Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
338/10.9TTTVD.L1-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: ABANDONO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: MANTIDA A DECISÃO
Sumário: I - O Código do Trabalho, no nº 2 do seu art. 403.º, prevê a figura da presunção de abandono do trabalho, retirada da ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência.
II - É ao empregador que compete o ónus de alegar e provar os factos integradores da referida presunção (base da presunção), isto é, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, como também a não recepção de comunicação do motivo da ausência.
III - Tendo o empregador provado a não recepção de comunicação do motivo da ausência do trabalhador, o que alegou e que lhe cabia provar, é de aplicar aquela presunção, o que impede que se conclua pelo alegado despedimento ilícito.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Relatório

A veio, em 17 de Setembro de 2010, instaurar acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento com processo especial, ao abrigo do disposto no art. 98.º e segs. do Cód. Proc. Trab., apresentando o formulário legal, ao qual anexou cópia de carta da empregadora, B, Lda, datada de 25 de Agosto de 2010 em que esta o informa que o vínculo laboral celebrado por ambos, cessara pelo facto de o autor ter faltado ao trabalho 11 dias úteis seguidos, sem que tivesse feito qualquer comunicação do motivo da ausência.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação da empregadora para apresentar o seu articulado motivador do despedimento, o que ela fez negando que tenha havido qualquer despedimento e sustentando que foi o trabalhador que abandonou o posto de trabalho.
Contestou o trabalhador, reafirmando ter sido despedido sem justa causa e pedindo a condenação da empregadora a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) € 2375,00, a título de salários vencidos (€ 475,00x5);
b) € 237,50, de férias;
c) € 237,50, de subsídio de férias;
d) € 237,50 de subsídio de Natal;
e) € 109,00 de salário de Janeiro de 2011.
A fls. 56 a 59 foi proferido despacho saneador, e elaboração da matéria de facto assente e da base instrutória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto, que não foi objecto de reclamações.
A final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.
Inconformado com a decisão da mesma interpôs o trabalhador recurso de apelação, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
Contra-alegou o empregador, pugnando pela manutenção do julgado.

Cumpre apreciar e decidir.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis Código do Processo Civil Anotado vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
A única questão colocada no recurso consiste em saber se estamos perante um despedimento ilícito ou se, ao invés, foi o trabalhador que abandonou o trabalho.

Fundamentação de facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto não objecto de impugnação e que aqui se acolhe:
1 - O autor foi admitido ao serviço da ré em 8 de Julho de 2010, pelo período de seis meses.
2 - Para, sob a disciplina e direcção da ré, e mediante remuneração, desempenhar as tarefas de Servente de pedreiro.
3 - O autor auferia a remuneração mensal base de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros).
4 - Correspondendo a uma prestação de trabalho de oito horas diárias, de segunda a sexta-feira.
5 - O autor recebeu a remuneração correspondente ao trabalho realizado durante o mês de Julho de 2010.
6 - O contrato de trabalho celebrado entre autor e ré terminou no dia 10 de Agosto de 2010.
7 - Por carta datada de 25 de Agosto de 2010, a ré informou o autor que o vínculo laboral celebrado por ambos, cessara pelo facto de o autor ter faltado ao trabalho 11 dias úteis seguidos, sem que tivesse feito qualquer comunicação do motivo da ausência,
conforme documento de fls. 48, cujo teor se dá por reproduzido.
8 - O referido em 6) sucedeu porque o autor, apesar de se ter apresentado ao serviço, encontrava-se em posição de inércia mostrando desinteresse em desempenhar qualquer tarefa.
9 - Tendo-lhe sido dito, pelo legal representante da ré, que se não quisesse trabalhar que se fosse embora.
10 - Face ao que o autor abandonou o local de trabalho, não mais regressou, nem deu noticias.
11 - Após o que, a ré lhe dirigiu a carta referida em 7).

Fundamentação de direito
A extinção de um vínculo contratual decorrerá sempre, por necessário, da verificação ou ocorrência de determinados actos ou factos a que a lei confere a virtualidade de operar aquele efeito jurídico.
Relativamente à cessação do vínculo laboral por iniciativa do trabalhador, a lei distingue entre a sua resolução e a sua denúncia – arts. 394,º a 403.º do Cód. Trab.
No primeiro caso, exige-se que a desvinculação seja operada através de documento escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam e nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos – art. 395.º.
Também a denúncia exige comunicação ao empregador que, aqui como ali, constitui uma declaração negocial receptícia – art. 400.º.~
Tal já não sucede, porém, no chamado “abandono de trabalho” – art. 403.º - que, constituindo uma modalidade de denúncia tácita, pressupõe, ao invés, a omissão daquele acto.
Ora, se a comunicação consubstancia um acto que é inerente à “resolução” e à “denúncia”, já se vê que o “abandono de trabalho” não pode jamais ser confundido com as restantes figuras de cessação vinculística por banda do trabalhador.

