos seus deveres de informação e comunicação, cabendo a este, nos expressos termos do n.º 3, do referido artigo 5.º, o ónus da alegação e prova da comunicação adequada e efectiva[18].
Feita a verificação do sucedido nos presentes autos, temos que os Autores efectivamente alegaram que nunca foram informados pelo Banco Réu, ou por qualquer outra pessoa ou entidade, que a gestora de conta AP... não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos clientes (vd. artigos 16.º e 103.º da Petição Inicial), sendo que o Banco Réu não produziu qualquer prova nesse sentido.
Tenha-se em consideração que, como se assinala no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2016 (Processo n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1-Alexandre Reis), no quadro da formação do contrato, os assinalados deveres de comunicação e informação radicam no princípio da autonomia privada, “cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação”, pelo que, como “é fácil de entender, são, assim, convocados deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de esclarecimentos), como meios ordenados à apropriada formação da vontade do aderente. A obtenção desse objectivo requer, desde logo, que a comunicação do clausulado contratual seja feita com antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente, tendo em conta as circunstâncias (objectivas e subjectivas) presentes na negociação e na conclusão do contrato – a importância deste, a extensão e a complexidade (maior ou menor) das cláusulas e o nível de instrução ou conhecimento daquele –, para que o mesmo, usando da diligência própria do cidadão médio ou comum, as possa analisar e, assim, aceder ao seu conhecimento completo e efectivo, para além de poder pedir algum esclarecimento ou sugerir qualquer alteração”.
E conclui o mesmo Acórdão, “Bem sabemos que as exigências especiais da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente transmissão ou comunicação, decorrentes dos deveres que oneram o predisponente, para que estes possam ser completamente cumpridos, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação: deste se espera um comportamento leal, correcto e diligente, nomeadamente pedindo esclarecimentos, uma vez materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.
Porém, essa constatação, em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, p. ex., pedindo esclarecimentos. Foi o que o Ac. desta Secção de 18/4/2006 esclareceu lapidarmente: «O dever de comunicação das cláusulas contratuais constante do artigo 5º do Decreto-lei nº 466/85 de 25 de Outubro destina-se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as cláusulas a inserir no negócio. Esse dever acontece na fase de negociação, ou pré-contratual, e deve ser acompanhado de todos os esclarecimentos necessários, possibilitando ao aderente conhecer o significado e as implicações das cláusulas.».
Pode sustentar-se que a intensidade e o grau do dever de diligência que recai sobre o aderente são maiores ou menores em função das particularidades de cada caso, sobretudo as atinentes à extensão e complexidade das cláusulas e ao nível de instrução ou conhecimento do mesmo. Mas já não é aceitável que, perante esse dever de diligência, o proponente seja dispensado dos seus próprios deveres[19]. Como parece evidente, essa concepção conduziria à inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente”.
E é precisamente esta ponderação que cabe aqui ter presente (na certeza de que sempre se impõe uma “comunicação individualizada e integral do clausulado e a sua redacção com clareza e lisura”[20]).
Como de forma linear se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2022 (Processo n.º 2502/21.6T8VNG.P1.S1-Vieira e Cunha), neste “tipo de contrato não negociado, a lei visa assim, directamente, a protecção da parte contratualmente mais fraca, assegurando de modo consistente um “dever de comunicação” (art.º 5.º n.ºs 1 e 2 LCCG) e um “dever de informação” (art.º 6.º n.ºs 1 e 2 LCCG) por parte do proponente, que se consubstanciam na comunicação prévia e por forma adequada, e na informação do significado das cláusulas e das suas implicações (assim, Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, 1986, pgs. 24 e 25).
A comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte (Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, pg.22).
Desta forma, mesmo que o aderente não procure inteirar-se cabalmente do conteúdo contratual que aceita, a lei confere-lhe protecção em face do proponente (cf. Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, pg. 372, cit. in Ac.R.L. 17/2/2005 Col.I/116) – está em causa apenas proteger o aderente nos tipos de contrato em que existe uma aceitação não particularmente negociada por aquele aderente.
Não é a iniciativa do cliente que se sindica, no conhecimento das condições gerais (…), mas o cumprimento pelo utilizador das condições necessárias a tal conhecimento[21].
Assim, e tal como já concluímos no Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2022 (Processo n.º 2679/22.3T8LSB.L1), estando criados (por constituírem cláusulas contratuais gerais) os deveres de comunicação e de informação previstos nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, recai sobre, in casu,  os Autores o ónus de invocar a violação ou preterição desses deveres por parte do Banco, recaindo sobre este o da comunicação adequada e efectiva e do cumprimento do dever de informação.
Ora, os Autores fizeram a sua parte, mas a Apelante não fez qualquer esforço probatório para comprovar o cumprimento do referido dever de informação e comunicação sobre o conteúdo das cláusulas em causa (nomeadamente que tivesse informado os Autores do seu significado e implicações), de forma que a percepção adquirida pelo Tribunal a quo e espelhada no Facto 70, nunca poderia ser contrariada pela simples circunstância de os contratos estarem assinados (e  muito menos em face do conteúdo das declarações de parte dos Autores AC..., AN e M, que vão no sentido contrário): a simples presença nos autos do documento em causa não permite a conclusão pretendida afirmar pela Recorrente (e as testemunhas por si apresentadas nada sabiam sobre o assunto).
Não se vislumbram, assim, razões para alterar a redacção do Facto 70, que, assim se mantém inalterado, indeferindo-se a pretensão da Apelante.
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III – quanto à necessidade de os Factos não provados XI (Os Autores forneceram os dados de acesso às suas contas bancárias a AP...) e XII (Inclusivamente, facultaram-lhe os seus códigos de utilizador (user name), as palavras de passe (passwords) de acesso e de negociação, bem como os códigos enviados por SMS para os seus respectivos telemóveis (SMS token)) passarem a Provados.
Entende a Recorrente que tal alteração decorre do conteúdo dos depoimentos das testemunhas V, M e C, os quais descreveram com clareza os procedimentos gerais de realização de operações bancárias existente no B, SA..
Mas é a própria Recorrente que tem a consciência de que tais depoimentos em pouco permitem o aproveitamento para a prova que pretendia. É ela própria que assume que antecipa “a tentação de qualificar tais depoimentos como genéricos, por não terem referido especificamente a relação estabelecida entre os Recorridos e AP...”.
Só que, mais do que uma “tentação”, trata-se de uma ponderação à qual não podemos fugir e que os Recorridos não deixam de assinalar: é que as testemunhas em causa, todas muito conhecedoras, seguras e coerentes, nada sabiam sobre o caso dos autos, mas apenas sobre as regras abstractas de funcionamento ideal do banco (procedimentos, limitações e pressupostos relativos aos clientes). E está provado à saciedade que nada neste processo correu em termos ideais.
Tal como o sistema estava estruturado, não podia ter acontecido o que aconteceu, só que… aconteceu… e a Recorrente tinha de provar de forma credível e consistente que foram os seus clientes – ora Autores – a fornecer os dados de acesso às suas contas bancárias à AP... e que lhe facultaram os seus códigos de utilizador (user name), as palavras de passe (passwords) de acesso e de negociação, bem como os códigos enviados por SMS para os seus respectivos telemóveis (SMS token).
Mas, sobre isso, nada de concreto. Desconhecimento total (sendo certo que o facto é que a dita AP... movimentou efectivamente milhões de euros nas contas de clientes, articulando com as suas no próprio Banco, sem que este alguma vez tenha detectado o que quer que seja de irregular, ou o tenha conseguido evitar, sem que qualquer alerta ou luz vermelha tenha sido accionada!). E sem qualquer sentido de autocrítica ou assumpção de culpas.
Acresce que a Recorrente aceita e não coloca em causa o que consta do Facto 37 (AP... tinha acesso aos códigos de segurança das contas que movimentava, fazendo uso dos mesmos para realizar as transferências dos valores que se encontravam nas contas bancárias dos Autores e de outros clientes do Réu, para as suas contas pessoais, domiciliadas igualmente no Réu, ou para contas de alguns familiares seus, utilizando tal estratagema para se apoderar das quantias alheias, como veio a suceder, e fazendo crer aos Autores que os valores em causa se encontravam aplicados e que, a qualquer momento, poderiam ser resgatados), o que não pode deixar de ser relevado e considerado!
Como tivemos oportunidade de escrever (tendo como Adjuntos os Juízes Desembargadores Luís Filipe Pires de Sousa e José Capacete) no Acórdão desta Relação de 14 de Fevereiro de 2023 (Processo n.º 895/21.4T8FNC-B.L1-7) – valendo aqui as mesmas considerações – cabe “ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova” sendo que só se deve “alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância”[22].
Já sabemos que, como decorre dos artigos 341.º do Código Civil e 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, as provas têm por função “a demonstração da realidade dos factos”, e que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Daí que, nas situações – como a dos autos – em que para a prova não existe qualquer norma legal que exija formalidade especial ou prova documental específica (não se tratando de factos plenamente provados por documento, confissão ou acordo das partes), o material probatório produzido esteja sujeito ao princípio da livre apreciação por parte do Tribunal (o que não é o mesmo que arbitrariedade e, daí, a necessidade imposta pelo n.º 4, do artigo 607.º, de uma análise crítica da prova e da indicação de todos os elementos que foram decisivos, para a decisão, permitindo a sindicância da expressada convicção).
Por outro lado e como lucidamente dizia a personagem Algernon, de Oscar Wilde (em 1895, na peça The Importance of Being Earnest), a “verdade é raras vezes pura e nunca é simples[23], pelo que faz sentido aqui assinalar quanto ao standard da prova[24], o que Luís Filipe Pires de Sousa[25] tem afirmado, no sentido de que, para chegar à verdade processual da situação jurídica que nos seja presente (e, portanto, para que um facto se possa considerar provado, no nosso processo civil), tal standard[26] seja o da “probabilidade prevalecente ou “mais provável que não””[27] consubstanciado em “duas regras fundamentais:
 (i)-Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii)-Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa”[28].
Este “critério da probabilidade lógica prevalecente (…) não se reporta à probabilidade como frequência estatística, mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis”.
O “que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.
Todavia, pode acontecer que todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório e, nesse contexto, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira”. Pelo que para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica”[29].
Por outro lado, em situações de incerteza (nas quais não seja possível determinar a verdade ou a falsidade de um determinado enunciado de facto), ou “em que a verdade de um enunciado não receba uma adequada confirmação, a decisão só pode ser adotada mediante a aplicação da regra do ónus da prova objectivo”[30]. O que significa que “é sempre sobre a parte onerada com a prova dos factos a que recaem as  consequências da falta ou insuficiência de prova, ou seja, perante a dúvida irredutível sobre a realidade do facto que é pressuposto da aplicação de uma norma jurídica, o julgador decide como se estivesse provado o facto contrário (cfr. o Artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil, anterior Artigo 516.º). Assim, se após a valoração da prova, o juiz entender que há factos que permanecem duvidosos e incertos (ocorre uma deficiência probatória), terá de recorrer ao ónus da prova, valorando a prova contra a parte a quem incumbia o respetivo ónus da prova, declarando como não provado o facto adrede alegado pela parte. Por isso é que as regras do ónus da prova são subsidiárias no sentido de que apenas operam, se necessário, posteriormente à valoração da prova”[31].
Ora, neste contexto, quanto a estes dois factos não provados, em que o Tribunal a quo, com toda a razão, assinalou a insuficiência da prova produzida pela Ré-Recorrente, nada permitia ir mais além: fazer como pretendido traduzir-se-ia numa inadmissível inversão do ónus da prova, como se tivessem de ser os Autores a provar que não procederam como nestes factos vem descrito (e nenhum elemento probatório nesse sentido foi produzido).
Os depoimentos a que a Recorrente pretende recorrer (seja nos extractos que transcreve, seja na sua íntegra), são totalmente inócuos para o fim pretendido: claro que podemos assentar em que a AP... logrou aceder às contas, eventualmente apropriando-se dos códigos dos clientes, mas afirmar com probabilidade segura que foram estes que lhos forneceram, é um passo que, só com o que em concreto e quanto a estes concretos clientes (e não apenas com a generalidade das regras procedimentais em vigor no Banco) foi apurado, não pode ser dado.
Nada permite afirmar que o mais provável é que os Autores tenham procedido como a narrativa da Recorrente exige (mais ainda num contexto que, não é escamoteável - nem o Recorrente pode fazer de conta que o desconhece - em que uma sua agente vinculada  consegue, dentro do próprio Banco e durante anos, movimentar milhões de euros pelas suas contas pessoais - 10, como decorre do Facto 35 - e pelas dos clientes).
Acompanhamos, portanto, as considerações elaboradas pelo Tribunal a quo e a análise crítica por si feita, relevando desde logo os aludidos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
Nada a alterar, portanto.
***
IV – quanto à necessidade de acrescentar seis Factos decorrentes da instrução do processo, à matéria provada:
- 89. As entregas de valores pelos Autores a AP..., cujo valor global se desconhece, tiveram lugar por via de numerário entregue em mão, cheques emitidos em branco (sem preenchimento do campo do beneficiário), transferências cujos descritivos não evidenciam qualquer relação com os investimentos e pagamentos de serviços a entidades cuja identidade se desconhece.
- 90. Nenhuma das entregas de valores feitas pelos Autores a AP... alguma vez foi reflectida nos extractos das respectivas contas junto do B, SA. e, no caso do investimento em dólares americanos, as entregas feitas pelos 2.ºs Autores a AP... não foram tituladas em qualquer tipo de comprovativo, falsificado ou não.
- 91. Os Autores receberam valores de AP..., a título de rendimentos dos investimentos, em diversas ocasiões, inclusivamente na residência daquela, tendo o Autor A... assinado recibos desses recebimentos, e tendo todos os recebimentos sido pagos em numerário entregue em mão por AP....
- 92. AP... chegou a assinar um comprovativo de recebimento do valor de €20.000, em 29.01.2014, para entrega ao Autor A..., tendo justificado essa entrega como tendo sido feita pelo referido Autor a título de empréstimo a AP....
- 93. Na relação dos 1.ºs Autores com a Caixa Geral de Depósitos nunca foram feitas entregas de valores para investimento por via de cheques em branco, todas as entregas em umerário foram reflectidas nos extractos da sua conta, e todos os rendimentos de investimentos foram pagos por crédito em conta.
- 94. O B, SA. informou os Autores, nas respectivas aberturas de conta, por via das suas Condições Gerais, dos meios à sua disposição para confirmação das entidades para as quais aquele actuava como mediador de seguros, bem como dos canais de comunicação ao dispor dos Autores, como o homebanking, o call center telefónico e os centros de investimento.
