Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20457/21.5T8LSB.L2-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: SUBSÍDIO DE FUNÇÃO
EMPRESAS DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
CRÉDITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Apenas os trabalhadores com a categoria de vigilante e que operem uma central de recepção e monitorização de alarmes têm direito a auferir um subsídio de função pela actividade especializada de recepção, gestão, validação e conservação de sinais de alarme que aí desenvolvem e que é exclusiva de pessoal de vigilância, vinculado a entidade de segurança privada, diferentemente de outros trabalhadores com a categoria de vigilante que, sem que a lei o exija, porventura prestem tarefas de recebimento de alarmes e visionamento de imagens de videovigilância numa central de controlo (situada nas instalações do cliente).
2. Não se alegando nem provando a cessação do contrato de trabalho, o trabalhador não tem direito a receber a retribuição correspondente a horas de formação que não lhe tenha sido proporcionada, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular.
(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra ESEGUR – Empresa de Segurança S.A. e 2045 – Empresa de Segurança S.A., pedindo a condenação das RR. a solidariamente pagarem ao A. subsídio de função, no valor de 5.964,33 €, a quantia de 17.892,99 € a título de indemnização pela mora superior a 60 dias, nos termos do art. 45.º do CCT aplicável, e a quantia de 530,15 € a título de formação profissional, acrescidas de juros de mora desde a citação.
Para tanto sustenta que, em 16 de Julho de 2012, o A. foi admitido pela 1.ª R. e que, entre Janeiro de 2014 e Maio de 2021, ao serviço da mesma e por indicação expressa desta, prestou as funções de operador de central, no Hospital XX, em Lisboa, nomeadamente desenvolvendo a actividade de operador de alarmes e vigilância electrónica e televigilância, desenvolvendo todos os procedimentos de alarme e registos de incidentes, pelo que lhe devia ter sido pago o subsídio previsto no anexo IV do CCT aplicável, inclusive nas férias e respectivos subsídios que se venceram no período em causa.
Acresce que, no dia 31/05/2021, houve transmissão do estabelecimento para a 2.ª R., pelo que, nos termos da cláusula 14.ª do CCT aplicável e do art. 285.º do Código do Trabalho, as RR. são solidariamente responsáveis pelo pagamento das quantias em dívida, incluindo a título de formação profissional que não lhe foi ministrada nos últimos 3 anos, no valor de 530,15 € (115 horas x 4,61 €).
As RR. contestaram, concluindo pela improcedência da acção.
A 1.ª R. nega algumas tarefas que o A. diz efectuar e refere que o mesmo não é um operador de central tal como o define a lei de segurança privada, razão pela qual não lhe é devido o subsídio de função de operador de alarmes. Por outro lado, ministrou formação profissional em 32 horas, não sendo responsável pela que não foi ministrada após a transmissão de estabelecimento.
Por seu turno, a 2.ª R. nega ter existido transmissão de estabelecimento, não podendo ser responsabilizada pelos créditos da 1.ª R.. Por outro lado, nega igualmente que as funções que o A. desempenhava lhe conferissem direito a receber o subsídio de função.
Oportunamente, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença a absolver as RR. do pedido.
O A. interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1 - O A. pretende que o seu pedido seja julgado totalmente procedente, sendo as RR. condenadas a pagar-lhe o subsídio de função (alarmista/central de alarmes) e a formação profissional que não lhe foi ministrada.
2 - Quanto ao documento de fls. 246, o despacho que consta da acta da audiência de 11/05/2023, não foi respondido pelo A. uma vez que no dia 22/05/2023 (último dia que foi concedido ao para se pronunciar) a acta ainda não constava do citius, pelo que o requerente estava objectivamente impedido de exercer em toda a sua extensão o contraditório – cfr. acta assinada em 22/05/2022 e só disponibilizada em 23/05/2023.
3 – O depoimento da testemunha BB, ouvido no dia 11/05/2023 e gravado do citius, confirmou integralmente a versão do A., quanto à proveniência do documento de fls. 246.
