Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUELA FIALHO | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA RESOLUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 - Celebrado um pacto de não concorrência para vigorar nos dois anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho, ao respetivo incumprimento por parte do trabalhador é aplicável o regime da responsabilidade civil. 2 – Enquanto não for resolvido o pacto, mantém-se o direito à compensação acordada pela não concorrência. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa: AA, Autor nos autos de processo à margem referenciados, tendo sido notificado da sentença proferida nos autos, e não se conformando com a mesma, vem interpor recurso. Pede a respetiva absolvição. Apresentou as seguintes conclusões: A. O presente recurso tem por objeto a Douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a invocada exceção de resolução do pacto de não concorrência procedente, por provada e, em consequência: (a) absolveu a Ré Unapor – União dos Armazenistas de Produtos Alimentares, ACE, do pedido e, (b) julgou não verificada a litigância de má-fé por parte do Autor AA e, por conseguinte, absolveu-o do pedido de condenação como litigante de má-fé. B. O Recorrente, não se conforma com a sentença proferida pelo tribunal a quo, e nessa conformidade entende que mesma é nula por falta de fundamentação de direito e, sem prejuízo, pretende impugnar o facto dado como provado e vertido no ponto 8 da douta sentença recorrida, pois a prova junta aos autos impõe decisão diferente da proferida. C. A sentença recorrida não fundamenta a sua decisão, não interpreta ou aplica as normas jurídicas ao caso concreto, sendo totalmente omissa quanto à fundamentação de direito, à contrário daquilo que segue vertido no artigo 607.º n.º 3 do CPC, o qual estabelece que deve, em sede de sentença, o Juiz, discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. D. A falta de fundamentação de uma sentença não figura apenas um mero requisito formal, figura sim um princípio essencial do direito a um processo justo e equitativo, o qual é fundamental para garantir às partes envolvidas a administração da justiça. Nesta medida, a omissão deste dever de fundamentação conduz, conforme suprarreferido, à nulidade da Sentença proferida, nos termos e para os fundamentos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. E. O Tribunal a quo considerou provado – com relevância para a causa – o facto 8 do ponto “III – Fundamentação de Facto, A. Factos Provados” o qual menciona o seguinte: «8. O Autor esteve presente num programa que foi transmitido em direto no canal de estação televisão ..., “...”, no dia 2 de dezembro de 2023, onde assumindo-se como gestor de marcas próprias, publicitou os produtos desenvolvidos no projeto “...”, um negócio de comercialização de sumos “detox”, sopas e outros produtos alimentares de marca própria da Ventos de Canela, Lda.”, apresentando-se como tendo experiência na respetiva atividade por ter trabalho em multinacionais ligadas à área do grande consumo, referindo que o negócio já existia há 10 anos, que tal seria assinalado no relançamento da marca no mercado em 15 de dezembro de 2023:» F. Sucede que o referido facto 8 da douta sentença, foi erroneamente dado como provado indicando o Tribunal a quo, que o mesmo ficou provado por acordo das partes ao abrigo do disposto no artigo 574.º n.º 2 do Código de Processo Civil, contudo, o referido facto, em momento algum foi pacificamente aceite pelas partes, Pois vejamos, G. A alegação feita pela Ré, e que dá origem ao facto 8, teve por base, um vídeo, o qual protestou juntar como documento 10 da sua contestação (conforme artigo 47.º da contestação), e onde, alegadamente, seria possível visualizar a dita participação do Recorrente num programa de televisão e daí aferir o que havia sido dito, H. Contudo, a realidade é que até à data da realização do julgamento o dito documento não foi junto aos autos e, portanto, salvo o devido respeito, que é muito, não se consegue subsumir, de que forma e com que fundamentos – até porque os mesmos nem sequer seguem devidamente explicados, entenda se fundamentados - o Tribunal a quo, considerou aquele facto dado como provado. I. Não há factualidade no processo que assim o permita, conforme ademais, resulta do depoimento da Testemunha BB. J. Para além do Tribunal a quo nada ter dito relativamente ao facto de o referido documento 10 não ter sido junto aos autos, não se compreende de que forma poderá o Tribunal considerar o facto 8 como provado, por acordo, pois que, a Ré – aqui recorrida – dedica, na sua contestação, diversos artigos relativos à participação do Autor, ora recorrente, no referido programa de televisão, mais propriamente os artigos 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º e 50.º, sendo os mesmos artigos impugnados pelo Autor – aqui Recorrente – no seu articulado de resposta às exceções, mais propriamente nos artigos 21.º, 22.º e 23.