A Recorrente entende que essa matéria (que também alegou na Contestação) resultou da instrução da causa.
Os Recorridos entendem que deve ser indeferida a pretensão, uma vez que não só não foi reputada como relevante pelo Tribunal, como apenas serviria para reforçar a confiança por si depositada na sua gestora de conta (sendo que as designações das transferências foram dadas por esta, as divergências entre os depoimentos dos Autores AC... e NA… claramente resultam do trauma emocional e revolta provocados na sua vida pela situação ocorrida, e os documentos provindos do processo crime foram por si impugnados sem que a Ré tivesse provado a sua genuinidade).
Começa, desde logo, por excluir-se da apreciação os pretendidos acrescentar Factos 93 e 94:
- o primeiro por irrelevância e inocuidade para a decisão da causa[32], dado que sempre insusceptível de alterar o que quer que seja[33], em função do que já se mostra provado e sua incapacidade para alterar a decisão final, o que impõe que não se proceda à reapreciação desta matéria de impugnação[34], sob pena da prática de acto inútil (proibido por lei – cfr., artigo 130.º do Código de Processo Civil) e de se contrariarem os princípios da celeridade e celeridade e economia processuais (artigos 2.º, n.º 1, 137.º e 138.º). Assim, rejeita-se a impugnação da Recorrente quanto a este facto (putativo Facto 93);
- o segundo pelas mesmas razões já aludidas a propósito das cláusulas gerais: a Recorrente não fez prova desta matéria como se lhe exigiria, assim se rejeitando a sua pretensão de acrescentar o putativo Facto 94.
Quanto aos restantes putativos Factos (89, 90, 91 e 92), a solução de indeferimento é a mesma, pelas mesmas razões de insusceptibilidade para alteração da decisão final (com a consequente inutilidade), mas também pelo seu carácter genérico e conclusivo e porque a Recorrente não parece sequer atentar no que já se mostra provado nos Factos 12, 13, 14, 15, 18, 33 e 34. Que os dispensam e mostram a sua desnecessidade.
Aliás, há que atentar em que o Facto 47 (que também está aceite pela Recorrente e não foi por si colocado em causa), deixa como assente que “AP... efectuava transferências das contas dos clientes, usando as designações que entendia, fazendo movimentações do dinheiro entre várias contas, destinando-se a seu uso próprio, transferindo valores para a sua conta pessoal e para contas das pessoas com quem tinha ligações pessoais (FA…, SM…, JG…, entre outros)”.
Neste contexto, só podemos concluir pelo desatendimento – também – destas pretensões da Ré-Recorrente, quer em face da prova produzida e (re)verificada, quer em face da restante matéria apurada e não impugnada, quer diante da inocuidade do pretendido para poder permitir a alteração da decisão da causa.
Mais uma vez e perante a pretensão apresentada, os argumentos utilizados e os próprios extractos de depoimentos transcritos, importa assumir a total concordância com a apreciação feita pelo Tribunal a quo: a Apelante não logrou minimamente contrariar a apreciação crítica da prova realizada pela Sentença sob escrutínio.
Da prova reouvida e da verificação da análise crítica feita em 1.ª Instância, sai mesmo reforçada a segurança das conclusões dessa análise e não o contrário, uma vez que os aludidos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, apontam num mesmo sentido e não noutro, apontam no sentido da adequação das conclusões à prova e não na existência de qualquer erro de apreciação.
Vai, assim, indeferida a pretensão da Recorrente.
*o*
Fundamentação de Direito
A Sentença sob recurso assenta o decidido no seguinte processo de raciocínio:
I - Importa verificar o Réu deve ser responsabilizado perante os Autores pelos valores peticionados, em virtude da atuação da agente vinculada AP....
II - Não se discute que a actuação da agente AP... configura um desempenho ilícito e culposo (necessariamente gerador da obrigação de indemnizar os Autores pelos prejuízos a estes causados), nem se debate a ligação contratual entre a referida AP... e o Réu (de onde decorre que a primeira passou a exercer funções de agente vinculada para o segundo, de acordo com um contrato de prestação de serviços datado de 27 de Junho de 2002-fls. 28 a 31), mas sim se o Banco Réu deve ser responsabilizado perante os Autores pelos valores peticionados, em virtude da actuação da referida agente vinculada e em que medida (seja por danos patrimoniais, seja por danos não patrimoniais).
III - Decorre do artigo 293.º, n.º 1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários (ou CVM) que o Réu, enquanto instituição de crédito, está autorizado a exercer a actividade de intermediário financeiro, podendo - artigo 294.º-A do CVM - ser representado por agente vinculado na prestação dos serviços aí elencados (designadamente, na prospecção e captação de clientes para a actividade de intermediação financeira e na recepção e transmissão de ordens).
IV - O agente vinculado actua como representante do intermediário financeiro – in casu, o Réu – sendo este responsável por quaisquer actos ou omissões daquele no exercício das funções que lhe foram confiadas (cfr. artigo 294.º-C, n.º 1, alínea c)), estando obrigado a controlar e fiscalizar a actividade por ele desenvolvida, adoptando as medidas necessárias para evitar que o exercício pelo agente vinculado de actividade distinta da prevista no n.º 1 do artigo 294.º-A possa ter nesta qualquer impacto negativo (cfr. artigo 294.º-C, n.º 1, alíneas b) e c)).
V - No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro (onde se aditaram os artigos 294.º-A a 294.º-C, relativos à figura do agente vinculado) pode ler-se que “No âmbito das entidades que exercem atividades de intermediação financeira, é consagrado um novo regime aplicável a agentes vinculados, que em comparação com o atual regime da atividade de prospeção, se caracteriza pelo potencial alargamento das funções abrangidas, pela admissibilidade de pessoas coletivas, adotando a forma societária, exercerem esta atividade e pela aplicabilidade deste regime a todos aqueles que pretendam exercer tal atividade, em nome de intermediário financeiro sedeado em Portugal (…)”.
VI - Assim, na relação entre o intermediário financeiro e o agente vinculado, este actua em nome e em representação daquele, sujeitando-se ao controlo e fiscalização da sua actividade por parte do intermediário financeiro, e tendo de se submeter às medidas que lhe forem impostas por este último, destinadas a assegurar que a sua actividade de agente vinculado do intermediário financeiro se não desvia daquela que a lei lhe possibilita.
VII - O intermediário financeiro responde pelos actos e omissões do seu agente vinculado, quanto ao exercício das funções que lhe confiou.
VIII - O artigo 165.º do Código Civil dispõe que as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.
XIX - O artigo 500.º, n.º 1, do Código Civil, dispõe que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
XX – Nas palavras de Pires de Lima-Antunes Varela “a objectividade da responsabilidade lançada sobre o comitente traduz-se, praticamente, em ela não depender de qualquer culpa (dolo ou negligência) na escolha do comissário, nas instruções que a este tenham sido dadas ou na fiscalização do exercício da comissão”, acrescentando que “o termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reveste nos artigos 266º e seguintes do Código Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc” e que “a comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este. Só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo”.
XXI - Porque do n.º 2 do citado artigo 500.º decorre que “a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada”, “o comitente não responde por actos do comissário que não tenham qualquer nexo com a sua comissão”.
XXII - Para caracterizar o grau de conexão em questão, esclarecem os referidos Autores que “a orientação preferível consistirá, pois, em responsabilizar o comitente pelos factos ilícitos do comissário que tenham com as funções deste uma conexão adequada. Trata-se, afinal, de aplicar, também aqui, num problema de responsabilidade pelo risco, a teoria da causalidade adequada. Sempre que as funções do comissário, segundo um critério de experiência, favoreçam ou aumentem o perigo de verificação de certo dano, deverá o comitente arcar com a respectiva responsabilidade. Por outras palavras: deverá entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos actos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, ele se encontre numa posição especialmente adequada à prática de tal facto”.
XXIII - A “nota mais característica da situação do comitente é a sua posição de garante da indemnização perante o terceiro lesado, e não a oneração do seu património com um encargo definitivo”, tendo presente que, em face do n.º 3 do mesmo artigo 500.º do Código Civil, “ele goza, em princípio, do direito de regresso contra o comissário, para se ressarcir de quanto haja pago”.
XXIV – Sobre o n.º 2 do artigo 500.º do Código Civil, afirma-se:
- no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/1992 (Cabral de Andrade) que, com “esta fórmula – diz o Prof. Antunes Varela – quis a lei afastar da responsabilidade do comitente os actos que apenas têm um nexo temporal ou local com a comissão (Das Obrigações em Geral, 2 ed., I, págs. 518). Não basta, com efeito, um mero nexo local ou cronológico, externo ou incidental, entre o facto e a comissão, sendo necessária uma relação directa, interna, causal, isto é, que o facto seja praticado no desempenho da função, por causa dela e não apenas por ocasião dela (cf. Manuel de Andrade, Teoria Geral, I, pág. 151). Assim, se os actos não se inserem no esquema do exercício da função, não há responsabilidade do comitente, mas ela verificar-se-á se os actos se mostrarem ligados à função por um nexo instrumental, desde que compreendidos nos poderes de que o comissário goza no exercício da comissão. São, assim, da responsabilidade do comitente os actos praticados com abuso de funções, isto é, os actos formalmente compreendidos no âmbito da comissão, mas praticados com um fim estranho a ela – cf. A. Varela, ob. e vol. cit., pág. 519”;
- no Acórdão do Supremo Tribunal de 15/03/2005 (Nuno Cameira), que o “que se retira da conjugação destes textos é que a relação de comissão exigida pela lei – comissão em sentido, muito amplo, de actividade levada a cabo no interesse e por conta de outrem, e não na acepção prevista no artº 266º do Código Comercial – não fica afastada pela circunstância, aqui provada, de o segundo réu prestar serviços à primeira ré como economista, em regime de profissão liberal. Perante os autores, terceiros lesados, isso não releva, pois a responsabilidade de que se trata é objectiva, só funcionando em tais termos precisamente na relação externa; internamente (relação comitente/comissário), como está claro no nº 3 do artº 500º, pode o comitente exigir do comissário o reembolso de tudo o que tiver pago, salvo se ele próprio tiver culpa, caso em que se aplicará o regime da pluralidade de responsáveis pelo dano (artº 497º, nº 2). Decisivo e imprescindível é que o facto danoso tenha sido praticado no exercício da função confiada e que exista um nexo entre aquele e esta, pontos estes que, sem qualquer dúvida, estão comprovados na situação ajuizada, e bastam para configurar a relação de comissão. O artº 500º do CC não exige uma relação de dependência entre o comitente e o comissário como condição da responsabilidade do primeiro. Seria, parece, incoerente e ilógica semelhante exigência quando é certo que, como se deduz do referido nº 2, a responsabilidade objectiva do comitente subsiste mesmo que o comissário aja intencionalmente ou contra as suas instruções. De resto, desde que limitadas ao resultado a alcançar, as ordens ou instruções, por si só, não desfiguram o contrato de prestação de serviços, nem o transformam numa realidade jurídico negocial diversa”;
- no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/03/2014 (Souto de Moura) que a “jurisprudência e doutrina têm-se debruçado sobre o sentido da expressão «no exercício da função que lhe foi confiada» e existe consenso sobre a exclusão de responsabilidade do comitente, em casos de atuação ilícita e danosa do comissário, simplesmente conexionada local e temporalmente com o exercício de funções. Também não tem merecido acolhimento a exigência de que a atuação do comissário se tenha desenrolado no interesse do comitente. Importante será, então, que o comportamento danoso tenha sido levado a cabo, fazendo uso, o comissário, dos meios colocados à sua disposição pelo comitente. Assim se aderindo a um critério instrumental para apuramento da responsabilidade do comitente. É evidente que todo o ato ilícito pressupõe um exorbitar das funções que estão cominadas ao comissário. Caso contrário, haveria conluio entre o comitente e o comissário para a prática do ato ilícito, e a responsabilidade daquele deslocar-se-ia para o domínio da culpa, esvaziando-se por completo a possibilidade de incorrer em responsabilidade objetiva. Só que esse exorbitar das funções confiadas não implica a incompatibilidade com a prática no exercício das funções. Basta que, nas palavras de A. Varela, haja uma «conexão adequada» entre o ato ilícito danoso e a função. Explicitando o seu ponto de vista, este autor refere (in «Das Obrigações em Geral», vol. I, 7.ª edição, pág. 637 e seg.): «Com a fórmula restritiva adoptada, a lei quis afastar da responsabilidade do comitente os actos que apenas têm um nexo temporal ou local com a comissão. Mas acentuando ao mesmo tempo que a responsabilidade do comitente subsiste, ainda que o comissário proceda intencionalmente ou contra as instruções dele, mostra-se que houve a intenção de abranger todos os actos compreendidos no quadro geral da competência ou dos poderes conferidos ao dito comissário. Ficarão, assim, excluídos os actos que não se inserem no esquema do exercício da função (como no caso do empregado desviar intencionalmente o veículo que conduz ao serviço da empresa para ferir ou matar uma pessoa), mas cabem na fórmula da lei os actos ligados à função por um nexo instrumental, desde que compreendidos nos poderes que o comissário disfruta no exercício da comissão (como no caso do empregado bancário, encarregado de prestar informações ao público, dar uma informação falsa para lesar outrem)». Serão assim da responsabilidade do comitente os actos praticados pelo comissário com abuso de funções, ou seja, os actos formalmente compreendidos no âmbito da comissão, mas praticados com um fim estranho a ela»”;
- no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/11/2016 (Maria Manuela Gomes), que “a responsabilidade civil das pessoas colectivas por actos ilícitos praticados por seus representantes, agentes ou mandatários está sujeita ao regime da responsabilidade extracontratual baseada no risco, nos termos dos artigos 165.º, 998.º, n.º 1 e 500.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil”, e que “a relação de comissão só responsabiliza o comitente pelos actos ilícitos do comissário se for adequada para a produção dos resultados e for susceptível de criar no lesado uma convicção de confiança na licitude da conduta daquele”.
XXV - Será de responsabilizar a pessoa colectiva pelos actos dos seus representantes, mandatários ou agentes, que, na perspectiva do lesado, tenham com as funções destes uma conexão adequada, uma vez que foi a pessoa colectiva que os escolheu.
XXVI - Não é necessário que o acto seja praticado rigorosamente no exercício da função, bastando que se integre no quadro geral da respectiva competência (de outra forma ficaria praticamente arredada a responsabilidade das pessoas colectivas, pois todo o facto ilícito envolve, em certo sentido, uma extra-limitação daquela competência).
XXVII - Deverá, pois, entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos actos de que foi incumbido, quer pelo cunho dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, ele se encontra numa posição especialmente adequada à prática de tal facto.
XXVIII - Dentro deste entendimento, refere Carlos Alberto da Mota Pinto (cfr. Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1988, págs. 322 e 323) que será legítimo responsabilizar uma sociedade por actos dolosos dos seus agentes, praticados em vista de fins pessoais, mas integrados formalmente no quadro geral da sua competência, se o agente aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança (boa fé) do lesado na lisura do comportamento daquele, como acontece, por exemplo, no caso de o empregado de um banco receber uma quantia de um particular para fins de investimento, com a intenção de a dissipar em proveito próprio (“Parece que será ir longe de mais responsabilizar a pessoa colectiva, se o acto foi intencionalmente praticado para realizar um objectivo meramente pessoal, sem conexão com os interesses da pessoa colectiva. É que, nessa hipótese, há um nexo de mera ocasionalidade entre as funções do órgão ou agente e o acto. Sendo assim, os actos intencionais (dolosos), referidos no artigo 500.º, que não excluem a responsabilidade do ente colectivo, são os que visaram exclusiva ou conjuntamente interesses da entidade representada. Só será legítimo ir mais longe e responsabilizar uma sociedade por actos dolosos dos seus órgãos ou agentes, praticados em vista de fins pessoais, mas integrados formalmente no quadro geral da sua competência, se o agente aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança (boa fé) do lesado na lisura do comportamento daquele (p. ex., informações falsas prestadas a título oficial; o gerente ou o empregado dum banco, sem poderes suficientes, recebem uma quantia dum particular para fins de investimento, com a intenção de a dissipar em proveito próprio, etc.)” - páginas 322 e 323).
XXIX - Revertendo para o caso dos autos, verifica-se que a actuação da referida AP... ocorreu porque a mesma se aproveitou da sua posição de agente vinculada do Réu, no âmbito da actividade de intermediação financeira deste prestada aos Autores.
XXX - Disponibilizando o Réu, serviços de intermediação financeira, enquanto instituição de crédito, designadamente na comercialização de produtos de investimento, produtos estruturados, produtos fiscais, seguros e acesso aos mercados bolsistas, e pretendendo os Autores investir a quantia que detinham (que rondava, entre uns e outros, €320.000 + €83.000), entre ambos estabeleceu-se a correspondente relação contratual.
XXXI - Para o estabelecimento dessa relação sinalagmática, foi essencial a intervenção de AP..., enquanto Personal Financial Advisor do Réu.
XXXII - O contacto pessoal e directo do Réu com os seus clientes (onde se incluem os Autores) não era possível, atenta a ausência de balcões de atendimento ao público, sendo feito através dos seus Personal Financial Advisors.
XXXIII - O Réu tinha ao seu serviço agentes vinculados (tal como a referida AP...), para prosseguir a sua actividade bancária, em geral, e de intermediação financeira, em particular.
XXXIV - Foi no exercício dessas funções de agente vinculado que a referida AP... angariou os Autores como clientes do Réu, e os manteve como tais.
XXXV - Era ela o único contacto dos Autores com o Réu, a qual os informou, logo desde o início da relação, que todo e qualquer assunto respeitante ao banco deveria ser tratado diretamente consigo, apresentando tal procedimento como uma marca do serviço personalizado praticado junto dos clientes, uma vez que o banco não dispunha de balcões de atendimento ao público.
XXXVI - AP... apresentava-se perante os Autores com cartões com a identificação do banco Réu (e tinha em seu poder impressos e formulários deste), recebia os clientes (incluindo os Autores) num escritório situado em Lisboa, na Rua..., que ostentava, no interior, alguns prémios atribuídos pelo banco à sua agente vinculada (escritório sito no Edifício C, Rua..., n.º, em Lisboa).
XXXVII - Tudo se processava num contexto cénico de exercício aparente de funções como agente vinculada do Réu (que formalmente era).
XXXVIII – A dita AP... tirou proveito desta forma de organização dos meios de produção do Réu, granjeando com o tempo a confiança dos Autores e levando-os a entregar-lhe as quantias de €320.000 (primeiros Autores) e de €83.000 (restantes Autores), tudo na base da aparência e sob o pretexto de serem aplicadas sobretudo num (inexistente) seguro de capitalização da companhia de seguros Império, pretensamente comercializado pelo Réu, bem como na compra de moeda estrangeira (dólares), apesar de lhe estar vedado, enquanto agente vinculada do banco Réu, receber ou entregar dinheiro ou instrumentos financeiros dos Autores (como claramente decorre da alínea d) do n.º 3 do artigo 294.º-A do CVM).
XXXIX - A circunstância de o ter realizado, como modus operandi dos actos ilícitos praticados, não significa que os mesmos houvessem sido praticados fora do desempenho da função que lhe foi confiada e apenas por ocasião dela, mas somente que os mesmos foram cometidos com abuso das funções que lhe foram confiadas pelo Réu.
XL - O contexto circunstancial de o Réu não deter balcões de atendimento ao público no País, antes apoiando o seu negócio numa rede de Personal Financial Advisors, vocacionada para a “venda ao domicílio” por contacto pessoal e directo com os seus clientes (em substituição do modelo clássico de negócio de “venda em estabelecimento comercial”), revela que o banco dependia dos referidos Personal Financial Advisors para o cumprimento das regras de conduta a que aludem os artigos 73.º e seguintes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro), nas quais assentam o princípio da confiança e a fidúcia inerentes a toda a actividade bancária e financeira.
XLI - O Réu confiou à sua agente AP... (como certamente aos demais Personal Financial Advisors) as funções que não podia executar nos balcões de atendimento ao público (inexistentes no País), designadamente aquelas que a mesma agente decerto terá exercido junto dos ora Autores, relacionadas com a prestação de informação de todos e quaisquer assuntos relacionados com o Réu, com os produtos disponibilizados pelo mesmo para subscrição pelos Autores, ou com o tratamento e acompanhamento das questões relacionadas com os investimentos feitos.
XLII - Foi por deter esse múnus de funções, que lhe havia sido confiado pelo Réu, que AP... logrou convencer os Autores a entregar-lhe as referidas quantias de €320.000 e de €83.000, sob o pretexto de estarem a ser aplicadas em produtos financeiros disponibilizados pelo Réu, nada tendo que ver com qualquer relacionamento de índole pessoal (e hipotético) que os aqui demandantes pudessem ter encetado com a malquista agente do Réu.
XLIII - Foi através da geração de uma aparência do exercício regular das funções que lhe haviam sido confiadas pelo Réu (a captação dos Autores como clientes do Réu para a realização de aplicações financeiras), mas em flagrante abuso das mesmas (já que lhe estava vedada, além do mais, a receção de dinheiro por parte dos Autores), que a mesma AP... logrou cometer os actos ilícitos em questão (a apropriação das importâncias de €320.000 e de €83.000, dos respetivos Autores).
XLIV - O que equivale a afirmar que a relação de comissão (estabelecida entre o B, SA. e AP...) foi adequada para a produção do resultado dos actos ilícitos (a apropriação indevida daquelas quantias dos Autores), dado haver criado nos lesados (os Autores) uma “convicção de confiança na licitude da conduta daquele” (o comissário, ou seja, AP...).
XLV - Seguindo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Novembro de 2015 (Fernando Baptista)e com texto disponível em www.dgsi.pt), “Tendo havido abuso de funções por banda do funcionário bancário que praticou os factos ilícitos, nem por isso deixa de haver responsabilidade do comitente, pois pode dizer-se que as funções daquele se exerceram dentro dum quadro funcional da actividade prosseguida pela instituição bancária, criando a convicção razoável no cliente (lesado) de que estava a agir no exercício da função que lhe foi confiada (isto é, que, in casu, havia extensão dos poderes do empregado pelo comitente conferidos – pode, aqui, falar-se numa «aparência social» que leva a confiar que a actuação do comissário se desenrola por conta e sob a autoridade do comitente)”, acrescendo que o “que importa é, assim, que o facto danoso praticado esteja numa certa relação com a actividade que o comissário desempenhava na instituição de crédito, segundo uma conexão adequada” e que o “princípio da boa fé (vulgarmente denominado de princípio da confiança – de aplicação geral a todos os domínios do jurídico, valendo para todo o comportamento juridicamente relevante das pessoas) significa que as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”.
XLVI - É de sufragar que o Réu deve ser responsabilizado no plano civil, nos termos do disposto no artigo 500.º do Código Civil (responsabilidade pelo risco, do comitente), pelos danos patrimoniais sofridos pelos Autores em consequência da atuação ilícita e culposa da agente vinculada daquele banco (AP...), os quais correspondem aos valores pecuniários de €320.000 e de €83.000 de que se viram desapossados, porquanto os actos praticados por tal agente vinculada se desenrolaram no exercício das funções que lhes foram confiadas pelo Réu, ainda que em abuso manifesto das mesmas.
XLVII - O Réu será condenado no pagamento aos Autores das quantias pecuniárias correspondentes.
XLVIII - Não se provou que o procedimento descrito e seguido por AP... em relação aos Autores (designadamente as transferências das quantias monetárias destes para aquela), era do conhecimento do Réu, mas isso não é determinante para o caso, uma vez que se assim fosse, teríamos a imputação de um juízo de culpa em relação à entidade bancária e, logo, o afastamento da previsão objectiva do artigo 500.º do Código Civil e o resvalamento destes autos para a normatividade da responsabilidade civil por factos ilícitos, com enfoque para os artigos 483.º, n.º 1, 486.º, 487.º e 497.º, n.º 2, todos do Código Civil.
XLIX - Exatamente porque o banco de nada sabia, prevalece a responsabilidade objetiva, pelo risco, a que alude o artigo 500.º do Código Civil (responsabilidade do comitente), sem prejuízo da norma remissiva do artigo 499.º da mesma legislação codificada.
L - Não se provou que os Autores tivessem fornecido os dados de acesso às suas contas bancárias a AP..., ou que lhe tivessem facultado os seus códigos de utilizador (user name), palavras passe (passwords), e códigos enviados por SMS para os seus telemóveis (SMS token).
LI - O Réu defende que:
 - a AP..., apesar de agente vinculada com contrato de prestação de serviços para consigo, adoptou um comportamento, não só incompatível com as funções que desempenhava, como violador das condições e regras aplicáveis à relação contratual bancária entre os clientes e o banco demandado;
- que os clientes partilhavam com ela os códigos pessoais e intransmissíveis de acesso a homebanking, tudo à revelia do conhecimento dele banco;
- que o cerne dos prejuízos alegados resultou da pretensa subscrição de seguros de capitalização junto da “Império Luxemburgo”, seguradora com quem o Réu nem sequer trabalha;
- que os clientes em causa, omitindo deliberadamente informação à aqui entidade bancária, validavam os extractos das contas como se os mesmos refletissem fielmente os investimentos por si realizados, sendo fácil perceber, para uma pessoa média, que os movimentos a crédito correspondiam a transferências provenientes de contas bancárias de pessoas terceiras que os próprios clientes desconheciam em absoluto. Contudo, todas estas considerações – que consubstanciariam e se traduziriam na omissão, por banda dos Autores, dos seus deveres de cuidado e diligência no âmbito dos alegados investimentos, bem como na culpa do lesado (cfr. artigo 570.º do Código Civil) e, porventura, no instituto limite do abuso do direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil).
LII – O Réu não logrou obter qualquer correspondência na materialidade factual que se demonstrou em concreto.
LIII - A circunstância de constar do cartão de “Promotor” de AP..., emitido pelo B, SA., a menção expressa: “Não autorizado a realizar operações bancárias e financeiras. A actividade do promotor encontra-se regulada por um código de conduta, o qual se encontra disponível para consulta” (www.b....pt – cfr. documento de fls. 363), não significa a desresponsabilização do banco Réu em relação à atuação da sua agente vinculada, porquanto os actos da mesma agente foram cometidos com abuso das funções que lhe foram confiadas pelo Réu, sempre com subsunção na previsão do artigo 500.º do Código Civil.
LIV - Os Autores foram convencidos, num tecido encenado e eivado de aparência, a entregar-lhe as mencionadas quantias, sob o pretexto de estarem a ser aplicadas em produtos financeiros.
LV - Os Autores jamais foram informados pelo Réu, ou por qualquer outra pessoa ou entidade, que a agente vinculada AP... não estava autorizada a receber quantias em dinheiro dos clientes.
LVI - Desde o processo de abertura de conta (inclusive), todos os documentos foram sempre trocados com a referida agente e foi sempre esta a tratar de todos os assuntos dos Autores junto do Réu.
LVII - Relativamente ao perfil de clientes dos Autores ficou demonstrado nos autos que:
- os dois primeiros Autores, apesar de possuírem o ensino básico, têm actividade profissional como empresários da construção civil, tendo indicado ambos no formulário de abertura de conta (de Abril de 2011), ser sócios gerentes da firma Xxx Lda., sociedade de construção civil e obras públicas, sociedade comercial constituída no ano de 2001;
- a 3.ª Autora e o 4.º Autor (este, um dos filhos dos dois primeiros Autores) são também casados entre si, tendo este indicado, aquando da abertura de conta no ora Réu, ter completado o ensino secundário e ser orçamentista na referida sociedade comercial.
LVIII - A 3.ª Autora indicou ser licenciada e tinha, na altura, actividade profissional como directora de relações públicas de uma sociedade de advogados em Torres Vedras, passando ela a ser gestora de stocks numa sociedade do ramo da distribuição alimentar; tal como exerceu actividade bancária durante cerca de nove meses, entre 2007 e 2008, como comercial no banco Santander Totta.
LIX - Ora, não obstante todos os aspectos factuais acabados de elencar, ainda assim não divisamos que os mesmos materializem qualquer tipo de responsabilidade ou culpa dos Autores no logro ou embuste em que acabaram por cair, gerado pela actuação daquela agente vinculada do Réu, através – como se deixou escrito – do ostensivo abuso das funções que lhe foram confiadas pelo banco aqui demandado.
LX - Por conseguinte, é de concluir que o Réu deve ser responsabilizado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 500.º do Código Civil, pelos danos patrimoniais sofridos pelos Autores em consequência da atuação ilícita e culposa da agente vinculada AP..., correspondendo os mesmos danos aos valores de que se viram despojados, e na medida em que os actos praticados por tal agente o foram sempre no exercício das funções que lhe foram confiadas pelo Réu, ainda que em abuso das mesmas.
LXI – O Réu será condenado no pagamento aos Autores das quantias pecuniárias correspondentes (ou seja, €300.000 + €20.000 e €50.000 + €33.000).
LXII - Peticionaram os quatro Autores a condenação do Réu no pagamento de juros remuneratórios de 9,2 %, no que respeita às aplicações financeiras (subsidiariamente, na taxa aplicável aos depósitos a prazo desde a data da subscrição até ao pagamento) e em juros de mora (desde a data da citação até integral pagamento) no remanescente.
LXIII - Em relação aos valores equivalentes às apólices de seguros de capitalização da Império Luxemburgo, não deve o Réu responder pelas taxas de juro nelas expressamente consignadas ou inscritas (cfr. documentos de fls. 31v, 47, 246 e 246v), ou seja, à taxa de juro de 9,2 %, desde as respectivas subscrições até efectivo pagamento.
LXIV - E muito menos quanto aos putativos investimentos em dólares e constituição de “depósito-aforro”, já que se viu que as referidas subscrições foram fictícias e forjadas pela agente vinculada, que indicou aos Autores a taxa de juro de 9,2 %, inexistente no real, faltando fundamento para a condenação do Réu a pagar uma taxa ficcionada, como se – efectivamente - os Autores estivessem auferindo tais quantias.
LXV - Na ausência de outra factualidade ou circunstância relevante para o caso, que permita concluir que o dinheiro foi aplicado nas subscrições em apreço, ou noutras aplicações e/ou depósitos bancários, a taxa de juro a aplicar a esta indemnização é a que decorre do disposto nos artigos 559.º, 805.º, n.º 3, e 806.º, do Código Civil, ou seja, juros moratórios (contados desde a data da citação/24 de Agosto de 2020), à taxa de juro civil de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), até integral pagamento.
LXVI - Em relação aos danos patrimoniais, a 3.ª Autora e o 4.º Autor peticionaram, ainda, a condenação do Réu no pagamento a título de lucro cessante, dos montantes de €14.400 (porque tencionavam comprar um apartamento na zona de Torres Vedras, para arrendar por €300 mensais) e de €55.000 (porque, tendo ficado sem as suas poupanças, viram-se impedidos de investir na aquisição de um terreno na Ericeira por €45.000, terreno esse que foi vendido a terceiros, em 2019, por €100.000).
LXVII - Mas apenas se provou que tencionavam comprar um apartamento na zona de Torres Vedras (e não que o pretendessem arrendar) e que o referido terreno da Ericeira foi vendido em 2019, por €100.000, pelo que a acção improcederá nesta parte.
LXVIII - Quanto ao 2.º Autor, também se provou que era sua intenção adquirir um terreno para plantação de vinha e que deixou de conseguir realizar tal compra, tendo-se frustrado as suas expectativas de vir a obter mais rendimentos e de poupar para ajudar financeiramente a sua família, tendo-se visto impedido de investir na plantação de vinha, sendo certo que também nada pediu a este nível.
LXIX - Quanto aos danos não patrimoniais reclamados (€75.000 para cada um dos Autores, individualmente) e sabendo que a indemnização a arbitrar não visa reconstituir a situação que existiria se o evento não tivesse ocorrido, mas sim compensar, de alguma forma, as dores físicas e/ou morais sofridas e, de igual sorte, sancionar a conduta do lesante, aferindo-se a gravidade do dano moral por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos.
LXX - A indemnização por danos morais é, sobretudo, uma compensação pelas dores ou incómodos físicos e pelos prejuízos de natureza moral ou espiritual, embora não lhe seja completamente alheia uma ideia de reprovação da conduta do agente, devendo ter um alcance significativo e não meramente simbólico para que possa, de uma forma efectiva, satisfazer a finalidade a que se destina (Acórdão da Relação de Lisboa de 22.11.2011 - Ana Resende).
LXXI - Desde há muito que está enraizado na nossa cultura jurídica que, na indemnização dos danos não patrimoniais, mais do que reparação, a sua ressarcibilidade assenta numa compensação pelos desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, de molde a proporcionar a este situações de bem-estar decorrentes da utilização do dinheiro em que se traduz a indemnização, não se tratando de atribuir ao lesado um «preço de dor» ou um «preço do sangue», mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal, o que implica um imprescindível juízo de equidade (que levará a uma indemnização significativa e não meramente simbólica ou miserabilista, embora sem exageros).
LXXII – A concretização da indemnização haverá de levar em consideração o grau de culpabilidade do responsável, a situação económica do lesado e do titular do direito à indemnização, a flutuação do valor da moeda, proporcionada à gravidade do dano, considerando-se, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades concretas da vida
LXXIII - Perder as poupanças de uma vida de trabalho, na sequência de um ardil montado pela agente vinculada de entidade bancária, ainda que à revelia do conhecimento do banco, não é algo de somenos importância: cidadãos que envelhecem a trabalhar e amealham o aforro vindo do seu labor diário, merecem ser tratados com maior deferência.
LXXIV - Na situação em apreço, ficou provado que, psicologicamente, os dois primeiros Autores ficaram bastante afectados, sem as poupanças de uma vida de trabalho: passaram a ter bastantes dificuldades em dormir, a viver com muita ansiedade, tristes e com receio de nunca mais conseguirem recuperar o dinheiro de uma vida de trabalho, tendo sofrido ambos um enorme desgosto, passando a viver ansiosos sobre o que seria o seu futuro e o dos seus filhos, deixando de poder ajudá-los (como faziam anteriormente e como tencionavam continuar a fazer) e de ter vontade de sair e de conviver com familiares e amigos.
LXXV - O 2.º Autor teve de recorrer a apoio psicológico, encontrando-se a receber tratamentos médicos; os dois primeiros Autores frequentaram diversas consultas de psiquiatria para procurar apoio para o seu sofrimento, passando a tomar medicação antidepressiva.
LXXVI - Psicologicamente, os dois restantes Autores ficaram ambos afetados, sem as poupanças da sua família, passando a viver com ansiedade, com o receio de nunca mais conseguirem recuperar o dinheiro de uma vida de trabalho, sofrendo ambos um grande desgosto (e uma tristeza que ainda perdura), passando a viver ansiosos sobre o que seria o seu futuro e o da sua filha, deixando de ter vontade de sair e de conviver com familiares e amigos, adiando o sonho/projecto de ter outro filho, vendo-se impedidos de viajar/planear as suas férias, passando a ter dificuldades em dormir.
LXXVII - Tal factualidade provada integra matéria atendível que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil, justificando-se o arbitramento de quantum que não se afaste dos parâmetros razoáveis.
LXXVIII - O grau de culpabilidade do responsável pelo pagamento, ora Réu, é de minorar (em face do disposto no artigo 500.º, n.º 1, do Código Civil), a situação económica dos lesados é parca ou pouco mais do que remediada, sendo ajustado arbitrar, a título de danos não patrimoniais, a quantia pecuniária equitativa de €15.000, a cada um dos dois primeiros Autores e €7.500, a cada um dos dois restantes (valores que devem ser alvo de atualização, desde a data da propositura da ação até à presente sentença proferida em 1.ª Instância, sempre com base e em função da evolução do índice de preços no consumidor - artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil – o que nos leva aos montantes respectivos de €16.853,54 e de €8.426,77.
LXXIX - Por último, ainda em relação à temática dos juros de mora reclamados desde a citação, o Réu haverá de ser condenado no seu pagamento, à taxa de 4%, até integral pagamento, sobre as respectivas quantias indemnizatórias, a contar desde a data da citação em relação aos danos patrimoniais e desde a data da Sentença, em relação aos não patrimoniais.

Perante esta explanação completa, metódica e fácil de seguir e compreender, os raciocínios expostos têm-se como claros, escorreitos e bem fundamentados.
Convém, entretanto, e antes de mais, assinalar que as pretendidas alterações à matéria factual a ter em consideração nesta apreciação de Direito foram todas desatendidas, mantendo-se a Factualidade apurada incólume.
Neste contexto, importa sublinhar que o rigor analítico e a profundidade com que as questões jurídicas em causa foram abordadas e escalpelizadas na Sentença proferida pelo Tribunal a quo (com acerto), fazem dispensar grandes considerações neste momento, sob pena de pura repetição de argumentos.
Compreende-se a luta por minorar os seus danos assumida pelo Banco Réu, pois admite-se que a conduta da referida AP... constitua para si um verdadeiro pesadelo (em face das várias acções que foram intentadas e dos danos externos de imagem que necessariamente lhe foram provocados), mas o pesadelo foi bem mais real para os seus clientes, e em concreto aos Autores nestes autos. Como ressalta dos factos apurados.

O Banco Réu, aliás, começa por assumir que:
- não coloca em causa a aplicabilidade do disposto no artigo 500.º do Código Civil[35], onde se prevê a responsabilidade (objectiva) do comitente;
 - a actuação da agente AP... configura um desempenho ilícito e culposo, necessariamente gerador da obrigação de indemnizar os Autores pelos prejuízos a estes causados;
- a ligação contratual entre si e a referida AP... corresponde ao exercício de funções de agente vinculada, de acordo com o contrato de prestação de serviços junto fls. 28v a 31 (de 27/06/ 2002);
 - a discussão deve assentar em saber se ele próprio deve ser responsabilizado perante os Autores pelos valores peticionados, em virtude da actuação ilícita daquela agente vinculada e da sua conexão com a ligação contratual ao Banco.
O enquadramento feito na Sentença sob escrutínio não nos merece qualquer reparo, valendo a pena recuperar em toda a sua extensão, as palavras que Mota Pinto, na sua Teoria Geral do Direito Civil, deixou escritas em 1985[36], palavras estas que merecem ser recordadas, pela sua actualidade, pertinência e aplicabilidade ao caso presente:
“A concretização deste ponto pode dar origem a dificuldades apreciáveis. A doutrina propõe critérios vários para o esclarecer. Assim, diz-se que o órgão ou agente deve ter procedido em tal veste ou qualidade ou ter actuado por causa das suas funções e não apenas por ocasião delas, e precisa-se que basta que o acto se integre no quadro geral da respectiva competência.
Haverá responsabilidade da pessoa colectiva se, por caso fortuito ou culpa, o gerente de uma sociedade ou um motorista, conduzindo uma viatura. em serviço da sociedade, causam danos a terceiros; mas não já se fazem um desvio no percurso para tratar de assuntos pessoais, ocorrendo então o acidente, ou se a utilizam para passear a família.
Igualmente, se um órgão de uma pessoa colectiva pratica um acto ilícito na conclusão de um negócio para o ente colectivo (dolo, coacção) — são os casos chamados de responsabilidade pré-contratual ou «in contrahendo», aos quais, porém, não é certo que não deva aplicar-se antes o regime do artigo 800.°, mas não já se aproveita para furtar um objecto à contraparte ou se a injuria, ou se, fumando, por descuido provoca um incêndio.
Bastará, todavia, por vezes, que o acto se integre formalmente nas funções do órgão, mesmo que tenha sido praticado em vista de um interesse próprio do seu autor.
É que o artigo 500.º, n.º 2, estatui que a responsabilidade se mantém, ainda que o acto seja praticado intencionalmente.
Será preciso que o acto, embora doloso. tenha sido praticado em vista de interesses da pessoa colectiva, ou em conexão com eles?
Ou haverá responsabilidade mesmo quando se visavam apenas interesses próprios, como no caso do gerente de uma sociedade, em serviço desta provocar intencionalmente um acidente, por inimizade pessoal com o ofendido?
Parece que será ir longe de mais responsabilizar a pessoa colectiva, se o acto foi intencionalmente praticado para realizar um objectivo meramente pessoal, sem conexão com os interesses da pessoa colectiva.
É que, nessa hipótese, há um nexo de mera ocasionalidade entre as funções do órgão ou agente e o acto.
Sendo assim, os actos intencionais (dolosos). referidos no artigo 500.º, que não excluem a responsabilidade do ente colectivo, são os que visaram exclusiva ou conjuntamente interesses da entidade representada.
Só será legítimo ir mais longe e responsabilizar uma sociedade por actos dolosos dos seus órgãos ou agentes, praticados em vista de fins pessoais, mas integrados formalmente no quadro geral da sua competência, se o agente aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança (boa fé) do lesado na lisura do comportamento daquele — p. ex., informações falsas prestadas a título oficial; o gerente ou o empregado de um banco, sem poderes suficientes, recebem uma quantia de um particular para fins de investimento, com a intenção de a dissipar em proveito próprio; etc.”[37].
 
Na mesma linha, também Pires de Lima-Antunes Varela, no Código Civil Anotado[38], em 1987, deixavam nota de que a “orientação preferível” para nos guiar nestas situações, passa por “responsabilizar o comitente pelos factos ilícitos do comissário que tenham com as funções deste uma conexão adequada. Não se trata de consequências previsíveis das funções confiadas ao comissário”,  justificando-se “que o comitente responda por aqueles danos que as funções dos seus auxiliares são adequadas a proporcionar” (ainda que não “por danos de todo imprevisíveis” e que tenham “com as funções dos seus auxiliares uma ligação puramente incidental, extrínseca”): “deverá entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário, quando, quer pela natureza dos actos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, ele se encontre numa posição especialmente adequada à prática de tal facto”[39].

Vale a pena recordar ainda as palavras de Antunes Varela, em 2000, quando assinala que a lei quis apenas “afastar da responsabilidade do comitente os actos que apenas têm um nexo temporal ou local com a comissão” e que a responsabilidade deste “subsiste, ainda que o comissário proceda intencionalmente ou contra as instruções dele” uma vez que “houve a intenção de abranger todos os actos compreendidos no quadro geral da competência ou dos poderes conferidos ao dito comissário”, concluindo, assim, que ficam “excluídos os actos que não se inserem no esquema do exercício da função”, mas cabendo “na fórmula da lei os actos ligados à função por um nexo instrumental, desde que compreendidos nos poderes que o comissário desfruta no exercício da comissão”[40].
Mesmo com este regime legal que se tem como linear, e perante uma factualidade apurada que pouca margem de dúvidas deixa e um Sentença particularmente bem elaborada, a Ré-Recorrente insiste com a sua tese de não dever ser responsabilizada.
E por isso é relevante acrescentar ao quadro já (bem) delineado em 1.ª Instância (nomeadamente em termos jurisprudenciais[41]), e por respeitarem a situações muito similares e com intervenientes parcialmente comuns, o que resulta dos:
- Acórdãos proferidos no âmbito do Processo n.º 21171/18.9T8LSB:
- o do Tribunal da Relação de Lisboa de 08 de Novembro de 2018 (Processo n.º 21171/16.9T8LSB.L1-2-António Moreira), onde se concluiu que Banco “deve ser responsabilizado, nos termos do disposto no art.º 500º do Código Civil, pelos danos patrimoniais sofridos pelos AA. em consequência da actuação ilícita e culposa do agente vinculado daquele, correspondendo os mesmos danos ao valor de que se viram desapossados, e na medida em que os actos praticados por tal agente vinculado o foram no exercício das funções que lhe foram confiadas pelo R., ainda que em abuso das mesmas”;
- e o do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 2019 (Processo n.º 21171/18.9T8LSB.L1.S1-Paulo Sá), que confirmou a decisão da Relação e onde se decidiu que:
- “o Banco que tem ao seu serviço agentes vinculados, para prosseguir a sua actividade bancária, em geral, e de intermediação financeira, em particular, por ausência de balcões de atendimento ao público, claramente permite que estes exorbitem, sem censura da sua parte, as respectivas funções”;
- “se, neste contexto de exercício abusivo das funções de agente vinculado, a comissária angariou os autores como clientes do banco réu e os manteve como tal, a relação de comissão (estabelecida entre o réu e dito “agente vinculado”) foi adequada para a produção do resultado dos actos ilícitos (a apropriação indevida da quantia de €70.000,00 dos autores), dado ter criado nos lesados (os autores) uma “convicção de confiança na licitude da conduta daquele”, o que justifica a sua responsabilização, nos termos do art. 500.º do CC”;
- Acórdãos proferidos no âmbito do Processo n.º 7253/19.9T8LSB:
- o do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Novembro de 2022 (Processo n.º 7253/19.9T8LSB.L1-Vera Antunes), onde se escreveu que:
- “O regime de responsabilidade do intermediário financeiro previsto pelo art.º 294º-C do CVM e, anteriormente, pelo n.º 5 do art.º 50-A do Regulamento n.º 12/2000 da CMVM, introduzido pelo Regulamento 32/2000 da CMVM, afasta a aplicação do art.º 800.º do Código Civil”;
- “A responsabilidade que nos termos do art.º 294º-C, n.º 1, a) e 50º-A, n.º 5 advém para o intermediário financeiro há-de encontrar-se sempre e quando estivermos perante uma actuação do promotor ou AV “no exercício das funções que lhe foram confiadas”; estas não podem deixar de ser aquelas que, por contrato e dentro do âmbito legal, ficaram acordadas entre as partes”;
- “Na relação com os clientes, e na ausência de outra disposição legal, a inobservância dos deveres do art.º 294º-C, n.º 1 b) releva na aplicação da alínea a) do art.º 294º-C, em termos de graduação de culpa do intermediário financeiro”;
- “O intermediário responde pelo risco, nos termos do art.º 500º, n.º 2 do Código Civil, por força da tutela da confiança, a qual assume um especial relevo na prática bancária, em que os clientes confiam os seus valores e poupanças a uma instituição, dependendo muitas vezes o sucesso de tal actividade precisamente na confiança em que os intermediários financeiros asseguram a guarda desses valores e depósitos”;
- “Esta tutela das aparências, ou seja, a confiança legítima que os lesados possam ter depositado na actuação do comissário, no sentido de as mesmas se compreenderem no âmbito material da comissão, é a que leva a responsabilizar o comitente por actos do comissário, ainda que praticados contra as suas instruções”;
- e o do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2023 (Processo n.º 7253/19.9T8LSB.L1.S1-Maria Clara Sottomayor), que confirmou a decisão da Relação e onde se decidiu que:
- “Para que se considere que um facto ilícito é praticado no exercício da função confiada ao comissário é necessário que, quer pela natureza dos atos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objetos que lhe foram confiados, o comissário se encontre numa posição especialmente adequada à prática de tal facto, bastando que o ato se enquadre formalmente no âmbito das competências do comissário e que o agente se tenha aproveitado de uma aparência social”;
- “A responsabilidade objetiva do Banco, enquanto comitente, não será afastada mesmo que os atos do agente sejam dolosos, contrários às instruções do comitente e praticados com fins pessoais”;
 - “O Banco que tem ao seu dispor uma rede de agentes vinculados a exercer funções de promoção e de comercialização dos seus produtos, sem balcão de atendimento ao público, tirando lucros dessa atividade, responde, ao abrigo do artigo 500.º do Código Civil, perante clientes lesados por abusos de representação cometidos pelos agentes vinculados”;
- “Recebendo a agente (comissária) os autores num escritório onde tinha alguns prémios atribuídos pelo B, SA. (facto n.º 36), estando inserida na equipa de Agentes Vinculados que era supervisionada por uma direção do Réu (facto n.º 37), apresentando-se com cartões de identificação do B, SA. e tendo em seu poder vários impressos e formulários do réu (facto n.º 4), estava criada a aparência de que a gestora das contas dos autores se encontrava investida de poderes pelo Banco réu para todos os atos que praticava, aparência na qual os autores, com razões objetivas para tal, confiaram”.
- “O princípio ético-jurídico da confiança deve ser utilizado como critério jurídico interpretativo da norma ínsita no n.º 2 do artigo 500.º do Código Civil, de forma a alargar o âmbito do que se considera como atos praticados no exercício da função atribuída ao comissário”;
- “A confiança dos autores é desculpável pois estes são pessoas com a 4.ª classe (facto provado n.º 40), que confiavam totalmente nos conselhos da gestora de conta LL, atenta a sua experiência no ramo (facto provado n.º 41)”;
- “Não é aplicável qualquer redução ou exclusão da indemnização ao abrigo do artigo 570.º do Código Civil, pois não houve qualquer facto culposo do lesado a concorrer para a produção ou agravamento dos danos”;
- “Se a ordem jurídica não protegesse os clientes, e estes não pudessem confiar nos funcionários dos bancos, ou in casu, nos agentes vinculados que agem em seu nome, estaria instalada uma espécie de desordem económico-social e seria acentuada a exclusão dos menos letrados e informados, proliferando a atitude conservadora de “colocar o dinheiro debaixo do colchão”, o que seria patológico para o funcionamento da economia e da sociedade”.
  
Juridicamente, as questões são exactamente as mesmas que foram apreciadas nestes últimos processos e a posição da Recorrente (na defesa da exclusão da sua responsabilidade pelos actos praticados pela sua agente vinculada) está bem esquematizada pela Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor no referido Acórdão de 20 de Setembro de 2023:
“1) que a noção de “função” é a mesma no artigo 500.º, n.º 2, do Código Civil e no artigo 294.º - A, n.º 1, al. a) do CVM, ou seja, ambos os preceitos se reportam apenas, para o efeito de aferir da responsabilidade do banco intermediário financeiro, às funções e poderes contratualmente conferidos à agente vinculada;
2) que não existe causalidade adequada, nos termos do artigo 562.º do Código Civil, entre a atribuição de funções à agente vinculada e a movimentação indevida das contas;
3) que não se verificam os requisitos da imputação da confiança dos autores ao Banco, na medida em que não foi este que criou a situação de aparência, mas a negligência dos autores, que forneceram à agente vinculada os seus códigos de acesso às contas bancárias, não sendo a confiança destes desculpável;
4) que existe culpa do lesado ao abrigo do artigo 570.º do Código Civil, devendo o dever de indemnizar ser excluído.
Ora, nem a Recorrente escamoteia que:
 - é um banco digital e o contacto pessoal e directo com os clientes (não tendo balcões de atendimento ao público) se apoiava numa rede de agentes vinculados (Personal Finance Advisors), vocacionada para tal contacto pessoal;
- era essa relação contratual estabelecida com a AP... e a função que lhe estava confiada (prestação de informações de todos e quaisquer assuntos relacionados com o Banco ou com o tratamento e acompanhamento das questões relacionadas com os investimentos dos clientes, ora Autores-Recorridos);
- a relação contratual dos Autores consigo foi, ao longo dos anos sempre mantida através do contacto com a AP... (por e-mail, telefone ou reuniões no escritório no edifício C onde ostentava placas e prémios que lhe foram sendo atribuídos pelo B, SA.);
- a AP... exerceu a sua actividade de agente vinculada do B, SA. durante catorze anos e tinha na sua posse cartões, impressos e formulários deste, preenchia os impressos para abertura de conta e conferia os documentos de identificação dos Autores;
- a AP... estava inserida numa estrutura hierárquica do B, SA., com um Team Leader e um Director Comercial, e participava em reuniões de equipa na sede do Banco;
- a AP... entregou aos Autores as apólices da Império Luxemburgo e fê-los crer que eram um produto comercializado pelo Banco, seguro, com boa rentabilidade, sem riscos quanto ao capital aplicado.
- e procedeu da mesma forma quanto ao investimento em dólares americanos;
- a AP... tinha mais de 10 contas bancárias abertas em seu nome no B, SA., algumas com a designação Império Lux I e Império Lux II, sendo que nas contas de AP... eram movimentados muitos milhões de euros oriundos de contas de vários clientes.
- a actuação da AP... é ilícita e culposa, geradora de obrigação de indemnizar os Autores, pelos prejuízos a estes causados, por - em proveito próprio – ter tirado partido da forma de organização dos meios de produção do B, SA. e da falta de controlo por parte deste, ganhando a confiança dos clientes (no caso, os ora Autores-Recorridos), de forma a que todas as suas sugestões e aconselhamentos eram aceites por eles, não questionando as sua orientações quanto à gestão das aplicações financeiras ou operações bancárias (ou, quando o fizeram, sempre lhes garantindo que eram procedimentos normais).
O percurso jurídico feito pela Sentença sob escrutínio que vai dos artigos 293.º, n.º 1, alínea a), 294.º-A (dos quais decorre a possibilidade de Banco ser representado por agente vinculado na prestação dos serviços aí elencados),  294.º-C, n.º 1, alínea a) (de onde decorre que o agente vinculado actua como representante do Banco e responsabiliza este por quaisquer actos ou omissões daquele no exercício das funções que lhe foram confiadas), b) e c) (obrigação de controlar e fiscalizar a actividade desenvolvida pelo agente vinculado), do Código dos Valores Mobiliários, aos artigos 165.º (as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários) e 500.º do Código Civil (aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar), não merece reparos.
A grande questão acaba por ser a que concerne à interpretação restritiva que a Ré-Recorrente faz do n.º 2 do artigo 500.º.
Essa questão foi abordada de forma exaustiva (mormente em termos doutrinais) no referido Acórdão do Supremo Tribunal e que, por desnecessidade de outra coisa dizer se passa a transcrever, apenas com pequenas alterações adaptadas à factualidade concreta dos presentes autos:
“A norma do artigo 500.º, n.º 2, quanto ao conceito de exercício de funções, tem conhecido leituras variadas na doutrina e na jurisprudência, assumindo ora um sentido restritivo, ora um sentido amplo.
Este requisito, como afirma Maria da Graça Trigo (in Responsabilidade civil delitual por facto de terceiro, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 342) não permite uma definição com a nitidez de um conceito jurídico, constituindo antes um tipo jurídico, cujas fronteiras não estão claramente delimitadas e que só permite uma solução por aproximação.
De acordo com o sentido restrito, os atos praticados pelo comissário devem estar ligados à função por um nexo instrumental ou funcional, ou seja, devem estar compreendidos nos poderes que o comissário desfruta no exercício da comissão, no seu quadro geral de competência (Antunes Varela, Direito das Obrigações, 2000, pp. 642-643).
Assim, devem ser excluídos do âmbito da responsabilidade objetiva do comitente os atos praticados com um fim ou interesse que seja estranho à comissão, introduzindo aqui a doutrina uma noção de causalidade adequada entre as funções atribuídas ao comissário e atuação deste, no sentido em que é exigível que o ato tenha sido praticado por causa dessas funções e não meramente por ocasião delas (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2009, p. 619).
Os atos do comissário abrangidos pelo regime do artigo 500.º do Código Civil seriam apenas, de acordo com esta doutrina, aqueles cujo nexo com as funções do comissário seja interno, direto e causal, não bastando uma simples relação indireta, externa ou puramente ocasional (cfr. Ribeiro de Faria, Direito Das Obrigações, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1990, p. 17-18). Aderindo também a esta tese restritiva, veja-se a opinião de Henrique Sousa Antunes (in «Responsabilidade civil de intermediário financeiro por danos imputáveis a um agente vinculado», Revista de Direito Comercial, 03-09-2021, p. 1111, disponível para consulta in www.revistadedireitocomercial.com) para quem a fórmula recebida no artigo 500.º, n.º 2, do Código Civil, encontra-se «(…) funcionalizada, então, à exigência de um nexo de causalidade entre as funções e o dano, designadamente quando o interesse do comitente é alheio à lesão praticada pelo comissário».
O autor sustenta que, apesar de na comunidade jurídica portuguesa existir um consenso favorável à responsabilidade do comitente pelos atos praticados em abuso de funções pelo comissário, deve analisar-se de modo distinto as diferentes formas que o abuso de funções pode assumir (ibidem, p. 1012), sendo certo que, para que o comitente assuma a responsabilidade, segundo Henrique Sousa Antunes (ibidem, pp. 1003-1004), o ato deve ter sido praticado no exercício dos poderes atribuídos pelo comitente ao comissário.
Neste sentido, para o citado autor (tal como defendido em parecer junto aos autos), se a atuação da agente vinculada se situa fora do âmbito dos poderes que lhe foram confiados, não se pode considerar verificado o requisito “no exercício da função que lhe foi confiada”.
14. A interpretação mais ampla é defendida por Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, Vol. VIII, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, p. 614 e ss) e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 15.ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 369), sendo exigível, apenas, que o ato seja praticado no exercício da função, mas não por causa dela.
Esta orientação, refletida na letra da lei, que inclui no exercício da função os atos praticados intencionalmente ou contra as instruções do comitente, foi adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 15-01-1992 (in BMJ n.º 413, 1992, pp. 500-501), num caso em que o Banco respondeu, ao abrigo do artigo 500.º, pelos atos do seu funcionário com abuso de função, aí se tendo defendido que o n.º 2 do artigo 500.º apenas visou afastar os atos que tenham um nexo meramente temporal ou local com a comissão.
Admitiu o citado Acórdão que são da responsabilidade do comitente os atos praticados com abuso de funções (em causa estava «um esquema urdido intencionalmente pelo gerente e subgerente da agência do banco embargado, para dissimular o financiamento do aceitante»), isto é, os atos formalmente compreendidos no âmbito da comissão, mas praticados com um fim estranho a ela. O citado acórdão utilizou um método de ponderação de interesses para fundamentar a decisão, referindo que «(…) a solução do problema tem de ser encontrada segundo o justo equilíbrio entre o interesse da pessoa coletiva ou do comitente, por um lado, e o interesse do lesado, por outro»,
Os defensores da tese ampla, entendem que a tese restritiva retiraria grande parte do interesse prático à norma do artigo 500.º e não tem suporte legal, já que a lei não exige que os danos sejam causados por causa do exercício da função, mas admite expressamente a responsabilidade do comitente pelos atos dolosos ou praticados contra as instruções do comitente (cfr. Menezes Leitão, ob. cit., p. 369). Basta, então, um mero nexo etiológico entre a função e os danos, no sentido de que foi no exercício da função que os danos foram originados (Ibidem, p. 369).