4 – Explicou que com a anterior empresa de segurança do Hospital XX (até Maio de 2021), se encontrava afixado no posto de trabalho que referiu como sendo a central de segurança, nunca tendo afirmado que o A. detinha cópia do mesmo (4m22);
5 – Depois, referiu que teve um diferendo similar aos dos autos com a 1ª Ré e remeteu à sua Associação Sindical – Associação Sindical da Segurança Privada - no início do ano de 2022, entre outros, o referido documento (5m32s);
6 – Explicou (ou pelo menos tentou) que o A. poderá ter aproveitado esse envio para aceder à cópia do documento (indirectamente através da testemunha), sendo que a data em que o mesmo foi junto aos autos e a justificação para tal é perfeitamente compaginável com tal realidade.
7 - E diz-se que tentou porque a Srª Juiz “a quo” ficou presa à letra do requerimento que refere que a testemunha tinha entregue o documento ao A., sendo que se apurou que a testemunha o entregou à associação sindical que fez chegar o documento ao A., o que é rigorosamente a mesma coisa.
8 - A Srª Juiz cuja suspeição não foi decretada no competente incidente, encrespou-se (como se ouve na gravação) e quando a testemunha tentou explicar o circuito do documento foi literalmente impedida de falar, sendo indirectamente apelidado de “mentiroso”… Argumentando que tinha-o questionado por 3 vezes e que por 3 vezes a testemunha afirmou não ter entregue o documento ao A., no que se consente ser verdade.
9 - As 4 unidades de conta aplicadas ao A. (que litiga com o suporte jurídico do sindicato e isento de custas) como litigante de má-fé, são absolutamente indiscritíveis, inaceitáveis, desrespeitosas para o trabalhador e para o signatário.
10 - O recorrente entende (e pretende) que o documento deveria ter sido aceite e ter-se permitido produzir prova sobre o mesmo, que aliás já tinha sido requerida.
11 – Assim, devem ser alterados os dois pontos dados como provados na acta de julgamento do dia 11/05/202, cair a condenação do A. como litigante de má-fé e ser aceite o documento, com as inerentes consequências legais.
12 –É o seguinte o despacho da Senhora Juiz “a quo” na primeira página da acta da audiência de julgamento de 07/02/2022: “Despacho - O único facto da petição inicial controvertido relativo às funções é o constante no artigo 7º da petição inicial o qual contém, mais noções conclusivas do que factos. Apenas quanto a este facto tal qual está alegado se permitirá a produção de prova desde já se alertando as partes que nenhum pergunta será permitida ser feita que extravase os exatos temos do que está alegado”.
13 - A Senhora Juiz terá detectado, no seu entendimento, um lapso na alegação de facto que deveria ter convidado o A. a corrigir, com base no seu poder/dever de direcção do processo – artº 265º do CPC
14 - O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é, nos termos do disposto na alínea b), do nº 2, do artigo 590º do Código de Processo Civil, uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever funcional.
15 - A omissão desse acto devido, influindo no exame e decisão da causa, implica a nulidade da sentença nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 195º do CPC.
16 - Sem proceder, o A. entende que não seria necessário o convite ao aperfeiçoamento se o tribunal “a quo” tivesse tido em conta (o que não sucedeu), conforme foi reclamado pelo A., que o Juiz tem, no modelo processual vigente, a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
17 - Vejamos o que foi escrito no artigo 7º da P.I., o que daí resultou provado e a respectiva fundamentação:
- No artigo 7º o A. alegou:
“…nomeadamente desenvolvendo a actividade operador de alarmes e vigilância electrónica e televigilância, desenvolvendo todos os procedimentos de alarme e registos de incidentes.”.
18 - Tal resultou no que ficou provado sob o número 6 da sentença:
“O A. encontrava-se a trabalhar num local onde tem as câmaras de vigilância, os alarmes, e quando estes disparavam chamava o ronda movel para verificar o sucedido, e sendo caso disso, após o reporte do ronda móvel, chamada as autoridades;”
19 - Da respectiva motivação da sentença (1.3) consta:
“Os únicos factos que o A. alegou na sua peça processual para fundar a sua pretensão de poder receber um subsídio de função encontravam-se nos art. 7 da p.i. (sendo o 6º a conclusão, pois afirma apenas que prestava as funções de operador de central). Além destas funções cabia ainda produzir prova sobre a formação profissional.”