º. K. Resultando, claramente, o facto 8, como matéria controvertida e não como facto aceite por acordo entre as partes. L. Na realidade – e por mero dever de patrocínio se dirá que – ainda que o facto tivesse sido dado como provado por acordo – e o mesmo não estivesse controvertido, tal não significaria que o Tribunal a quo tivesse de o aceitar sem que, para tal levantasse qualquer questão, o que, salvo melhor opinião deveria ter feito. M. O Tribunal a quo, na realidade e contrariamente ao que deveria, não se pronunciou sobre a não junção daquele que é um documento fundamental para prova da matéria controvertida e, bem assim, para a descoberta da verdade material, e de igual forma não teve em atenção que a visualização do mesmo, sempre poderia esclarecer, como na realidade o Autor – aqui Recorrente – se apresentou naquele programa. N. Andou mal o douto tribunal ao considerar o facto 8 como provado – da forma que o fez. O. Mas mais, o Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação probatória face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, incorrendo num erro de julgamento da matéria de facto, ao credibilizar o depoimento da testemunha BB, que, nas suas declarações refere considerar que o Autor, por se ter apresentado como gestor de marcas próprias – e portanto ter mencionado a sua profissão ou categoria profissional – estaria a exercer uma qualquer atividade concorrencial à da Ré. P. Não poderia o Tribunal a quo ter valorizado, sem explicação ou fundamentação, o depoimento da Testemunha indicada – nos moldes que o fez e, em consequência proferir a sentença que proferiu, pois, ao fazê-lo incorreu num claro erro, considerando como provado um facto controvertido, sem que houvesse qualquer prova concreta ou suficiente que sustentasse tal afirmação. Q. O Tribunal a quo, pelo contrário, desconsiderou a necessidade de proceder a uma avaliação critica e detalhada das provas apresentadas, o que resultou numa decisão que não reflete a realidade fática do sucedido e que em tudo prejudica o Autor, aqui recorrente. R. A decisão do Tribunal a quo – relativamente à matéria de facto – violou o princípio da verdade material - porquanto não pode um facto controvertido ser dado como provado sem a devida valoração probatória, e à cautela – por limite se admita – sem uma qualquer fundamentação. S. Mais a mais, quando todo o depoimento da Testemunha BB, se sustenta num facto que dispõe de ampla prova documental que o contrapõe. Ou seja, o Tribunal a quo entendeu valorar um depoimento de uma testemunha, em detrimento de toda a prova documental presente nos autos, sem sequer ponderar que o princípio da livre apreciação da prova não atribui ao juiz “o poder arbitrário” de julgar os factos sem prova ou contra as provas. T. Nesta medida – e face a tudo o que supra se expõe – deverá o facto 8 da matéria dada como provada ser dado como não provado e, concomitantemente ser a alínea a) do ponto V da sentença que ora se recorre ser revogada. U. Com relevo para o desfecho da presente lide, o Tribunal a quo entendeu, em fundamentação de direito, o seguinte:“ (…) Da prova produzida, resulta que o Autor exerceu uma atividade comercial concorrente com a da Ré, senão durante a execução do vínculo laboral que uniu as partes, pelo menos com a certeza no período de dois anos após a cessação do contrato operada a 12-11-2023, consubstanciada pela participação do Autor no programa televisivo referido em 8 dos factos provados, no qual apresentando-se como gestor de marca própria, alcandorado numa experiência obtida no exercício de atividades multinacionais do setor, publicitou os produtos desenvolvidos no projeto “...”, um negócio de comercialização de sumos “detox”, sopas e outros produtos alimentares da marca própria da Ventos de Canela, Lda., referindo que o negócio já existia há 10 anos, e que tal seria assinalado com o relançamento da marca no mercado em 15 de dezembro de 2023.” Ora, V. Conforme procurou demonstrar o Autor ao longo de todo o processo e bem assim das presentes alegações; o mesmo nunca exerceu qualquer atividade comercial concorrente com a da Ré. W. Fosse durante ou após a vigência do contrato de trabalho em questão. X. À contrário, resultou da prova junta aos autos e, posteriormente da prova produzida em sede de discussão e julgamento, que a Ré – aqui recorrida – sabia e tinha pleno conhecimento – que na data de admissão do Autor, aqui Recorrente, este seria o Co-Founder & Partner da empresa “...”, não tendo tal facto, e à data da contratação levantado qualquer questão, objeção ou figurado como fator de exclusão, por parte da Ré. Y. A verdade é que não se entende da prova junta aos autos e daquela que foi produzida de que forma, o douto tribunal considera – e mais grave, dá como provado - que durante a execução do contrato de trabalho existiu um qualquer exercício de atividade comercial concorrencial levado a cabo pelo Autor, aqui recorrente; tal não era matéria dos autos, não era matéria controvertida e não fazia parte do objeto do litígio. Z. É que a bem da verdade urge referir que, se assim fosse, num primeiro momento – e tendo em consideração as inúmeras cautelas manifestadas em julgamento pela recorrida relativamente à contratação – nunca poderia o Autor, aqui recorrente, ter sido contratado para exercer as referidas funções de Gestor de Marca Própria. AA. De igual forma, também não é passível determinar que em momento posterior à denúncia do contrato de trabalho – a qual, diga-se operou, por vontade do recorrente - tenha o mesmo exercido uma qualquer função concorrencial à atividade da recorrida, porque a verdade é que inexiste qualquer prova nesse sentido. BB. Reitere-se que, em momento algum foi junto aos autos o documento 10, o qual permitiria ter acesso aquilo que, realmente o Autor disse no referido programa de televisão; e sem que tal seja justificado - ser dado como provado e assente por mera suposição do Tribunal a quo, que de facto o Autor, aqui recorrente, haja exercido uma atividade concorrencial à da Ré – ou sequer que tal resulte da dita entrevista num programa televisivo. CC. É que em bom rigor, o Autor – aqui recorrente – ao ter-se deslocado ao dito programa de televisão, fê-lo, numa condição conhecida da Ré – aqui recorrida – no âmbito de uma participação social que detém numa sociedade, mas que não lhe confere poderes de gerência ou funções que configurem a existência de um contrato de trabalho e não numa situação concorrencial. DD. Reitera-se, o Tribunal a quo apenas presumiu a