Segundo Maria da Graça Trigo/Rodrigo Moreira (in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, p. 388), deve entender-se que o conceito de exercício de funções inclui não apenas os atos autorizados pelo comitente, mas também «aqueles que, de acordo com o curso normal das coisas, se aproximam de tal modo dos autorizados que podem ser considerados formas impróprias de os realizar». É relevante, nesta sede, segundo os citados autores, o nexo de adequação existente entre as funções atribuídas ao comissário e o facto danoso por ele praticado, podendo verificar-se esse nexo ainda que a atuação do comissário consista num ato doloso e contrário às instruções do comitente (Ibidem, p. 388).
Afigura-se que os autores estão mais próximos de uma tese ampla do que da tese restrita, na medida em que se reportam, não a um nexo causal entre as funções e os atos ilícitos do comissário, nos moldes da teoria da causalidade adequada, tal como fazia a doutrina tradicional (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, p. 509), mas a um nexo de adequação entre o facto ilícito praticado pelo comissário e as funções que lhe foram cometidas (cfr. Maria da Graça Trigo, «Responsabilidade civil do comitente (ou responsabilidade por facto de terceiros», ob. cit., 2007, p. 164).
Este conceito de adequação entre a função e o facto reveste-se de uma maior flexibilidade do que a teoria da causalidade adequada, abrindo os casos de responsabilidade objetiva a uma ideia de conexão entre os atos praticados pelo comissário, mesmo que dolosos e contra as instruções do comitente, e as funções que lhe foram cometidas por contrato. De outra forma, não teria sentido a disposição normativa do n.º 2 do artigo 500.º.
A tese ampla foi defendida por Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 324), que sustenta que, para acionar com sucesso a responsabilidade objetiva do comitente, basta que o ato se integre formalmente nas funções do órgão, mesmo que tenha sido praticado em vista de um interesse próprio do seu autor, desde que possa ter ainda conexão com os interesses da pessoa coletiva ou que o agente tenha aproveitado uma aparência social suscetível de criar confiança no lesado:
«Parece que será ir longe de mais responsabilizar a pessoa coletiva, se o ato foi intencionalmente praticado para realizar um objetivo meramente pessoal, sem conexão com os interesses da pessoa coletiva. É que, nessa hipótese, há um nexo de mera ocasionalidade entre as funções do órgão ou agente e o ato. (…) Só será legítimo ir mais longe e responsabilizar uma sociedade por atos dolosos dos seus órgãos ou agentes, praticados em vista de fins pessoais, mas integrados formalmente no quadro geral da sua competência, se o agente aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança (boa fé) do lesado na lisura do comportamento daquele (…)». - destaque nosso
Esta tese foi adotada em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-03-1999, no qual o Supremo entendeu que a responsabilidade do Banco não será afastada se os atos dolosos do agente, embora praticados com fins pessoais, estiverem formalmente integrados no quadro geral da sua competência e o agente aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança do lesado na lisura do comportamento daquele (in CJ/Supremo, VII, 1999, 1, 127-131) – destaque nosso. No caso, o comissário foi um funcionário bancário, que os lesados constituíram seu procurador, e que se apropriou do dinheiro dos depositantes em vez de o aplicar em depósitos a prazo conforme solicitado.
A tese da aparência foi também adotada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-04-1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo 2, 1999, pp. 185 e seguintes, a propósito de um caso que responsabilizou a seguradora por abusos cometidos por um funcionário, que falsificou uma carta, para criar a aparência que o cliente estava a contratar com a seguradora, fazendo uma aplicação rentável, quando na verdade desviou o dinheiro em proveito próprio.
Na doutrina da especialidade, destaca-se a posição de Sofia de Sequeira Galvão (in Reflexões acerca da responsabilidade do comitente no direito civil português, AAFDL, 1990, p. 126, e Maria da Graça Trigo (in Responsabilidade civil delitual por facto de terceiro, ob. cit., pp. 350-359) que analisou os requisitos do artigo 500.º, n.º 2, do Código Civil em articulação com a tutela da aparência, entendendo que a aparência do exercício de determinadas funções pode ser um fator decisivo para que se verifique um dano, referindo-se a situações de “aparência de autorização”.
A jurisprudência do século XXI continuou a adotar esta interpretação extensiva do requisito previsto no n.º 2 do artigo 500.º do Código Civil.
Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-3-2014, proferido no proc. n.º 897/06.0TAOVR.P1.S1:
«A jurisprudência e doutrina têm-se debruçado sobre o sentido da expressão "no exercício da função que lhe foi confiada" e existe consenso sobre a exclusão de responsabilidade do comitente, em casos de atuação ilícita e danosa do comissário, simplesmente conexionada local e temporalmente com o exercício de funções. Também não tem merecido acolhimento a exigência de que a atuação do comissário se tenha desenrolado no interesse do comitente. Importante será, então, que o comportamento danoso tenha sido levado a cabo, fazendo uso, o comissário, dos meios colocados à sua disposição pelo comitente. Assim se aderindo a um critério instrumental para apuramento da responsabilidade do comitente.
É evidente que todo o ato ilícito pressupõe um exorbitar das funções que estão cominadas ao comissário. Caso contrário, haveria conluio entre o comitente e o comissário para a prática do ato ilícito, e a responsabilidade daquele deslocar-se-ia para o domínio da culpa, esvaziando-se por completo a possibilidade de incorrer em responsabilidade objetiva. Só que esse exorbitar das funções confiadas não implica a incompatibilidade com a prática no exercício das funções».
No Acórdão de 15-12-2011 (Revista n.º 2635/07.1TVLSB.L1.S), o Supremo considerou, interpretando num sentido amplo a norma do artigo 500.º do Código Civil, que a circunstância de, nas atribuições conferidas pela instituição de crédito ao seu gestor, não figurar o aconselhamento e realização de operações de compra e/ou venda de títulos, em Bolsa, não afasta o entendimento de que o gestor atuou no exercício da função que lhe foi confiada, bastando, para o efeito, «(…) a especial e adequada conexão entre os actos ilícitos praticados (burla e falsificação de extractos bancários tendo em vista levar a vítima a libertar depósitos para supostas aplicações financeiras) e a posição do comissário no quadro funcional dessa instituição bancária». Entendeu, ainda o Supremo, no Acórdão citado, com interesse para o caso destes autos, que «Não deve ser considerado culposo o comportamento, por acção ou por omissão, da vítima de burla e de falsificação de documentos que resultou do estratagema engendrado pelo agente do crime que astuciosamente determinou o erro ou engano que levou a esse comportamento e, por isso, não pode ser sancionada a vítima, considerando-a culpada em concorrência com o agente do crime nos termos do art.º 570.º do CC».
No mesmo sentido, adotando uma interpretação ampla do artigo 500.º, a jurisprudência (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12-11-2015 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ambos proferidos no processo n.º 85/14.2T8PVZ.P1.S1), entendeu, seguindo orientação já adotada na década de 90, que, para aferir se o facto é praticado no exercício das funções confiadas ao comissário, não é necessário que o ato seja praticado rigorosamente no exercício dessas funções, sob pena de se limitar excessivamente o alcance do artigo 500.° do Código Civil e de ficar praticamente excluída a responsabilidade das pessoas coletivas, pois todo o facto ilícito envolve, em certa medida, um extravasar da competência do comissário, bastando para o efeito que o ato do comissário se integre no quadro geral da respetiva competência.
No Acórdão de 19-06-2019 (processo n.º de 21171/18.9T8LSB.L1.S1), que se refere a um caso semelhante ao destes autos, recorreu-se também à aparência criada pela Personal Adviser do Banco intermediário financeiro, para proteger a confiança dos clientes: «(…) Ou seja, através da criação de uma aparência do exercício regular das funções de representante ou agente do R. junto dos AA. (como clientes do R, para a realização de aplicações financeiras), mas em abuso das mesmas (já que lhe estava vedada a recepção de dinheiro por parte dos AA.), que a mesma DD logrou a prática dos actos ilícitos em questão (a apropriação da quantia de €70.000,00 dos AA.). - destaque nosso
A DD, em proveito próprio, tirou partido desta forma de organização dos meios de produção da R., ganhando a confiança dos AA. e levando-os a entregar-lhe a referida quantia, para ser aplicada num anunciado, mas inexistente seguro de capitalização da Companhia de Seguros ..., pretensamente comercializado pelo R. e reservado a clientes “especiais”.
Foram, pois, tais actos ilícitos praticados no desempenho, embora abusivo, das funções que lhe foram confiadas pelo R».
Podemos dizer que é maioritária, no Supremo Tribunal e na jurisprudência das Relações, a orientação, segundo a qual se considera que um facto ilícito é praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos atos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objetos que lhe foram confiados, o comissário se encontra numa posição especialmente adequada à prática de tal facto (cfr. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos no processo n.º 85/14.2T8PVZ.P1.S1), não sendo essa responsabilidade objetiva afastada mesmo que os atos do agente sejam dolosos e praticados com fins pessoais, bastando que estejam formalmente integrados no quadro geral da sua competência e o agente aproveite uma aparência social (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-03-1999, in CJ/Supremo, VII, 1999, 1, 127-131).
Ao contrário do que sustenta o recorrente, não é exigível, pois, qualquer requisito de causalidade adequada entre a função e o facto ilícito para que o comitente seja responsável.
Acresce que a fundamentação da norma ínsita no artigo 500.º do Código Civil, que consagra a responsabilidade objetiva do comitente pelos atos do comissário, constitui também um elemento importante para lançar luz sobre a interpretação da fórmula legal “no exercício das funções que lhe foram confiadas”.
É esta a posição de Maria da Graça Trigo, «Responsabilidade Civil do Comitente (ou responsabilidade por fato de terceiro)», ob. cit., 2007, pp. 168-169, que aponta a fundamentação da norma como critério interpretativo para ultrapassar a polémica doutrinal em torno das conceções ampla e restrita.
15. Importa, pois, decidir se se verifica, à luz da orientação jurisprudencial maioritária deste Supremo, a responsabilidade objetiva prevista no n.º 2 do artigo 500.º, ou seja, saber se os factos praticados pela agente vinculada, intencionalmente e contra as instruções do Banco réu – ou seja, em abuso dos poderes de representação que lhe tinham sido atribuídos pelo intermediário e, in casu, assumindo também uma relevância criminal (…) – se integram ainda na cláusula legal que remete para o “exercício da função que lhe foi confiada”.
No centro deste debate, haverá que ter em conta, com particular acuidade, por estar em causa uma atividade bancária, o princípio da confiança. É que, no sistema económico em que vivemos, os cidadãos têm de poder confiar “cegamente” nos Bancos onde depositam o dinheiro e fazem as suas aplicações bancárias.
A confiança dos clientes dos bancos na guarda dos valores depositados é a garantia do saudável funcionamento do sistema económico e social.
É a própria manutenção do sistema a exigir que, nos casos em que essa confiança se quebre, as legítimas e razoáveis expetativas dos clientes sejam protegidas de forma eficaz.
É também por este motivo que a atividade bancária está legalmente regulada com muito pormenor e que a lei tem, de forma crescente, visado proteger os interesses dos clientes numa relação caraterizada pela assimetria informativa.
Segundo o facto provado” n.º 2, a “actividade bancária do Réu desenvolve-se por via electrónica, por contacto telefónico, através de atendimento em centros de investimento, e por contacto direto e permanente entre os seus clientes e os vários Personal Financial Advisors que tem ao seu serviço, não possuindo balcões de atendimento ao público”.
A “AP... apresentava-se perante os Autores com cartões com a identificação do banco Réu e tinha em seu poder vários impressos e formulários do Réu. recebia os Autores (e outros clientes) num escritório situado em Lisboa, na Rua..., que ostentava, no interior, alguns prémios atribuídos pelo banco à sua agente vinculada (escritório sito no Edifício C, Rua..., n.º , em Lisboa) (Facto n.º 7) e “encontrava-se sujeita à direcção e supervisão por parte daquele banco, estava inserida na estrutura hierárquica do banco e careciam, alguns dos seus actos (tal como a abertura de contas), de confirmação por parte de um superior hierárquico” (Facto n.º 8), sendo certo que “Todos os contactos que os Autores mantinham com o Réu eram efectuados através” dela (Facto  n.º 4), e que era ela que “aconselhava e sugeria aos Autores a abertura de contas bancárias no Réu, a realização de investimentos em diversos produtos financeiros disponibilizados, bem como a constituição de depósitos à ordem e a prazo, a compra de moeda estrangeira, entre outros” (Facto n.º 5).
“Estava criada, pois, uma aparência de que a agente vinculada, gestora das contas dos autores, se encontrava investida de poderes pelo Banco réu para todos os atos que praticava, aparência na qual os autores, com razões objetivas para tal, confiaram, crendo que o bom nome do Banco se estendia também aos seus agentes vinculados que atuavam em nome daquele.
Por outro lado, em virtude da atuação do comissário, o comitente tem a possibilidade de obter benefícios a que, de outro modo, não teria acesso.
Com efeito, o Banco réu tira proveito deste meio de comercialização dos produtos, para os divulgar e vender a um conjunto amplo de pessoas, assim potenciando os seus lucros, com o mínimo de custos, pois não necessita de investir em balcões de atendimento ao público.
É justo, pois, que responda por todos os danos que estes agentes vinculados causam a outrem no exercício desta função.
Trata-se do velho princípio ubi commoda, ibi incommoda como fundamento da responsabilidade objetiva, e que permite fixar o sentido com que deve valer a norma do artigo 500.º do Código Civil, quando estamos perante um risco de empresa, decorrente dos seus poderes de controlo e de direção em relação às estruturas funcionais e à organização dos meios de produção a que recorrem para expandirem a sua atividade.
E, não se diga, como sustenta o recorrente que não existe qualquer nexo de causalidade adequada entre a função e a atuação danosa da agente vinculada[42].