20 - A prova foi clara e sem margem para dúvidas e todas as testemunhas disseram o mesmo: o A. era um vigilante fixo, que estava num local onde havia câmaras de segurança, alarmes e quando existia algum que disparava chamava o ronda móvel para que este fosse ver o que se passava. (…) O ronda móvel dá o reporte da situação e o A., sendo caso disso, chama a PSP ou os bombeiros. Ambos atestam que o A. é fixo, não sai do lugar, vê as câmaras CCTV e regista incidentes.”
21 - De facto, ao longo dos anos em que prestou a sua actividade no Hospital XX, em Lisboa, o A. para além das tarefas de vigilante, desenvolvia a actividade de operador de alarmes, vigilância electrónica e televigilância (controlo do sistema de câmaras de segurança), efectuando todos os procedimentos de alarme e registo de incidentes, entre outras, enunciadas no documento que a Senhora Juiz “a quo” entendeu não deixar ficar nos autos e cuja admissibilidade se encontra também em recurso.
22 – O CCT aplicável à relação laboral dos autos um pequeno subsídio de função de alarmista ou operador de central de alarmes, para compensar o vigilante por prestar o seu serviço num local fixo, sem contacto permanente com o exterior, a olhar para sistemas de vídeo e alarmes, sozinho, sem socialização possível.
23 - A Jurisprudência desse Tribunal da Relação de 28/10/2020, Proc. 491/19.6T8BRR.L1-4, Relator Celina Nóbrega, já abordou o tema do subsídio de centralista: “Resta saber se o subsídio em causa está suportado pela Lei da Segurança Privada, como também entendeu o Tribunal a quo, sendo certo que, ao caso, é aplicável a Lei n.º 34/2013 de 16.05, com a redacção vigente até Abril de 2014, posto que em Maio de 2014 a Ré passou a pagar ao Autor o mencionado subsídio. Previamente sublinhe-se que, como refere o Tribunal a quo, a previsão do subsídio de Operador de Central/Centralista, que é um subsídio de função, está exclusivamente no CCT, mas sem que se faça a sua descrição ou definição. Com efeito, no CCT aplicável apenas se prevê que os trabalhadores que desempenhem as funções de Operador de Central/Centralista terão direito, por mês, a um subsídio de função nos valores que indica.” (…)
24 - De acordo com o artigo 17.º n.º 3, al. i), a profissão de segurança privado compreende, além de outras a especialidade de Operador de central de alarmes. E nos termos dos n.ºs 10 e 11 do artigo 18º da mesma Lei:
“10- O operador de central de alarmes desempenha especificamente as funções de operação de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, efetuando o tratamento de alarmes, nomeadamente solicitando a intervenção das entidades adequadas em função do tipo de alarme.
11- O vigilante está habilitado a exercer as funções correspondentes à especialidade de operador de central de alarmes e o segurança-porteiro habilitado a exercer funções correspondentes às especialidades de vigilante e de operador de central de alarmes.”
25 - Refere o aresto referenciado: “Ora, é certo que a al.c) do artigo 3.º da Lei n.º 34/2013, na redacção aplicável ao caso, não se referia expressamente, como agora se refere, à monitorização de sinais de alarme “Através da prestação de serviços de monitorização em centrais de controlo”; apenas aludia “a exploração e a gestão de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, assim como serviços de resposta cuja realização não seja da competência das forças e serviços de segurança. Não distinguia a Lei entre as centrais de controlo de um cliente e as centrais de segurança vocacionadas para a vigilância de vários clientes. E se não o distinguia não cabia ao intérprete fazê-lo. Mas, salvo o devido respeito, cremos que a Lei n.º46/2019 veio, exactamente, confirmar que os serviços de segurança privada também podiam compreender os serviços de monitorização em centrais de controlo.”
26 - Acresce que, como refere o Tribunal a quo” não se distingue de forma substancial o trabalho exercido em central de controlo ou em central de alarmes, sendo que para ambos está habilitado o vigilante (n.º11, do art.18.º, da LSP).”
27 – Mais, o subsídio de centralista, na medida em que está desenhado como um subsídio de função, ou seja, visa retribuir o exercício de determinadas funções e não uma categoria profissional, terá de ser aferido pelas funções efectivamente prestadas pelo vigilante, no caso, pelo Autor, em confronto com a definição das funções de operador de central prevista na LSP.