Vejamos melhor.
O art. 403.º do Cód. Trab. estabelece que [c]onsidera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar (nº 1), presumindo-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência (nº 2), podendo tal presunção ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência» (nº 4).
Refira-se, ainda, que, de harmonia com o mesmo preceito, [o] abandono do trabalho vale como denúncia do contrato só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste (nº 3) e constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º (nº 5).
Assim sendo, para que ocorra o abandono do trabalho exige-se a verificação cumulativa de dois elementos: (i) um objectivo, traduzido na ausência do trabalhador ao serviço, isto é, na não comparência, voluntária e injustificada, no local e no tempo de trabalho a que está obrigado; (ii) outro subjectivo, traduzido na intenção de não retomar o serviço, ou seja, a intenção de não comparência definitiva ao trabalho, a retirar de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
Precisa a este respeito Romano Martinez, que [o] abandono do trabalho constitui uma denúncia ilícita que importa responsabilidade para o trabalhador, nos mesmos termos estabelecidos para a denúncia sem aviso prévio, sendo certo que, neste caso, a denúncia manifesta-se mediante um comportamento concludente, a ausência do trabalhador ao serviço, verificando-se uma denúncia tácita resultante da falta de comparência ao serviço», acrescentando que, [a]pesar de não resultar expressamente da norma, o contrato de trabalho cessa a partir da data do início do abandono, pelo que a declaração do empregador é uma confirmação (imprescindível), com eficácia retroactiva, da extinção do vínculo (“Direito do Trabalho”, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 948 a 949).
Por seu lado, Monteiro Fernandes afirma que a lei constrói a figura do abandono do trabalho sobre um complexo factual, constituído pela ausência do trabalhador e por factos concludentes no sentido da existência da “intenção de o não retomar, sendo certo que [a] não comparência ao serviço por dez ou mais dias úteis seguidos, sem comunicação do motivo da ausência, oferece suporte a uma presunção iuris tantum de abandono do lugar, que poderá ser afastada mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, realçando que o efeito de denúncia sem aviso prévio a que a lei faz corresponder o abandono do trabalho só se produz com a comunicação prevista no nº 3 do art. 403.º citado, que não pode deixar de traduzir a simples constatação do abandono e, portanto, da cessação do contrato imputável ao trabalhador (“Direito do Trabalho”, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 609 a 610).
Para Júlio Gomes, a doutrina fala aqui de uma ausência qualificada, ou seja, às faltas injustificadas têm que acrescer factos que, no dizer da lei, com toda a probabilidade indiquem que o trabalhador não tem intenção de retomar o trabalho. Essa intenção há-de revelar-se com toda a probabilidade, não sendo de modo algum suficiente uma mera verosimilhança(…), já que também aqui a vontade de demissão, ainda que tacitamente manifestada, deve ser séria e inequívoca. A vontade extintiva não pode considerar-se a regra, mas antes a excepção, e como tal deve ser interpretada restritivamente, exigindo-se mais do que uma omissão (“Direito do Trabalho”, vol. I, “Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, 2007, pág. 1072).
Relativamente à falada presunção de abandono do trabalho, aos factos que a suportam e aos termos em que se admite que o trabalhador ilida tal presunção, o STJ, já no domínio do Código do Trabalho, no acórdão de 26 de Março de 2008, processo n.º 2715/07, da 4.ª Secção, pronunciou-se nos termos seguintes:
Nos n.os 2 e 3 do art. 450.º [do Cód. Trab. de 2003 a que correspondem os nºs 2 e 4 do art. 403.º do Cód. Trab. de 2009], prevê-se a figura da presunção do abandono, retirada da ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência.
Ou seja, no fundo, a lei tipifica tais factos (ausência por mais de 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido tal comunicação) como concludentes da intenção, por parte do trabalhador, de fazer cessar o contrato, permitindo, porém, que o trabalhador ilida a presunção, mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.
E como resulta dos princípios gerais aplicáveis nesse domínio e tem sido sublinhado pela doutrina e jurisprudência, cabe ao empregador que invocou a cessação do contrato o ónus de alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, no caso de presunção do abandono — como acontece, no caso dos autos — os aludidos factos que suportam a presunção(…).
Trata-se, na verdade, do ponto de vista substantivo, de factos integradores ou constitutivos do abandono do trabalho invocado pelo R. como fundamento da cessação do contrato que os ligou, e, na sua projecção processual na presente acção, como factos impeditivos da pretensão nela formulada pelo A. — de reconhecimento da existência de um despedimento ilícito por parte do R., com as inerentes consequências legais, por alegada inverificação desse abandono de trabalho (art. 342.º, n.º 2, do Código Civil).
É de manter esta mais recente orientação jurisprudencial.
Com efeito, a prova do facto conhecido, base da presunção (art. 349.º do Cód. Civil), cabe à parte que a presunção favorece, pelo que é ao empregador que incumbe o ónus de alegar e provar os factos integradores da questionada presunção, isto é, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, mas também a não recepção de comunicação do motivo da ausência.
Ora, no caso, o empregador não só provou a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis, ou seja, a partir de 10 de Agosto como também provou o segundo dos factos que suportam a referida presunção do abandono — o não recebimento da comunicação do motivo da ausência do autor —, que alegou e que lhe cabia provar, pelo que se encontra preenchida aquela presunção e impede que se conclua pelo alegado despedimento ilícito.
O que vale por dizer que está demonstrado, nesse quadro, o abandono do trabalho, com a correspondente eficácia extintiva do vínculo laboral.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.

Decisão
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Lisboa, 11 de Maio de 2011

Isabel Tapadinhas
Decisão Texto Integral: