Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS CASTELO BRANCO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO PATRIMONIAL PRIVAÇÃO DE USO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I) O auto de participação de acidente de viação é um documento autêntico, emanando de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração, mas a sua força probatória plena limita-se aos factos praticados pelo documentador e por ele atestados ou presenciados. Todavia, a sinceridade desses factos ou a sua validade ou eficácia jurídica são excluídos do alcance da prova plena do documento, pois disso não podia o documentador aperceber-se. II) A data de ocorrência do acidente constitui um dos elementos diretamente percecionados pelo agente de autoridade policial que elaborou a participação, devendo ter-se como plenamente provado. III) Contextualizando os elementos do processo um manifesto lapso na referência constante da sentença recorrida sobre a data de ocorrência do acidente dos autos e não incidindo o mesmo sobre o conteúdo do julgamento efetuado, mas sobre o contexto temporal dos factos que o condicionaram, o mesmo é passível de oficiosa correção. IV) Não basta para se considerarem provados factos, que alguma testemunha afirme a sua ocorrência, sendo certo que não é líquido que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão afirmados, já que ele não é um mero depositário de depoimentos ou de afirmações proferidas numa diligência processual. V) Confluindo os elementos de prova no sentido de que, estando o veículo ligeiro de passageiros do autor já a passar ao lado (esquerdo) do veículo pesado, seguro na ré, sensivelmente a meio deste - ambos seguindo no mesmo sentido, mas em vias diferentes – e, nessas condições, o veículo pesado, que pretendia ultrapassar um veículo pesado que seguia à sua frente, ingressou na via por onde o outro veículo já seguia, sem assinalar tal intenção e de forma imprevista, não atentando na circulação que ocorria, os danos resultantes do embate sofrido pelo veículo conduzido pelo autor são de imputar a exclusiva responsabilidade do veículo pesado, segurado na ré tendo o respetivo condutor inobservado o prescrito no n.º 1 do artigo 35.º do Código da Estrada. VI) A privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização, não influindo na apreciação do quantum indemnizatório - que se encontra ligado à indisponibilidade de uso do veículo - o tempo de reparação necessário para o mesmo voltar a circular. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório: * MJ… e JM…, identificados nos autos, instauraram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra SEGURADORAS UNIDAS, S.A., também identificada nos autos, pedindo a condenação desta a pagar ao A. MM… a quantia de 7.400,00 € a título de danos patrimoniais e ao A. JM… quantia não inferior a 5.000,00 € a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros desde a citação e até efetivo e integral pagamento, emergentes de acidente de viação. Invocaram, em síntese, que ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes a viatura pesada de mercadorias de matrícula …-IF-…, segurada pela ré, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …-AX-…, propriedade de MM… e conduzido por JM…, concluindo que o acidente foi da responsabilidade do condutor do veículo de matrícula IF, alegando ter sofrido danos patrimoniais no valor global de €4200,00, que a viatura se encontra imobilizada desde a data do acidente, por estar impossibilitada de circular e peticionando o valor de €3000,00 a título de compensação pela paralisação da viatura, sendo que, o processo provocou ansiedade e transtornos ao autor MM…, peticionando o valor de €1000,00 a título de danos não-patrimoniais e o autor JM… peticiona somente uma indemnização no valor de €5000,00 a título de danos não-patrimoniais. * A ré contestou alegando, em suma, que o autor tem culpa no acidente, tendo proposto indemnização no valor de 50% dos danos; a ré mais alega reconhecer os danos sofridos pelo autor, com a ressalva de que a reparação do veículo do autor ascendia a € 3559,32; impugna os danos alegados a título de privação de uso do veículo, bem como a título de danos morais; termina peticionando que a acção seja julgada de acordo com a prova produzida e o direito aplicável. * Foi dispensada a realização da audiência prévia, com saneamento do processo, tendo sido fixado o objeto do litígio e os temas da prova. * Após, foi realizada audiência de discussão e julgamento e, em 09-03-2020 foi proferida sentença decidindo condenar a ré a pagar: “a) Ao autor MM… as seguintes quantias: a. €4200,00, a título de danos patrimoniais para reparação do veículo; b. €2500,00, a título de dano de privação do uso do veículo; b) Ao autor JM…, a quantia de €3000,00, a título de danos não-patrimoniais. Todas acrescidas de juros desde a citação e até efetivo e integral pagamento, improcedendo no demais peticionado”. * Não se conformando com a referida sentença, dela apela a ré, formulando as seguintes conclusões: “(…) I – Da alteração matéria de facto objeto do recurso: 1- Ser eliminada a matéria descrita e dada como provado nos art.ºs 5º, 6º, 7º que deverá ser resumido ao seguinte: 5- Quando o veiculo do autor passava pelo veículo pesado, embateu nos raides de separação da via” 6- “O condutor do veiculo pesado não se apercebeu do embate. 2- Ainda deverá ser aditada à matéria de facto provada os seguintes pontos: 20. O 1º A. após o acidente solicitou a um amigo veículo emprestado. 21. Após um mês do acidente o 1º A. adquiriu um veículo Renault comercial para substituir o veículo sinistrado nas suas deslocações. 22. A reparação do veículo sinistrado demorara 8 dias úteis e o 1º A. não reparou o veículo em causa porque não quis” No que concerne à matéria de facto entende a recorrente que de acordo com a prova produzida em juízo deve a mesma ser alterada no cumprimento do disposto no artº 607 do código de processo civil; 3- Em conclusão: conforme nossa transcrição dos depoimentos da testemunha S… e Sa…, bem como do depoimento do condutor do veiculo seguro na R. TT…, não se fez qualquer prova, para além da versão contada pelo 2º A de que o acidente se ficou a deveer ao facto do veiculo do Autor ter sido abalroado pelo veiculo seguro na R. 4- Pode muito bem ter sido o próprio A. que inexperiente com carta de condução há pouco tempo, tenha perdido o controle do seu veículo ao fazer a ultrapassagem ao veiculo longo segurado na R., ou até por outro motivo qualquer que desconhecemos. 5- Na verdade, e relativamente à forma como ocorreu o acidente só mesmo o autor o descreveu tal como consta da matéria provada, sendo certo que quer a testemunha ocular S…, quer a testemunha Sa…, quer a testemunha T…, alegam não ter ocorrido qualquer abalroamento do veículo seguro na R.. 6- Acresce que, também o condutor do veículo seguro na R. tem uma versão completamente diferente do acidente, esclarecendo e afirmando perentoriamente que não abalroou o veículo dos AA, ao contrário do que descreve a sentença em recurso. 7- Tudo conforme transcrições efectuadas nestas alegações, pela ora recorrente, que aqui se dão como integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais. 8- Ainda, o depoimento do 2º autor, condutor do veiculo, não é credível já que, conforme podemos apurar em confronto com as próprias declarações do 1º A. bem como, da testemunha por si arrolada, ele mentiu quanto ao facto do seu Pai ( 1ª A.) ter adquirido um veiculo 30 dias após o acidente e ter até aquela data solicitado um veiculo emprestado a um amigo ( também testemunha no processo) para se fazer transportar, pelo que também deve ter mentido quanto aos restantes factos, até por interesse próprio. 9- Alega ainda, o juiz “a quo” que a tese e depoimento do condutor do veículo seguro na R. não é verdadeiro porque este é parte interessada, facto que não corresponde à verdade, sendo certo que as únicas partes interessadas são mesmos os AA. 10- De qualquer modo, existindo versões contraditórias e existindo duvidas quanto há forma concreta como aconteceu o acidente, a douta sentença deverá dar como não provada a matéria alegada pelo autor nos termos do disposto no art.º 342/1 do C Civil e nos termos do disposto no art.º 414 do CP Civil. 11- Com todo o devido respeito que temos pela magistratura e é muita, neste caso o juiz “a quo” desde cedo em audiência de julgamento mostrou alguma simpatia pel aversão dos AA, ignorando toda a prova que não lhes era útil e até mesmo ignorando as contradições dos depoimentos dos AA e aproveitando, no que concerne ás testemunhas arroladas pelos AA, apenas aquilo que dizia respeito à tese do autor. 12-Assim, deverá se alterada a matéria de facto de acordo com o alegado em 1 e aditados os seguintes factos:. 20. O 1º A. após o acidente solicitou a um amigo veículo emprestado. 21. Após um mês do acidente o 1º A. adquiriu um veículo Renault comercial para substituir o veículo sinistrado nas suas deslocações. 22. A reparação do veículo sinistrado demorara 8 dias úteis e o 1º A. não reparou o veículo em causa porque não quis” 14- É relevante para a determinação de eventual indemnização pela paralisação do veículo sinistrado a matéria supra descrita, que embora acessória tem de ser tida em conta quanto ao tema da prova respeitante aos danos patrimoniais dos AA; II- DO DIREITO: 15- Havendo dúvidas quanto à forma que ocorreu o acidente elas aproveitam a Ré e não os AA, devendo a responsabilidade ser definida em 50% para cada um dos veículos intervenientes nos termos do disposto no Art.º 505 do c Civil. (responsabilidade pelo risco). 16- Quanto á indemnização pela privação de uso do veículo sinistrado, ficou amplamente provado que o 1º A adquiriu um veiculo de substituição 30 dias após o acidente, veiculo esse que passou a utilizar em substituição do veiculo sinistrado, ( declarações de parte dos AA) 17- Ficou ainda provado pelos depoimentos dos próprios autores que o 1ª A. não teve qualquer dano, no sentido de ter tido despesa com a falta do veículo nesse período já que solicitou um veículo emprestado a um amigo; 18- Assim, a ser arbitrada alguma indemnização a mesma não poderá ser superior a 300,00 euros correspondente a 10,00 euros vezes o número de dias ( 30 dias) em que o 1º A. teve privado de veículo automóvel, 19- Não é indiferente o facto do 1ª A ter afirmado que não tinha reparado o veículo automóvel até à data do julgamento (apesar da reparação poder ser efectuada no prazo de 8 dias) pelo facto de não querer repará-lo, nas suas palavras por “convicção; “ 20- O 1º A. declarou que manteve o veiculo por reparar até à data de audiência de julgamento, basicamente para poder declarar isso perante o Juiz e ser indemnizado por uma quantia maior e que não existiu qualquer razão objectiva ou justificativa para que não o reparasse, 21- Ora esse facto não pode ser reflexo da indemnização que a sentença arbitra tal como foi calculada a mesma tem de corresponder a um verdadeiro prejuízo de facto; 22 Assim, se a R. não for isenta da indemnização do dano pela privação do uso do veiculo por comprovadamente não ter existido prejuízo, pelo menos deverá a mesma ser reduzida aos seus justos limites e justos limites não é, certamente, a quantia arbitrada de 2.500,00 euros se tivermos em consideração que passado 30 dias o autor já tinha adquirido um veículo novo para sua substituição pelo preço de 1500,00 euros. 23. Quanto aos danos morais, também não tem direito o 2º Autor. 24. Mais uma vez o Juiz “ a quo” quis subscrever a tese dos autores atribuindo-lhes quantia por danos que na nossa convicção não merecem tutela e não passaram alegações que tinham como objectivo sacar dinheiro à R. 25. Desde logo os AA não tiveram necessidade de serem transportados ao hospital ou a qualquer centro de saúde; 26. Não ficaram sequer magoados ou tiveram qualquer dor; 27. Na verdade, tratou-se, apesar de tudo, de um simples acidente, tão simples que o veículo foi pelos seus próprios meios para a casa dos AA que até distava bastante do local do acidente; 28. Ora, os AA sofreram os incómodos próprios de quem tem um acidente sem grande gravidade e que representou um incidente no percurso normal de vida; 29. Esses incómodos não merecem a tutela do direito tem como já foi sobejamente decidido em situações idênticas pela jurisprudência, 30- Mais uma vez aqui, o juiz “a quo “foi inexcedível com os AA atribuindo-lhes uma indemnização que em nossa opinião não lhes é devida, por não se tratarem de factos excecionais que tenham autonomia e relevância dos factos normais decorrentes dos incómodos próprios da vida . 31. Pelo que, quanto a esta indemnização deverá a R. ser absolvida no cumprimento do disposto no art. 436 do C Civil. Deverá assim revogar-se a decisão ora recorrida, e absolver a R. do montante da sentença ora objecto do recurso”. * Os autores apresentaram contra-alegações nelas tendo concluído o seguinte: “1 – Do depoimento conjugado das testemunhas SO…, SS…, TT…, NM…, AC…, do perito MA… e ainda do depoimento de parte dos AA. J… e MM… resultam sem quaisquer margens para dúvidas a confirmação da matéria dada como provada nos números 5, 6 e 7 que por isso deverão ser integralmente mantidos, ou seja “5. Quando o veículo do autor passava pelo veículo pesado, sensivelmente a meio deste, este sem dar qualquer sinal prévio de mudança de direção, sem que nada o fizesse prever e sem prestar a mínima atenção aos veículos que nesta circulavam, decidiu invadir a faixa em que circulava o veículo do autor, em vista a ultrapassar o veículo pesado que circulava à sua frente. 6. Em consequência do que abalroou a viatura do autor, encurralando-a e prensando-a contra os rails de separação da via. 7. O condutor do veículo pesado não se apercebeu do abalroamento da viatura do autor contra os rails de separação das vias.” 2 – É totalmente irrelevante saber se o A. MM… solicitou a um amigo veículo emprestado, se adquiriu após mês e meio (não um mês como diz a Ré) outra viatura, se a reparação leva 8 dias úteis ou se o A. não reparou a viatura porque não quis, porque tudo isso são consequências do acidente. O facto é que a A., teimosamente, continua a não querer ver a culpa total do seu segurado, a não assumir a sua responsabilidade no acidente e a não mandar reparar a viatura… 3 – Ao contrário do que a Ré diz o A. não fez qualquer ultrapassagem ao camião, já que seguia na faixa da esquerda, quando o camião decidiu ultrapassar o pesado que circulava à sua frente, colidindo, ao fazê-lo, com o veículo do A. J… quando este se encontrava lado a lado sensivelmente a meio, como o atestam as amolgadelas no lado direito da viatura referidas no relatório pericial efetuado pela própria Ré vistas pelas testemunhas NM…, AC… e pelo perito MM…. Além disso, a viatura ainda está por reparar. Se a Ré tem dúvidas, pois pelos vistos nem no seu perito confia, é só ir à oficina… 4 – A douta sentença fez plena valoração da prova e integração dos factos no direito não merecendo qualquer reparo ou censura, sem prejuízo apenas do acerto dos valores e da indemnização pelos danos morais do A. MM…, constantes do recurso subordinado. Com efeito, 5 – O A. teve que se deslocar várias vezes à seguradora para saber da evolução do seu processo de regularização do sinistro, teve que contactar oficinas, incomodar pessoas amigas, esteve dependente de horários de terceiros para organizar o seu dia a dia e os seus compromissos. Perdeu tempo, andou nervoso, desgastado e irritado. 6 – Tais factos decorrem exclusivamente do acidente dos autos merecendo a tutela do direito na quantia simbólica peticionada de 1.000,00 €. 7 – A sentença condenou a Ré a pagar ao A. JM… (vidé 2.º § da pag. 22) a quantia peticionada como justa e equitativa. Acontece, porém, que esta foi de 5.000,00 € e não de 3.000,00 € como certamente por lapso de escrita ficou a constar, motivo pelo qual deve a douta sentença recorrida ser corrigida para o valor peticionado. 8 – A viatura do A. continua por reparar, o que significa que este continua privado do seu gozo e fruição, que desde a data do acidente e até 31/08/2020 perfazem 653 dias, correspondendo a menos de 5,00 € dia, motivo pelo qual o montante arbitrado de 2.500,00 € deverá ser ajustado para os peticionados 3.000,00 € por mais justo, equitativo e equilibrado. 9 – Conquanto a douta sentença não mereça qualquer censura ou reparo quanto aos fundamentos de direito, nem, aliás, a Ré o invoca, deve ser corrigida quanto aos valores indemnizatórios ao abrigo do disposto nos arts. 70.º, 483.º e 562.º todos do Código Civil. Termos em que deve o Recurso de apelação da Ré ser julgado totalmente improcedente por não provado e outrossim julgado procedente por provado o recurso subordinado dos AA. por ser de Direito e de JUSTIÇA! (…)”. * 2. Questões a decidir: Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos apelantes, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são: * I) Questão prévia: A) Retificação do lapso constante do facto provado n.º 1. * II) Impugnação da matéria de facto: B) Se os pontos 5 e 6 dos factos provados devem ser alterados para a seguinte redação: “5- Quando o veiculo do autor passava pelo veículo pesado, embateu nos raides de separação da via” 6- “O condutor do veiculo pesado não se apercebeu do embate”, se o facto provado em 7 deve ser considerado como não provado? C) Se devem ser aditados aos factos provados os seguintes pontos: “20. O 1º A. após o acidente solicitou a um amigo veículo emprestado. 21. Após um mês do acidente o 1º A. adquiriu um veículo Renault comercial para substituir o veículo sinistrado nas suas deslocações. 22. A reparação do veículo sinistrado demorara 8 dias úteis e o 1º A. não reparou o veículo em causa porque não quis”? * III) Mérito do recurso: D) Se a responsabilidade pelo acidente deve ser definida em 50% para cada um dos veículos intervenientes, nos termos do disposto no artigo 505.º do C Civil? E) Se a indemnização pela privação do uso do veículo se mostra indevidamente fixada? F) Se a ré deve ser absolvida de indemnizar o 2.º autor relativamente a danos morais? * 3. Enquadramento de facto: * A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE: 1. No dia 14 de Fevereiro de 2019, pelas 18:40 horas, ocorreu um acidente de viação ao Km 6.6 do Eixo Sul (via rápida) na freguesia de Rosto do Cão (São Roque) no sentido Ponta Delgada/Lagoa no qual foram intervenientes: a. a viatura pesada de mercadorias marca Volvo FM-4X4T com atrelado, matrícula …-IF-…, conduzida por TL… e propriedade de Pereira, Lda.; b. a viatura ligeira de passageiros, marca Renault Megane, matrícula …-AX-…, conduzida por JM… e propriedade e MM…; 2. O local do acidente é uma via rápida, com piso de alcatrão, composta por duas faixas de rodagem para cada lado, em reta e com excelente visibilidade a mais de 100 metros. 3. O veículo pesado de mercadorias seguia integrado na faixa de rodagem da direita destinada a veículos lentos ou de circulação mais lenta. 4. O veículo do autor seguia na faixa da esquerda, integrado numa fila de veículos. 5. Quando o veículo do autor passava pelo veículo pesado, sensivelmente a meio deste, este sem dar qualquer sinal prévio de mudança de direção, sem que nada o fizesse prever e sem prestar a mínima atenção aos veículos que nesta circulavam, decidiu invadir a faixa em que circulava o veículo do autor, em vista a ultrapassar o veículo pesado que circulava à sua frente. 6. Em consequência do que abalroou a viatura do autor, encurralando-a e prensando-a contra os rails de separação da via. 7. O condutor do veículo pesado não se apercebeu do abalroamento da viatura do autor contra os rails de separação das vias. 8. O condutor do veículo pesado parou cerca de 500 metros mais à frente, por pressão dos condutores que vinham atrás do camião e que viram o acidente. 9. A velocidade máxima para o local era de 100KM/h. 10. Do embate na viatura referida no ponto 1, b) resultou para esta a necessidade de aplicação das seguintes peças, no valor global de € 2253,89: a. Guia lateral do parachoques da frente - € 38,30; b. Guarda lama da frente - € 157,66; c. Guia lateral do parachoques da frente - € 38,30; d. Guarda lama frd - € 157,66; e. Resguardo da Frente guarda lama Frd - € 49,61; f. Resguardo da Frente guarda lama Fre - € 63,50; g. Para choque da Frente - € 231,73; h. Pisca Lateral Guarda Lama da Frente - € 25,86; i. Farol duplo E - € 202.52; j. Molas / parafusos - € 12,00; k. Anti-Gravilha - € 18,70; l. CERA - € 17,80; m. Selas Juntas/ Vedantes - € 17,80; n. Tampão 5 Jante Liga Frd - € 22,80; o. Amortecedor Frd - € 92,06; p. Amortecedor Fre - € 92,06; q. Manga do Eixo Frd 3 - 207,13; r. Kit Rolamentos Cubo Frd - € 83,62; s. Manga de Eixo Fre 3 - 207,13 € t. Kit Rolamentos Cubo Fre - € 83,62; u. Braço Fre - € 96,67; v. Braço Frd - € 96,67; 11. A aplicação destas peças implica um custo de mão de obra, no valor de € 1.507,45. 12. Do embate na viatura referida no ponto 1, b) resultou para esta a necessidade de reparação das seguintes peças, no valor global de € 584,00: a. Porta da frente - € 146,00; b. Porta de trás - € 73,00; c. Guarda lamas Tre - € 109,50; d. Guarda lamas Trd - € 182,50; e. Estrutura completa do guarda lamas Trd - € 73,00; 13. Do embate na viatura referida no ponto 1, b) resultou para esta a necessidade de pintura no valor de € 704,54, incluindo € 233,69 de material e € 470,85 de mão de obra. 14. A todos estes valores acresce o IVA no valor de € 640,68 e o desconto de € 202,02 nas peças, tudo totalizando € 4200,00. 15. A viatura está parada e impossibilitada de circular desde a data do acidente. 16. O autor MM… teve que se deslocar várias vezes à seguradora para saber da evolução do seu processo, contactar oficinas, incomodar amigos e estar dependentemente de terceiros. 17. O autor MM… andou nervoso, desgastado e irritado. 18. O autor JM… viveu momentos de grande aflição, pânico e antevisão da morte, no momento do acidente descrito nos pontos 5) a 8). 19. A proprietária do veículo pesado de mercadorias transferiu para a Ré, por contrato de seguro válido à data do acidente, apólice n.º …, da então Companhia de Seguros Tranquilidade a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros, emergentes da circulação daquele seu veículo de matrícula …-IF-…. * A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE: 20. Que não chovesse, que o piso de alcatrão estivesse seco e em boas condições para a circulação automóvel. 