É que os atos praticados pela agente vinculada, apesar de dolosos e contrários às instruções do Banco, enquadram-se, ainda, formalmente, no quadro geral das suas competências (promoção de produtos, aconselhamento, aplicações financeiras, transferências bancárias) ou são ainda uma extensão ou alargamento dessa competência, que, apesar de não prevista no contrato celebrado entre a agente e o banco (p. ex. o depósito de cheques dos autores noutros bancos), apresentam ainda uma conexão adequada com as funções atribuídas à agente vinculada, resultante da circunstância de a agente, atuando em nome do Banco, criar nos autores uma confiança na sua pessoa.
A aparência criada de que a agente vinculada atuava autorizada pelo Banco constitui, pois, o fator decisivo a produzir o dano.
Estas situações da vida, que de um ponto de vista jurídico constituem abusos de funções, não podem dizer-se ser imprevisíveis para os Bancos, que sabem que a generalidade dos clientes confia em absoluto nos gerentes de conta.
Assim, o Banco pode e deve prever que, no decurso das funções dos agentes vinculados, de grande responsabilidade e poder sobre os clientes, possam ocorrer atos lesivos de terceiros, sendo que, pelo contrário, não é exigível ao cliente bancário que confira se os agentes vinculados atuam dentro dos seus poderes.
Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-03-1999, acima citado, existe uma «(…) presunção de que o empregado bancário se conduz no âmbito dos poderes, não sendo comum, nem exigível que o cliente o confira».
Em consequência, concluímos, tal como o acórdão recorrido, que os atos praticados pela agente (comissária), ainda que dolosos e praticados contra as instruções do comitente, e, portanto, em abuso de representação, estão integrados na função que foi confiada pelo comitente (o Banco) à agente vinculada (comissária), para o efeito de aplicação da norma do artigo 500.º do Código Civil”.
E a mesma situação se passa no que concerne à aplicação do princípio da confiança que é feito na Sentença em apreço e cujos contornos são também apreciados na similar situação decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça:
“Contesta, ainda, o Banco a aplicação que o acórdão recorrido fez do princípio da confiança, sustentando que não foi o Banco que criou a situação de confiança e que a confiança dos autores é censurável e negligente, não merecendo, por isso, proteção.
A tutela da aparência, como fundamentação da tutela dos terceiros de boa fé, não tem sido admitido pela doutrina como um princípio geral (cfr. Pessoa Jorge, A Protecção Jurídica da Aparência, p. 102, Rita Amaral Cabral, «A teoria da aparência e a relação jurídica cambiária», ROA, Ano 44, 1984, p. 637; Hörster, A Parte Geral…ob. cit., n.º 454; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., p. 365; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol.II, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, reimpressão, Coimbra, 1998, p. 19; Raúl Guichard, «O Instituto da “Procuração Aparente” – Algumas Reflexões», Iuris et De Iure, Nos vinte anos da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Porto, Porto, 1998, p. 235).
Todavia, a proteção da aparência está presente em várias hipóteses legislativas que tutelam os terceiros de boa fé, por exemplo, na procuração aparente, no casamento putativo, na proteção de terceiros nos casos de negócio simulado, no preenchimento abusivo das declarações em branco, no regime das sociedades aparentes, no pagamento ao credor aparente (cfr. Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 46-47), ou ainda, nos casos de aquisição a non domino por efeito do instituto do registo predial ou da inoponibilidade da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico a terceiros de boa fé (cfr. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo. A proteção dos terceiros adquirentes de boa fé, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 98-104).
Os princípios da aparência e da confiança surgiram como uma resposta da jurisprudência ao formalismo jurídico para evitar injustiças na decisão de casos concretos e permitem fomentar a celeridade da circulação de bens, necessária ao dinamismo da economia.
O princípio da confiança, em direito civil, proveio historicamente de uma reação contra o primado da vontade e contra o conceptualismo no direito dos contratos, e encontra-se ligado à jurisprudência de interesses, tendo provocado uma mudança de paradigma que evoluiu da proteção do verdadeiro titular do direito para a do terceiro adquirente de boa fé e da tutela da vontade do declarante para a tutela do declaratário (cfr. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, ob. cit., 2010, p. 104). Baptista Machado (in Tutela da Confiança, p. 376) chega mesmo a atribuir à tutela da confiança uma função “tão radicalmente originária como o princípio da autonomia privada”.
A doutrina tem evoluído para reconhecer a existência de um princípio geral da confiança, admitindo a tutela da confiança, não só através de disposições específicas, mas também através de institutos gerais, como a boa fé objetiva e o abuso de direito (vide Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, pp. 410-411, Idem, Da Boa Fé no Direito Civil, reimpressão, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 1246-1247) e Paulo Mota Pinto, «Aparência de poderes de representação e tutela de terceiros, Reflexão a propósito do artigo 23º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho», BFDC, vol. LXIX, 1993, pp. 615 e 640-645).
Carneiro da Frada distingue a tutela da aparência do princípio da confiança, que não se esgota na primeira, referindo-se a uma figura unitária de “responsabilidade positiva pela confiança” que se manifesta não só nas hipóteses relativamente limitadas previstas no direito positivo, mas também num espaço, designado por tutela das expetativas por necessidade ético jurídica, que se situa para além das situações reguladas em normas específicas (cfr. Carneiro da Frada, Teoria da Confiança…ob. cit., p. 61).
Já Menezes Cordeiro opta por proceder a uma distinção técnica entre os casos em que a confiança é objeto de previsões específicas e aqueles em que a sua defesa se obtém a partir de institutos gerais e conceitos indeterminados; os primeiros casos surgem ligados à boa fé subjetiva e os segundos à boa fé objetiva (cfr. Da Boa Fé no direito civil, Almedina, Coimbra, reimpressão, 1997, p.1244).
Nas palavras de Carneiro da Frada (in Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, ob. cit., pp. 893 e ss), “(…) a proteção da confiança corresponde a um princípio ético-jurídico que, por estar firmemente radicado na ideia de Direito, não pode deixar de transpor o umbral da juridicidade. Há imposições tão fortes da Justiça que não os acolher significaria negar o próprio Direito, a sua razoabilidade e a sua racionalidade; imposições que se sentem de modo particular quando não há alternativa prática que evite, para além do tolerável, a ameaça de ficar por satisfazer uma indesmentível necessidade de tutela jurídica. Nestes imperativos indeclináveis e indisponíveis se situa certamente o pensamento de que quem induz outrem a confiar, deve (poder ter de) responder caso frustre essa confiança, causando prejuízos” - destaque nosso.
Qualquer que seja a construção jurídica adotada, o que releva é a utilização do princípio da confiança como critério jurídico interpretativo da norma ínsita no n.º 2 do artigo 500.º do Código Civil, asserção válida à luz de qualquer destas teses que reconhecem à proteção da confiança um vetor genérico e ético do sistema jurídico como um todo.
A tutela da confiança continua em expansão porque, para além do seu valor ético-jurídico, promove a circulação de bens e a segurança do tráfico jurídico. Este tema tem sido estudado na doutrina alemã, francesa e italiana, e aplicado com frequência pelos tribunais no direito civil e comercial para obter soluções justas para a parte mais fraca, constituindo, portanto, um fenómeno doutrinário comum aos países europeus congéneres do nosso (cfr. Canaris, Die Vertrauenshaftung im deutschen Privatrecht, München, 1971; Sylvia Calmes, Du Principe De Protection De La Confiance Legitime En Droits Allemand Communautaire Et Francais, Dalloz, 2001; Giovanni Marini, Promessa ed affidamento nel diritto dei contratti, Jovene, Napoli, 1995). Prevê-se que seja uma questão a tratar na reforma do código civil português para se ter em conta novas realidades económicas e sociais que reclamam proteção (cfr. Menezes Cordeiro, Da modernização do direito civil, Aspectos gerais, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 200-202).
O Banco recorrente baseia a sua tese (de que foram os autores a criar a situação de confiança e de que essa confiança não é desculpável) na alegação de que os autores partilharam os códigos de acesso com a agente, facto que não se provou (cfr. factos não provados” XI e XII.
“Mas não só por este motivo falece a tese do recorrente.
Sendo os autores, conforme matéria de facto provada”, os dois primeiros apenas com o ensino básico, tendo actividade profissional como empresários da construção civil (Facto n.º 84), o 4.º (filho dos dois primeiros), com o ensino secundário e orçamentista (Facto n.º 86) e a 3.ª, licenciada e ex-bancária (Factos 87 e 88), o certo é que “confiavam totalmente nos conselhos da” AP... (Factos 10, 11, 12, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 37, 39, 40, 41, 43, 45, 47, 63, 67, 68, 70, 71).
“A agente vinculada apresentava-se como representante do Banco, exibindo cartões e formulários com o logótipo deste, tinha ganho inclusive prémios atribuídos pelo Banco como reconhecimento pela qualidade dos seus serviços, que exibia também no escritório onde atendia os clientes.
Os produtos do Banco réu só podiam ser adquiridos por via eletrónica ou através dos agentes vinculados, pois o Banco não tinha balcões de atendimento ao público.
Neste quadro fáctico, tem de se reconhecer que foi o Banco que criou a situação de confiança e que os autores julgaram, com razões objetivas para tal, que a agente vinculada se encontrava revestida do bom nome do Banco.
Os Bancos, para a população em geral, são entidades cuja honestidade e competência para guardar o seu dinheiro não se questiona.
Assim sendo, é socialmente adequado, para a maioria da população, que os autores confiassem na representante do banco para lhes tratar das aplicações financeiras, depósitos, transferências etc, tal como é comum suceder, em relação aos funcionários que assumem nas agências bancárias a função de gerente de conta.
Mesmo a alegação de que os autores forneceram os códigos de acesso às contas à agente vinculada, facto que não se provou, a provar-se, não seria decisivo para tornar a confiança dos autores ilegítima e não desculpável, dado o contexto de iliteracia dos autores” (principalmente dos dois primeiros, mas também dos restantes), em face da envolvência junto de todos criada e da credibilidade - enquanto representante do B, SA. - que tal aludida AP... logrou criar com os clientes. Dir-se-á que o fez exorbitando competências, mas fê-lo em nome do B, SA., pelo B, SA. e por causa do B, SA.. Porque para os clientes – in casu, os Autores Recorridos – ela era o B, SA..
“Neste contexto, e porque os produtos do Banco réu só podiam ser adquiridos por via eletrónica, os autores estavam completamente dependentes em relação à agente para adquirir esses produtos financeiros, fazer depósitos e transferir dinheiro.
Não releva a alegação do Banco de que, segundo as condições gerais de abertura de conta, os clientes têm o dever de não fornecer a ninguém os códigos de acesso às contas bancárias.
O B, SA. não dispõe de balcões de atendimento ao público com funcionários que expliquem aos clientes as condições gerais do contrato e não é expectável que os autores, com a 4.ª classe, se apercebessem dessa cláusula e compreendessem a sua importância”, para além, sublinhe-se, do que atrás se disse quanto à necessidade de o Banco ter alegado e provado e ter explicado tais condições,
“É costume, e os bancos conhecem esta realidade, que o cliente confie nos conselhos do seu gerente de conta e delegue nele as operações bancárias e o preenchimento dos formulários.
Esta relação é tanto mais importante quanto menor forem os conhecimentos dos clientes, constituindo o papel dos funcionários bancários um apoio para os indivíduos, para as famílias e para as pequenas e médias empresas, que são a maior parte do tecido empresarial em Portugal.
Apresentando-se a agente vinculada como representando o B, SA. é desculpável que os autores nela tivessem confiado para gerir as suas contas e fazer operações”, sendo certo, acrescentamos nós, que o cenário se completa com a circunstância de o B, SA.  ser o que se pode considerar como um produto novo e inovador (banco digital, sem Balcões[43]).
“A atitude dos autores, que o recorrente considera culposa, é perfeitamente natural e merecedora de proteção, tanto mais que”, não estão em causa pessoas experientes na área financeira[44].
“Seria desadequado aos valores da ordem jurídica e à suas pretensões de justiça, punir a confiança dos autores, afinal o sustentáculo dos lucros obtidos pelo setor bancário, com a deslocação da responsabilidade da esfera do comitente – que dessa confiança se aproveita para vender os seus produtos – para a esfera do lesado.
Usando um método de ponderação de interesses e de valores, recomendado pela doutrina e pela jurisprudência para estes casos, concluímos que prevalecem os interesses da parte mais fraca e o valor da confiança, prevalência essencial ao funcionamento equilibrado da economia e da sociedade.
O Direito tem também uma dimensão social e o direito bancário está orientado para a proteção da parte mais fraca, dado o profundo desnível de poder entre ambas as partes e a completa dependência dos cidadãos em relação aos Bancos para terem acesso ao seu dinheiro, o movimentarem, para pagarem as suas contas, receberem os seus salários e investirem as suas poupanças, etc.
Se a ordem jurídica não protegesse os clientes, e estes não pudessem confiar nos funcionários dos bancos, ou in casu, nos agentes vinculados que agem em seu nome, estaria instalada uma espécie de desordem económico-social e seria acentuada a exclusão dos menos letrados e informados, proliferando a atitude conservadora de “colocar o dinheiro debaixo do colchão”, o que seria patológico para o funcionamento da economia e da sociedade”.
O Banco Recorrente deve perguntar-se como foi possível chegar a esta situação e deve questionar-se – e certamente tê-lo-á feito – sobre o que podia ter feito melhor em termos de fiscalização interna, para evitar a roda livre desta sua agente vinculada (muito mais necessária, não tendo balcões físicos, como é evidente).
Mas deve assumir as culpas pelo seu pesadelo e pelos pesadelos que gerou em quem se limitou a confiar na segurança que um Banco gera junto dos seus clientes e na sociedade.
A agente vinculada do B, SA. vendeu aos Autores produtos bancários[45], e foi nela que estes - enquanto clientes - depositaram a sua (legítima) confiança. A tal que, como escreveu Jean-Pierre Dupuy, se traduz naquele "fluido misterioso, cujo nome evoca mais os ardores da religião do que a racionalidade fria do cálculo: a confiança. De facto, a linguagem da economia demonstra que o seu fundamento é a fé: confiança, crédito, trust, moeda fiduciária, etc."[46].
É essa confiança que permite ao Banco ser Banco e ter clientes (e lucros), à Economia funcionar, à Sociedade viver em harmonia.
É isso que justifica que o Banco seja responsabilizado pelos actos ilícitos praticados pela agente vinculada do Banco Réu, e tenha de pagar as indemnizações em que foi condenado.
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Resta, ainda, a questão da eventual culpa dos lesados, que faria entrar em cena o artigo 570.º do Código Civil e permitiria reduzir ou excluir a culpa do Réu Banco.
Mas, também aqui, sem qualquer razão!
Como conclui o Acórdão do Supremo Tribunal que vimos seguindo de perto (20 de Setembro de 2023), para “poder justificar-se a redução da indemnização ao abrigo do artigo 570º do Código Civil, torna-se necessário que o ato do lesado tenha sido uma das causas do dano, de acordo com os mesmos princípios de causalidade adequada aplicáveis ao agente.
Sustenta o recorrente que apenas a atuação dos autores, por fornecerem os códigos de acesso a..., foi causal em relação ao dano, não tendo havido da parte do Banco qualquer culpa nos abusos e fraudes cometidas pela agente vinculada.
Todavia, para além de esse fornecimento dos códigos de acesso não se ter provado, assumindo a conduta da agente vinculada, A..., relevância criminal” (e, daí, o processo crime em que foi acusada – Facto n.º 38), “uma simples negligência dos clientes prejudicados, a existir, não deverá ter influência para o efeito do disposto no artigo 570º, nº 1, do Código Civil. É que, confrontando os comportamentos da lesante (comissária) e dos lesados (os clientes do Banco), uma exclusão ou redução da indemnização consubstanciaria uma solução chocante à luz dos valores do sistema jurídico, já que a agente do crime acabaria por beneficiar da sua atividade criminosa à custa da própria vítima.
Assim, não existe qualquer motivo que possa justificar a atenuação ou a exclusão da responsabilidade do Banco, nos termos do artigo 570.º do Código Civil, como pretendem os recorrentes”.
Do mesmo modo se diga que inexiste qualquer arrimo na factualidade apurada para permitir que, às verbas nas quais o Banco Réu-Recorrente foi condenado, fossem descontados os valores invocados (€56.660 e €12.000), motivo pelo qual, também aqui, o recurso improcede.
***
Em consequência do exposto, a bem e consistentemente elaborada Sentença merece ser confirmada na íntegra, assim improcedendo o recurso.
*
Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[47].
Recorrente e Recorridos escolheram o seu caminho de actuação.
Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", não dar razão à Recorrente, considerando improcedente o recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[48]).
**
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a Decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
***
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2024
Edgar Taborda Lopes
José Capacete
Carlos Oliveira
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[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] Fazendo  o Tribunal a consideração de que a “matéria alegada que não se mostra selecionada no elenco dos factos provados e não provados constitui matéria conclusiva, repetida, irrelevante ou de direito e, por isso, foi desconsiderada, tendo em conta o sentido e alcance dos temas da prova enunciados (cfr. artigo 410.º, segmento inicial, do Código de Processo Civil)”.
[3] Os Factos colocados em causa pela Recorrente estão destacados com letra em carregado e de maior tamanho (e os não provados também em itálico).
[4] “O atual art.º 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332.
[5] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210.
[6] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200.
[7] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201 a 205.
[8] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207.
[9] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”.
[10] Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos.
[11] Assinalando ainda que “nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, Coimbra Editora, 2013, páginas 589 e seguintes(609), com o texto disponível on line em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf, páginas 17-18.
[12] Blog do IPPC, 19/05/2017, Jurisprudência (623), em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 07/02/2017, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2017/05/jurisprudencia-623.html.
Vd. também, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2022 (Processo n.º 1720/20.9T8GDM.P1-Fernanda Pinheiro.
[13] As pequenas incoerências detectadas entre o depoimento do Autor NA… e da Autora AC…, para além de compreensíveis à luz quer do tempo decorrido, quer da natural perturbação que causa a presença em Tribunal perante os factos que mudaram as suas vidas, não afectando nem a essência, nem a coerência geral do apurado, nos termos que ficaram espelhados na factualidade assente. 
[14] A Ré, parece não querer perceber que deixou crescer dentro de si um monstro que prejudicou os seus clientes e que, a final, acaba por a prejudicar a si, procurando – legitimamente – minorar os seus danos, mas sem que logre alterar ou mudar a realidade. 
[15] Artigo 5.º (Comunicação)
1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
[16] Artigo 6.º (Dever de informação)
1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

[17] Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2.ª edição, Almedina, 2021, páginas 26-27.
[18] Vd., Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Maio de 2022 (Processo n.º 11356/20.9T8LSB.L1-7-Luís Filipe Pires de Sousa), que teve como Relator e 1.º Adjunto, os ora 1.º e 2.º Adjuntos.
[19] Sublinhado e carregado nossos.
[20] Inês Oliveira Martins, Regime Jurídico do Contrato de Seguro em Portugal [em linha], Actualidad Jurídica Iberoamericana, ISSN 2386-4567, IDIBE, núm. 5 ter, Dezembro 2016, página 206, disponível em https://www.revista-aji.com/articulos/2016/num6-ter/199-231.pdf.
[21] Carregado e sublinhado nossos.
[22] Vd., na mesma linha:
- o Acórdão da Relação de Guimarães de 10 de Outubro de 2022 ( Processo n.º 2733/13.2TBVCT-A.G1-Maria João Matos), quando escreve que o “uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, impuserem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova)”, sendo que, para demonstrar a existência de um qualquer erro “na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida;
 - o Acórdão da Relação do Porto de 21 de Junho de 2021 (Processo n.º 2479/18.5T8VLG.P1-Pedro Damião e Cunha), quando assinala que, mantendo-se “em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados” e que “a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância”.
[23] Oscar Wilde, A Importância de Ser Earnest e outras peças, Relógio d’Água, 2003, página 289. 
[24] Ou seja, quanto ao nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa ser aceite como verdadeira.
[25] Também assinalado com mestria no Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Outubro de 2017 (Processo n.º 585/13.1TCFUN-A.L1-7-Luís Filipe Pires de Sousa).
[26] Que sempre leva em consideração que “a verdade apurada no processo não é uma verdade absoluta mas a verdade apurada à luz da informação disponível” (Acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Outubro de 2016, Processo n.º 3894/05.0TVLSB.L1-7-Luís Filipe Pires de Sousa).
[27] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina, 2013, página 378.
[28] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova…, página 378.
[29] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova…, página 378-379.
[30] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova…, páginas 380-381.
[31] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova…, página 381 (seguindo Michele Taruffo).
[32] E por isso claramente incluído na expressão usada na Sentença sobre a factualidade não considerada por ser “conclusiva, repetida, irrelevante ou de direito”.
[33] Só para citar dois exemplos jurisprudenciais nesta linha, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2020 (Processo n.º 129/10.7TBVNC.G1.S2-Jorge Dias) escreveu-se que, se “os factos cujo julgamento é impugnado não forem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1.ª instância, no plano dos factos” e o mesmo já tinha sido dito no Acórdão da Relação de Guimarães de 07 de Dezembro de 2016 (Processo n.º 1238/07.5TBPTL.G1-Beça Pereira), quando aí se disse que não “há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, dele se extrair um efeito jurídico no processo, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual”.
[34] Sobre esta matéria, vale a pena verificar o que sobre ela referem:
 - Henrique Antunes, ao assinalar que de “harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância, seja qual for a modalidade considerada, só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 130 do nCPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância, a anulação da decisão ou o reenvio do processo para essa instância para que seja fundamentada, a renovação ou a produção de novas provas. Isso sucederá sempre que, por exemplo, mesmo com a substituição da decisão da matéria de facto impugnada, a solução ou enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, v.g., mesmo com a modificação, os factos adquiridos são insuficientes ou inidóneos para modificar a decisão de procedência ou de improcedência, da acção ou da excepção, contida no despacho ou na sentença recorrida.
Portanto, a actuação dos apontados poderes de controlo só deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção” (Henrique Antunes, Recurso de apelação e controlo da decisão da questão de facto, páginas 54-55, disponível in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2015/07/painel-3_recursos_henriqueantunes.pdf [consultado a 22/01/2023]);
 - Carlota Spínola, ao assinalar que o Tribunal da Relação “está eximido do exercício do dever de modificabilidade da decisão de facto nas situações de irrelevância processual que ficam, por conseguinte, excluídas do cAP...o de aplicação do art. 662.º. Esta constatação lapalissiana baseia-se no princípio da limitação dos atos expressamente previsto no art. 130.º, enquanto manifestação do princípio da celeridade e da economia processual, acolhidos nos arts. 2.º/1 e 6.º/1.
Como é aludido nos acs. do TR de Guimarães (TRG) de 20/102016 (proc. n.º 2967/2012, ID 369508) e de 26/11/2018 (proc. n.º 272/2017, ID 400002), a Relação não deve reapreciar a matéria factual quando os concretos factos objecto da impugnação forem insuscetíveis, “face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito”, de ter “relevância jurídica”, sob pena de executar uma atividade processual que já previamente sabia ser “inútil” ou “inconsequente”.
Por outras palavras, o exercício dos poderes-deveres de investigação pela Relação só é admissível se recair sobre factos com interesse para o recurso, i. e., factos que a serem demonstrados, modificados ou dados como provados alteram a solução ou o enquadramento jurídico do objeto Recursório” (Carlota Spínola, O segundo grau de jurisdição em matéria de facto no processo civil português, AAFDL Editora, 2022, páginas 44-45).
[35] Artigo 500.º (Responsabilidade do comitente)
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 497.º.

Preceito este que exige - cumulativamente – três pressupostos:
 a) uma relação de comissão (num conceito abrangente, que abarque relações duradouras ou pontuais, remuneradas ou gratuitas, contratuais ou não, bastando que o comitente encarregue um comissário de, por sua conta, realizar uma tarefa, sob as suas instruções, direcção e controlo);
 b) uma conduta do comissário geradora de responsabilidade face a terceiro;
  c) que essa conduta tenha sido realizado “no exercício da função que lhe foi confiada”.
[36] Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral de Direito Civil, 4.ª edição, actualizada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, páginas 323 e 324.
[37] Carregados e sublinhados nossos.
[38] Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada (com a colaboração de M.Henrique Mesquita), Coimbra Editora, 1985, páginas 507 a 510.
[39] Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil…, cit., página 509.
Em sentido idêntico, a anotação de Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira, ao artigo 500.º do Código Civil, in José Carlos Brandão Proença (cor.), Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2021, página 388.
[40] João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª edição Almedina, 2000, páginas 642-643.
Assim, também, Ana Prata, in Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2019, páginas 691 e 692.
Sobre a matéria são ainda relevantes:
 - António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Volume VIII, Direito das Obrigações, Almedina, 2014, páginas 614 e seguintes;
 - Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 15.ª edição, Almedina, 2018, página 369;
 - Sofia de Sequeira Galvão, Reflexões acerca da responsabilidade civil do comitente no direito civil português – a propósito do contributo civilista para a dogmática da imputação, AAFDL, 1990;
 - Pedro Nunes de Carvalho, A Responsabilidade do Comitente, AAFDL, 1990;
 - Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil Delitual por Facto de Terceiro, Coimbra Editora, 2009;
 - Manuel António de Castro Portugal Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007.
[41] À qual releva juntar:
 - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2022 (Processo n.º 19013/17.7T8LSB.L2.S1-Pedro Lima Gonçalves, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:19013.17.7T8LSB.L2.S1.37), onde se escreveu que a “orientação de que o comitente pode ser responsabilizado por factos ilícitos praticados pelo comissário tem vindo a ser acolhida na jurisprudência”, que tendo as Rés “incorrido na prática de atos ilícitos, eventualmente de cariz criminal, essa atuação excedeu naturalmente os limites de competências que lhe estavam atribuídas no âmbito contratualizado com a seguradora”, mas que, contudo, “tais atos ilícitos não deixam de ser considerados como praticados no exercício da função que lhe foi confiada pela seguradora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 500.º, n.º 2, do Código Civil, uma vez que a natureza dos atos praticados - subscrição de produtos comercializados pela seguradora - ainda se integra no quadro geral da respetiva competência”;
 - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2011 (Processo n.º 2635/07.1TVLSB.L1.S1-Salazar Casanova),  que assinalou que o “trabalhador de instituição de crédito, gestor de contas, que se aproveita do conhecimento que advém das suas funções na instituição de crédito para contactar o cliente das contas de que é o gestor com o pretexto falso de lhe possibilitar a aplicação financeira de valores em depósito e que desvia em seu proveito pessoal os valores do cliente num montante de 3 584 199 €, incorre em acto ilícito criminal e com ele responde solidariamente a instituição de crédito nos termos do art.º 500.º, n.ºs 1 e 2, do CC” e que a “circunstância de, nas atribuições conferidas pela instituição de crédito ao seu gestor, não figurar o aconselhamento e realização de operações de compra e/ou venda de títulos, em Bolsa, actividade prosseguida por essa instituição, não afasta o entendimento de que o gestor actuou no exercício da função que lhe foi confiada (art.º 500.º, n.º 2, do CC) uma vez constatada a especial e adequada conexão entre os actos ilícitos praticados (burla e falsificação de extractos bancários tendo em vista levar a vítima a libertar depósitos para supostas aplicações financeiras) e a posição do comissário no quadro funcional dessa instituição bancária”;
 - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Março de 1999 (Recurso n.º 691/98-Fernando Pinto Monteiro), onde se assumiu que a “responsabilidade do banco não é afastada se os actos dolosos do agente, embora praticados em vista de fins pessoais, estiverem integrados formalmente no quadro geral da sua competência e o agente infiel aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança do lesado na lisura do comportamento daquele” (Colectânea de Jurisprudência-Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, Tomo I, 1999, páginas 127-131).
[42] Carregado e sublinhado nossos.
[43] “Sinal dos tempos é a cada vez maior informatização da actividade bancária através de operações on line via Internet, o Homebanking – a banca on line.  Se, por um lado proporciona comodidade aos clientes dos bancos e a esta economia de meios e celeridade aos clientes dos bancos e celeridade, envolve perigos de ingerência e fraude no sistema, daí o aparecimento de práticas de operações fraudulentas lesivas dos clientes e dos bancos” (Fonseca Ramos, Responsabilidade Civil Bancária na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, III Congresso de Direito Bancário, Almedina, 2018, página 54.)
[44] E parece-nos inegável que a actuação da agente vinculada gera “a presunção de que o empregado bancário se conduz no âmbito dos poderes, não sendo comum, nem exigível, que os clientes os confiram” (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2011, cit.; de  02 de Março de 1999, cit.; e de 25 de Outubro de 2007 - Revista n.º 3034/07-Salreta Pereira, CJSTJ, Tomo 3, 2007, página 116).
[45] Ou seja, produtos que é expectável serem comercializados por bancos, e não flores, mercearias ou produtos de higiene...
[46] Jean-Pierre Dupuy, A ética dos negócios, in A Sociedade em Busca de Valores-Para Fugir à Alternativa entre o Cepticismo e o Dogmatismo, Instituto Piaget, 1998, página 82.
[47] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95.
[48] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24.