qualidade em que o Autor – aqui recorrente – agiu no referido programa televisivo, já que esta qualidade nem sequer resulta indubitavelmente manifesta da prova testemunhal. EE. Neste entendimento, mais se dirá, o Autor – aqui recorrente – tem como ademais não é discutível uma quota de 50% da sociedade “Ventos de Canela, Lda.”, a qual tem como objeto social (i) a fabricação de sumos e frutas e hortícolas; (ii) o comércio ambulante de bebidas e produtos naturais entre outros produtos, (iii) atividades de cafetaria, pastelaria, gelataria e confeção de refeições rápidas e, (iv) o comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos naturais. FF. A Ré – aqui recorrida – por sua vez tem como objeto social (i) a prestação de serviços operacionais, administrativos, de negociação, comercialização e aprovisionamento, a fim de melhorar as condições de exercício das atividades económicas desenvolvidas pelos seus membros e ainda a prestação e serviços de negociação, comercialização e aprovisionamento dos produtos que integram marca própria. GG. Os dos objetos sociais não são coincidentes, resultando de forma clara e imediata que a passo que a empresa da qual o Autor, aqui recorrente é detentor é uma empresa de venda de produtos ao consumidor final, numa base de alimentação saudável, sumos detox e derivados, a recorrida é uma grossista, ou seja, é uma empresa que comercializa produtos em grandes quantidades para fins comerciais, vendendo o seu produto para clientes corporativos que, por sua vez usam o produto para revender aos seus consumidores finais. HH. Inexiste – claramente – qualquer concorrência e/ou situação de colisão de interesses entre as duas empresas; ao passo que a empresa da qual o Autor é detentor de uma quota, tem um core business ligado diretamente ao cliente, que entra em contacto direito e obtém os produtos, a Ré, aqui recorrida, tem o seu core business para grossistas, e portanto comercializa para clientes corporativos, exemplos como a makro, a unimark, etc., e portanto empresas revendedoras de produtos, por atacado, em tudo diferente da venda direta ao consumidor final. II. Entende-se por atividades concorrentes são aquelas exercidas por empresas ou profissionais que atuam no mesmo segmento de mercado, oferecendo produtos ou serviços similares e disputando a mesma clientela, essas atividades podem envolver aspetos como preço, qualidade, inovação e estratégias de mercado. Ora, no contexto do pacto de concorrência no contrato de trabalho, atividades concorrentes referem-se a funções ou negócios que um ex-funcionário pode exercer após o término do vínculo laboral e que podem prejudicar a antiga empregadora, seja porque o ex-trabalhador se encontra a (i) trabalhar numa empresa rival do mesmo setor de atuação – o que não é o caso; seja porque o (ii) ex-trabalhador abriu um negócio próprio que oferece serviços ou produtos similares à empresa anterior – o que não é o caso; (iii) seja porque o ex-trabalhador utiliza informações privilegiadas, como estratégias comerciais ou carteira de clientes em benefício de um concorrente, como também não é o caso. JJ. Ainda que o Autor, aqui recorrente, haja participado num programa de televisão, o que terá feito como sócio investidor da sociedade “Ventos de Canela, Lda.” – reiterando-se a falta de prova nos autos – não nos merecerá essa situação qualquer reparo e/ou constatação de atividade concorrencial, – sendo ademais essa situação do conhecimento prévio de todos os intervenientes, entenda-se da Ré, aqui Recorrida – pelo que tal não configura, não encaixa e não pode ser entendido como uma situação de concorrência com aquele que é o objeto social da Ré, aqui recorrida; KK. Em face de tudo o que resulta supra exposto entende o Recorrente que em momento algum – fosse durante a vigência do contrato fosse em momento posterior à mesma – existiu, da sua parte, qualquer exercício de atividade concorrencial à atividade da Ré, aqui recorrida, o que se arguí para todos e os devidos efeitos legais. LL. Nesta medida deverá a sentença, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, ora em crise, ser revogada no segmento que absolve a ré do pedido de condenação formulado pelo Autor, entenda-se alínea a) do ponto V. UNAPOR – UNIÃO DOS ARMAZENISTAS DE PRODUTOS ALIMENTARES, A.C.E., RÉ nos autos à margem referenciados, vem apresentar as suas Contra-Alegações nas quais conclui pela manutenção da sentença. O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Segue-se um breve resumo dos autos: AA intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra UNAPOR - UNIÃO DOS ARMAZENISTAS DE PRODUTOS ALIMENTARES, A.C.E. peticionando a condenação da Ré no pagamento da quantia de €7.740,00, acrescida de juros de mora vencidos que calculou em €258,58, e vincendos, bem como no pagamento da quantia mensal de €900,00 até ao dia 12 de novembro de 2025. Alegou, para tanto e em síntese, que: (i) foi admitido ao serviço da Ré em 30 de maio de 2022 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de trabalhador de gestor de marca própria; (ii) auferia a retribuição mensal ilíquida de €1.800; (iii) aquando da celebração do contrato de trabalho, as partes estabeleceram uma cláusula de não concorrência; (iv) o vínculo laboral entre as partes cessou no dia 12 de novembro de 2023; (v) interpelou a Ré a cumprir com o disposto na referida cláusula, mas a ré, não obstante, não procedeu em conformidade com o estabelecido no contrato, isto é, não pagou o valor correspondente à cláusula de não concorrência. Os autos desenvolveram-se com apresentação de contestação pela R., que se defendeu por exceção e por impugnação. Alegou, para tanto e em síntese, que, em 04 de janeiro de 2024, enviou ao Autor uma comunicação a resolver com justa causa o pacto de não concorrência referido, motivada pelo incumprimento daquele da sua obrigação de não concorrência. Concluiu pela procedência da exceção e consequentemente a absolvição de todos os pedidos. Peticionou, ainda, a condenação do Autor como litigante de má-fé. Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a invocada exceção de resolução do pacto de não concorrência procedente, por provada, e, em consequência: a) Absolveu a Ré UNAPOR - UNIÃO DOS ARMAZENISTAS DE PRODUTOS ALIMENTARES, ACE do pedido; b) Julgou não verificada a litigância de má-fé por parte do Autor AA e, por conseguinte, absolveu-o do pedido de condenação como litigante de má-fé. *** As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões: 1ª – A sentença é nula? 2ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto? 3ª – O A. nunca exerceu qualquer atividade comercial concorrente com a R.? *** FUNDAMENTAÇÃO: A 1ª questão a que importa dar resposta prende-se com a nulidade da sentença. Nulidade assente em falta de fundamentação, que, se bem percebemos, decorre da ausência de fundamentação jurídica, tendo como fundamento o disposto nos Artº 607º e 615º/1-b) do CPC. A invocação da omissão em causa roça a má-fé na litigância porquanto, conforme emerge da leitura da sentença, a mesma, sob o título “Fundamentação de Direito” dá nota das razões pelas quais vem a julgar procedente a exceção de resolução do pacto de não concorrência invocando os dispositivos legais que tem como aplicáveis e Doutrina que se debruça sobre este tipo contratual, fazendo a subsunção dos factos cuja prova se obteve aos considerandos explanados. Mostra-se, pois, cabalmente cumprido o dever de fundamentação que emerge do Artº 607º/3 e 4 do CPC, ainda que se possa vir a concluir pela errada fundamentação, assim improcedendo a questão em análise. *** Abordaremos seguidamente a impugnação da decisão que contém a matéria de facto, muito concretamente no tocante ao ponto 8 do respetivo acervo. É o seguinte o seu teor: 8. O Autor esteve presente num programa que foi transmitido em direto no canal da estação de televisão ..., “...”, no dia 2 de dezembro de 2023, onde, assumindo-se como gestor de marcas próprias, publicitou os produtos desenvolvidos no projeto “...”, um negócio de comercialização de sumos “detox”, sopas e outros produtos alimentares de marca própria da Ventos de Canela, Lda., apresentando-se como tendo experiência na respetiva atividade por ter trabalhado em multinacionais ligadas à área do grande consumo, referindo que o negócio já existia há 10 anos, que tal seria assinalado com o relançamento da marca no mercado em 15 de dezembro de 2023. Pretende o Recrte. que o referido facto 8 foi erroneamente dado como provado indicando o Tribunal a quo, que o mesmo ficou provado por acordo das partes ao abrigo do disposto no artigo 574.º n.º 2 do Código de Processo Civil, mas a realidade é que tal facto, em momento algum, foi pacificamente aceite pelas partes. Compulsada a sentença constatamos que efetivamente a decisão em causa se funda no acordo das partes por referência a quanto se dispõe no mencionado Artº 574º/2 do CPC. Ora, tal como contrapõe a Recrdª, é uma evidência que aquela matéria, alegada por si na contestação, foi expressamente admitida pelo A. na resposta à contestação. Na verdade, compulsada esta peça, verificamos que, em resposta à exceção de resolução do pacto, o A. veio alegar, entre outros: 21º E, se, por algum motivo, o mesmo foi apresentar a marca a um programa de televisão, o que se aceita porquanto a empresa não deixa de ter a sua participação social – tal não configura o exercício de uma atividade propriamente dita ao abrigo daquela empresa – pois a Ré sempre teve conhecimento que o Autor era sócio / investidor da sociedade em questão. Reportava-se o A. a quanto vinha alegado na contestação, nomeadamente: 45. A R. oportunamente confirmou que, de facto, o A. esteve presente num programa que foi transmitido em direto no canal ..., o “...”, logo no dia 2 de Dezembro de 2023, ou seja, apenas 20 (vinte) dias após a sua saída da R.. 46. Neste programa o A. veio publicitar os produtos desenvolvidos no projeto “...”, um negócio de comercialização de sumos “detox”, sopas e outros produtos alimentares de marca própria da Ventos de Canela, Lda., da qual o A. sempre foi sócio. 47. Logo no início da entrevista, o A. ao apresentar-se explica que este conceito foi criado em 2014 e chega a afirmar o seguinte: “(…) eu trabalhei sempre em multinacionais, trabalhei em duas grandes multinacionais ligadas à área do grande consumo, nomeadamente a trabalhar marcar próprias também, o que me deu aqui alguma linha condutora para criar o projeto ligado à área (….)”, cfr. gravação que se protesta juntar como Doc. 10. 48. Neste programa o A. inclusive refere que este negócio já existe há 10 (dez) anos e que isso será assinalado com o relançamento da marca no mercado em 15 de Dezembro de 2023, praticamente 1 (um) mês depois de se ter despedido da R.. Em presença da resposta apresentada pelo A. a esta matéria, bem andou o Tribunal recorrido ao julgar tal factualidade admitida por acordo, não se vendo razão para ter como necessário o invocado (pela R.) documento 10 (não junto) e também não se vendo a relevância do transcrito depoimento testemunhal (prestado por BB) para a contrariar já que a testemunha afirma a presença do A. no dito programa. Improcede, assim, a questão em apreciação. *** FACTOS: Com relevância para a decisão da causa, foram dados como provados os seguintes factos: 1. Autor e Ré celebraram um acordo escrito em 30 de maio de 2022 mediante o qual o primeiro foi admitido ao serviço da segunda para, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, exercer as funções inerentes à categoria