21. Que, no momento do acidente, o veículo referido no ponto 1, a) já se encontrasse na via esquerda quando o condutor do veiculo …-AX-…, ao não ter-se apercebido da manobra do IF, tenha travado em consequência do que perdeu o controlo do seu veiculo e foi embater no separador central. 22. Que o autor circulasse a uma velocidade superior a 90KM/h. 23. Que o condutor do veículo referido no ponto 1, a) tenha sinalizado a manobra de mudança de faixa de rodagem para a esquerda. 24. Que o autor, a esposa ou o filho se tivessem que deslocar a pé, à boleia, de transportes públicos ou de táxi. 25. Que o aluguer diário de uma viatura com características idênticas às referidas no ponto 1, b) tenha um custo diário de pelo menos €15,00. * 4. Enquadramento jurídico: * I) Questão prévia: * A) Retificação do lapso constante do facto provado n.º 1. Na sentença proferida pelo Tribunal recorrido consta escrito do facto provado n.º 1, nomeadamente, o seguinte: “1. No dia 14 de Fevereiro de 2019, pelas 18:40 horas, ocorreu um acidente de viação (…)”. A fonte de tal facto deriva do alegado pelos autores no artigo 1.º da petição inicial. A ré, na contestação que apresentou, aceitou a alegação constante de tal artigo do articulado inicial (cfr. artigos 1.º e 2.º da contestação). Ora, conforme deriva da motivação de facto da sentença recorrida que o mencionado ponto 1 dos factos provados resultou assente na derivação do acordo das partes nos articulados tendo o tribunal valorado ainda a participação de acidente de fls. 11-12. Sucede que, conforme resulta dessa participação – elaborada pela testemunha AC… - a data que nela consta como data do acidente ocorrido é a de 19-02-2019 e, não, a do dia 14-02-2019. O auto de participação de acidente de viação junto pelos autores com a petição inicial constitui um documento autêntico, uma vez que emana de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-01-2018, Pº 1173/14, rel. MIGUEL MORAIS: “O auto de participação de acidente de viação é um documento autêntico na precisa medida em que emana de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração, na decorrência do que considera que se o agente da autoridade efetua medições de rastos de travagem e os localiza, mede e anota a largura da faixa de rodagem, anota os sinais de trânsito e sua localização, anota o local onde ficaram os veículos imobilizados após o acidente, descreve os danos externos visíveis nos veículos, todos estes factos passam a estar abrangidos pela sua força probatória plena.”). Decorre do art. 371º, n.º 1, do CC que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora. Aqueles que não estiverem nessas condições não são plenamente provados pelo documento, pelo que podem ser impugnadas, nos termos gerais, as declarações documentadas. O documento em causa – participação de acidente de viação - constitui, nas palavras de Vaz Serra (“Provas”, BMJ 111.º, pp. 123 e 133) um documento testemunhal, na medida em que o documentador se limita a atestar um facto, a informar acerca de um acontecimento que ocorreu, limitando-se a força probatória plena desse documento aos factos praticados pelo documentador e por ele atestados. E prova ainda plenamente os factos atestados que se passaram na sua presença. Todavia, a sinceridade desses factos ou a sua validade ou eficácia jurídica são excluídos do alcance da prova plena do documento, pois disso não podia o documentador aperceber-se (cfr. Vaz Serra; “Provas”, in BMJ 111.º, pp. 135-136). Ora, a data de ocorrência do acidente constitui, sem dúvida, um dos elementos diretamente percecionados pelo agente de autoridade policial que elaborou a participação, devendo ter-se como plenamente provado. Aliás, as testemunhas SO… e SS…, bem como, os autores MM… e JM… confirmaram, uniformemente, que o acidente em questão teve lugar no dia 19-02 - e não no dia 14-02. Assim, a menção do dia 14-02-2019 como data do acidente, primeiramente inserta na petição inicial e, depois, “transposta” para a sentença recorrida, encontra-se eivada de manifesto erro ou lapso. A rectificação dos erros materiais por lapso de escrita mostra-se prevista para as sentenças e despachos, nos artigos 613.º e 614.º do CPC, no que respeita à 1.ª instância e no artigo 666.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, no que respeita à 2.ª instância. Para os lapsos constantes dos demais actos processuais, designadamente, resultantes da prática de actos das partes rege o artigo 295.º do CC, daí derivando que «o princípio contido no art. 249º do Cód. Civil - rectificação de lapso manifesto - é aplicável a todos os actos processuais e das partes» (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 03-10-1991 (P.º 0031956; rel. BOAVIDA BARROS). «O erro é uma falsa representação da realidade: é a ignorância que se ignora». «Pratica-se determinado acto, concebendo as coisas por modo diverso daquele que, na realidade, são, mas não fora esse imperfeito conhecimento e o acto não teria sido praticado». «De entre as diversas modalidades de erro apenas interessa para o caso, o chamado erro de escrita em que há, na verdade, uma divergência entre o que se quer e o que se diz» (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 24-05-2005, Pº 480/05, rel. ANTÓNIO PIÇARRA). «Esse erro é corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração: ao ler o texto logo se vê que há erro e logo se entende o que o interessado queria dizer». «Essa modalidade de erro respeita à interpretação e daí que o acto devidamente interpretado em função do seu contexto (elemento sistemático) e circunstâncias (elementos extraliterais) deva permanecer válido com o sentido de que, afinal, é portador». «Em tais casos, o acto vale, com o seu verdadeiro sentido, sendo irrelevante o erro material: Cfr. J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 1977, págs. 82 e 83.» - cit. Acórdão da Relação de Coimbra de 24/5/2005. De qualquer modo tal erro só pode ser rectificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto (cfr., neste sentido, Antunes Varela, Código Civil anotado, I Vol., p. 161; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1973, p. 563; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, p. 35). Por isso se tem entendido que «os lapsos materiais cometidos nos articulados que a lei permite corrigir devem resultar do teor dos próprios articulados, não se podendo alegar a existência de lapso quando se pretende provar o mesmo através de elementos de prova que nem sequer constavam do processo» (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 08-07-2004, Pº 1092/2004-6, rel. PEREIRA RODRIGUES). Este regime deve ser alargado, por analogia, a qualquer lapso manifesto que conste do processo, praticado por uma das partes ou por qualquer interveniente no processo (cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2005, P 3529/04 e do Tribunal da Relação de Évora de 07-01-2013, P.º 573/11.2TTSTB.E1, rel. PAULA DO PAÇO). O erro de escrita, revela-se no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, nos termos previstos pelo artigo 249º do Código Civil, dando direito à rectificação desta. Conforme se expressou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-03-2016 (Pº 1245/14.1TVLSB.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES), “acolhe-se no artigo 249.º do CC um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes, englobando não só aqueles que ocorrem nos negócios jurídicos, como os que ocorrem nas peças processuais”. A propósito da rectificação de erros materiais de escrita ou de cálculo nos actos decisórios do Juiz, Alberto dos Reis acentuou expressamente que “é necessário que do próprio contexto da sentença ou despacho, ou dos termos que o precederam, se depreenda claramente que se escreveu coisa diferente do que se queria escrever (…)”. (cfr. Código de Processo Civil, Volume V, Coimbra 1984, p. 132). Assim, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Pº 9549/15.0T8VNG-C.P1, rel. AUGUSTO DE CARVALHO), “o regime da retificação dos erros materiais incide apenas sobre as faltas de conformidade da sentença, que não respeitem aos seus elementos substanciais, mas meramente complementares, tais como erros de cálculo ou de escrita, lapso, obscuridade ou ambiguidade. Pode proceder-se à correção da sentença, oficiosamente ou a requerimento, desde que a mesma não implique uma modificação essencial, invadindo o conteúdo do julgamento”. O erro material é, pois, tratado como uma sub-espécie de erro-obstáculo, que terá de ser constituído por um lapso ostensivo, não podendo existir fundada dúvida sobre o que se quis declarar (cf. Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica, n.° 134, VI). O “erro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito” (assim, Castro Mendes; Direito Processual Civil, II, p. 313). O erro material é, pois, corrigível por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. No caso, os elementos acima mencionados expressam e contextualizam um manifesto lapso na referência constante da sentença recorrida sobre a data de ocorrência do acidente dos autos, elemento factual sobre o qual – como se viu – concorreram meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento, que não foram discordantes sobre a veracidade da data, aliás, já colhida em face da participação do acidente de viação elaborada. O caráter manifesto do lapso verificado, que não incide sobre o conteúdo do julgamento efetuado, mas sobre o contexto temporal dos factos que o condicionaram, sendo pressuposto daquele é, pois, passível de correção. Assim, em conformidade com o exposto, determina-se a correção oficiosa do manifesto lapso de escrita constante do facto provado n.º 1, por forma a que, onde consta escrito “1. No dia 14 de Fevereiro de 2019 (…)” passe a constar “1. No dia 19 de Fevereiro de 2019 (…)”, efetuando-se o pertinente averbamento de tal correção. * II) Impugnação da matéria de facto: Concluiu a ré, na alegação de recurso, nomeadamente, o seguinte: “I – Da alteração matéria de facto objeto do recurso: 1- Ser eliminada a matéria descrita e dada como provado nos art.ºs 5º, 6º, 7º que deverá ser resumido ao seguinte: 5- Quando o veiculo do autor passava pelo veículo pesado, embateu nos raides de separação da via” 6- “O condutor do veiculo pesado não se apercebeu do embate. 2- Ainda deverá ser aditada à matéria de facto provada os seguintes pontos: 20. O 1º A. após o acidente solicitou a um amigo veículo emprestado. 21. Após um mês do acidente o 1º A. adquiriu um veículo Renault comercial para substituir o veículo sinistrado nas suas deslocações. 22. A reparação do veículo sinistrado demorara 8 dias úteis e o 1º A. não reparou o veículo em causa porque não quis” No que concerne à matéria de facto entende a recorrente que de acordo com a prova produzida em juízo deve a mesma ser alterada no cumprimento do disposto no artº 607 do código de processo civil; 3- Em conclusão: conforme nossa transcrição dos depoimentos da testemunha S… e Sa…, bem como do depoimento do condutor do veiculo seguro na R. TT…, não se fez qualquer prova, para além da versão contada pelo 2º A de que o acidente se ficou a deveer ao facto do veiculo do Autor ter sido abalroado pelo veiculo seguro na R. 4- Pode muito bem ter sido o próprio A. que inexperiente com carta de condução há pouco tempo, tenha perdido o controle do seu veículo ao fazer a ultrapassagem ao veiculo longo segurado na R., ou até por outro motivo qualquer que desconhecemos. 5- Na verdade, e relativamente à forma como ocorreu o acidente só mesmo o autor o descreveu tal como consta da matéria provada, sendo certo que quer a testemunha ocular S…, quer a testemunha Sa… , quer a testemunha T…, alegam não ter ocorrido qualquer abalroamento do veículo seguro na R.. 6- Acresce que, também o condutor do veículo seguro na R. tem uma versão completamente diferente do acidente, esclarecendo e afirmando perentoriamente que não abalroou o veículo dos AA, ao contrário do que descreve a sentença em recurso. 7- Tudo conforme transcrições efectuadas nestas alegações, pela ora recorrente, que aqui se dão como integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais. 8- Ainda, o depoimento do 2º autor, condutor do veiculo, não é credível já que, conforme podemos apurar em confronto com as próprias declarações do 1º A. bem como, da testemunha por si arrolada, ele mentiu quanto ao facto do seu Pai (1ª A.) ter adquirido um veiculo 30 dias após o acidente e ter até aquela data solicitado um veiculo emprestado a um amigo ( também testemunha no processo) para se fazer transportar, pelo que também deve ter mentido quanto aos restantes factos, até por interesse próprio. 9- Alega ainda, o juiz “a quo” que a tese e depoimento do condutor do veículo seguro na R. não é verdadeiro porque este é parte interessada, facto que não corresponde à verdade, sendo certo que as únicas partes interessadas são mesmos os AA. 10- De qualquer modo, existindo versões contraditórias e existindo duvidas quanto há forma concreta como aconteceu o acidente, a douta sentença deverá dar como não provada a matéria alegada pelo autor nos termos do disposto no art.º 342/1 do C Civil e nos termos do disposto no art.º 414 do CP Civil. 11- Com todo o devido respeito que temos pela magistratura e é muita, neste caso o juiz “a quo” desde cedo em audiência de julgamento mostrou alguma simpatia pel aversão dos AA, ignorando toda a prova que não lhes era útil e até mesmo ignorando as contradições dos depoimentos dos AA e aproveitando, no que concerne ás testemunhas arroladas pelos AA, apenas aquilo que dizia respeito à tese do autor. 12-Assim, deverá se alterada a matéria de facto de acordo com o alegado em 1 e aditados os seguintes factos:. 20. O 1º A. após o acidente solicitou a um amigo veículo emprestado. 21. Após um mês do acidente o 1º A. adquiriu um veículo Renault comercial para substituir o veículo sinistrado nas suas deslocações. 22. A reparação do veículo sinistrado demorara 8 dias úteis e o 1º A. não reparou o veículo em causa porque não quis” 14- É relevante para a determinação de eventual indemnização pela paralisação do veículo sinistrado a matéria supra descrita, que embora acessória tem de ser tida em conta quanto ao tema da prova respeitante aos danos patromoniais dos AA (…);”. Com a alegação produzida, a autora/apelante pretende colocar em crise a factualidade apurada pelo Tribunal a quo. No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, pelo que, cumpre apreciar se deve este Tribunal ad quem proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada. Dispõe o artigo 640.º do CPC que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”. No que toca à especificação dos meios probatórios, “quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES). Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões. As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo). O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO). Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES). Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO). A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da “exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso”), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (cfr. Ac. do STJ de 26-05-2015, P.º n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE). Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO). O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS). A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA). Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO). Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA). A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES). Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC). Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto pelos Tribunais da Relação. Para além disso, e especificamente sobre a reapreciação probatória, importa referir que, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS): “O recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.)”. Do mesmo modo, se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2018 (processo 1716/15.2T8BGC.G1, relatora MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO) escrevendo-se o seguinte: “1. O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada. 2. Ao impor tal artigo um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância. 3. Ao cumprimento do ónus da indicação dos concretos meios probatórios não bastará somente identificar os intervenientes, efectuar uma apreciação do que possam ter dito ou impugnar de forma meramente genérica os factos em causa, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as passagens concretas e determinadas dos depoimentos em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam) e procurando-se localizar, ao menos de forma aproximada, o início e termo de tais passagens por referência aos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º4. 4. Se o recorrente não cumpre tais deveres, não é exigível ao Tribunal que aprecia o recurso que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique concretos erros de julgamento da peça recorrida que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”. Revertendo ao caso dos autos, diga-se, liminarmente, que se afigura ter a ré/apelante cumprido os ónus de impugnação de facto acima mencionados, indicando com precisão os pontos de facto que, em seu entender, deveriam ter tido diverso resultado probatório, bem como, o sentido deste e, ainda, os meios de prova que, na sua perspetiva, a tal conduzem. Vejamos, pois, as questões de facto colocadas. * B) Se os pontos 5 e 6 dos factos provados devem ser alterados para a seguinte redação: “5- Quando o veiculo do autor passava pelo veículo pesado, embateu nos raides de separação da via” 6- “O condutor do veiculo pesado não se apercebeu do embate” e o facto provado em 7 deve ser considerado como não provado? Dos pontos 5, 6 e 7 da decisão recorrida consta o seguinte: “5. Quando o veículo do autor passava pelo veículo pesado, sensivelmente a meio deste, este sem dar qualquer sinal prévio de mudança de direção, sem que nada o fizesse prever e sem prestar a mínima atenção aos veículos que nesta circulavam, decidiu invadir a faixa em que circulava o veículo do autor, em vista a ultrapassar o veículo pesado que circulava à sua frente. 6. Em consequência do que abalroou a viatura do autor, encurralando-a e prensando-a contra os rails de separação da via. 7. O condutor do veículo pesado não se apercebeu do abalroamento da viatura do autor contra os rails de separação das vias”. Considera a ré, desde logo, que deve ser alterada a redação dos factos provados números 5 e 6 (passando aí a constar o seguinte: “5- Quando o veiculo do autor passava pelo veículo pesado, embateu nos raides de separação da via”; “6- O condutor do veiculo pesado não se apercebeu do embate”) e que deve ser eliminado do rol dos factos provados, o aí constante n.º 7. A ré alegou, para tanto, o seguinte: “Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida enferma de erro na apreciação da prova e na fixação dos factos provados, pelo que viola o art.607º do Cód. Proc. Civil. Desde logo e tal como será alegado deverá a matéria de facto ser corrigida alterando-se a matéria provada, em concreto no que diz respeito à matéria descrita em 5., 6. e 7. dos factos provados (…). Na verdade, com todo o devido respeito o Juiz de 1ª instância, adequou toda a prova de acordo com aquilo que pretendia que fosse o desfecho da acção judicial, fazendo tábua rasa de toda a prova produzida pela R. ou até das instâncias por este introduzidas aquando da inquirição das testemunhas, adaptando toda a fundamentação da sentença de acordo com o resultado previsto para a mesma e considerando os depoimentos das testemunhas apenas naquilo que era pretendido pelo Autor. Senão vejamos, no que diz respeito à matéria do acidente: A testemunha ocular do acidente, terceira, em relação ao que aqui se discute, SR… declarou: “[depoimento gravado, disponível em aplicação informática, consignando-se o seu início às 11:47:49 horas e o seu termo às 12:05:37 horas] J - Juiz de Direito - Vai-me dizer o seu nome completo se faz favor. T1 – Testemunha- SR…. J - Muito bem. Sra. SO…, tem alguma relação pessoal com alguma destas pessoas que está aqui? T1 - Nenhuma, J - Ok. Pronto, a senhora está aqui como testemunha neste processo, sendo testemunha tem a obrigação de falar a verdade, se faltar à verdade está a cometer um crime e pode ser condenada por causa disso, compreendeu? T1 - Sim, sim. J - Jura dizer toda a verdade e só a verdade? T1 - Sim. J - Então vai sentar-se e responder às perguntas do Sr. Dr.. MA - Mandatário do(s) Autor(es) Com a devida vénia Sr. Dr.. - A senhora tem conhecimento dum acidente de viação que terá ocorrido, que ocorreu no dia 14 de fevereiro de 2019, no ano passado? T1 - 14 não… dia 19. MA - Dia 19 ? … Deixe-me ver se … é isso, tem razão… de facto é 19… J - 2019, não foi? T1 - 2019. J - O ano passado, 2019. T1 - Sim senhor. MA - Sim senhor. J - Como é que se lembra tão bem da data? T1 - Porque eu tive um acidente no mesmo dia ? J - Ah ! Ok, ok. MA - Muito bem. E então era precisamente por causa disso. - A senhora teve um acidente e à sua frente vinha … uma viatura… um «Renault Megane»? T1 - Eu não sei precisar a marca, eu sei que eram dois carros que estavam na minha frente, eu bati num deles, mas não dei precisar marca, sei que era cinzento apenas. MA - E porque é que se deu esse acidente ? T1 - O que eu me lembro é de ter um camião na faixa da direita que acho que deu pisca para tentar ultrapassar, o que eu me lembro é isso, não tenho uma precisão e o carro que estava na frente que é dum rapaz que está lá fora, acho que ele se assustou mas ele bateu sozinho contra um raid. MA - E o camião não bateu contra ele ? T1 - Não. MA - O camião não encostou a ele? T1 - Não. J - Diga-me uma coisa então o camião na faixa da direita deu o pisca para ultrapassar certo? T1 - Exatamente. J - E o que é que aconteceu a seguir? T1 - O que eu me lembro foi que o rapaz assustou-se e quando virou bateu no raid, eu não me lembro e o camião não tocou nele… J - O rapaz, qual rapaz? T1 - Que é o primeiro carro da frente. J - Que vinha no carro imediatamente à sua frente? T1 - Não. A frente tinha três, um carro à frente que é desse rapaz que bateu contra o raid, uma senhora que vinha à minha frente e a outra acho que bati nessa senhora. J - Ah, ok, portanto, portanto, ok, então estavam três carros, o seu, o da testemunha… T1 - Sim. J - … em frente o de uma senhora… T1 - Sim. J - … e um terceiro que era o de um rapaz. T1 - Era um rapaz que estava à frente sim. J - Como é que sabe que o rapaz se assustou ? T1 - Porque… J - Viu-o bater no raid… T1 - … eu vi-o desviar, exatamente, eu não vi ninguém bater nele, eu só vi-o a desviar, a senhora que ia à minha frente travou automaticamente e como estava a chover quando tentei travar eu fui sempre em frente e bati nela. J - Pronto, mas não viu ninguém a bater nele ? T1 - Não. J - Ok. - Sr. Dr. ? MA - Olhe então como é que explica que o carro lateral, a lateral, a parte lateral direita do carro tenha sido amolgada? MR - Mandatária da Ré Sr. Dr., eu peço, ou o Sr. Dr. exibe documentos onde isso esteja ou o Sr. Dr. está a fazer uma afirmação. MA - Não, estou aqui, estou-lhe a perguntar. MR - Não, é uma afirmação que ninguém disse aqui. J - Não ó Sr. Dr., isso eu concordo com a Sra. Dra., isso é uma pergunta hipotética. MA - Não é Sr. Dr., é uma pergunta real, basta ver aqui nos documentos que estão juntos ao… J - Mas para isso tinha que exibir… MR - Exato. J - Confrontar a testemunha com documentos, Sr. Dr.. MA - Pronto, então posso-o confrontar com o documento... com o relatório que foi feito, portanto, aqui da oficina, o relatório de peritagem… MR - Sr. Dr., se calhar, dando uma ajuda pode ser com a primeira imagem do carro. J - Qual imagem? Não estou a ver imagem nenhuma Sra. Dra.. MR - Esta, esta … Não tem? MA - Sr. Dr. temos aqui no relatório de peritagem… tem danos nas duas laterais do carro… J - Qual relatório de peritagem Sr. Dr.? MA - Documento n.º 2 da PI. J - Refere-se a este aqui? MA - Sim, sim. J - Mas não tem aqui nenhuma foto Sr. Dr.. - Portanto, viu alguém a bater na parte direita? MA - Não Sr. Dr.. T1 - Eu não vi. MA - Eu tenho o relatório de peritagem … na frente.. J - Pronto. Temos aqui um relatório de peritagem que diz que estão danos no lado direito, viu alguém a bater? T1 - Não. J - Então reitera que não viu ninguém a bater do lado direito? T1 - Não vi. MA - Olhe, a senhora quando vai na sua faixa de rodagem vai na faixa da esquerda ? Portanto ali … T1 - Sim, naquele momento sim. MA - …tem duas faixas de rodagem ? T1 - Sim, sim. MA - Uma para veículos lentos e uma para veículos, portanto, mais rápidos, não é? T1 - Sim. MA - O camião, quando o camião entra na faixa da esquerda, que a senhora diz que vai a ultrapassar, isto era um camião grande? Um camião pequeno? T1 - Era grande. MA - Era grande. O camião, normalmente, portanto, atendendo, sabe se ia carregado? T1 - Não me lembro. MA - Sabe se ia depressa ? T1 - Também não me lembro, mas eu acho que não. J - Peço desculpa, mas então iam na faixa da direita todos, não é? T1 - Não. J - Então ? T1 - Eu e as duas viaturas que bateram íamos na faixa da esquerda. J - Ah ok ok. MA - E o camião ia na faixa da direita? T1 - Sim MA - E a páginas tantas invade, portanto, … T1 - Sim. MA - … muda para a faixa da esquerda. Quando o camião muda o carro do moço que vinha, portanto, que ia à sua frente já estava a meio? À frente? Atrás do camião? T1 - Não estava nem à frente nem atrás, estava bem. Acho que estava mais ou menos do mesmo lado. MA - Portanto, estava lado a lado do camião? T1 - Mais ou menos. J - Sr. Dr., só uma questão, está pensar pedir declarações de parte? […] J - Portanto, desculpe, então iam todos na faixa da esquerda, certo? T1 - Exatamente. J - Logo, portanto, o camião tentou fazer uma ultrapassagem pela direita ? T1 - Sim. J - Hum hum. Pode continuar Sr. Dr.. MA - Sim senhor. Portanto, o camião tenta fazer a ultrapassagem e agora eu pergunto o carro que ia à sua frente, portanto, em que parte é que já estava da…pronto, vamos supor, o camião imaginemos, portanto, que é aqui o telemóvel … T1 - Sim. MA - … e o carro estava aqui? Estava aqui ? Estava aqui ? T1 - No meio. MA - Estava no meio. Portanto, quando ele faz isso invade e não bate no carro? T1 - Eu não vi… se bateu eu não vi, eu estou dizendo a verdade, se bateu eu não vi… Tanto que eu também fiquei nervosa que eu bati na mesma hora. J - O camião vinha atrás de si ? T1 - À minha frente. J - À sua frente? T1 - Sim. J - Ok. MA - Vinha à sua frente mas do outro lado da estrada? T1 - Do outro lado e tinha o carro do moço e tinha mais um carro que é duma senhora. MA - E aqui temos o rail…aqui da estrada… T1 - Isso mesmo, e aí bate no raid. MA - Quando o camião vem assim não ... o que é que acontece ao carro que vem à sua frente? T1 - Bateu no raid. MA - Bateu no rail. Ou foi arrastado para o rail? T1 - Não sei. MA - Não sabe. T1 - Não me lembro… Eu sei que ele bateu no raid, se foi arrastado ou se bateu sozinho não me lembro, porque foi tudo muito rápido. MA - E isto vinha, portanto, um, portanto, era uma faixa de vários carros que vinham … reparou se vinha algum carro à frente do camião? T1 - Não reparei. MA - O camião vinha em marcha lenta? Ou rápida? T1 - Sim, em marcha lenta. MA - E, portanto, viu algum carro parado à frente, algum obstáculo à frente que o fizesse invadir a faixa de rodagem contrária? T1 - Não, também não. MA - Muito bem. Sr. Dr., eu penso que na contestação da ré, aqui os números 1 a 4 da PI que estão aceites o 13.º, aliás, o 10.º e o 13.º, eu não sei se o Sr. Dr. quer que eu interrogue sobre isso ou não, não é? J - Isso fica para sentença Sr. Dr.. MA - Pronto, então. J - Eu ainda não fiz, como os antigos saneadores eu ainda não fiz… MA - Muito bem. J - … agora fica, a instância é sua, portanto … MA - Muito bem. Portanto, aquilo é uma faixa com boa visibilidade? Ou não? T1 - Sim, mas naquele dia não. MA - Naquele dia não. T1 - Não. J - Porquê ? T1 - Estava muito mau tempo. J - Mau tempo, estava a chover ? Estava nevoeiro ? T1 - Estava a chover, estava nevoeiro, foi numa hora de ponta. MA - Então se estava nevoeiro a senhora tem a certeza se o camião bateu ou não no carro que ia à sua frente? T1 - Não sei. MA - Não sabe. T1 - Não sei, não me lembro. J - Defina uma hora de ponta, qual é que era a hora? T1 - 6:30 mais ou menos. J - 18 :30. T1 - E tinha bastantes carros. J - Tinha muitos carros. T1 - Tinha… O chão estava muito escorregadio… tanto que depois do meu reboque sair houve mais um acidente no mesmo sítio. MA - A senhora viu o camião dar pisca? T1 - Não. MA - Não viu. A senhora, portanto, no andamento normal da situação alguma vez pensou que o camião saísse da faixa de rodagem onde estava para vir ter à sua? T1 - Não, não. MA - A viatura do…que ia à sua frente se quisesse podia ter prosseguido a marcha? T1 - Eu acho que sim. MA - Quando o camião vem para a faixa de… J-Sr. Dr., isso é uma pergunta hipotética, a testemunha tem que depor sobre o que viu, o que deixou de ver, não é? MA - Olhe, pronto, então, daquilo que viu … T1 - Sim. MA - … o camião invadiu quando ele estava, quando a viatura aqui do autor vai passando está sensivelmente a meio, invade a faixa de rodagem em que ele seguia, ele podia ter prosseguido sem bater no camião? Ou sem o camião bater nele? T1 - … MA - Como? Tinha espaço para isso. T1 - Tinha, eu acho que tinha, tanto a moça na minha frente podia não ter travado e podia não se ter dado esse acidente entre eles. MA - À sua frente, oiça, à sua frente vinha uma outra viatura? E à frente dessa viatura… T1 - É que tinha esse moço. MA - … é que vinha o moço. T1 - Portanto, ela ainda deve ter visto melhor do que eu. MA - Pois, agora eu pergunto, a senhora tem a certeza, então porque é que ele parou se podia ter prosseguido? J - Sr. Dr., isso é uma pergunta hipotética! - Pronto, a senhora já disse que tinha dois carros à frente dela, viu o carro viu-o na faixa da esquerda, viu o camião a fazer ultrapassagem que viu o carro a desviar-se e bater no rail … T1 - No rail. J - Sim senhor. Viu alguém a bater no carro? T1 - Não. J - Pronto. Mais alguma coisa Sr. Dr. ? MA - A senhora acabou de dizer que também não tinha a certeza se o carro, portanto, tinha sido embatido ou não pelo camião. T1 - Eu não vi, não vi, não tenho a certeza porque eu não vi. MA - Ah, não viu. J - Não viu, não está a dizer que não bateu. T1 - Não estou dizendo que não bateu, estou dizendo que não vi. MA - E viu, já agora viu o camião depois todo na faixa da esquerda? T1 - Vi, o senhor ainda parou e ficou com a gente até ao fim. MA - Parou a quantos metros de distância? T1 - Não sei, mas ele parou na faixa da esquerda, dentro, perto do raid e ficou com a gente até a Polícia chegar e deu depoimento também, ficou sempre connosco até ao fim, nunca abandonou. MA - Muito bem. Olhe, e a senhora saiu do seu carro, foi ver o carro, o primeiro carro, o carro do moço? T1 - Não, ele é que se chegou a mim, porque de todos o meu carro é que ficou pior, eu fiquei sem ele até hoje. MA - Está bem. Sim senhor, não desejo mais nada. J - Sra. Dra.? MR - Mandatária da Ré Com a devida vénia Sr. Dr.. Já agora, quando ele chegou a si o que é que ele lhe disse, explique-me. T1 - Disse “ah, vocês bateram também por causa de mim”, tipo eu bati e como a moça da minha frente tinha parado eu não consegui parar a tempo mas bati na mesma nela, só que eu estava muito nervosa tinha sido o meu primeiro acidente e eu não me lembro de muita coisa, a moça à minha frente também ficou exaltada começou a brigar comigo e eu fiquei ali. MR - Claro, compreendo, situações complicadas. Diga-me uma coisa, depois do acidente, era um veículo com atrelado certo? T1 - Sim. MR - Era um camião ligeiro? Ou era uma carrinha com atrelado? Tem ideia? Era um camião mesmo? T1 - Eu acho que era um camião. MR - Daqueles pequeninos, é isso? Com atrelado? T1 - Com atrelado. MR - Já disse que ele vinha devagar. T1 - Vinha. MR - Ele estava na direita, da direita quis fazer uma ultrapassagem e foi para a esquerda, certo? Depois do acidente ele estava todo na esquerda? T1 - Estava. MR - O carro deste moço ficou à frente ou atrás do camião? T1 - Eu acho que ficou à frente. MR - À frente do camião. Portanto, depois do acidente o camião ficou na esquerda e o carro ficou à frente… depois ficou o senhor e depois ficou a senhora, ok. Não quero mais nada Sr. Dr.. J - Mais nada? Terminou o seu depoimento, pode sair. MR - Desculpe Sr. Dr.. E, portanto, o camião todo na faixa da esquerda, não estava parcialmente, … T1 - Sim. MR - … estava todo na faixa da esquerda? O camião com o atrelado, já me disse… T1 - Não, ele ficou sempre na faixa da direita. MR - Ai o camião nunca veio para a esquerda? Ahh! Então… vamos lá ver, o camião estava na direita… T1 - Tentou fazer ultrapassagem mas depois o acidente continuou na direita. MR - Ah, então a minha pergunta será diferente, ele chegou a ir para a faixa esquerda ou nunca chegou a ir para a faixa esquerda, o camião? T1 - Não me lembro. MR - Não sabe dizer. T1 - Não. MR - Também não quero que diga aquilo que não sabe. T1 - Não sei. MR - Gente que vem dizer o que não sabe… T1 - Mas ele depois parou e ficou sempre com a gente. MR - E ficou … T1 - Tanto que o camião dele não tinha nada. MR - E o camião não tinha nada, portanto, ele quando depois do acidente o camião ficou na faixa da direita… T1 - Sim. MR - … o carro ficou mais à frente do camião, é isso… T1 - Um bocadinho. MR - … que queria dizer… T1 - Sim. MR - … na faixa esquerda e vocês todos de seguida... T1 - Sim. MR - Só mais uma pequena questão, o carro já sabemos e já disse que bateu contra os raids… ele rodopiou? T1 - Não. MR - Não ou não se lembra? T1 - Tenho quase a certeza que não, ele bateu e ficou ali. MR - Pronto, ok. A senhora que ia à sua frente bateu nele? Ou não? T1 - Eu bati sim. MR - A senhora bateu na senhora, mas a senhora que ia à sua frente bateu nele? T1 - Não. MR - Ai não chegou a bater nele ? Ela travou ainda? T1 - Ela travou e ficou parada e eu bati nela. MR - Ah, está bem. T1 - Ela não bateu de frente com ninguém, eu é que bati na traseira dela. MR - Ah, está bem. Ela podia ter batido no rapaz, por isso é que eu estou perguntando… T1 - Não, mas não bateu, ainda tinha uma certa distância. MR - Hã? T1 - Ainda estava com uma certa distância. MR - Ainda estava com uma certa distância. Está bem. Não quero mais nada Sr. Dr.. J - Muito obrigado pelo seu depoimento. T1 - Obrigado.” Ora, daqui resulta que a testemunha S…, condutora que segue atrás do veículo do Autor e consequentemente aquele que estava em melhor posição para ver o acidente, foi bem clara ao referir que o Autor se despistou sem que o camião lhe tivesse tocado. Em nenhum momento essa testemunha refere que o veiculo seguro na R. “abalroou “o veiculo do autor tal como resulta da matéria assente. Aliás, a testemunha inicialmente diz que não bateu, depois de grande insistência do Juiz vem dizer que não viu “o que era a resposta que aquele pretendia ouvir. A recorrente respeita muitíssimo os Juízes que na sua generalidade atuam de forma imparcial, competente, fazendo justiça, mas neste caso, claramente, isto não aconteceu, pelo menos, aos olhos da recorrente. Isto é tanto assim que o Juiz chega a colocar nos factos não provados matéria confessada (veja-se o descrito na sentença a fls. 9), “- (ponto 20) pese embora a ré o tenha admitido por acordo (art 574º, n.º 2 do Cód de Proc Civil), o Tribunal considerou-o como não provado em virtude de os demais elementos dos autos apontarem no sentido contrário; em concreto, o auto de notícia de fls 11/12, bem como os depoimentos das testemunhas SO…, SS… e TT… e as declarações de parte do autor JM…, os quais foram unânimes em dizer que estava a chover nesse dia; aliás, na medida em que as declarações de parte servem para factos de que a parte tenha conhecimento directo (art 466º do Cód de Proc Civil), na medida em que o autor contradiz frontalmente o que afirma no articulado, incumbindo sobre si o ónus da prova (art 342º do Cód Civil) o mesmo tem necessariamente que ser dado como não-provado.”>>>; valorizando nesta matéria o depoimento da testemunha S… e Sa… que, no que diz respeito à forma como ocorreu o acidente já não quis valorizar, ficando-se, apenas, pela testemunha do Autor condutor do veículo AX. Ainda, relativamente à matéria posta aqui em causa prestou depoimento a testemunha do Autor e da Ré, SS…, que a propósito da matéria do acidente declarou: “[depoimento gravado, disponível em aplicação informática, consignando-se o seu início às 12:06:31 horas e o seu termo às 12:11:33 horas]… T2 - Sim, sim.… T2 - Eu tive um acidente atrás por isso é que me… MA - … no relatório vi aqui, aqui que, portanto, as senhoras vinham atrás e que … T2 - Eu tive um acidente mais atrás, não foi perto do outro acidente, foi uns metros atrás, por causa do acidente da frente, uns abrandaram com o acidente da frente, eu também abrandei só que a outra moça não conseguiu abrandar o carro, eu travei logo bateram na minha traseira. MA - A senhora não sabe, não viu nenhum camião invadir a faixa… T2 - Não, só vi o camião parado já metros à frente quando bateram em mim, foi isso que eu vi. MA - Pronto, então olhe … não desejo mais nada. J - Sra. Dra. ? MR - Mandatária da Ré Só um pequeno esclarecimento. Quando viu o camião estava parado, quando se apercebeu do camião? T2 - Estava muitos metros à frente. MR - À frente? T2 - À frente parado. MR - Só quero fazer uma pergunta, se estava na faixa direita ou na faixa esquerda? T2 - Ele estava na faixa da direita muitos metros à frente do outro carro que estava encostado à faixa. MR - Portanto, ele estava na faixa direita e agora estava a dizer muitos metros à frente… T2 - Muito à frente do acidente que houve. MR - … do outro carro que tinha batido nos rails? T2 - Sim. Estava encostado mais aos rails. MR - Estava encostado sim, não foi bater… T2 - Não fui bater, estava mais encostado. MR - Pronto. Mas ele estava quantos metros mais à frente desse carro? Esta sala? Duas vezes esta sala? Mais ou menos. T2 - Mais ou menos duas vezes essa sala. MR - Mais ou menos duas vezes essa sala. T2 - Ele estava parado, agora o que é que se passou aí eu não sei. MR - Pronto, mas dava… portanto, o camião estava do lado direito uns metros mais à frente e ele do lado esquerdo, não quero mais nada, Sra. Dra.. J - Muito obrigado, pode sair.” Ainda relativamente a esta matéria do acidente depõe o condutor do veículo seguro na R. terceiro no que diz respeito ao interesse que se discute nos presentes autos e que a propósito da matéria supra referida do acidente declarou: “[depoimento gravado, disponível em aplicação informática, consignando-se o seu início às 12:50:39 horas e o seu termo às 13:09:57 horas] J - Juiz de Direito - Vai-me dizer o seu nome completo por favor? T5 - Testemunha – TL…. J - Muito bem Sr. T…, o senhor é testemunha neste processo, sendo testemunha tem obrigação de falar a verdade, se faltar à verdade está a cometer um crime e pode ser condenado por causa disso, compreendeu? T5 - Sim, sim. J - Jura dizer toda a verdade e só a verdade? T5 - Sim, sim. J - Então vai-se sentar e responder às perguntas da Sra. Dra., se faz favor. MR - Mandatária da Ré -Com a devida vénia Sr. Dr.. O senhor foi interveniente num acidente na via rápida, foi não foi? T5 - Sim, sim. MR - Foi? T5 - Sim. MR - Está aqui condutor… O senhor é capaz de contar ao Tribunal o que é que se passou? O que é que conduzia? Como é que estava o dia? T5 - Eu conduzia um semirreboque, pronto, é melhor chamarmos uma trela. J - Era o condutor do camião? T5 - Sim, sim. J - Ah, ok. T5 - Um carro pesado, eu vinha na linha e vinha no sentido Ponta Delgada / Ribeira Grande por volta das sete e qualquer coisa, penso eu que foi sete e tal, estava a chover. Portanto, ia um carro, nós estamos a descarregar cereais aqui da doca… MR - Sim. T5 - … para levar para a Lagoa… MR - Sim. T5 - … portanto, vai vários carros nossos, que é na empresa (…), portanto, e ia um carro na minha frente, dos nossos, pronto ele ia devagar, portanto, e eu botei o pisca e mudei-me para a faixa da esquerda, … MR - Sim. T5 - … e continuei na minha marcha, eu já estava lado a lado com esse carro pesado, quando eu senti bater, quando eu senti um carro a derrapar e bater na separação da faixa. Portanto, eu não lhe toquei nem ele me tocou. J - Então explique-me, desculpe lá, então o senhor ia na faixa da esquerda ou na direita? T5 - Eu? J - Sim. T5 - Eu, ia um carro na minha frente, dei pisca para a esquerda… J - O senhor ia na faixa da direita e meteu-se na faixa da esquerda? T5 - … para ultrapassar um carro dos nossos, que o que ia na nossa frente ia muito devagar. J - Meteu-se na esquerda… T5 - Dei pisca para a esquerda, estava a chover, dei pisca para a esquerda, como ele ia devagar dei pisca para a esquerda ia-o ultrapassar, estava eu a ultrapassar quando eu senti o carro de trás de mim … MR - Sim. T5 - … começou a derrapar e bateu na separação dos… da faixa, mas ele não me tocou nem eu toquei nele. MR - Ok. Portanto, o carro que estava à sua direita era o quê? T5 - Um carro pesado dos nossos. MR - Ah! Era um camião? T5 - Era um camião. MR - Ah! Então há aqui dois… O senhor, o seu era camião? Não? T5 - Era. MR - Também era? T5 - Uma trela, nós chamamos uma trela. MR - Uma trela, pois é mas eu peço desculpa, como eu não estou muito, digamos, por dentro da … O seu é uma trela… T5 - E o outro também era, o que eu ultrapassei. MR - Ah, ok, eram os dois uma rela. O senhor tinha um reboque? T5 - E o outro também era. MR - E o outro também tinha, só que estava na faixa da direita. J - E diga-me uma coisa, sabe a matrícula? T5 - O meu ? J - Sim. T5 - Do camião? J - Sim. T5 - …-IF-…. J - Ok. MR - Está certo ou não? J - Sim, sim, sim. MR - Portanto, ele nunca lhe tocou? T5 - Nem eu a ele, nem ele a mim. MR - Nem ele a si, nem o senhor a ele. E depois o senhor… T5 - Eu não me apercebi. MR - O senhor não se apercebeu. T5 - Não. MR - Ele diz… no pressuposto que o carro apresenta danos no lado direito, como é que justifica isso, não viu se ele rodopiou? T5 - Não, não. MR - O que é que viu? T5 - Senhora, eu só o viu quando eu reparei pelo espelho e vi aquele carro, portanto, eu vi ele bater na separação da via rápida. MR - O seu reboque é metal, pergunto eu? O reboque que trazia… T5 - É de ferro. MR - É de ferro? T5 - Sim, sim. Não, mas se ele me batesse era nas rodas, eu no metal não tinha lá nada marcado. MR - Portanto, seria nas rodas… T5 - Sim, nas rodas do reboque. MR - Vamos lá ver ó Sr. T… … T5 - Diga. MR - …não, pergunto eu, o senhor quando fez a manobra de ir para a esquerda… T5 - Sim. MR - …viu se vinha carros? T5 - Vinham, mas vinham muito lá atrás. MR - Sim. T5 - Portanto, dava muito bem tempo, até no dia em que houve esse acidente eu disse ao rapaz a causa disso foi “se tu viesses mais devagar nada disso se dava”. MR - O senhor disse-lhe isso? T5 - Disse. MR - E ele? T5 - Ficou… MR - Estava assustado? T5 - Estava assustado. MR - Estava assustado? T5 - Eu? MR - Ele, ele, ele. T5 - Claro que sim, não é? Porque aquilo foi um acidente, ele bateu nos raids, não é? Eu estava tranquilo, senhora, estava tranquilo. MR - O senhor depois sentiu bater, e parou, o senhor e o seu colega? T5 - Parei, parei mais à frente. MR - Parou mais à frente. T5 - Aquilo é um veículo pesado, não para logo, não é? MR - Claro. T5 - Aquilo leva o seu tempo a parar. MR - E o seu colega também parou? T5 - Não, continuou sempre. MR - E o senhor parou do lado direito ou do lado esquerdo da faixa? T5 - Eu parei no lado direito. MR - Foi para a direita. T5 - Sim, para não congestionar o trânsito, que estava a chover, podia causar mais acidentes. J - Diga-me uma coisa, o atrelado que embateu na outra viatura, o seu atrelado bateu na outra viatura? T5 - Como? Não percebi. J - O seu atrelado embateu na outra viatura? T5 - Não, não, eu não lhe toquei. J - Como é que sabe? T5 - Porque eu sentia, senhor, eu senti foi ele bater nos raids, isso eu senti, e o colega meu que ia ao meu lado também sentiu… porque eu ia lado a lado com o nosso, com o reboque igual ao meu. MR - Ou seja, pelo que eu estou percebendo, o senhor estava aqui do lado esquerdo… T5 - Na linha da direita, primeiro… MR - Não, o senhor primeiro estava aqui. T5 - Atrás do nosso, da nossa trela. MR - Da trela do seu colega. T5 - Igual à minha. MR - Igual à sua. T5 - Isso mesmo assim. MR - Assim. T5 - Sim. MR - E depois o senhor fez pisca? T5 - Sim. MR - Faz pisca e vem para aqui. T5 - Certo. MR - E depois? T5 - Quando eu já estava aqui na frente… MR - Portanto, avança… T5 - Mais para a frente, quando eu senti a pancada atrás, nos rails, na separação da via. MR - Portanto, o senhor tem a certeza que estava ao lado deste veículo? T5 - Sim, o meu colega pode confirmar. MR - Como é que se chama o seu colega? T5 – O…, trabalha na mesma empresa, o nome completo não sei. MR - O senhor não indicou o seu colega como testemunha, ele depois foi-se embora na altura? T5 - Foi. MR - A gente não sabe essas coisas e depois não pode chamar as pessoas para depor, não é? Às vezes é importante. Portanto, o senhor estava aqui quando sentiu? T5 - Sim, sim. MR - E agora pergunto… o senhor não poderá, portanto, eu já percebi, qual é o comprimento do seu veículo? Desde o início até ao fim, quer dizer, o comprimento do veículo mais a trela? T5 - Sei lá, 10. MR - 10 metros? T5 - Aí 9. MR - 10 metros. Porque é que o senhor disse aqui ao Tribunal que ele a ter batido em si… T5 - Batido em mim? MR - O senhor disse assim ele a ter batido em mim, se tivesse batido teria sido no ferro ou nas rodas. T5 - Sim. MR - Porquê? T5 - Na parte lá atrás. MR - Porquê? Em que parte? Está aqui o seu carro. T5 - Porque ele me disse que eu espremi-o contra os raids. MR - Ele disse-lhe isso? T5 - Sim, mas se eu fizesse isso ele ficava todo espremido. MR - Hum hum. T5 - Como podia fazer isso? Não! MR - Não, eu … T5 - Não tem espaço, senhora, não tem espaço. MR - Oiça, eu não estava lá, eu não vi, estou tentando perceber. T5 - Aquilo ocupa a via toda. MR - Sim. T5 - Aquilo ocupa a via toda. MR - Sim, imagino que sim. T5 - Como é que eu o ia espremer contra os raids?? MR - Não era possível? T5 - Não,… só se fosse na altura que eu estivesse ultrapassando, se fosse assim, só se fosse quando eu saísse detrás do outro. MR - E isso era possível acontecer e as coisas… T5 - Mas como foi não pode ser. MR - Ah! Como foi não pode ser? T5 - Não, porque ele travou, quando ele me avistou ele travou e bateu contra os raids. MR - E agora… T5 - Ele não me toca. MR - Ele fica relativamente a si depois dele bater nos raids ele fica a que distância do senhor? T5 - A que distância? MR - Sim. T5 - Senhora, eu nem me apercebi, eu nem me apercebi do acidente, porque aquilo é um carro grande estava a chover, quando eu vi, quando eu senti a pancada é que, como eu já lhe disse, a gente vai parando, senhora, aquilo não é como um carro, a senhora trava e aquilo para, aquilo não, aquilo leva um bocadinho a parar, aquilo eu ia carregado… eu ia carregado de cereais para a Lagoa. MR - Ele na altura não lhe referiu que se assustou com a sua manobra? T5 - Eu? MR - Ele. T5 - Se assustou? MR - Sim, ele, não sabe? T5 - Ó senhora, eu não sei, eu não estava com ele… Agora eu na conversa disse-lhe “se tu viesses mais devagar nada disso se dava”, isso eu disse. MR - Mas o senhor apercebeu-se da velocidade que ele vinha? Ou não? T5 - Pá…senhora, está a chover! J - Não é pá, é Sra. Dra.! T5 - Está a chover! J - Olhe não é «pá» é Sra. Dra. faz favor. T5 - Pronto, peço desculpa. MR - Estava a chover o que é que o senhor quer dizer com isso? Quer dizer que… T5 - Sra. Dra., ele tem menos visibilidade. MR - Naquela altura as condições do piso, chovia muito? T5 - Sra. Dra., não torrencialmente, não é? Mas estava a chover. MR - E estava nevoeiro? T5 - Não senhora. MR - Não estava nevoeiro? T5 - Não senhora. Só Sra. Dra., aqueles carros, portanto, quando a gente vai andando na via rápida aqueles carros têm a tendência, pesados, de levantar muita água atrás… MR - Sim, sim. T5 - … portanto, até pode ter sido ele não se ter apercebido daquele veículo, não sei, porque quando nós vamos na via rápida, quando está a chover aquilo levanta muita água, ... MR - Mas 11 metros… T5 - A Sra. Dra. já teve a experiência de passar por um veículo pesado? Aquilo sai muita água… MR - Isso é verdade. T5 - Aquilo é muita roda a andar. MR - Eu estava a tentar perceber como é que isto tinha acontecido. T5 - Sra. Dra., eu não tenho necessidade de estar a inventar porque isso é uma coisa que não, portanto, fui eu que causei… fui eu que causei entre aspas, não é? Portanto, eu estou sendo testemunha, mas eu não tinha necessidade de estar aqui a mentir. MR - Portanto, o senhor garante ao Tribunal que vocês não se tocaram? T5 - Senhora, eu garanto que ele não me tocou nem eu toquei nele. MR - Foi só contra os rails. T5 - Sim, ele bateu contra os raids, eu senti, e o colega meu que ia ao meu lado sentiu a pancada contra os raids. MR - Pergunto-lhe só uma última pergunta… ele, portanto, o senhor estava à frente dele, não é? T5 - Sim. MR - Tem a certeza que ele não bateu nesta parte de trás do seu veículo? T5 - Sim, sim. MR - Não bateu ? Ficaria marcado se batesse? T5 - Ó senhora, ficaria marcado no veículo. MR - E não ficou nada? T5 - Nada, senhora. MR - Essa parte de trás é o quê? Ferro? T5 - É ferro. MR - É ferro. T5 - Ficaria marcado de tinta, ou mesmo no pneu, no pneu do reboque,… MR - Sim. T5 - … Sra. Dra., ficaria marcado no pneu. MR - O pneu do reboque está onde? Atrás? T5 - É mesmo atrás. MR - Ah! Por isso é que há bocadinho estava-me a fazer confusão. T5 - É atrás. MR - Portanto, o pneu é atrás. T5 - É atrás. Portanto, tem o pneu Sra. Dra. e tem logo uma chapa de ferro assim mesmo, o pneu por exemplo está aqui assim Sra. Dra., … MR - Portanto, o senhor faça aqui para eu perceber o desenho. Portanto, isto é o seu reboque esta coisa vermelha… T5 - Pronto, isto, o pneu está aqui atrás… MR - Sim. T5 - … e a chapa é 50 centímetros ou 40 centímetros do pneu, do pneu, isto leva dois pneus aqui assim, dois, dois… MR - Ah ok. T5 - … um pneu aqui, outro pneu aqui e tem mais ou menos… MR - 50 centímetros e uma chapa … T5 - Mais ou menos 40 centímetros, nem é isso, é um bocadinho assim… MR - É assim, ah, um bocadinho assim, entre o pneu… T5 - Que acaba o atrelado. MR - O atrelado, que acaba, está mesmo no fim. T5 - Tem o pneu… MR - E diga-me uma coisa, e esse pneu é mais saído fora relativamente ao ferro? T5 - Não, não, não, segue direito com essa parte. MR - Com o ferro. T5 - Com esse ferro. MR - Com esta parte atrás? T5 - Sim, sim. MR - E com a parte de lá? T5 - Se ele tivesse tocado Sra. Dra., ou tocava no pneu ou tocava no ferro. MR - E não tinha lá marca nenhuma? T5 - Não tinha, não tinha. MR - Sim senhor. Não quero mais nada, Sr. Dr.. J - Sr. Dr.? MA - Mandatário do(s) Autor(es) Aí a via rápida tem duas faixas de rodagem? T5 - Sim, e é uma reta. MA - Diga? T5 - E é uma reta MA - Exatamente. T5 - No sítio que foi… MA - É uma reta. Visibilidade? T5 - Sim. MA - Naquele dia não tanto porque estava a chover. T5 - E de noite. MA - E de noite, sim senhor. Havia muitos carros a circular? T5 - Portanto, Sr. Dr., na minha frente como já lhe disse ia o que nós chamamos uma trela e atrás de mim devia ir, que não me lembro, também. MA - Sim senhor. E na outra faixa de rodagem ? T5 - Não, não tinha. MA - Não tinha ninguém? T5 - Não, não. MA - O senhor a que velocidade é que ia? T5 - Ó Sr. Dr., aquilo não anda muito, 50. MA - (…) T5 - E então carregado!! MA - Carregado… T5 - Ainda é pior, aquilo leva tanto tempo a atingir velocidade, 50, 60. MA - O senhor olhou pelo retrovisor? T5 - Sim. MA - Viu que podia fazer essa manobra em segurança? T5 - Sim. MA - O retrovisor fica a que altura do chão? T5 - Sei lá, metro e tal, dois metros. MA - Metro e tal. Qual é a altura de um carro? T5 - De um carro? MA - Sim T5 - 1,60 metro, 1,70 metro. MA - O espelho fica, no carro ligeiro fica sensivelmente acima do … T5 - Sim, mas Sr. Dr. ao meu lado é mais difícil de ver, mas se for mais atrás eu vejo tudo porque nós temos dois retrovisores, temos um grande e outro pequenino, o pequenino vê mesmo em baixo. MA - Sim, o que significa que se o carro estiver próximo de si, o senhor tem um ângulo morto que não consegue ver. T5 - Não, consigo ver do espelho, consigo ver ao meu lado. Mas nesse caso nós temos um espelho desse tamanho e abaixo temos outro assim que é para ver mesmo em baixo, e outro na porta, e outro na porta. MA - Então e não viu nenhum carro? T5 - Não vi. MA - Não viu nenhum carro. T5 - Se eu visse Sr. Dr. eu não fazia... MA - Quer dizer, aquilo é uma trela grande, não é? T5 - Sim Sr. Dr., sim. MA - Não é como conduzir um carro. T5 - Sim. MA - Não é o mesmo. T5 - E neste temos que ter outros cuidados. MA - E o carro, portanto, o carro mais baixo que vá na sua faixa quando inicia a manobra, a parte da frente pode estar toda já dentro da faixa mas a parte de trás ainda não está! T5 - Certo Dr., está certo. MA - A gente pode não ver… T5 - Mas se fosse essa lógica Sr. Dr. eu espremia e ficava espremido contra os raids. MA - Mas não foi isso que ele disse? T5 - Ele pode dizer isso. MA - Eu estou-lhe a dizer, no dia não foi isso que ele disse? T5 - Eu não me lembro o que ele disse já, eu só me lembro foi de dizer assim “se tu viesses mais devagar nada disso se dava”, isso eu disse-lhe. MA - Mas o senhor não sabe a velocidade a que vinha. A faixa da direita, da esquerda é precisamente para isso para se circular a uma velocidade mais rápida. T5 - Sim, uma zona de ultrapassagem. MA - Um veículo lento como o seu a entrar exige cuidados redobrados? T5 - Sim. MA - Até porque aquilo é uma via rápida àquela hora como o senhor diz havia muito trânsito… qualquer hora aquela via… T5 - Sim, sim. MA - …circula, portanto, é preciso ter… T5 - Por volta das 7:00, 7:00 e pouco, eu acho que era, eu acho que era. MA - Mas o senhor diz também aqui, quer dizer que não se apercebeu de … portanto, nenhuma marca dos pneus? T5 - Não tinha, não tinha. MA - Os pneus é borracha. T5 - Mas fica marcado de tinta. MA - Hã ?? T5 - Mas fica marcado de tinta do carro. MA - Pois… T5 - Se eu, Sr. Dr., peço desculpa, desde o momento se eu batesse como ele disse, se eu apertasse-o contra os raids, eu estava fazer força no carro, eu estava fazendo força no carro, ou ficava marcado no pneu ou ficava marcado na parte detrás do ferro. MA - O camião carregado… T5 - Que eu estou-o a apertar. MA - Sim. T5 - Ó Sr. Dr., … MA - Portanto, pode até nem apertar nada tendo em conta… Quantas toneladas é que levava? T5 - Levava 20. MA - 20 toneladas. Quanto é que pesa o carro? T5 - Não, não Sr. Dr., isso está certo Sr. Dr., mas desde o momento que ele disse que eu o apertei contra os raids, portanto, se eu o apertei fiz força, desde o momento que eu fiz força ficava marcado ou no pneu, não é um toque leve, que eu apertava-o, não é? Portanto, desde o momento que eu apertei, que ele disse que o apertei, portanto, ficava marcado no pneu, só podia ser ou no pneu ou esse bocadinho de ferro que fica atrás do pneu isso, portanto, ou ficava marcado num lado ou ficava no outro. Então porque é que acha que esse… MA - Então porque é que ele acha que ele se… T5 - Não sei, não sei Sr. Dr., nós podemos dizer tanta coisa. Portanto, eu estou-lhe a dizer o que é que aconteceu, agora a partir daí não sei mais, agora só sei que eu lhe disse, por acaso disse, “se viesses mais devagar nada disso se dava”. MA - O senhor pode dizer é que não se apercebeu do acidente, é isso? T5 - Não, não, eu apercebi-me que não o toquei, ainda fui verificar duas vezes se estava marcado no pneu. MA - Está bem, e não viu os danos no carro dele? T5 - Vi, vi no lado esquerdo. MA - Sim. E no lado direito não viu nada? T5 - Não vi não, não, vi no lado esquerdo. MA - Tem aqui uma perícia que não diz isso, mas pronto. T5 - Como ? MA - Temos aqui uma perícia que não diz isso. T5 - Não diz isso? MA - Diz que houve danos dos dois lados. T5 - Não vi, no dia não vi. MA - Sim senhor. T5 - Eu não vi. J - Mas viu a viatura naquele dia ? Parou e foi ver a viatura? T5 - Estive lá a falar com o rapaz. J - E não tinha danos do lado direito ? T5 - Não vi, não vi. Não vi danos. J - Não viu mas também não pode dizer que não estava… T5 - Sim, até reparei para o lado direito, não vi danos do lado direito. J - Não viu danos do lado direito. T5 - Não vi. J - Ok, portanto, não existiam previamente ao acidente? T5 - Portanto, eu não vi. J - Hum ? T5 - Não vi danos do lado direito, eu não vi, não vi. MA - Mais nada. J - Muito obrigado pelo seu depoimento. T5 - Ok obrigado.” Estas foram as únicas 3 testemunhas que assistiram ao acidente, sendo certo que os restantes afirmaram que existiam danos no veículo ligeiro do lado direito e do lado esquerdo do veículo automóvel, mas tal facto não faz concluir que o veículo seguro na R. terá albaroado ou embatido no veículo ligeiro ao efectuar a manobra de ultrapassagem, mas apenas que embateram, até porquanto o condutor do veiculo do autor confessa ter perdido o controlo do veiculo e ter embatido nos raisdes de protecção. Ora, toda a factualidade acima descrita (pontos 5, 6 e 7) e tido por assente não se pode considerar provada, desde logo porque os depoimento[s] supra descritos a contrariam, bem como, pelo facto, de o único depoimento que vai de encontro à matéria assente na sentença ser mesmo o depoimento do Autor, que como seria de esperar “vendeu ao Juiz” a tese que lhe seria conveniente. Aliás, é de estranhar na fundamentação apesar da falta de credibilidade do depoimento do Autor/condutor (que não disse a verdade a propósito da matéria que dizia respeito ao facto do seu pai (proprietário do veículo) ter adquirido novo veículo em substituição do veículo sinistrado como adiante veremos, o Juiz ter feito tábua rasa de todos os depoimentos e declarações que não tinham interesse para aquilo que ele entendia deveria ser a decisão. A justiça deve ser imparcial e olhar para os depoimentos das testemunhas sem preconceitos e considerando os interesses de cada um. Não há nada que possa indiciar que o depoimento do condutor do veículo do autor o 1º A., seja verdadeiro e até porque não há nada de objectivo no mesmo, bem como não há nada nos autos que nos levar a concluir que o depoimento das restantes testemunhas oculares (que nota-se não têm interesse no processo) não seja verdadeiro. Pelo supra exposto teremos de concluir pela não prova dos factos supra descritos. Na verdade, nos termos do disposto no Art.º 342/1 do C. Civil e 414 do CPC a parte a quem compete o ónus tem o encargo de fornecer a prova de facto e se existirem dúvidas e pelo menos isso existem, dúvidas estas, têm de ser resolvidas contra o Autor. Cabe no âmbito deste recurso apreciar se a prova produzida por uma das partes neste caso o Autor foi ou não suficiente para criar dúvida no espírito do julgador, nos termos da chamada contraprova (art.º 346º C. Civil). Assim pelo supra exposto, deve o presente recurso da Relação dar como não provados os factos supra referidos, pontos 5 6 e 7. da matéria assente e alterar esse pontos nos quais deverá passar a constar, atendendo à prova testemunhal, deverá ser eliminada a matéria descrita e dada como provado nos art.ºs 5º, 6º, 7º que deverá ser resumido ao seguinte: 5- Quando o veiculo do autor passava pelo veículo pesado, embateu nos raides de separação da via” 6- “O condutor do veiculo pesado não se apercebeu do embate.…...”. A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar que, funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”, o que significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (assim, Abrantes Geraldes; Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 22). Nessa apreciação, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Decorre deste regime legal que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais (assim, Abrantes Geraldes; Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, 3.ª Ed., 2000, p. 272). Cumpre ainda considerar, a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos testemunhais, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto nos artigos 396.º do CC e 607.º, n.º 5, do CPC. E, “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol IV, p. 569). Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto, quer sobre os factos provados, quer sobre os factos não provados (cfr. artigo 607.º, n.º 4, do CPC). Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão, pois, é através da fundamentação de facto que o tribunal de recurso vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância. Contudo, nesta valoração, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que são intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, actos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2009, P.º 4303/05.0TBTVD.S1, rel. SANTOS BERNARDINO). Por outro lado, porque se mantêm vigentes no Tribunal da Relação os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deverá restringir-se aos casos em que, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, determine decisão diversa da do tribunal recorrido e patenteiem um erro de julgamento ou de apreciação do julgador, que deva ser corrigido. Assim, “a apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão. No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do artigo 662º do CPC], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. O Tribunal da Relação, tal como decorre do preceituado nos artigos 5º, nº 2, alínea a), 640º, nº 2, alínea b) e 662º, nº1, todos do Código de Processo Civil, tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa e não está adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes nem aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância, apenas relevando o fator da imediação prevalecente em 1ª Instância quando o mesmo se traduza em razões objetivas. Em sede de reapreciação da decisão de facto é conferido ao Tribunal da Relação o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo bem como do uso a presunções judiciais, nos termos permitidos pelos artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-10-2018, Pº 588/12.3TBPVL.G2.S1, rel. ROSA TCHING). Em síntese - e com inteiro acerto - referiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-05-2018 (Pº 258/14.8TBELV.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO) que: “I - A reapreciação do julgamento de facto pela Relação destina-se primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento que se evidenciem a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, por forma a imporem decisão diversa. Significa esta formulação legal que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha. II - Por isso se exige ao Recorrente que motive as alegações de recurso, dizendo as razões que determinam, em seu entender, diverso juízo probatório, para que a Relação possa aquilatar se os meios de prova por aquele indicados impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados. III - A convicção do Tribunal, quer de primeira instância, quer da Relação, assenta na apreciação conjugada de todos os meios de prova, sendo evidentemente apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas, quando não estamos em presença de prova vinculada (…)”. Vejamos: Liminarmente cumpre referir que, ouvidos todos os depoimentos prestados nas três sessões de audiência de discussão e julgamento, não se divisa na intervenção do julgador alguma “adequação da prova” “aquilo que pretendia que fosse o desfecho da acção judicial”. Pelo contrário. Da gravação da audiência de julgamento, intui-se uma correta e adequada intervenção do juiz que presidiu a tal acto, em plena harmonia com as finalidades e com os comandos expressos no artigo 602.º do CPC. Não foi registado qualquer incidente ou questão, quer no decurso do processo, quer nos actos de gestão da audiência, de onde se pudesse intuir, de algum modo, a conclusão alcançada – ainda que, diga-se, sem qualquer concretização – pela recorrente, no sentido de que o julgamento se pautou por outros critérios que não os legais atinentes à apreciação e valoração da prova, nem que tenha havido qualquer “parcialidade” no julgamento da causa. Igualmente, não se afere dos termos do processo, global e detalhadamente apreciados, em todos os seus contornos, que tenha ocorrido alguma “adaptação da fundamentação da sentença” – no sentido de “deturpação” do juízo decisório ao resultado da decisão – a qual, apesar de tudo, não é alvo de outra concretização pela recorrente. Para além destas considerações de ordem genérica, certo é que, considerando as alegações da recorrente, apreciadas as contra-alegações dos recorridos, lidos os elementos documentais e ouvidos os depoimentos prestados em audiência, não se afigura que tenha existido erro de julgamento na apreciação dos factos atinentes ao modo como ocorreu o acidente dos autos. Concretizando: A ré, quase reproduzindo integralmente o depoimento da testemunha SR…, conclui que a mesma, seguindo no seu veículo atrás do veículo conduzido por JM…, “estava em melhor posição para ver o acidente…”. Ora, considerando que a referida SR… conduzia, na ocasião, um veículo atrás do veículo conduzido por SS… e, que, à frente de ambas – e antes do veículo conduzido por JM… – ainda se encontrava, de permeio, na mesma via, um outro veículo, conduzido por um condutor que prosseguiu a marcha - conforme resulta, uniformemente, do relatado por SR…, por SS… e, bem assim, por JM… – e atendendo às regras de experiência comum, permitem concluir que, nessa posição em que seguia, a visibilidade de SR… – atenta a distância entre ambos, pelo menos, com outros veículos de permeio – face ao veículo conduzido por JM…, nos momentos que precederam o embate deste, se encontrava interposta com os veículos que entre os dois mediavam, não se podendo concluir que a mesma depoente – SR… – fosse, como pretende a recorrente, a condutora que se encontrava em melhor posição para ver o acidente. Na realidade, não basta para se considerarem provados factos, que alguma testemunha afirme a sua ocorrência, sendo certo que não é líquido que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão afirmados, já que ele não é um mero depositário de depoimentos ou de afirmações proferidas numa diligência processual. A actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores que tem a ver, designadamente, com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, as coincidências, as contradições, a linguagem gestual, etc. No caso dos autos, conforme decorre cristalinamente da fundamentação constante da sentença recorrida, o Juiz a quem cabia aferir da credibilidade dos meios de prova produzidos, não atribuiu, pelos motivos que salientou, crédito aos aludidos depoimentos das testemunhas SO… e SS…, nos termos e pelos motivos que explanou. Como se sabe, “o standard que opera no processo civil é (…) o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais: (i)-Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii)-Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa. Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis. Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis. Todavia, pode acontecer que todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório e, nesse contexto, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como “verdadeira”. Pelo que para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-10-2017, Processo 585/13.1TCFUN-A.L1-7, rel. LUIS FILIPE PIRES DE SOUSA). Ora, na realidade, o Tribunal recorrido, na motivação da convicção de facto alcançada, a respeito da matéria de facto em questão, demonstrou ter apreciado este ponto, enunciando o seguinte: “O Tribunal assentou a sua convicção numa análise crítica de toda a prova produzida, tendo valorado as declarações de parte dos autores, os depoimentos das testemunhas e a prova documental juntos aos autos. Assim, no tocante aos factos provados: (…) - (pontos 4, 5 e 8) o Tribunal valorou aqui as declarações de parte do autor JM…, bem como das testemunhas SO…, SS… e TT…, as quais confirmaram a fila de viaturas (ligeiras) que seguia na faixa da esquerda e a manobra de ultrapassagem efectuada pela viatura pesada, invadindo a faixa da esquerda; na medida em que os condutores que foram directamente intervenientes no acidente e as testemunhas que depuseram com conhecimento directo dos factos apresentaram versões perfeitamente congruentes entre si, estes pontos não oferecem as mínimas dúvidas ao Tribunal. - (pontos 6 e 7) o Tribunal valorou aqui essencialmente as declarações de parte do autor, em combinação com os depoimentos das testemunhas SO…, SS… e TT…, bem como a prova documental produzida, nos termos que se passarão a explicar. Em primeiro lugar, importa começar por salientar que SO… e SS…, duas testemunhas com conhecimento directo dos factos, referiram não ter assistido ao embate do camião no veículo ligeiro de passageiros mas somente ao encurralamento da mesma e posterior embate nos rails; todavia, o facto de não terem assistido não implica que o mesmo não tenha ocorrido (poderão não se ter apercebido do mesmo, o que se afigura perfeitamente compreensível e normal, atendendo à gravidade da situação e à natural preocupação em salvaguardar a sua própria segurança, da viatura em que circulavam), pelo que o seu depoimento foi desvalorizado neste ponto (…)”. Como resulta da referida motivação, o Tribunal recorrido teve o cuidado de especificar a fonte probatória em que assentou a formação da sua convicção e detalhou, com plena congruência, os termos pelos quais, na apreciação conjugada dos diversos meios de prova, “desvalorizou” – na parte que especificou – os depoimentos de SO… e de SS…, que, no entender do Tribunal recorrido poderão não se ter apercebido do embate do camião no veículo ligeiro de passageiros, o que, aliás, o julgador considerou “…perfeitamente compreensível e normal, atendendo à gravidade da situação e à natural preocupação em salvaguardar a sua própria segurança, da viatura em que circulavam”. Insurge-se, também, a recorrente – o que, em seu entender, ilustraria erro ou vício apreciativo do julgador – contra a circunstância de o Tribunal ter considerado não provado um facto – ponto 20 – que a ré tinha admitido por acordo. Certo é que, de tal circunstância não retira a recorrente, para as conclusões recursórias, qualquer efeito, pelo que, tal ocorrência é, em si mesma, inócua para a apreciação das questões de facto colocadas, sendo que, não foi, aliás, assinalada a ocorrência de qualquer nulidade da sentença a este respeito. De todo o modo, importa referir que, não tendo sido elaborado despacho saneador, não houve prévia seleção de facto, pelo que não se coloca qualquer questão de caso julgado sobre tal factualidade. Mas, certo é que, no vigente CPC, o legislador apenas determina que a factualidade selecionada em sede de saneamento da causa, integrará os temas da prova elaborados pelo julgador, que irão constituir a pauta para a instrução do julgamento e discussão da causa em audiência de julgamento. Todavia, pode o julgador proceder, na sede de saneamento da causa, à seleção da matéria que considera já assente, porque não controvertida, por existir acordo, confissão ou plena prova documental da sua ocorrência. Sucede que, ainda que assim proceda, não faz tal seleção caso julgado, podendo a referida seleção ser, fundadamente, objeto de alteração, o que, de forma clara, congruente e perfeitamente inteligível, foi o proceder do tribunal recorrido. A recorrente, depois de extratar quase integralmente os depoimentos de SO…, de SS… e de TT…, aludindo a que estas testemunhas “foram as únicas…que assistiram ao acidente”, concluiu que os factos constantes dos pontos 5, 6 e 7 dos factos provados não se podem ter por assentes, “porque os depoimento[s] supra descritos a contrariam, bem como, pelo facto, de o único depoimento que vai de encontro à matéria assente na sentença ser mesmo o depoimento do Autor, que como seria de esperar “vendeu ao Juiz” a tese que lhe seria conveniente”. Ora, neste ponto, a razão não está com a recorrente. De facto, apreciados os depoimentos – testemunhais e de parte – prestados, a acareação operada e sopesados os demais meios de prova produzidos, de índole documental, verifica-se que não se vislumbra ter ocorrido algum erro de julgamento na apreciação probatória levada a cabo pelo Tribunal recorrido. O que singelamente dão conta os autos é de que o Tribunal recorrido, perante os elementos de prova que, circunstanciadamente, concretizou como fonte da sua convicção probatória, tomou posição no sentido de que ocorreu o embate do veículo pesado, conduzido por TT…, no veículo ligeiro conduzido na ocasião por JM…, preferindo, neste ponto, a “versão” deste último à do primeiro, da forma como, fundada e circunstanciadamente, concretizou. Recorde-se, novamente, a decisão recorrida: “(…) Em segundo lugar, no que diz respeito às versões apresentadas pelos condutores directamente intervenientes no sinistro, a versão do autor, pese embora seja naturalmente interessado no desfecho dos autos, afigurou-se muito mais credível do que a da testemunha TT…; com efeito, o autor JM…, em sede de declarações de parte, relatou que circulava na faixa da esquerda em virtude de a faixa da direita se encontrar congestionada com camiões; refere que enquanto tentava ultrapassar um camião que se encontrava na faixa da direita, a meio da manobra este camião começa a entrar na faixa em que o autor circulava (ou seja, na faixa da esquerda), na tentativa de ultrapassar o camião que ia à sua frente, tendo-lhe embatido com as rodas, a parte inferior do camião e empurrado contra os rails; por seu turno, a testemunha TT…, condutor do veículo segurado pela ré refere que circulava na faixa da direita atrás de um camião, que entrou na faixa da esquerda, iniciando uma manobra de ultrapassagem deste quanto sentiu o carro atrás dele derrapar e bater nos rails; por outro lado, esta versão dos eventos foi confirmada pelas testemunhas SO… e SS…, ao relatar que, pese embora não tenham assistido ao embate entre as viaturas, efectivamente assistiram à viatura do autor a embater contra os rails durante a manobra de ultrapassagem do camião conduzido pela testemunha TT…, pelo que este facto se pode ser por pacífico. Na sequência o exposto, tendo-se procedido à acareação entre o autor JM… e TT…, o primeiro manteve sempre a sua versão dos eventos, ao passo que o segundo, a instâncias do mandatário do autor, apesar de inicialmente ter mantido que não ocorreu nenhum embate, acabou por admitir a possibilidade de ter embatido na viatura e de não se ter apercebido na altura; nestes termos, a testemunha TT… acabou por alterar a sua versão, o que demonstra pouca convicção em relação à versão inicialmente apresentada no seu depoimento. Por outro lado, existe um pormenor que reforça a credibilidade das declarações do autor JM…; com efeito, importa começar por salientar que o autor conduzia uma viatura ligeira e a testemunha TT… conduzia uma viatura pesada, tendo referido no seu depoimento que a mesma é composta por tractor e atrelado e que tem cerca de 10 metros de comprimento; ora, atendendo à diferença de dimensão e de peso entre as viaturas, o mais natural seria que o condutor da viatura pesada nem se apercebesse do embate na viatura ligeira com o reboque, pelo que o depoimento da testemunha TT… terá que ser relativizado neste segmento. No que diz respeito ao depoimento das testemunhas SO… e SS…, pese embora nenhuma tenha afirmado ter assistido ao embate, tal não significa que o mesmo não tenha ocorrido; sobretudo porque tendo as mesmas relatado que as três viaturas ligeiras (do autor e destas testemunhas) iam em fila na esquerda, ao presenciar o embate contra os rails da viatura do autor, o mais natural seria que prestassem mais atenção à sua própria condução e que procurassem salvaguardar a sua segurança. Importa a este respeito valorar ainda o depoimento da testemunha AC…, agente da PSP e autor do auto de ocorrência de fls 11/12, o qual foi ao local e confirmou a existência de danos na parte lateral direita e esquerda do veículo (cfr auto de ocorrência a fls 12, na parte respeitante à descrição dos danos no veículo de matrícula AX, cujo teor foi confirmado pela testemunha em sede de audiência de julgamento); por outro lado, tendo-se ouvido em declarações de parte o autor MM… (proprietário da viatura) e a testemunha NM…, os quais se deslocaram ao local do acidente no próprio dia, após a ocorrência do mesmo, os mesmos confirmaram a existência de manchas negras na embaladeira no lado direito, o que indicia ter ocorrido um embate com o reboque da viatura. Não é perceptível qualquer interesse da parte da testemunha AC… no desfecho dos presentes autos, pelo que o seu depoimento foi particularmente valorado em corroborar os depoimentos do autor MM… e NM… (amigo da família). Nestes termos, pelo exposto, a versão apresentada pelo autor JM…, apesar de naturalmente interessado nos autos, apresenta-se muitíssimo mais credível, pelo que o Tribunal considera estes factos como provados (…)”. Perante a audição realizada aos depoimentos gravados e apreciados os elementos de prova dos autos, conclui-se que não merecem qualquer censura ou reparo as considerações expendidas na decisão recorrida. Ou seja: Os elementos de prova produzidos confluem no sentido de que, estando o veículo do autor já a passar ao lado do veículo pesado, sensivelmente a meio deste, este mudou de direção, sem assinalar antes tal intenção e sem que tal fosse previsível, não atentando na circulação que então se fazia na faixa de rodagem em que seguia, invadindo a via onde seguia o veículo conduzido por JM…, com a motivação que o condutor TT… expressou: A de ultrapassar um veículo pesado que circulava, nas condições que referiu, à sua frente. Assim, não se mostra que o facto n.º 5 deva transitar para os factos não provados. E, o mesmo se conclui quanto aos factos n.ºs. 6 e 7. Na realidade, ingressando da forma que ingressou na via onde se encontrava na ocasião o veículo conduzido por JM…, o veículo pesado veio a embater neste último veículo, sem que o condutor do veículo pesado, então, se tenha apercebido. Para além da motivação constante da decisão recorrida, que se subscreve, verifica-se que os elementos documentais corroboram, integralmente, a versão do acidente expressa por JM…, permitindo concluir pela ocorrência do embate do veículo pesado no veículo conduzido por aquele e pelo subsequente impedimento de progressão de marcha na via onde seguia e consequente embate no rail de separação de sentidos de marcha da referida faixa de rodagem. Neste sentido, assinala-se o próprio auto policial de participação do acidente, subscrito por AC…, o qual percecionou e fez constar, em conformidade com tal perceção, que o veículo conduzido por JM…, no dia do acidente – com a matrícula …-AX-… – apresentava danos na “parte lateral direita e parte lateral esquerda”, que, aliás, MM… – que procedeu à peritagem do veículo – considerou compatíveis com a descrição que foi objeto da participação do acidente (danos esses que constam, aliás, assinalados no documento n.º 2 junto com a petição inicial – intitulado “Relatório de Peritagem”, datado de 28-03-2019 e elaborado muito tempo antes da instauração dos presentes autos), aspetos que permitem concluir pela sua congruência e atinência com o evento danoso do acidente dos autos. Em suma: A prova produzida não inculca no sentido de que o Tribunal devesse concluir, inelutavelmente, no sentido pugnado pela ré/recorrente, nem que se encontra patenteado um vício no julgamento efetuado. Assim, no âmbito da livre apreciação probatória, a que estão sujeitos os meios de prova em questão, a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido não merece censura. É que, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que não se patenteou. Ponderando estes aspetos, cumpre concluir que nenhum dos meios de prova produzidos, permite revelar o alegado erro de apreciação da prova, não determinando a alteração sobre a convicção alcançada pelo Tribunal a respeito dos factos provados em 5, 6 e 7. Improcede, pois, nesta parte, a alteração da matéria de facto pretendida pela ré/recorrente. * C) Se devem ser aditados aos factos provados os seguintes pontos: “20. O 1º A. após o acidente solicitou a um amigo veículo emprestado. 21. Após um mês do acidente o 1º A. adquiriu um veículo Renault comercial para substituir o veículo sinistrado nas suas deslocações. 22. A reparação do veículo sinistrado demorara 8 dias úteis e o 1º A. não reparou o veículo em causa porque não quis”? Considera também a recorrente que o Tribunal recorrido deveria ter dado como provado os seguintes pontos: 20.O 1º A.- proprietário do veículo passado um mês comprou um veículo Renault Comercial para substituir o veículo sinistrado. 21- Que durante este mês teve emprestado um veículo de um amigo. 22- Que não reparou o veículo em causa no acidente, até à audiência de julgamento por mera “convicção” e que a reparação deste demoraria 8 dias. Entende a recorrente que, no que concerne à matéria alegada no art.º 18 da contestação, o veículo necessitaria de 8 dias úteis, para reparação, pelo que só nesse período o A. teria direito à indemnização por paralisação do mesmo, facto que considera essencial para a determinação da indemnização pela paralisação, atento o disposto no art.º 42.º, n.º 2, do DL 291/2007. Mais considera a recorrente que, “no que concerne aos danos sofridos pelo Autor e ao tempo de privação do veiculo, ficou provado que a reparação levaria 8 dias úteis, no entanto o Juiz “a quo” limitou-se a dar como provado que o 2º A. pai do condutor e proprietário do veiculo não reparou o seu veiculo até à data da audiência de julgamento, literalmente fechando os olhos a toda a prova que foi efectuada a propósito de tal matéria. Na verdade, o Autor não reparou o veículo apenas porque não quis, tal como ele declarou, apesar de o poder fazer, e declarou que adquiriu um novo veiculo em substituição do veiculo sinistrado”. A recorrente, invocando os depoimentos de NM…, MM…, MJ… e JM…, conclui que deles derivam “factos que são essenciais e determinantes, embora acessórios, para a determinação da indemnização por eventual prejuízo de paralisação”: “1- O 1º A.- proprietário do veículo passado um mês comprou um veículo Renault Comercial para substituir o veículo sinistrado. 2- Que durante este mês teve emprestado um veículo de um amigo. 3- Que não reparou o veículo em causa no acidente, até à audiência de julgamento por mera “convicção” e que a reparação deste demoraria 8 dias úteis”. Considera, por fim, a recorrente que “estes factos devem ser assentes como factos acessórios, que como é obvio não podiam ser alegados pela R., mas que são determinantes para a avaliação de um montante indemnizatório pelo eventual dano de paralisação” e que “estão relacionados com o que foi alegado que pela R. em 17 e 18 e 19 da contestação, bem como com os factos alegados em 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, e 27º da Petição Inicial”. Vejamos: Preliminarmente importa apreciar, antes de mais, se é admissível a invocação desta matéria pela recorrente, nesta sede de recurso. É que, conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 663.º, n.º 2, do CPC, com o previsto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código, no presente recurso, este Tribunal conhece de todas as questões suscitadas, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Por outro lado, atenta a sua função no âmbito do conhecimento dos recursos e sob pena de conhecer, em primeira linha, de questões antes não suscitadas no Tribunal de 1.ª instância, ao Tribunal de recurso apenas cumpre conhecer das questões suscitadas e daquelas que, não o tendo sido, sejam de conhecimento oficioso. O tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas (cfr., entre outros, o acórdão do STJ de 14-05-93, in CJSTJ, 93, II, p. 62 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-11-95, in CJ, 95, V, p. 98). Assim, ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ de 23-03-96, in CJ, 96, II, p. 86), encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso. “A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, Processo 169487/08.3YIPRT-A.C1, relator HENRIQUE ANTUNES). Dito de outro modo, “os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-04-2019, Processo 10776/15.5T8PRT.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES). Ora, sucede que, compulsados todos os termos do processo, analisados os articulados das partes, verifica-se que a ré – como, aliás, patenteia – não alegou a factualidade que agora pretende ver dada como provada. Com efeito, sobre a matéria do estado do veículo dos autores após o acidente e sobre a sua paralisação, na decisão recorrida foi dado como provado o facto n.º 15 (“A viatura está parada e impossibilitada de circular desde a data do acidente”) e, enunciados como não provados, os factos n.ºs. 24 (“Que o autor, a esposa ou o filho se tivessem que deslocar a pé, à boleia, de transportes públicos ou de táxi”) e 25 (“Que o aluguer diário de uma viatura com características idênticas às referidas no ponto 1, b) tenha um custo diário de pelo menos €15,00”). A matéria atinente à compra de um veículo pelo 1.º autor um mês após o acidente, a finalidade dessa aquisição, a cedência de um veículo ao 1.º autor por um amigo, o tempo em que a mesma ocorreu e a razão pela qual o autor não procedeu à reparação do veículo, são elementos de facto que não foram objeto de alegação nos articulados das partes e que, igualmente, não foram aportados para o processo nos moldes em que a ré/recorrente deles poderia beneficiar, comportando a apreciação de questões factuais novas. De facto, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-11-2018 (Processo 212/16.5T8PTL.G1, rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE), “quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido”. De facto, a “introdução” destes factos como assente nesta sede equivaleria ao conhecimento de uma questão nova que, não cabe, como é óbvio nos poderes do Tribunal da Relação, que apenas faz o reexame da causa julgada pela 1.ª instância. Os recursos que visam o reexame da matéria de facto da decisão proferida actuam dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que proferiu a decisão recorrida. E constituindo tais recursos meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e, não, meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ou passíveis de serem conhecidas junto do tribunal recorrido. “Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-2016, Processo 861/13.3TTVIS.C1.S2, relatora ANA LUÍSA GERALDES). Mas, ainda que assim não o vedasse o regime recursório vigente, afigura-se-nos que o modelo de alegação e de aquisição de factos em vigor não se compadece com a pretendida alteração factual. É que, no regime processual civil vigente, os factos essenciais têm se ser alegados na petição inicial (cfr. artigo 552.º do CPC). Por seu turno, o réu deve tomar posição sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1 do art. 574.º do CPC). Alterações posteriores apenas serão admitidas nos estritos condicionalismos que o Código estabelece. Os factos não principais dividem-se, na terminologia do Código, em factos instrumentais, concretizadores e complementares. Nos termos do art. 5.º, n.º 2 b) e c) do CPC, os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo (quer através de alegação das partes, quer através de iniciativa oficiosa do juiz) até ao encerramento da discussão, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo. Assim, como sintetiza Mariana França Gouveia (“O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: A incessante procura da flexibilidade processual”, in R.O.A., ano 73.º, vol. II/III, p. 611): “Em resumo, temos o seguinte quadro: factos principais alegados nos articulados, fixação neste momento do objeto do processo (dada a regra da inadmissibilidade posterior de alteração), factos instrumentais, complementares ou concretizadores alegados ou adquiridos para o processo até ao encerramento da discussão. Mantém-se portanto o efeito preclusivo quanto aos factos principais — a sua não alegação inicial impede a alegação posterior; mantém-se a não preclusão em relação aos outros factos, reforçando-se esta não preclusão relativamente aos factos instrumentais já que o efeito probatório da não impugnação é meramente provisório, podendo ser afastada por contraprova. Assim, os factos principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, enquanto os factos instrumentais podem ser alegados ou adquiridos oficiosamente até ao fim do julgamento. Também os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos até ao fim do julgamento.”. No caso, considerando a causa de pedir invocada pelos autores, a factualidade atinente à compra de um veículo pelo 1.º autor, a data da mesma, a sua finalidade, a cedência de um veículo ao 1.º autor por um amigo, o tempo em que esta ocorreu e a razão pela qual o autor não procedeu à reparação do veículo, bem como o tempo provável de reparação, apenas poderiam ser, quando muito, considerados como factos complementares ou concretizadores de factos impeditivos ou modificativos da pretensão indemnizatória referente à privação do uso apresentada pelos autores. Ora, para além da matéria constante dos artigos 12.º a 19.