28 - Assim, considerando que nos termos do n.º 10 do artigo 18.º daquela Lei, o operador de central de alarmes, que é o trabalhador com a categoria profissional de Vigilante, “desempenha especificamente as funções de operação de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, efetuando o tratamento de alarmes, nomeadamente solicitando a intervenção das entidades adequadas em função do tipo de alarme” e que, relativamente às funções executadas pelo Autor, também ele com a categoria profissional de Vigilante (facto provado 2), ficou provado que prestava desde as suas funções de vigilância que operavam no Hospital XX, em Lisboa, num local correspondente ao centro de controlo do cliente, com base em câmaras de videovigilância que captam e reproduzem imagens num écran visualizado no local, com o que se passa em diversos pontos do hospital, e em função das vicissitudes que ocorram, reagem em conformidade, comunicando com os vigilantes móveis (ronda móvel); no referido espaço é ainda efetuado controlo de acesso por intercomunicadores, recepção de alarmes; a sala e o respectivo equipamento são propriedade do cliente das Rés e visam unicamente visionar parte do espaço do hospital; o vigilante que se encontrava na central de segurança, como era o caso do A., uma vez que não podia abandonar o seu posto, tinha sempre que contactar, para tal efeito, um colega e vigilante móvel – que prestava auxilio sempre que solicitado aos vários colegas e vigilantes alocados a um posto fixo ou móvel, impõe-se concluir que as funções são similares àquelas descritas na LSP, obviamente que desempenhadas num contexto mais reduzido e adaptado, no caso, a um único cliente.
29 - E o certo é que, independentemente das características do espaço ou da sala onde o Autor exercia as suas funções, a verdade é que estas eram exercidas numa sala fechada e sem que pudesse abandonar o seu posto, o que implica que, contrariamente aos restantes vigilantes não centralistas, as suas funções caracterizam-se por especificidades que suportam o direito ao subsídio de centralista.
30 – Face que ficou alinhado, entende-se que é devido ao Autor o subsídio de operador de central/centralista tal como peticionado, pelo que, nesta parte, deverá ser dado provimento ao presente.
31 – Não tinha qualquer sentido estar previsto um subsídio que não tem aplicação, pelo que, continuando a acompanhar o referido aresto, diz-se ser de presumir que as partes contratantes (do CCT) se reportaram a um serviço com um conteúdo tal como era uso na atividade [a prática normal no setor ou empresa é atendível enquanto uso como fonte específica do direito do trabalho – art.º 1º do Código do Trabalho –, também para efeitos interpretativos de outras normações, designadamente para integração de omissões] – Cfr o Acórdão do TRG de 04.10.2018 32 - Depois, prevê ainda o art.º 45º do IRC aplicável que “O empregador que incorra em mora superior a sessenta dias após o seu vencimento no pagamento das prestações pecuniárias efetivamente devidas e previstas no presente capítulo ou o faça através de meio diverso do estabelecido, será obrigado a indemnizar o trabalhador pelos danos causados, calculando-se os mesmos, para efeitos indemnizatórios, no valor mínimo de 3 vezes do montante em dívida.”
33 – No que respeita à formação profissional o A. tem dificuldade em compreender a posição assumida pelo tribunal “a quo”, pelo que se limita a alegar que a formação que lhe foi ministrada – 32 horas – não se refere à formação dos artigos 130º do Código de Trabalho, que tem em vista estimular o desenvolvimento dos trabalhadores e aumentar a sua empregabilidade. ~
34 - Assim, não existe prova da formação profissional que tenha sido ministrada ao A. e as RR. poderiam facilmente tê-la feito, sendo que o A. conformação a sus inexistência em nada tendo sido contrariado.
35 - As 32 horas de formação a que se refere a decisão em crise têm a ver com a formação obrigatória para os vigilantes terem acesso à licença de segurança privado, diferente da do Código do Trabalho pelo que toda a formação peticionada é devida ao A..»