profissional de trabalhador de gestor de marca própria; 2. O teor do acordo referido em 1. denominado Contrato de trabalho por tempo indeterminado, no que ora releva, é o seguinte: “ (…) UNAPOR – UNIÃO DOS ARMAZENISTAS DE PRODUTOS ALIMENTARES, A.C.E. (…), adiante designada por Primeira Outorgante, E AA (…), adiante designado como Segundo Outorgante, (…) É celebrado e reciprocamente aceite o presente CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO, que se regerá pelas seguintes cláusulas e condições: PRIMEIRA 1. A Primeira outorgante admite ao seu serviço o Segundo Outorgante, e este obriga-se a exercer, sob a autoridade e direção da Primeira Outorgante, as funções de Gestor de Marca Própria, que são essencialmente as seguintes: Definir orientações estratégicas para as Marcas da Organização (pricing, gama de produtos, imagem) e propor a sua integração na estratégia global; Analisar as condições de mercado e as suas implicações nas Marcas da Organização; Propor ajustes à estratégia definida para as marcas de acordo com o resultado dos estudos de mercado; Analisar os portfolios de produtos e gerir o ciclo de vida de cada marca/produto; Definir incentivos comerciais a aplicar considerando a estratégia de cada marca; Conceber e participar na elaboração de estudos de mercado e de satisfação e analisar os resultados e implicações dos mesmos nas marcas da sua responsabilidade; Definir amostras de produtos da marca e concorrentes para cada mercado e monitorizar o seu comportamento; Elaborar mapas promocionais e folhetos, negociar com fornecedores a participação nos mesmos; (…) SEGUNDA 1. O presente contrato é celebrado sem termo, com início no dia 20 de Maio de 2022. 2. O período experimental é de 180 (cento e oitenta) dias, nos termos do disposto na alínea b) do n.º do art.º 112.º da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, dado que a função de Gestor de Marca Própria para que o Trabalhador é contratado corresponde a um cargo de complexidade técnica, que implica um elevado grau de responsabilidade e o desempenho de funções de confiança. (…) QUINTA Em contrapartida do trabalho prestado será pago ao Segundo Outorgante uma retribuição mensal ilíquida de 1.800,00€ (…). (…) SÉTIMA 1. Os Outorgantes desde já mutuamente aceitam e reconhecem que, devido ao grau de confiança inerente à prática das funções para o qual o Segundo Outorgante é contratado, nos termos do presente contrato, a prática da mesma atividade, em benefício de terceiros, nomeadamente, concorrentes comerciais da Primeira Outorgante, é apta a causar prejuízo a esta última. 2. Por este motivo, o Segundo Outorgante desde já aceita submeter-se a uma obrigação de não concorrência, segundo a qual não poderá prestar qualquer atividade concorrente, que cause prejuízos à Primeira Outorgante, a favor de quaisquer terceiros ou por conta própria, direta ou indiretamente, durante um período de dois anos após a cessação do presente contrato de trabalho. 3. Em contrapartida da assunção desta obrigação de não concorrência, a Primeira Outorgante pagará ao Segundo Outorgante, durante o mesmo período, a quantia de €900 mensais a título de compensação pela limitação do exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato.” 3. O Autor auferia a retribuição mensal ilíquida de €1.800,00; 4. Pela apresentação 3/20130529, de 29 de maio de 2013, o Autor constituiu a sociedade comercial “Ventos de Canela, Lda., que gira sob a marca comercial “...”, cujo objeto comercial é: “Venda e confeção de bebidas e pequenas refeições para consumo no próprio local e take away, fabricação de sumos de fruta e hortícolas, consultas de nutrição, massagens, estética e outras terapias; criação e organização de eventos, workshops e comércio ambulante de bebidas e produtos naturais entre outros produtos; cafetaria, pastelaria, gelataria e confeção de refeições rápidas; comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos naturais e dietéticos.”; 5. A Ré é um agrupamento complementar de empresas (ACE) que tem por objeto, entre outros, a prestação de serviços operacionais, administrativos, de negociação, comercialização e aprovisionamento, a fim de melhorar as condições de exercício das atividades económicas desenvolvidas pelos seus membros; 6. Os associados da Ré prosseguem, entre outras, as seguintes atividades comerciais: a) Fabricação de sumos de fruta e hortícolas; b) Comércio ambulante de bebidas e produtos naturais entre outros produtos; c) Atividade de cafetaria, pastelaria, gelataria e confeção de refeições rápidas; e d) O comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos naturais e dietéticos. 7. No dia 12 de outubro de 2023, o Autor dirigiu missiva à Ré com o seguinte teor: “(…) Assunto: Denúncia do contrato Exmo. Senhor, Venho pela presente denunciar o contrato de trabalho, cumprindo o aviso prévio legalmente previsto sendo, o dia 12.11.2023, o último dia em que prestarei serviço na sociedade. Sendo que solicito que sejam apurados os valores que tenho a receber. (…)” 8. O Autor esteve presente num programa que foi transmitido em direto no canal da estação de televisão ..., “...”, no dia 2 de dezembro de 2023, onde, assumindo-se como gestor de marcas próprias, publicitou os produtos desenvolvidos no projeto “...”, um negócio de comercialização de sumos “detox”, sopas e outros produtos alimentares de marca própria da Ventos de Canela, Lda., apresentando-se como tendo experiência na respetiva atividade por ter trabalhado em multinacionais ligadas à área do grande consumo, referindo que o negócio já existia há 10 anos, que tal seria assinalado com o relançamento da marca no mercado em 15 de dezembro de 2023; 9. Datada de 04 de janeiro de 2024, a Ré endereçou missiva ao Autor, que a recebeu no dia 11 de janeiro de 2024, sendo o seguinte o seu teor: “ (…) Assunto: Incumprimento e resolução do pacto de não concorrência Exmo. Senhor, A respeito da V/solicitação referente à compensação pelo pacto de não concorrência celebrado entre V. Exa. e a UNAPOR - UNIÃO DOS ARMAZENISTAS DE PRODUTOS ALIMENTARES, A.C.E. (doravante apenas “UNAPOR”), no âmbito do contrato de trabalho que vigorou entre 30 de maio de 2022 e 23 de novembro de 2023, somos a esclarecer que não se encontram reunidas as condições para o pagamento da mesma. A Cláusula Sétima do contrato de trabalho que vigorou entre a UNAPOR e V. Exa. dispõe: 1. Os Outorgantes desde já mutuamente aceitam e reconhecem que, devido ao grau de confiança inerente à prática das funções para o qual o Segundo Outorgante é contratado, nos termos do presente contrato, a prática da mesma atividade, em benefício de terceiros, nomeadamente, concorrentes comerciais da Primeira Outorgante, é apta a causar prejuízo a esta última. 2. Por este motivo, o Segundo Outorgante desde já aceita submeter-se a uma obrigação de não concorrência, segundo a qual não poderá prestar qualquer atividade concorrente, que cause prejuízos à Primeira Outorgante, a favor de quaisquer terceiros ou por conta própria, direta ou indiretamente, durante um período de dois anos após a cessação do presente contrato de trabalho. 3. Em contrapartida da assunção desta obrigação de não concorrência, a Primeira Outorgante pagará ao Segundo Outorgante, durante o mesmo período, a quantia de €900 mensais a título de compensação pela limitação do exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato. A UNAPOR tem conhecimento que V. Exa. é sócio da sociedade comercial Ventos de Canela, Lda., a qual te, por objeto comercial, “Venda e confeção de bebidas e pequenas refeições para consumo no próprio local e take away, fabricação de sumos de fruta e hortícolas, consultas de nutrição, massagens, estética e outras terapias; criação e organização de eventos, workshops e comércio ambulante de bebidas e produtos naturais entre outros produtos; cafetaria, pastelaria, gelataria e confeção de refeições rápidas; comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos naturais e dietéticos.” Como é de conhecimento de V. Exa. a UNAPOR é um Agrupamento Complementar de Empresas cujos associados prosseguem atividades comerciais coincidentes como objeto social da Ventos de Canela, Lda., entre elas: (a) A venda e confeção de bebidas e pequenas refeições para consumo no próprio local e take away; (b) A fabricação de sumos de fruta e hortícolas; (c) O comércio ambulante de bebidas e produtos naturais entre outros produtos; (d) Atividade de cafetaria, pastelaria, gelataria e confeção de refeições rápidas; e (e) O comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos naturais e dietéticos. Sem prejuízo de a UNAPOR ter conhecimento que V. Exa. já era sócio desta sociedade na pendência do contrato, isso não significa que que a obrigação de não concorrência não seja aplicável relativamente à mesma, uma vez que os efeitos desta cláusula se iniciaram com a cessação do contrato de trabalho. Tendo em conta que a atividade da Ventos de Canela, Lda. é apta a causar prejuízo à atividade da UNAPOR, por ser uma concorrente direta à atividade dos seus associados, o facto de V. Exa. se encontrar a exercer atividade em benefício da mesma, remunerada ou não, significa que V. exa. se encontra indiretamente a exercer uma atividade concorrente à UNAPOR. Assim sendo, V. Exa. encontra em clara situação incumprimento da obrigação de não concorrência prevista na Cláusula Sétima do contrato de trabalho, e, por este motivo, não lhe são devidos quaisquer valores a título de compensação pela restrição à capacidade de trabalho. Pelo exposto, a UNAPOR vem por este meio comunicar a V. Exa. a resolução do pacto de não concorrência contido na Cláusula Sétima do contrato de trabalho celebrado com V. Exa., motivada pelo incumprimento, totalmente imputável a V. Exa., da obrigação de não concorrência a que se encontrava sujeito. (…)” 10. A Ré não procedeu ao pagamento, ao Autor, de quaisquer valores emergentes da cláusula 7.ª, do convénio transcrito em 2. *** O DIREITO: Resta a 3ª questão - O A. nunca exerceu qualquer atividade comercial concorrente com a R.? Impugna o Apelante o extrato decisório no qual pode ler-se: “(…) Da prova produzida, resulta que o Autor exerceu uma atividade comercial concorrente com a da Ré, senão durante a execução do vínculo laboral que uniu as partes, pelo menos com a certeza no período de dois anos após a cessação do contrato operada a 12-11-2023, consubstanciada pela participação do Autor no programa televisivo referido em 8 dos factos provados, no qual apresentando-se como gestor de marca própria, alcandorado numa experiência obtida no exercício de atividades multinacionais do setor, publicitou os produtos desenvolvidos no projeto “...”, um negócio de comercialização de sumos “detox”, sopas e outros produtos alimentares da marca própria da Ventos de Canela, Lda., referindo que o negócio já existia há 10 anos, e que tal seria assinalado com o relançamento da marca no mercado em 15 de dezembro de 2023.” Afirma que, por um lado, à data da sua contratação, já era titular da mencionada empresa, o que era do conhecimento da Apelada, que a prova não revela que durante a execução do contrato tivesse exercido qualquer atividade concorrencial (aliás não alegada), e que também não existe prova no sentido do exercício de atividade concorrencial após a cessação do contrato de trabalho. Vejamos! A resolução do pacto de não concorrência por parte da Apelada assenta em duas circunstâncias – ser o Apelante sócio de uma sociedade e exercer atividade em benefício da mesma. É isto que se extrai da carta recebida em 11/01/2024 na qual a Apelada resolve o contrato. Resulta expresso em tal missiva o conhecimento desta acerca da participação social do Apelante na dita sociedade, participação existente na pendência do contrato de trabalho. Já não resulta de tal missiva o tipo de atividade exercida e tida como concorrencial, atividade que o Tribunal recorrido inferiu manifestar-se na participação televisa do Apelante e à qual atribuiu relevância. No contrato de trabalho celebrado em 30/05/2022 foi inserida uma cláusula segundo a qual “o Segundo Outorgante desde já aceita submeter-se a uma obrigação de não concorrência, segundo a qual não poderá prestar qualquer atividade concorrente, que cause prejuízos à Primeira Outorgante, a favor de quaisquer terceiros ou por conta própria, direta ou indiretamente, durante um período de dois anos após a cessação do presente contrato de trabalho. Mais acordaram as partes que “a prática da mesma atividade, em benefício de terceiros, nomeadamente, concorrentes comerciais da Primeira Outorgante, é apta a causar prejuízo a esta última”. Na sua contestação, a fundamentar a exceção de resolução do pacto de não concorrência, alegou a R. que à data da contratação já o A. era sócio da sociedade referida acima da qual tinha deixado de ser gerente em 2017, os seus associados (a R. é um ACE) prosseguem atividades comerciais coincidentes com as do objeto social daquela sociedade ((a) A fabricação de sumos de fruta e hortícolas; (b) O comércio ambulante de bebidas e produtos naturais entre outros produtos; (c) Atividade de cafetaria, pastelaria, gelataria e confeção de refeições rápidas; e (d) O comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos naturais e dietéticos), que contratou o A. para desenvolver as marcas próprias (as suas), que tinha conhecimento que na pendência do contrato de trabalho o A. era simultaneamente sócio da referida sociedade, como inclusive indicado no CV apresentado no processo de candidatura, que não viu inconveniente em que o A. fosse sócio da referida sociedade, mas que ao A. estava vedado exercer atividade concorrencial. Mais alega que logo após a denúncia do contrato de trabalho por parte do A. foi alertada para a circunstância de o mesmo estar a divulgar um negócio paralelo, o qual foi apresentar e publicitar num programa televisivo. Dos termos da intervenção na televisão, é evidente e reconhecido expressamente pelo próprio, que está a exercer a favor da Ventos de Canela, Lda. a mesma atividade que exercia a favor da R., pelo que se há-de considerar incumprida a obrigação assumida no pacto. E ainda que isso não fosse só por si um incumprimento suficientemente grave, o facto de a Ventos de Canela, Lda. desenvolver uma atividade concorrente à da R. agrava ainda mais a situação. Assim se justificando., com base no disposto no Artº 801º/2 do CC, a resolução. O retorno à contestação é aqui essencial para que nos situemos: a circunstância, conhecida pela R., de o A. ser sócio da sociedade, não foi impeditiva da contratação; o que não se admitiu foi o exercício de atividade concorrencial pelo mesmo. Não se compreende, pois, a razão pela qual se alega que agrava a situação a circunstância de a dita sociedade desenvolver uma atividade concorrente. Podemos, então, centrar-nos no essencial – a participação televisiva do A., nos termos em que o foi, traduz exercício de atividade concorrente para efeitos do clausulado? Recorde-se que o Autor esteve presente num programa que foi transmitido em direto no canal da estação de televisão ..., “...”, no dia 2 de dezembro de 2023, onde, assumindo-se como gestor de marcas próprias, publicitou os produtos desenvolvidos no projeto “...”, um negócio de comercialização de sumos “detox”, sopas e outros produtos alimentares de marca própria da Ventos de Canela, Lda., apresentando-se como tendo experiência na respetiva atividade por ter trabalhado em multinacionais ligadas à área do grande consumo, referindo que o negócio já existia há 10 anos, que tal seria assinalado com o relançamento da marca no mercado em 15 de dezembro de 2023. Não assume aqui qualquer importância a circunstância de o A. ter referido que o negócio já existia há vários anos (o que era verdade), pois daí não decorre que ele tivesse estado implicado no desenvolvimento de tal negócio. Também não assume relevância para este efeito, o facto de o mesmo se apresentar como gestor de marcas próprias, algo que não faz senão caracterizá-lo como apto para o que se propunha, não traduzindo, em si, o exercício de uma atividade. Já releva o facto de ter anunciado o relançamento de uma atividade e publicitado os produtos referidos como marca própria daquela empresa. Na verdade, provou-se que a Ré é um agrupamento complementar de empresas (ACE) que tem por objeto, entre outros, a prestação de serviços operacionais, administrativos, de negociação, comercialização e aprovisionamento, a fim de melhorar as condições de exercício das atividades económicas desenvolvidas pelos seus membros. Os associados da Ré prosseguem, entre outras, as seguintes atividades comerciais: a) Fabricação de sumos de fruta e hortícolas; b) Comércio ambulante de bebidas e produtos naturais entre outros produtos; c) Atividade de cafetaria, pastelaria, gelataria e confeção de refeições rápidas; e d) O comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos naturais e dietéticos. Publicidade efetuada em benefício de uma empresa que se propõe comercializar sumos “detox”, sopas e outros produtos alimentares de marca própria. E cujo objeto social é Venda e confeção de bebidas e pequenas refeições para consumo no próprio local e take away, fabricação de sumos de fruta e hortícolas, consultas de nutrição, massagens, estética e outras terapias; criação e organização de eventos, workshops e comércio ambulante de bebidas e produtos naturais entre outros produtos; cafetaria, pastelaria, gelataria e confeção de refeições rápidas; comércio a retalho de suplementos alimentares e de outros produtos naturais e dietéticos. A CRP protege, no Artº 47º/1, a liberdade de trabalho enquanto projeção da liberdade de escolha de profissão, pelo que, em regra qualquer pessoa é livre de escolher uma profissão ou de exercer ou não uma atividade. Daí que o CT comine de nulas as cláusulas de limitação da liberdade de trabalho (Artº 136º/1). Porém, a proibição de limitações a esta liberdade não é absoluta, admitindo-se a celebração de pactos de não concorrência, desde que observadas certas condicionantes (Artº 136º/2). No caso não se discute a validade do pacto celebrado. Discute-se o seu incumprimento, invocando o A. uma situação de mora – não pagamento do valor correspondente à compensação acordada. Compensação que constitui um dos pressupostos de validade do pacto. Na verdade, este tem obrigatoriamente carater oneroso, gerando uma obrigação de compensação para o empregador. Invocada que foi a situação de não cumprimento, veio o devedor invocar a resolução do pacto, fundando-se no disposto no Artº 801º/2 do CC. O Tribunal recorrido julgou procedente a exceção de resolução invocada, dando como adquirido que o A. incumpriu a sua parte no negócio – exerceu uma atividade concorrencial com a R.. O CC permite a resolução do contrato, desde que fundada na lei, em contrato ou numa alteração anormal de circunstâncias (Artº 432º e 437º). No caso invocou-se, como fundamento para a resolução contratual, o Artº 801º/2 do CC do qual decorre que, impossibilitando-se a prestação por causa imputável ao devedor, sendo o contrato bilateral, o credor pode resolver o contrato. A impugnação da decisão recorrida assenta na circunstância de não ter sido exercida qualquer atividade concorrencial. Alega o Apelante que atividades concorrentes são aquelas exercidas por empresas ou profissionais que atuam no mesmo segmento de mercado, oferecendo produtos ou serviços similares e disputando a mesma clientela. Não logrando o Apelante obter sucesso na impugnação que efetuou da decisão que contém a matéria de facto, não vemos como não concluir pelo exercício de uma atividade de tal cariz durante o período em que vigorava o pacto, pois, terminado o contrato de trabalho em 12/11/2023, a promoção dos produtos já referidos aconteceu logo em 2/12/2023, sendo irrelevante a circunstância de a R. ser uma empresa grossista e a do A. retalhista. Certo é que a publicitação que efetuou foi de produtos de marca própria da sua empresa, que relançou, produtos também comercializados pelos associados da R. Tal como dito na sentença, “A este conspecto, JOANA NUNES VICENTE1 refere que “[e]nquanto a situação de violação do pacto por parte do empregador se analisa fundamentalmente no não pagamento pontual da compensação económica acordada, as situações que consubstanciam uma violação do pacto por parte do trabalhador podem virtualmente assumir as mais variadas manifestações, tudo dependendo do conteúdo convencionado como atividade proibida. Assim, pode consubstanciar a violação do pacto a divulgação ou aplicação de informações respeitantes a modalidades da atividade da empresa; a utilização de descobertas ou invenções; o aproveitamento ou difusão de projetos de vendas ou de implantação no mercado; aplicação de estratégias de organização da publicidade; utilização de correspondência com fornecedores e clientes, etc.” Como é sabido, os contratos devem ser pontualmente cumpridos (Artº 406º/1 do CC), o que não foi o caso. À violação do pacto por parte do trabalhador não é aplicável o Código do Trabalho, devendo a responsabilidade do mesmo encontrar-se no âmbito do instituto da responsabilidade civil2, pelo que não merece censura a decisão recorrida quando conclui pelo incumprimento e consequente validade da resolução do contrato3. Contudo, a resolução efetivou-se em 11/01/2024, pelo que o pacto de não concorrência esteve em vigor até então. Conforme dito acima, o pacto de não concorrência é necessariamente oneroso. A vigência do mesmo confere ao Apelante o direito à compensação acordada durante o período que medeia entre a cessação do contrato de trabalho e a efetivação da resolução contratual. No caso, 1.740,00€ (valor equivalente a 58 dias). Compensação a que quer a jurisprudência, quer a doutrina, vêm reconhecendo que goza da proteção que a lei reserva á retribuição do trabalho4. Sobre o valor devido incidem juros de mora à taxa anual de 4% desde o vencimento das prestações que integram o montante global até integral pagamento. Procede, assim, parcialmente, a apelação. <> As custas da apelação constituem encargo de ambas as partes, na proporção de vencidas (Artº 527º do CPC). * Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterar a sentença, condenando a R. no pagamento ao A. da quantia de mil setecentos e quarenta euros (1.740,00€), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, desde o vencimento das prestações que integram o montante global até integral pagamento. Custas por ambas as partes, na proporção de vencidas. Notifique. Lisboa, 24/09/2025 MANUELA FIALHO PAULA SANTOS LEOPOLDO SOARES _______________________________________________________ 1. Pactos de Limitação à Capacidade de Trabalho, em Direito do Trabalho – Relação Individual, Almedina, 2023, 2.ª edição Revista e Atualizada, pp. 734-735 2. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 22ª Ed., Almedina, 356 3. Validade aqui não equacionada 4. Neste sentido o Ac. RLx. 28/06/2017, Proc.º 5738/16.8T8SNT e do STJ de 30/04/2014, Proc.º 2525/11.3TTLSB. Também o autor supra citado, ob cit., 355 |