º da contestação não invocou a ré qualquer outra factualidade. E, como se viu para que os factos invocados pela ré pudessem ser introduzidos nos autos, nesta sede – e ressalvada qualquer circunstância superveniente, que não se verifica -, tal teria que ter ocorrido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, e o mesmo deveria ter sido anunciado às partes, com vista a sobre essa pretendida utilização poder ser exercido o respectivo contraditório. Não tendo tal introdução tido lugar e não tendo sido viabilizado efectivo contraditório – não se afigurando suficiente para tal efeito, a mera presença das partes em audiência de julgamento, uma vez que não ocorreu algum anúncio de que os factos em questão poderiam vir a ser utilizados – até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, precludida ficou a possibilidade da sua consideração nestes autos, não podendo os aludidos factos ser objecto de inclusão e consideração nesta instância de recurso. Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2017 (Processo 1335/13.8TBCBR.C1, relator MANUEL CAPELO): “I- Os factos complementares ou concretizadores dos essenciais que compõem a causa de pedir nos termos do art. 5º do CPC, para poderem ser tomados em consideração pelo tribunal têm que ser considerados como provados na sentença e previamente a tal ser dado conhecimento às partes que irão ser acrescentados. II- Para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”. Resta apreciar da pertinência de inclusão na matéria de facto apurada do tempo provável de reparação do veículo sinistrado e, bem assim, se o mesmo se apurou ser de 8 dias úteis. Neste ponto, cumpre referir que a recorrente alegou no artigo 18.º da contestação que o 1.º autor apenas tem direito à indemnização pelo período que o veículo esteve em reparação e que se previu ser de 8 dias úteis. Ora, considerando as soluções plausíveis da questão de direito referentes à atribuição da indemnização peticionada pelos autores, nelas não se divisa que tenha qualquer relevância para a decisão da pretensão correspondente, mesmo considerando o n.º 2 do artigo 42.º do D.L. n.º 291/2007, de 21 de agosto, a determinação do tempo provável de reparação do veículo sinistrado, mas sim, saber se o mesmo veículo ficou imobilizado e se foi, ou não, objeto de reparação. E, neste ponto, como se viu, a matéria relevante foi objeto de apreciação e, no caso, apurou-se que a viatura está parada e impossibilitada de circular desde a data do acidente, concluindo-se que a reparação ainda não teve lugar. Neste contexto, a reapreciação da matéria de facto referente à inclusão da factualidade invocada pela recorrente a este respeito (tempo de duração da reparação do veículo sinistrado), por inconsequente ou inócua - dado ser insuscetível de ter relevância jurídica para a solução da causa e para a apreciação do mérito do recurso - configuraria um acto inconsequente (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-02-2017, Pº 52/12.0TBMBR.C1, rel. MOREIRA DO CARMO) e, por isso, inútil, cuja prática se encontra legalmente vedada (cfr. artigo 130.º do CPC). Não procedem, pois, também neste ponto, as conclusões da recorrente. Em face do exposto, subsiste integralmente a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo. Improcede, pois, in totum, o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto arguida. * III) Mérito do recurso: De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Vejamos, pois, o mérito do recurso sobre a matéria de direito apresentado pela ré. * D) Se a responsabilidade pelo acidente deve ser definida em 50% para cada um dos veículos intervenientes, nos termos do disposto no artigo 505.º do C Civil? Alegou a ré/recorrente, a este respeito, o seguinte: “Entende (…) que a responsabilidade no acidente deverá ser repartida entre os dois intervenientes, aliás de acordo com a apreciação efectuada em sede de apreciação extrajudicial. Na verdade, resulta dos depoimentos testemunhais que a tese do autor e a tese do condutor do veiculo seguro na R. são manifestamente contraditórias, no entanto as testemunhas oculares que se encontravam atrás do veiculo do autor, confirmam que não viram nenhum embate entre o veiculo seguro e o veiculo do autor. Presenciaram, apenas, o veículo a bater nos raides de proteção,. De qualquer modo mesmo que não se tenha em consideração os depoimentos das testemunhas quanto a essa parte de acordo com o disposto no art. 342º n.º1 do código civil não tendo o autor logrado fazer provar, clara dos factos que alega, deverá o douto tribunal “ad quem” decidir como não provado e havendo dúvidas, deverá dividir-se a responsabilidade do acidente na proporção de 50%, para cada interveniente atribuindo ao risco de circulação, responsabilidade no acidente. Pelo supra exposto, entendemos que a responsabilidade no acidente deverá ser imputada na totalidade em 50% a cada um dos veículos nos termos do disposto no Art.º 505 do C. Civil o veículo pertença do autor e por esta conduzido nos termos do disposto no art.º 505 do C Civil.”. Vejamos: Dispõe o artigo 483º do Código Civil – preceito basilar do instituto da responsabilidade civil, no vigente direito português – o seguinte: “1 - Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2 – Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”. Conforme resulta desta norma, a responsabilidade civil funda-se, em princípio, na culpa e, com carácter de excepção, no risco. O preceito legal referido constitui o normativo base do instituto da responsabilidade civil, cuja “questão fulcral é (…) a de saber quando e em que termos alguém deve indemnizar um dano sofrido por outrem” (assim, Manuel Carneiro da Frada; Direito Civil – Responsabilidade Civil – O método do caso; Almedina, Coimbra, 2006, p. 61). Com efeito, na responsabilidade civil extracontratual - a que não supõe a consideração de um vínculo obrigacional preexistente - os pressupostos de que esta depende variam consoante o seu facto constitutivo seja um facto ilícito, um facto gerador de risco, ou até uma actividade lícita que provoque danos. Tais pressupostos, são, no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos conhecidos e não merecem controvérsia jurisprudencial: a) Um facto (comportamento ou forma de conduta humana, que se pode traduzir numa acção ou omissão); b) A ilicitude desse facto (ou sua antijuridicidade, sob a forma de violação de um direito subjectivo de outrem ou de violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, sem que existam causas exclusão ou de justificação para tal); c) A imputação culposa do facto ao lesante (censurabilidade da conduta do agente pelo direito, que pode assumir a forma de dolo ou de negligência); d) O dano ou prejuízo (que consiste em “toda a ofensa de bens ou interesses protegidos pela ordem jurídica” - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., 1991, p. 477); e, e) O nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo indemnizáveis todos os danos - mas só esses - causados pela acção ou omissão do agente). É necessário, desde logo, que exista um facto voluntário do agente (não um mero facto natural causador de danos), cometido por acção ou omissão. Quanto à ilicitude do facto, esta traduz-se, como se disse, na violação de um dever jurídico. O artigo 483º do Código Civil, explicita que a ilicitude pode revestir duas formas essenciais: a) a violação de um direito de outrem; b) a violação de preceito de lei tendente à protecção de interesses alheios. No primeiro caso, incluem-se especialmente as ofensas de direitos absolutos (vg. os direitos reais, os direitos de personalidade, os direitos de autor e os direitos familiares patrimoniais). No segundo caso, como refere Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8ª ed., 1994, p. 543): “Trata-se da infracção das leis que, embora protejam interesses particulares, não conferem aos respectivos titulares um direito subjectivo a essa tutela; e de leis que, tendo também ou até principalmente em vista a protecção de interesses colectivos, não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes (de indivíduos ou de classes ou grupos de pessoas)”. Contudo, “não basta que se verifique uma violação ilícita de um direito ou interesse juridicamente protegido de outrem. é ainda necessário que se tenha procedido com dolo ou mera culpa (...). A responsabilidade civil, em regra, pressupõe a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente para com o facto (...). A lei exige, em suma, que a violação ilícita dos direitos ou interesses de outrem esteja ligada a uma certa pessoa, de maneira que possa afirmar-se, não só que foi obra sua, mas também que ela podia e devia, nas circunstâncias, ter agido diversamente. A culpa implica, assim, uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente» (assim, Almeida Costa, ob. cit., pp. 465-466). Para além da necessária imputabilidade é condição para a responsabilização do agente, a existência de culpa da sua parte na produção do evento lesivo (possibilidade de formulação de um juízo de censura que relacione o facto ilícito danoso com o agente, fundado na violação de um dever jurídico ou na omissão de um comportamento exigido ou pressuposto pela lei). Como refere Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª ed., Coimbra, 1989, p. 536) “a culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo (…) e a negligência ou mera culpa (…)”. E, desde que, a lei não estabeleça outro critério, a culpa será apreciada, em face das circunstâncias de cada caso, pela diligência de um «bom pai de família» ou homem médio («in abstracto») e não segundo a diligência habitual do autor do facto ilícito (artº 487º, nº 2, do Código Civil). Daqui resulta que, o paradigma a ter em conta nesta apreciação, é o da conduta que teria uma pessoa medianamente cuidadosa (modelo de homem que resulta do meio social, profissional e cultural daquele indivíduo concreto determinado a partir do círculo de relações em que está inserido) na especificidade da situação concreta (vd. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1991, p. 471). De acordo com o disposto no artigo 487.º do Código Civil (aliás, como resultava já das regras gerais dos artigos 342º e ss. do mesmo Código) e, em regra, «é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão...». Assim, a demonstração da culpa do agente compete, em princípio, a quem peticiona a indemnização, invertendo-se, porém, o ónus da prova havendo presunção de culpa (cfr. arts. 344º, 350º e 487º, nº 1, todos do Código Civil). Por outro lado, não haverá obrigação de indemnizar se não houver dano a ressarcir, sendo que, noutro aspecto, apenas há tal obrigação, se os danos forem, causal e adequadamente, provocados pela conduta do agente. “A causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da causalidade adequada adotada pelo artigo 563º do Código Civil - aquela que, em abstrato, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018, Pº 338/17.8YRPRT, rel. FILIPE CAROÇO). Por seu turno, com a epígrafe “exclusão da responsabilidade” estabelece o artigo 505.º do CC que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”. E, o mencionado artigo 570.º do CC prescreve que: “1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar”. Em face destes normativos, “exceptuado porventura o caso particular do artigo 502.º, a lei apenas prevê a repartição de responsabilidade ou a atenuação dela nos casos em que há culpa de várias pessoas, ou quando são várias as pessoas que respondem objetivamente. De resto, os textos dos artigos 505.º e 570.º, (…) revelam, em termos inequívocos, que a culpa do lesado na produção do dano, não havendo culpa do agente, exclui sisrematicamente a obrigação de reparação desse dano” (assim, Antunes Varela; Das Obrigações em Geral, I Volume, Coimbra, 1989, p. 645). Especificamente para o caso de colisão de veículos interessa ainda atender ao disposto no artigo 506.º do CC: “1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar. 2. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.”. Como sublinha Menezes Leitão (Direito das Obrigações; Vol. I, Almedina, 2006, p. 377), “a solução que resulta do art. 506.º, n.º 1, é a de que se apenas um dos condutores tiver culpa no acidente, deve ser ele a responder exclusivamente pelos danos causados”. Revertendo estas considerações para o caso dos autos, importa referir, liminarmente, que, sem prejuízo da correção efetuada quanto ao facto provado n.º 1, como se viu, ficou inalterada a matéria de facto apurada pelo Tribunal recorrido, pelo que, improcedem as considerações da apelante que pressupunham a modificação da matéria de facto. Olhando para a decisão recorrida, nela expenderam-se, sobre a responsabilização da ré as seguintes considerações: “O enquadramento jurídico da questão depende de uma conciliação entre o regime substantivo da responsabilidade civil por acidentes de viação, previsto nos arts. 503º a 508º do Código Civil e do regime do sistema de seguro de responsabilidade civil automóvel, regulado no Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21/08; por outro lado, importa ainda atender às regras que regem a circulação de viaturas automóveis constantes do Cód da Estrada. Assim começando pela responsabilidade civil por acidentes de viação, a mesma pode ser por factos ilícitos (art. 483º do Código Civil) ou objectiva (art. 503º a 508º do Código Civil); a diferença entre estas fontes de responsabilidade reside no facto de, no primeiro caso, ser necessário alegar e provar a culpa do autor da lesão ao passo que, no segundo caso, se trata de uma responsabilidade sem culpa. Começando pela responsabilidade por factos ilícitos (art. 483º do Cód Civil) são aqui aplicáveis as regras da responsabilidade civil previstas nos arts 483º e seguintes do Código Civil, e da obrigação de indemnizar previstas nos arts 562.º e seguintes do mesmo diploma legal. A responsabilidade civil por facto ilícito assenta, portanto, nos seguintes pressupostos: (a) a existência de um facto voluntário do agente; (b) a ilicitude de tal facto (mediante a violação de um direito de outrem ou violação de lei que protege interesses alheios); (c) a culpa (ou nexo de imputação do facto ao lesante); (d) o dano (um prejuízo causado pelo facto ilícito) e (e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano. A este respeito, aplica-se aqui o Assento 1/80 de acordo com o qual a actividade de condução de veículos não beneficia da culpa presumida estipulada no art. 493º, n.º 2 do Cód Civil. Centrando-nos nas situações de responsabilidade objectiva, a norma fundamental neste aspecto é a constante do art. 503º, n.º 1 do Cód Civil; esta responsabiliza, nos acidentes causados por veículos, quem – cumulativamente – (1) tiver a direcção efectiva do veículo, (2) o utilizar no seu próprio interesse e (3) desde que os danos provenham dos riscos próprios do veículo (…). Nos termos do disposto no art. 505º do Cód Civil, sem prejuízo do disposto no art. 570º do mesmo diploma (preceito que regula a problemática da culpa do lesado), a responsabilidade (objectiva) fixada pelo art. 503º, n.º 1 apenas poderá ser afastada quando o acidente (a) for imputável ao próprio lesado ou a terceiro ou (b) resultar de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. Centrando-nos na primeira causa de exclusão da responsabilidade, de acordo com Menezes Leitão, a expressão »imputável ao lesado ou a terceiro« não deve ser interpretada como exigindo a culpa do lesado ou de terceiro sendo necessário que a sua conduta tenha sido a única causa do dano; o mesmo autor advoga que, nas situações de concurso entre a culpa do lesado e os riscos próprios do veículo, será excluída a responsabilidade do detentor do veículo com fundamento num argumento de natureza teleológica (para isso apontar o espírito da norma) e o art. 570º, n.º 2 do Cód Civil estipular que a culpa do lesado exclui o dever de indemnizar em caso de culpa presumida pelo que, a maiori ad minus, também o excluirá em situações de responsabilidade objectiva. Nos termos do disposto no art. 506º do Código Civil, o qual regula a situação de colisão de veículos sem culpa de nenhum dos condutores, a lei adopta uma solução salomónica: em princípio, a responsabilidade deverá ser repartida na proporção do risco que cada um dos veículos tiver contribuído para os danos; todavia, se os danos forem causados apenas por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável será obrigada a indemnizar. (…) Nos termos do disposto no Cód da Estrada, o condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário, devendo especialmente certificar-se que nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa imediatamente à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar (art 38º, n.º 1 e n.º 2, al.c) do Cód da Estrada); por seu turno, o condutor que pretenda realizar uma ultrapassagem encontra-se legalmente obrigado a assinalar a sua intenção com a necessária antecedência (art 21º do Cód da Estrada). Por uma questão de clareza de análise, importa começar por analisar a culpa do condutor do veículo referido no ponto 1, a), segurado pela ré; nos termos do disposto no art. 487º do Cód Civil, é ao lesado que compete a prova da culpa do autor da lesão sendo que a culpa do agente será apreciada, na falta de melhores critérios, pela diligência de um bonus pater famílias, de acordo com as circunstâncias de cada caso. Em primeiro lugar, afigura-se inequívoco que se trata de um acto voluntário do condutor do veículo referido no ponto 1, a) na medida em que o acto de conduzir um veículo e de iniciar uma manobra de ultrapassagem afigura-se inteiramente dominável pela vontade. Em segundo lugar, a conduta do condutor do veículo referida no ponto 1, a) afigura-se ilícita na medida em que terá provocado danos, em concreto, os danos no veículo referido no ponto 1, b) bem como na pessoa do condutor e do seu proprietário, devidamente discriminados nos factos considerados provados (a ser analisados com maior detalha infra aquando da análise dos danos). Em terceiro lugar, a conduta do condutor do veículo referido no ponto 1, a) afigura-se culposa na medida em que resulta dos factos provados que o mesmo não cumpriu com a regra prevista no arts.21 e 38º, n.º 1 e n.º 2, al.c) do Cód da Estrada i.e: iniciou uma manobra de ultrapassagem sem sinalizar a mesma previamente nem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário, devendo especialmente certificar-se que nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa imediatamente à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar. Com efeito, note-se que resulta dos factos provados que o veículo dos autores, referido no ponto 1, b) já se encontrava na faixa da esquerda quando o veículo referido no ponto 1, a), segurado pela ré, iniciou a manobra de ultrapassagem, pelo que o condutor do veículo segurado pela ré não cumpriu abertamente com as normas do Cód da Estrada acima indicadas; por outro lado, não cumpriu com o dever de cuidado que sobre si incumbe de tomar as devidas precauções ao realizar uma manobra de ultrapassagem, pelo que não agiu com a diligência de um bom pai de família conforme se impunha nas circunstâncias do caso concreto (art. 487º, n.º 2 do Cód de Proc Civil) – cfr pontos 4, 5, 6, 7 e 8 dos factos provados. Em quarto lugar, mais resulta dos factos provados que a conduta do condutor do veículo referido no ponto 1,a) causou danos (…). Por último, pode-se ainda estabelecer, com fundamento nos factos provados, um nexo de causalidade entre a conduta do condutor do veículo segurado pela ré e os danos na medida em que se não resulta dos factos provados nenhum elemento de onde possamos concluir que, se não fosse a sua conduta, os danos não se teriam produzido (art. 563º Código Civil). Termos em que o condutor do veículo segurado pela ré poderá ser responsabilidade ao abrigo da responsabilidade civil por factos ilícitos (art. 483º do Cód Civil). Assim sendo, não existe necessidade de recorrer à responsabilidade objectiva do art. 503º e ss do Cód Civil.”. Ora, considerando os factos apurados – de onde deriva, fundamentalmente, que o acidente ocorrido em 19-02-2019, nas condições de via, veículos, condução, tempo e local acima enunciadas, se deu em virtude de o veículo pesado de mercadorias, segurado na ré, que seguia integrado na faixa de rodagem da direita destinada a veículos lentos ou de circulação mais lenta, ter invadido a via onde seguia o veículo do autor, o que fez, quando este veículo já estava sensivelmente a meio do veículo pesado, sem dar qualquer sinal prévio de mudança de direção, de forma não previsível e desatenta, vindo a abalroar a viatura do autor, com as demais consequências factuais e danosas acima descritas - , verifica-se que as considerações constantes da fundamentação de direito da decisão recorrida não merecem, no que atina à responsabilização do condutor do veículo segurado na ré, qualquer reparo. Nas condições de marcha em que o condutor do veículo seguro na ré seguia, impendia sobre o condutor desse veículo um dever de diligência, por forma a não iniciar uma manobra de ultrapassagem, com invasão da via de trânsito à sua esquerda, atento o seu sentido de marcha, por forma a que pudesse vir a causar embaraço para o trânsito ou perigo para os outros condutores, designadamente, àqueles que se pudessem encontrar nas suas imediações (cfr. artigo 35.º, n.º 1, do Código da Estrada, aprovado pelo D.L. n.º 114/94, de 3 de maio e republicado em anexo à Lei 72/2013, de 3 de setembro, dispositivo que não foi observado pelo mencionado condutor do veículo seguro na ré). De facto, ao invés de adoptar as devidas cautelas, o condutor do veículo automóvel agiu de forma manifestamente inconsiderada, quando, de forma inopinada, iniciou a mudança de via de trânsito para ultrapassar o veículo que seguia à sua frente, sem se aperceber da presença nas suas imediações do veículo conduzido pelo 2.º autor. Os danos causados no veículo conduzido pelo 2.º autor ocorreram como consequência directa e necessária de um processo causal posto em marcha pela manobra de ultrapassagem do condutor do veículo pesado e o consequente e inusitado ingresso na via onde circulava o veículo conduzido pelo 2.º autor, nenhum elemento se havendo demonstrado no sentido de que um tal processo causal houvesse sido interrompido pela intervenção de qualquer outra circunstância e, designadamente, por um qualquer facto praticado pelo 2.º autor. Como deflui dos factos provados, tal ausência de critica sobre a decisão recorrida é extensiva ao apuramento de imputabilidade na causação do acidente e à verificação de que a produção do mesmo ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo pesado, segurado na ré, pois, um condutor medianamente diligente e atento não procederia da forma como este último veio a coadunar a sua conduta. De facto, “é único culpado no acidente o condutor que muda, repentinamente, de direcção para a esquerda no momento em que estava a ser ultrapassado” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18-09-2008, Pº 1236/08-3, rel. FERNANDO BENTO). Na realidade, perante a aludida factualidade apurada, não se mostra evidenciada qualquer conduta culposa do condutor – o 2.º autor - do veículo ligeiro e pertença do 1.º autor, inexistindo qualquer situação de concorrência de culpas na produção do evento ocorrido e estando, por isso, excluída a aplicação do disposto no artigo 506.º do CC (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-01-2014, Pº 3761/11.8TBGDM.P1, rel. JOSÉ AMARAL), asserção que se mostra isenta de qualquer carga dubitativa. Improcedem, pois, as conclusões em contrário expressas pela apelante. * E) Se a indemnização pela privação do uso do veículo do 1.º autor se mostra indevidamente fixada? Na alegação apresentada a ré coloca em questão a justeza da indemnização pela privação de uso do veículo dos autores, que entende não poder ser fixada em valor superior a € 300,00, correspondendo a € 10,00 vezes o número de dias – 30 - que considera que o 1.º autor esteve privado de veículo automóvel. Os autores contra-alegaram pugnando pela improcedência da pretensão recursória e considerando mais ajustada a fixação indemnizatória no valor peticionado. Vejamos: O artigo 483º do Código Civil estabelece que: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação”. Depois, o artº 563.º do mesmo Código refere que: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. E, do artigo 562.º do Código Civil decorre que o obrigado deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Assim, o montante da indemnização deve corresponder aos danos causados, sendo que essa indemnização visa, em primeira linha, a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o resultado que obriga à reparação (reconstituição natural) ou, não sendo isso possível (não levar à reparação integral dos danos, ou tornar a reparação excessivamente onerosa), a indemnização deverá ser fixada em dinheiro (artº 566º nº 1, do Código Civil). Em caso de indemnização em dinheiro, deverá atender-se à medida que o artigo 566º, nº 2, do Código Civil estabelece: a da diferença entre a situação do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data, se não existissem danos, considerando, ainda, os demais critérios que os artigos 564º a 566º do Código Civil estabelecem. O dano indemnizável compreende, nos termos do artº 564.º do Código Civil, quer os danos emergentes (perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado) quer os lucros cessantes (acréscimo patrimonial que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que, ainda não tinha direito à data da lesão – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 8ª ed., 1994, p. 610). Igualmente, são de atender quer os danos presentes quer os danos futuros (aqueles que ainda não existem à data da fixação da indemnização), mas estes, apenas se forem previsíveis; contudo se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (cfr. nº 2, do mencionado artigo 564.º do Código Civil). Por outro lado, são também de atender, quer os danos patrimoniais (os que reflectem interesses económicos), quer os danos não patrimoniais ou morais (que reflectem interesses morais, espirituais ou ideais). Desde já se diga que, em “caso de acidente causado pelo veículo seguro, deve a seguradora indemnizar o lesado pela paralização de privação do uso do seu veículo, mesmo que ocorra perda total do mesmo. A paralização do veículo e a sua não reparação, ou a não entrega ao lesado do montante correspondente ao valor do dano, nada tem a ver com a excessiva onerosidade da reparação” (assim, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-09-1996, in BMJ, 459º, p. 600). Por outro lado, deve-se ter em linha de conta que “para ressarcir os prejuízos sofridos por um veículo em acidente de viação deve, antes de mais, repor-se em substância a utilização perdida pelo lesado. É ao lesante que cabe fazer ou mandar fazer esse trabalho” (neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-02-1987, in C.J., t. 1, p. 300). De todo o modo, “(...) apesar de a obrigação de reparação recair sobre a seguradora, à qual cabe dar a ordem para a reparação do veículo, o dono deste tem, em princípio, a faculdade de escolha da oficina onde se deve proceder a tal reparação” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-03-1999, in BMJ 485º, p. 484). E, como se decidiu no acórdão do S.T.J. de 08-11-1984 (in BMJ 341º, p. 418) “é ao lesante que incumbe providenciar pela reparação do veículo danificado, desde que o seu dono se não oponha, a menos que ela não seja possível ou se mostre excessivamente onerosa, de conformidade com os artigos 566º, nº 1 e 562º do Código Civil. Se o lesante não é pronto nesse providenciamento e a demora, por desleixo seu, avoluma o prejuízo relativo a gastos com o aluguer de um automóvel para substituir, no seu uso, o que ficou paralisado por força do acidente, será o mesmo lesante que haverá de suportar as consequências daí decorrente, e não o lesado. Se para agravamento de tais danos tiver contribuído o lesado, então terá a situação de ser encarada face ao estatuído no nº 1 do artigo 570º do Código Civil, com base no qual caberá ao tribunal, em atenção à culpa de ambas as partes e as consequências dela resultantes, decidir se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida, mesmo excluída”. António dos Santos Abrantes Geraldes (Temas da Responsabilidade Civil, I Vol. – Indemnização do Dano da Privação do Uso; Almedina, Coimbra, 2ª Ed., 2005, p. 27 e ss.) aborda exaustivamente a questão do dano da privação do uso, em particular decorrente de acidentes de viação, enunciando as diversas posições doutrinárias e jurisprudenciais que sobre a temática têm sido consideradas: 1) A orientação que nega a autonomia do dano decorrente da privação do uso (integrando-o no âmbito dos danos de natureza não patrimonial – vd., v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-02-2000, in BMJ 494.º, p. 396); 2) A orientação que reconhece a autonomia do dano da privação do uso, mas que exige a prova efectiva da existência de prejuízos de ordem patrimonial (vd., neste sentido, o Acórdão do STJ de 18.11.2008, Pº 08B2732, relator PEREIRA DA SILVA; o Acórdão do STJ de 16-03-2011, Pº 3922/07.2TBVCT.G1.S1, relator MOREIRA ALVES; o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 03-05-2011, Pº 2618/08.6TBOVR.P1; o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-12-2012, Processo 132/04.6TBRMR.L1-6, relatora ANABELA CALAFATE; o Ac. do TRP de 25-02-2014, relator RUI MOREIRA; o Ac. do TRP de 19-12-2012, relator IGREJA MATOS; o Acórdão do STJ de 12-01-2012, relator FERNANDO BENTO; o Acórdão do STJ de 04-05-2010, relator SEBASTIÃO PÓVOAS; o Acórdão do TRC de 02-02-2010, relator GONÇALVES FERREIRA; o Acórdão do STJ de 19-11-2009, relator HÉLDER ROQUE; o Acórdão do TRC de 08-09-2009, relator ARTUR DIAS; e o Acórdão do STJ de 06-11-2008, relator SALVADOR DA COSTA); e 3) A orientação que reconhece o direito de indemnização com fundamento na simples privação do uso normal do bem. O referido Autor (ob. Cit., pp. 72-73), depois da análise que efectua, elenca as proposições que refere extrair de tal análise, nos seguintes termos: “a) Provando-se a existência de prejuízos efectivos decorrentes da imobilização de um veículo, designadamente por causa de actividades que deixaram de ser exercidas, de receitas que deixaram de ser auferidas ou de despesas acrescidas, terá o lesado o direito de indemnização de acordo com a aplicação directa da teoria da diferença, considerando não apenas os danos emergentes como ainda os lucros cessantes. b) Tratando-se de veículo automóvel de pessoa singular ou de empresa utilizado como instrumento de trabalho ou no exercício de actividade lucrativa, a existência de um prejuízo material decorre normalmente da simples privação do uso, independentemente da utilização que, em concreto, seria dada ao veículo no período de imobilização, ainda que o veículo tenha sido substituído por outro de reserva; c) Mesmo quando se trate de veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade dos danos, tendo em conta a mera indisponibilidade do bem, sem embargo de, quanto aos lucros cessantes, se apurar que a paralisação nenhum prejuízo relevante determinou, designadamente, por terem sido utilizadas outras alternativas menos onerosas e com semelhante comodidade, ou face à constatação de que o veículo não era habitualmente utilizado; d) Em qualquer das situações, sem prejuízo do recurso à equidade ou mesmo à condenação genérica, a quantificação tanto dos danos emergentes como dos lucros cessantes será feita tomando em consideração todas as circunstâncias que rodearam o evento, nomeadamente a natureza, o valor ou a utilidade do veículo, os reflexos negativos na esfera do lesado ou aumento das despesas ou a redução das receitas; e) Em todos os casos serão sempre ponderados os princípios da boa fé, tal como o modo como o responsável e o lesado agiram na resolução do caso”. Efectivamente, não custa compreender que a simples privação do uso seja uma causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património, que possa servir de base à determinação da indemnização. Como propõe o referido Autor (ob. Cit., p. 57), nos casos em que a utilização de um veículo constitua um simples meio de transporte, para a efectivação de quaisquer deslocações, mesmo de lazer, não está afastada, à partida, a ressarcibilidade do dano emergente da privação do uso do veículo, havendo, quanto aos lucros cessantes que apurar se a paralisação determinou algum ou nenhum prejuízo, pela existência de alternativas menos onerosas ou com semelhante comodidade ou caso se demonstre que o veículo – danificado – não era habitualmente utilizado. Com efeito, “(…) o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, do mesmo modo que confere ao proprietário o direito de não usar. A opção pelo não uso ainda constitui uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectada pela privação do bem. Neste contexto, sendo a disponibilidade material dos bens um dos principais reflexos do direito de propriedade, apenas excepcionalmente, perante um quadro factual mais complexo, será possível afirmar que a paralisação não foi causa adequada de danos significativos merecedores da ajustada indemnização” (Aut. Cit.; ob. Cit., pp. 57-58). Em igual sentido, Luís Menezes Leitão (Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, p. 317) refere que “o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano”. Isso mesmo foi afirmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2017 (processo 1817/16.0T8LSB.L1-2, relatora ONDINA CARMO ALVES): “A privação do uso de um veículo sinistrado constitui um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao seu proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da CRP e que pode ser economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade”. Também, no acórdão do STJ de 12-01-2010 (Pº 314/06.6TBCSC.S1) se decidiu que: “O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.º da CRP)” De igual modo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-02-2014 (Processo 889/11.8 TBSSB.L1-6, relator CARLOS MARINHO) se concluiu que: “O dano pela privação de uso de veículo é indemnizável no caso de perda total do mesmo, tal como acontece quando há lugar à reparação. A simples privação do uso do veículo automóvel é suficiente para fundar o direito a indemnizar, pois trata-se de um dano autónomo com valor pecuniário, que priva o respectivo titular da disponibilização do mesmo, não sendo assim necessária a prova de quaisquer outros factos (nomeadamente a ocorrência de danos concretos ou o destino dado habitualmente ao veículo) e sendo, nesse caso, o montante indemnizatório fixado com recurso à equidade”. Entende-se, na realidade, que a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, um dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa. A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação. A jurisprudência, embora não unânime, como se viu, tem alinhado neste sentido. Vejam-se, exemplificativamente: - Ac. STJ de 05-07-2007, Pº 07B1849, relator SANTOS BERNARDINO; - Ac. STJ de 06-05-2008, Pº 08A1279, relator URBANO DIAS; - Ac. STJ de 12-01-2010, Pº 314/06.6TBCSC.S1, relator PAULO SÁ; - Ac. STJ de 08-05-2013, Pº 3036/04.9TBVLG.P1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA; - Ac. STJ de 05-07-2018, Pº 176/13.7T2AVR.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES - Ac. STJ de 25-09-2018, Pº 2172/14.8TBBRG.G1.S1, relator ROQUE NOGUEIRA; -Ac. TRL de 12-10-2006, Pº 6600/2006-6, relator OLINDO GERALDES; - Ac. TRL de 21-05-2009, Pº 1252/08.3TBFUN.L1, relator JORGE LEAL; - Ac. TRL de 11-10-2012, Pº 3525/09.9TBCSC.L1, relatora ONDINA CARMO ALVES; - Ac. TRL de 06-12-2012, Pº 813/09.8TVLSB.L1-6, relatora MARIA DE DEUS CORREIA; - Ac. TRL de 27-02-2014, Pº 889/11.8 TBSSB.L1-6, relator CARLOS MARINHO; - Ac. TRL de 27-02-2014, Pº 577/11.5YXLSB.L1-2, relator TIBÉRIO SILVA; - Ac. TRL de 29-09-2016, Pº 1108/08.0TBMTJ.L1.-2, relator JORGE LEAL; -Ac. TRL de 13-10-2016, Pº 640/13.8TCLRS.L1-2, relatora ONDINA CARMO ALVES; - Ac. TRL de 11-05-2017, Pº 350/12.3TVLSB.L1-2, relatora ONDINA ALVES; - Ac. TRL 25-05-2017, Pº 12795/15.2T8ALM.L1-2, relator JORGE LEAL; - Ac. TRL 20-12-2017, Pº 1817/16.0T8LSB.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES; - Ac. TRL de 12-07-2018, Pº 3.664/15.T8VFX.L1-6, relator MANUEL RODRIGUES; -Ac. TRC de 11-03-2008, Pº 1339/05.4TBCVL-A.C1, relator VIRGÍLIO MATEUS; -Ac. TRC de 23-02-2010, Pº 3146/08.3TBLRA.C1, relator CARLOS QUERIDO; -Ac. TRC de 24-06-2014, Pº 73/13.6TBSCD.C1, relator ARLINDO OLIVEIRA; -Ac. TRC de 06-02-2018, Pº 189/16.7T8CDN.C1, relator FALCÃO DE MAGALHÃES; -Ac. TRP de 17-03-2011, Pº 530/09.9TBPVZ.P1, relator FREITAS VIEIRA; - Ac. TRP de 13-10-2009, Pº 3570/05.3TBVNG.P1, relator HENRIQUE ANTUNES; -Ac. TRP de 26-09-2013, Pº 1393/11.0TBPNF.P1, relator ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA; -Ac. TRP de 30-06-2014, Pº 1397/13.8TJPRT.P1, relator MANUEL DOMINGOS FERNANDES; - Ac. TRP de 16-03-2015, Pº 224/12.8TVPRT.P1, relator CARLOS GIL; - Ac. TRP de 21-02-2018, Pº 1069/16.1T8PVZ.P1, relator FILIPE CAROÇO; - Ac. TRG de 17-01-2013, Pº 872/10.0TBPTL.G1, relator ANTÓNIO SOBRINHO; - Ac. TRG de 25-06-2020, Pº 1136/18.7T8PTL.G1, relator ALCIDES RODRIGUES; -Ac. TRE de 14-02-2008, Pº 2574/07-3, relator PIRES ROBALO; -Ac. TRE de 20-01-2010, Pº 3756/04.8TBSTB.E1, relator ACÁCIO NEVES; - Ac. TRG de 14-09-2010, Pº 4374/08.7TBGMR.G1, relatora ISABEL FONSECA; - Ac. TRE de 15-12-2016, Pº 103/13.1 T3ASL.E1, relator CARLOS DE CAMPOS LOBO; e - Ac. TRE de 22-03-2018, pº 1234/17.4T8STB.E1, relatora ANA MARGARIDA LEITEÃO. No caso vertente, provado ficou que, em consequência do acidente aqui em causa o veículo do autor se encontra parado e impossibilitado de circular desde a data do acidente (19-02-2019). Não ficou provado que o autor, a esposa ou o filho se tivessem que deslocar a pé, à boleia, de transportes públicos ou de táxi, nem que o aluguer diário de uma viatura com características idênticas tenha um custo diário de pelo menos €15,00. Ora, decorre do artigo 42.º do Regime Jurídico do Seguro Obrigatório da Responsabilidade Civil Automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto, que: “Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores”(n.º 1). No caso de perda total do veículo, essa obrigação cessa no momento em que a seguradora coloque à disposição do lesado a indemnização devida (n.º 2). E, nos termos do n.º 3 do aludido artigo 42.º, “a empresa de seguros responsável comunica ao lesado a identificação do local onde o veículo de substituição deve ser levantado e a descrição das condições da sua utilização.” O n.º 5 do mesmo artigo ressalva que “o disposto neste artigo não prejudica o direito de o lesado ser indemnizado, nos termos gerais, no excesso de despesas em que incorreu com transportes em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs do veículo de substituição.” Muito embora tais preceitos se reportem a uma fase pré-jurisdicional, de regulação dos sinistros, não vinculando os tribunais na definição dos danos ressarcíveis, facto é que, sintomaticamente, não condicionam a atribuição de viatura de substituição à demonstração da necessidade da mesma. Paralisado que se encontra o veículo, aguardando reparação, a ré deveria satisfazer o dano inerente. E, parece-nos que, “quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel, danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos efectivos” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-04-2014, relator FONTE RAMOS). Na realidade, a privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização (assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-05-2013, relator AVELINO GONÇALVES e, em igual sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 22-01-2013, relator LUÍS CRAVO). Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-05-2012, “o dano pela privação do uso do veículo é indemnizável com recurso à equidade, desde que esteja demonstrado que era normalmente utilizado pelo proprietário na sua vida corrente, o que se deduz da utilização de veículos de familiares, logo após o acidente.”. Assim, “seja o veículo mais recente ou mais antigo, desde que o seu proprietário o usasse normalmente, e não se mostre que a vetustez, a quilometragem percorrida ou outros factores teriam impedido ou alterado a continuação desse uso normal, a privação do uso deverá ser compensada atendendo exclusivamente à desvantagem económica decorrente da privação dessa utilização normal, desconsiderando aqueles factores, apenas relevantes quando esteja em causa indemnização pelo valor da coisa (perda ou substituição). A indemnização por privação do uso, deve corresponder, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha possibilidades económicas, operando-se o ressarcimento, em última análise, segundo critérios de equidade – art. 566.º, n.º 3, do CC.” (cfr. ac. do STJ de 23-11-2002, relator ALVES VELHO e, no mesmo sentido, o ac. do STJ de 15-11-2011, relator MOREIRA ALVES). Citem-se ainda os seguintes arestos: - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2018 (Processo 176/13.7T2AVR.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES) concluindo que: “Independentemente da resposta à questão da ressarcibilidade do dano da privação do uso como dano autónomo de natureza patrimonial, o facto de o veículo sinistrado ser usado pelo lesado no seu quotidiano profissional e na sua vida particular não pode deixar de determinar a atribuição daquela indemnização respeitante ao período em que perdurou a privação do uso da viatura (…). Na determinação do valor dessa indemnização, por forma a obter uma aproximação relativamente ao objetivo da restauração natural da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo ou se acaso a Seguradora tivesse entregue ao lesado um veículo de substituição, cabe a ponderação do valor que esta suportaria com o aluguer de um veículo que desempenhasse uma funcionalidade semelhante àquela que desempenhava o veículo sinistrado, com recurso à equidade em face das demais circunstâncias”; - O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-05-2019 (Processo 43/18.8T8TBU.C1, relator ISAÍAS PÁDUA) concluindo que: “I- Da imobilização de um veículo em consequência de acidente de viação pode resultar: a) um dano emergente - a utilização mais onerosa de um transporte alternativo como o seria o aluguer de outro veículo; b) um lucro cessante - a perda de rendimento que o veículo dava com o seu destino a uma atividade lucrativa; c) um dano advindo da mera privação do uso do veículo que impossibilita o seu proprietário de dele livremente dispor, gozar e fruir, nos termos que se encontram plasmados no artº. 1305º do CC. II- Ocorrendo a última situação referida em c), a privação do uso de veículo constitui em si mesmo um dano autónomo, de expressão patrimonial, que deverá ser ressarcido, bastando para tal tão só que o seu proprietário afetado demonstre a utilização que dele vinha fazendo à data do acidente (independentemente do seu fim, que tanto pode ser de trabalho, de lazer, ou outro qualquer) e que por força dessa privação, causada pelos danos nele provocados, deixou de o poder fazer, isto é, de dele livremente poder dispor, gozar e fruir por certo período de tempo. III- Em tais situações, o valor desse dano, como equivalente económico (compensatório), deve ser determinado/estimado com o recurso à equidade, num julgamento ex aequo et bono, com uma ponderação das circunstâncias concretas que o motivaram e das realidades da vida”; - O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-02-2018 (Processo 189/16.7T8CDN.C1, relator FALCÃO DE MAGALHÃES) decidindo que: “I -Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações: - uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo; - uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos. II. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação. III. Na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias. IV. No que concerne aos danos decorrentes da privação de uso do veículo cumpre ter presente que se provou que a autora ficou privada do seu uso, pelo menos, durante 20 dias úteis, cumprindo ainda atender ao facto de que a simples privação do uso do seu veículo traduziu-se numa diminuição patrimonial que cumpre reparar. V. Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566º, n. 3, do Código Civil. VI. Para este efeito pode tomar-se como ponto de referência, por exemplo, a quantia necessária para o aluguer de um bem de características semelhantes, devendo realizar-se em abstracto uma ponderação global das várias situações por forma a chegar-se a um valor concreto, nomeadamente que tal valor deve ser sempre tomado como simples referência e não em termos absolutos, que deve do mesmo ser excluída a normal taxa de lucro obtida por estas entidades por forma a evitar-se um benefício injustificado por parte do lesado, tendo-se sempre presente o uso concreto que o lesado fazia do veículo em causa”. Assim, no caso, o dano imediatamente ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a actividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afecto. Na realidade, como se viu, a reparação e o tempo desta não influem na apreciação do quantum indemnizatório, que se encontra ligado à indisponibilidade de uso do veículo, o qual tem por base a imobilização de tal bem, e não a reparação e o tempo necessário para o mesmo voltar a circular. E, a titularidade deste direito indemnizatório não se anula pela utilização de um outro veículo, o qual apenas proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efectuada. Todavia, se é certo que tal utilização não erradica o dano consistente na impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, ainda assim, tal utilização deverá ser atendida na fixação do quantum indemnizatório, chegando-se à conclusão que tal montante será inferior face aos casos em que o sinistrado não tenha outro veículo com o qual possa suprir a utilidade decorrente da realização de viagens. Ora, tem sido considerado que o padrão de referência será o do custo do aluguer de viatura semelhante, muito embora seja ponderado que, como se viu – cfr. motivação de facto da decisão recorrida - o autor continuou a dispor de outro veículo. Não resultando dos factos provados o custo diário correspondente a uma viatura da mesma natureza, a indemnização pela privação do uso terá que ser feita com recurso à equidade (cfr. artigo 566.º, n.º 3, do CC), o que, aliás, foi expressamente referenciado na decisão recorrida. Na decisão recorrida atribuiu-se, a este título, a quantia indemnizatória global de € 2.500,00. Este valor mostra-se equitativo e pondera o longo tempo de imobilização do veículo do 1º autor, desde a ocorrência do acidente, devendo a ré assumir a responsabilidade por esse dano que o autor sofreu, de privação do uso do veículo sinistrado. Não procedem, pois, também relativamente a esta questão, as conclusões da apelante. * F) Se a ré deve ser absolvida de indemnizar o 2.º autor relativamente a danos morais? Finalmente, invocou ainda a ré/recorrente que o acidente dos autos “não causou incómodos extraordinários para além dos incómodos próprios de quem sofre um acidente tais como privação do uso do veículo, participar o acidente, susto etc… Os danos no carro foram de reduzida monta de tal forma que por todos foi declarado que os AA foram a conduzir o próprio carro para a sua casa que ainda distava bastante do local do acidente. Nenhum dos autores foi assistido ou teve de se deslocar a hospital ou centro médico. O art. 496 do C. Civil pretende tutelar danos morais relevantes para o direito que não são os danos que se encontram aqui em causa. Na verdade, entende a jurisprudência que os meros incómodos próprios de um acidente não merecem a tutela do direito (…). A douta sentença decorrida também aqui errou ao arbitrar uma indemnização de 3.000,00 euros, por aquilo que não passou de meros incómodos. Tal dano não tem uma relevância que mereça essa tutela, pois de outro modo qualquer acidente (e o susto ou o medo é inerente a qualquer situação de acidente por momentos) mereceriam a tutela do direito a título de danos morais. No caso tratando-se, ainda por cima de um jovem, inúmeras vão ser as vezes que pela sua vida fora, certamente passar por ocasiões mais stressantes que a aqui em causa nos autos e nem por isso as mesmas vão ser suscetíveis de ser indemnizadas. O direito tutela uma lesão moral autónoma, excepcional e relevante que não foi a que se demonstrou ter ocorrido nos persentes autos devendo a R. ser absolvida dessa quantia”. Em termos gerais, como se fez nos acórdãos do STJ de 28-01-2016, processo n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1 e de 06-12-2017, processo n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1, ambos relatados por MARIA DA GRAÇA TRIGO, os critérios gerais para a determinação do cálculo indemnizatório podem sintetizar-se nos seguintes termos: “- “O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do Código Civil). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC)”; - “A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença. Deve antes ser decidida pelo tribunal, segundo um juízo de equidade (art. 496º, nº 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494º, do CC”; - “Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), «a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’»; - “A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição». Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.””. Um dos casos em que a lei prevê o recurso à equidade na decisão consiste na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, a fixar, nos termos do artigo 496.º, n.º 4, do CC, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código. A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva: Compensatória, na medida em que o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, na qual se atende à extensão e gravidade dos danos; Punitiva, na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso. Neste domínio, o “Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos” (assim, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 1987, p. 499). Cabe, pois, ao Tribunal apreciar, em cada caso, se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. Como situações de danos relevantes podem enumerar-se a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira. Neste âmbito, os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais. O artigo 496.º, n.º 1, do CC atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória. “Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade humana” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2004, Proc.º n.º 2616/04, rel. SALVADOR DA COSTA). O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC (cfr. Maria Manuel Veloso; “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542). Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-05-2019 (Processo 1760/16.2T8VCT.G1, rel. MARGARIDA SOUSA): “Os danos não patrimoniais devem ser objeto de compensação a fixar com recurso à equidade, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência (art.’s 496º, nº 3, e 494º do Cód. Civil), sempre com o objetivo, não de se reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido a lesão – como se impõe fazer ao nível dos danos patrimoniais –, mas antes de se proporcionar uma satisfação adequada ao lesado. A compensação em causa “tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral” (Acórdão do STJ de 24.04.2013). Merecem, ainda, ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações (Acórdão da Relação do Porto de 19.02.2004 – Apelação nº 3546/03, 2ª secção). E isto assim é, na verdade, porque o intérprete da lei deve ter presente as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada (art. 9º, nº 1, do Código Civil), nota esta, do legislador, que Antunes Varela e Pires de Lima qualificam de “vincadamente actualista” (CC Anotado, I, pág. 58). Por outro lado, como repetidamente o Supremo Tribunal de Justiça tem dito, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios”. Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC (neste sentido, vd. Antunes Varela; Das Obrigações em Geral; Vol. I, p. 577; para maiores desenvolvimentos, vd. Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite; A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais; FDUNL, Lisboa, 2015). Revertendo ao caso dos autos, a decisão recorrida pautou-se na fixação do ressarcimento dos danos morais ao 2º autor, na seguinte ordem de considerações: “A lei admite a indemnização por danos não-patrimoniais. Nos termos do art. 496º, nº1 do Código Civil, os danos não patrimoniais serão atendíveis sempre que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito. Segundo o nº 3 do mesmo preceito legal, o montante indemnizatório será fixado equitativamente pelo Tribunal (artigo 4º, alínea a) do Cód Civil), tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesado e as demais circunstâncias que o justifiquem (por remissão para o art 494º do referido Código). Com efeito, como se lê no Douto Acórdão do TRL de 12/10/2010, proc. n.º 2691/04.4TBALM.L1-7, o direito indemnizatório atribuído pelo artº 496º, nº 1, do Código Civil, respeitante aos denominados »danos morais«, é de natureza eminentemente pessoal, assentando na afectação personalizada da esfera jurídica do lesado, traduzida numa situação de injusto padecimento que lhe é imposta, a qual, pela sua especial gravidade, merece a tutela do direito e justifica a compensação pecuniária correspondente. Por seu turno, lê-se no Douto Acórdão do TRL de 20/10/2005, proc. n.º 1082/2005-8, só são indemnizáveis os danos que afectam profundamente os valores ou interesses da personalidade jurídica ou moral; os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações, cuja gravidade e consequências se desconhecem, não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis. Esta orientação encontra-se mais confirmada pelo Douto Acórdão do TRP de 24/03/2014, proc. n.º 303/12.1TJPRT.P1 onde se lê que os simples incómodos, desconfortos e arrelias comuns, porque não atingem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização por danos não patrimoniais. A este respeito, vale a pena ler a fundamentação do Douto Acórdão do TRL de 07/11/2018, proc. n.º 158/16.7T8SRQ.L2-4: II– Os danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado, nomeadamente: integridade física, saúde, tranquilidade, bem-estar físico e psíquico, liberdade, honra e reputação. IIII– Tais danos verificam-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, nomeadamente de personalidade. (…)V– Contudo não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns. (…)Cabe recordar que nos termos do nº 1º do 496.º, nº1, do Código Civil[35], são indemnizáveis os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, sendo que dano é "todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem" (vide Prof. Vaz Serra, BMJ nº 84, pág 8). Os danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria geral do direito Civil, págs. 85 e 86, edª de 1976). Como tal não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns. (…)Tal como se refere em Acórdão da RL de 24 de Maio de 2007 (Processo nº 07A1187)[36] “ os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral de uma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrente de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc. Todavia, a avaliação da respectiva gravidade tem – e deve - aferir-se de acordo com um critério objectivo e não à luz de factores subjectivos (vide Antunes Varela, Obrigações em Geral, I, 9ª edição, p. 628). Ora constitui orientação jurisprudencial consolidada que as simples contrariedades ou incómodos apresentam um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do nº 1 do artº 496º do CC (vide, neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 11.05.98, Processo 98A1262ITIJ). E cumpre destrinçar aqueles que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios dos que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para merecer compensação: sendo certo que se deve considerar dano grave não apenas aquele que é exorbitante ou excepcional, mas também o que sai da mediania, ultrapassando, pois, as fronteiras da banalidade. Isto é; um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis em termos de resignação (vide ac. do STJ de 24.05.2007, processo 07A1187, acessível em www.dgsi.pt.). Porém, como é óbvio, não é fácil a concretização prática destes princípios, designadamente no tocante a traçar a fronteira entre meras contrariedades e incómodos e um nível de gravidade superior que integre o dano não patrimonial ressarcível. Tal distinção deve ser efectuada segundo um padrão objectivo, sendo certo, no entanto, que a doutrina e jurisprudência formulam posições baseadas no caso concreto. Cabe, nesse particular, levar em linha de conta os valores estruturantes da vida em sociedade vigentes em cada momento, isto é o modo de vida colectivo padrão, o qual, como é evidente, varia. A sociedade contemporânea é sobretudo urbana, cosmopolita, aberta, globalizada e complexa. Relevam, pois, os aspectos formais da aparência, em que os valores de solidariedade interpessoal e de probidade se esbatem, em detrimento de valores materiais, centrada no sucesso e na comodidade pessoal “ – fim de transcrição .[37] Cabe ainda salientar que a lei remete a fixação do montante compensatório por estes tipo de danos para juízos de equidade, haja culpa ou dolo (cf. artº 496º, nº 3 do CC), tendo em atenção os factores referidos no artº 494º do CC (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias). Por sua vez, a equidade traduz-se na observância das regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, dos parâmetros de justiça relativa e dos critérios de obtenção de resultados uniformes (…). Por outro lado, transitando para o autor JM…, obviamente que a os sentimentos vivenciados por este, descritos no ponto 18 dos factos provados, são perfeitamente integráveis no conceito de »danos não-patrimoniais« e que os mesmos merecem inequivocamente a tutela do Direito; com efeito, note-se que ser abalroado por um veículo pesado e encurralado contra os rails de separação da via é idóneo a levar qualquer um a temer (razoavelmente e sensatamente) pela vida, pelo que o Tribunal não tem qualquer dúvida de que os momentos de aflição, pânico e antevisão da morte serão perfeitamente indemnizáveis. Atendendo aos critérios de fixação dos danos não-patrimoniais, os quais são remetidos para a equidade (art. 496º, n.º 3 do Código Civil), o Tribunal julga justa e equitativa a indemnização peticionada no valor de €3000,00. Com efeito, note-se que a responsabilidade civil, no caso de lesões de direitos de personalidade, deve ter não apenas uma função ressarcitiva mas igualmente punitiva para o lesante (cfr o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/02/2014, proc. n.º 287/10.0 TBMIR. S1; Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/2009, proc. n.º 08P3704; Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/04/2013, proc. n.º 198/06TBPMS.C1.S1 – os quais reconheceram a especial relevância de se atribuir uma função punitiva à responsabilidade civil nas situações em que inexiste uma prévia contratualização da responsabilidade). Por outro lado, constitui tendência actual da Jurisprudência emanada pelos Venerandos Tribunais superiores abandonar uma certa parcimónia na fixação da indemnização por danos não-patrimoniais, concedendo-se uma tutela ressarcitória mais elevada e completa à integridade física do ser Humano. Em apoio à nossa orientação, chamamos à colação as aliás doutas palavras vertidas na fundamentação do Acórdão do TRG de 16/09/2014, proc. n.º 597/11.0TBTNV.C1: A lei não define o dano não patrimonial. Doutrinariamente o conceito é recortado pela negativa. O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual (…); o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral(…); é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro(…); é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária(…). A definição e a valoração do dano não patrimonial são, portanto, tarefas irremediavelmente carecidas de concretização jurisprudencial. O modo como essa actividade concretizadora tem sido desempenhada pela jurisprudência, mesmo no tocante ao dano de natureza máxima – o dano morte - tem merecido, por parte da doutrina, um juízo severo. Em face da exiguidade do valor das indemnizações por danos não patrimoniais comummente fixadas, fala-se, com acrimónia, em página negra da nossa jurisprudência (…), em indemnizações de miséria(…) e em extrema parcimónia (…). O reparo é justo. Mas seria injusto, de um aspecto, não partilhar a censura com o legislador, que se mostra mais sensível aos danos patrimoniais que aos danos não patrimoniais(…) e aos termos um tanto deprimidos(…) com que se consagrou a ressarcibilidade dos danos desta última espécie e, de outro, não admitir uma clara evolução no reforço das indemnizações desse tipo de dano, consequente ao reconhecimento da sua especificidade e alteralidade relativamente ao dano patrimonial e à consciência da necessidade de uma tutela acrescida dos direitos de personalidade(…). A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas(…). In casu, consideramos que o valor de €3000,00, a título de danos não-patrimoniais, se afigura perfeitamente ajustado, atendendo ao abandono da tendência parcimoniosa na fixação destes danos, à necessidade de uma maior tutela da integridade física e psíquica do ser Humano (art 70º do Cód Civil) e aos factos considerados provados (…).”. A ré imputa à decisão recorrida uma inadequação apreciativa relativamente ao montante fixado, entendendo, igualmente, que estamos perante meros incómodos próprios de um acidente, que não merecem a tutela do direito. Ora – apreciando - importa salientar que se apurou que o autor JM…, na ocasião do acidente, viveu momentos de grande aflição, pânico e antevisão da morte. Trata-se da vivência de estados psíquicos, de pendor negativo, que expressam grave angústia e medo, ainda que limitados no tempo. E, se é certo que, muito embora sejam configuráveis, em geral, danos de mais grave valia (pense-se, por exemplo, em graves dores resultantes de graves lesões físicas, como a amputação de membros, ou decorrentes de prolongados internamentos hospitalares, ou ainda, da sujeição a intervenções cirúrgicas, por exemplo, para recomposição de tecidos, determinando o uso de próteses, etc.) tal não permite concluir que esta vivência do 2.º autor, para o qual o mesmo não contribuiu, possa configurar-se num mero incómodo, antes tendo atingido um patamar de gravidade que justifica e determina a fixação de uma indemnização ressarcitória de tais danos. Na jurisprudência podem assinalar-se alguns casos de indemnização por danos não patrimoniais, bem como, os valores atribuídos: - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-01-2018 (Pº 2272/15.7T8CHV.G1, rel. JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS): “A compensação de 14.000,00 euros é adequada, necessária, proporcional mas suficiente para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesada de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que à data daquele contava 29 anos e que, por via do acidente, sofreu lesão lacero contusa na testa, que necessitou de 16 pontos exteriores e 8 interiores, com dores por todo o corpo, designadamente na cabeça, com um dia de internamento hospitalar e um dia de incapacidade total para o trabalho e 92 dias de incapacidade parcial, sendo o quantum doloris fixável no grau 3 de 7, e que ficou, como sequelas, a padecer de síndrome pós traumático ligeiro e alterações de memória e cicatriz quelóide na testa, com uma extensão de 3 x 2 cms., com traço cicatricial na sua continuidade de 7 cms., o que lhe determina um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos e um dano estético de grau 4 de 7, sendo desaconselhada a correção, por cirurgia estética, dessa cicatriz, por risco de propensão para a cicatrização patológica, e que faz com que a Autora sinta vergonha dessa cicatriz, tentando-a esconder com o cabelo quando sai à rua. A compensação de 4.000,00 euros mostra-se adequada, necessária, proporcional mas suficiente para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesada de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que em consequência do acidente sofreu dores ao nível do membro superior direito e antebraço e escoriações na perna, com fratura dos 3º, 4º e 5º metacarpo da mão direita, que reclamaram tratamento com anti-inflamatório e analgésico e imobilização dos dedos e antebraço, através de gesso, durante 1 mês e 12 dias, determinando à sinistrada um défice temporário parcial e profissional durante 62 dias e um quantum doloris no grau 3 de 7 e que ficou curada sem sequelas”; - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2019 (Pº 70/16.0SRLSB.L1-5, rel. JOSÉ ADRIANO): “Perante as consequências do acidente, a ofendida sofreu bastantes dores, padeceu de enorme angústia e teve bastantes incómodos, durante um período de tempo bastante dilatado, situação que, na sua globalidade, lhe causou grande sofrimento sendo esse sofrimento que a indemnização por danos não patrimoniais visa compensar, considerando-se adequada para tal compensação a atribuição da quantia de € 13 000,00”; -Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2018 (Pº 762/15.0T8LRA.C1, rel. EMÍDIO SANTOS): “É equitativa a indemnização de dez mil euros [€ 10 000,00] pelos seguintes danos não patrimoniais: sofrimento físico e psíquico vivido pelo autor, fixado, no grau 4, défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, fixado em 1 ponto, e desgosto causado pelo facto de a vítima ter deixado, durante vários meses, de andar de bicicleta e de jogar futebol, actividades que eram do agrado dela”. No caso dos autos, o valor de € 3.000,00 para compensação dos danos não patrimoniais registados na pessoa do 2.º autor, não se mostra, em face de todas as considerações expendidas, desadequado ou desproporcionado, merecendo acolhimento integral o valor fixado pelo Tribunal a quo, em linha com os critérios gerais aplicáveis – designadamente, os artigos 496.º, n.º 1 e 494.º do CC. Nesta medida, revelando-se a indemnização por danos não patrimoniais conforme à equidade e sem desadequação com os critérios jurisprudenciais adotados noutros casos, situando-se o valor indemnizatório muito abaixo de outras decisões em que foram fixadas quantias indemnizatórias de danos não patrimoniais, revelando maior gravidade, deve manter-se a indemnização fixada pela 1.ª instância. Improcede, pois, a apelação deduzida também relativamente a este fundamento recursório, mantendo-se integralmente a decisão recorrida. * A responsabilidade tributária inerente incidirá sobre a ré/apelante, que decaiu integralmente no presente recurso - cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC. * 5. Decisão: Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação deduzida e, em consequência, em manter a decisão recorrida. Custas pela ré/apelante. Notifique e registe. * Lisboa, 22 de outubro de 2020. Carlos Castelo Branco Lúcia Celeste da Fonseca Sousa Magda Espinho Geraldes |