As RR. apresentaram resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Remetidos os autos a esta Relação, por despacho da Relatora de 19/12/2023 não foi admitido o recurso na parte atinente à impugnação da decisão de 11/05/2023 que indeferiu a junção de documento, por extemporaneidade.
Observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal, por ordem de precedência lógica, são as seguintes:
- nulidade da sentença;
- subsídio de função;
- indemnização pela mora;
- formação profissional;
- litigância de má fé.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1. Em 16 de Julho de 2012, o A. celebrou com a 1.ª R. um contrato de trabalho a termo certo, com duração de 12 meses, tendo o mesmo e após as sucessivas renovações, sido convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado;
2. Para desempenhar, sob as ordens, direcção e fiscalização da Esegur, as funções inerentes à categoria profissional de Vigilante;
3. O vencimento mensal ilíquido do A. é actualmente de 800,17 €, acrescido do respectivo subsídio de refeição de 6,07 € diários;
4. A 2.ª R. apresentou-se a um concurso para prestação de serviços de vigilância nas instalações de várias entidades pertencentes ao Grupo XX Saúde das quais fazem parte o Hospital XX em Lisboa., tendo sido seleccionada como adjudicatária de entre outros concorrentes, e celebrou com as entidades adjudicantes o contrato de prestação de serviços correspondente ao objecto do concurso, cuja execução teve início em 1 de Junho de 2021;
5. Antes desta data a 1.ª R. prestava serviços de vigilância;
6. O A. encontrava-se a trabalhar num local onde tem as câmaras de vigilância e os alarmes, e quando estes disparavam chamava o ronda móvel para verificar o sucedido e, sendo caso disso, após o reporte do ronda móvel, chamava as autoridades;
7. Na sequência da adjudicação da prestação de serviços de segurança e vigilância, os serviços operacionais da ora 2.ª R. receberam instruções da sede para se deslocarem aos postos de trabalho em causa, tendo em vista proceder ao levantamento das necessidades e se inteirarem das particularidades do serviço com o cliente, de forma que, no dia 1 de Junho de 2021 se iniciasse a prestação de serviços contratados.
8. O que fizeram, no decorrer do mês de Maio 2021, além do mais, para proceder à colocação de vigilantes em número suficiente e com o perfil adequado ao serviço em causa;
9. Em face da adjudicação dos referidos serviços de vigilância e segurança, para além dos restantes trabalhadores atrás referidos que já faziam parte dos seus quadros e da sua estrutura operacional e administrativa;
10. A 2.ª R. usou instrumentos seus como fardas, impressos (notas de comunicação internas, registo de entradas e saídas de pessoas, relatório de turnos, escalas de turno), telemóveis, sistema de rondas e picagens, viaturas de serviço e Central de Contacto/Receptora de Alarmes 24H/dia a funcionar na sede da R. 2045, na ..., que também serve em simultâneo muitos outros postos onde a R. 2045 presta serviço a este e outros clientes;
11. Os quais levou para o local, não os tendo recebido de outra empresa ou do cliente;
12. E foram ainda colocados à disposição do cliente piquetes rondistas;
13. A 2.ª R. tem na sua estrutura hierárquica dos vigilantes Chefe de Grupo, Supervisor, Gestão Operacional e Director de Operações/Director de Segurança;
14. Antes de iniciar a prestação de trabalho ao serviço da 2.ª R., os Vigilantes admitidos na R. foram informados pelo seu superior hierárquico de todos os procedimentos de serviço em vigor na R. e métodos de trabalho que deveriam observar;
15. O A. visualiza as imagens das câmaras, não podendo mexer nas câmaras nem no computador que as suporta;
16. Os vigilantes que efectuam as funções de Operador de Central de Segurança/Centralista, na 2.ª R., gerem e operacionalizam um Software próprio de recepção e gestão dos alarmes, altamente complexo, designado por “Mastermind”, em nada comparável às CCTV que se encontram colocadas nos clientes, como é o caso do posto em causa.
17. A 1.ª R. prestou 32 horas de formação profissional ao A..
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
A. O A. não teve formação profissional.
3.3. O Apelante vem arguir a nulidade da sentença, nos termos do art. 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, na medida em que, conforme decorre do despacho proferido na sessão da audiência de julgamento de 07/02/2022, consignado na respectiva acta, o juiz a quo detectou insuficiências ou imprecisões na alegação da matéria de facto, não tendo, contudo, convidado o A. a corrigir as mesmas, conforme lhe impunha o disposto nos arts. 265.º e 590.º, n.º 2, al. b) do CPC.
Vejamos.
Compulsada a acta em apreço, constata-se que o despacho invocado tem o seguinte teor:
«O único facto da petição inicial controvertido relativo a funções é o constante no artigo 7º da petição inicial, o qual contém mais noções conclusivas do que factos.
Apenas quanto a este facto tal qual está alegado se permitirá a produção de prova, desde já se alertando as partes que nenhuma pergunta será permitida ser feita que extravase os exatos termos do que está alegado.
Para produção de prova admite-se também o artigo 15º da petição inicial.»
Mais se constata que, como reacção ao antecedente despacho, pelo mandatário do A. foi dito apenas que pretendia também produzir prova sobre a matéria do art. 14.º da petição inicial, o que foi imediatamente indeferido por despacho do juiz a quo com o fundamento de ali não estar em causa qualquer facto mas um conceito jurídico, concretamente o de haver ou não transmissão de estabelecimento.
Ora, estabelece o art. 195.º do CPC que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (n.º 1), e que, quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (n.º 2).
Não obstante, ainda que a invocada omissão constituísse a nulidade em apreço, resulta do disposto conjugadamente nos arts. 196.º, 197.º e 199.º, n.º 1, 1.ª parte do CPC que a mesma tinha de ter sido arguida pelo A. perante o tribunal recorrido – já que o mesmo estava presente, por si e pelo seu mandatário, no momento em que alegadamente foi cometida – enquanto a audiência de julgamento não terminasse, sob pena de se considerar sanada pelo não exercício de tal faculdade nessa oportunidade.
Com efeito, bem sabia o A. que, terminada a audiência de julgamento, não mais o tribunal recorrido praticaria o alegado acto indevidamente omitido, pelo que era essa a oportunidade para arguir a pretensa nulidade em referência, o que não fez, sendo extemporânea a sua arguição posterior e encontrando-se a mesma sanada.
Acresce que, na sentença, a propósito do que considerou como provado sob o ponto 6, o juiz a quo consignou a seguinte fundamentação:
«Os únicos factos que o A. alegou na sua peça processual para fundar a sua pretensão de poder receber um subsídio de função encontravam-se no art. 7 da p.i. (sendo o 6º a conclusão, pois afirma apenas que prestava as funções de operador de central). Além destas funções cabia ainda produzir prova sobre a formação profissional.
Era pois isto o objeto da produção de prova, sendo certo que cumpre respeitar o alegado. Mas o tribunal teve que ir mais além na produção de prova, pois as partes não podem ser totalmente prejudicadas pelas alegações conclusivas e pouco fácticas dos seus mandatários.
A prova foi clara e sem margem para dúvidas e todas as testemunhas disseram o mesmo: o A. era um vigilante fixo, que estava num local onde havia câmaras de segurança, alarmes e quando existia algum que disparava chamava o ronda móvel para que este fosse ver o que se passava. CC que trabalhava com o A., e DD, sendo eles o ronda móvel, refere (o primeiro) que ele sim, operava alarmes, e o A. apenas carregava no botão. O ronda móvel dá o reporte da situação e o A., sendo caso disso, chama a PSP ou os bombeiros. Ambos atestam que o A. é fixo, não sai do lugar, vê as câmaras CCTV e regista incidentes. EE afirma exatamente o mesmo e nada de novo traz aos depoimentos, sendo uma repetição do já dito pelos demais.
E face à alegação destituída de conteúdo do art. 7º da pi o tribunal concretizou a mesma nesses moldes, o que se deu por provado em 6 dos factos provados.»
Isto é, o tribunal recorrido atendeu aos factos que resultaram da prova produzida em audiência de julgamento com a virtualidade de concretizarem o alegado no art. 7.º da petição inicial, assim suprindo as alegadas deficiências e insuficiências de que este padecia, pelo que a pretensa omissão indevida de acto judicial não tem qualquer influência no exame ou na decisão da causa para efeitos de constituir nulidade nos termos do disposto no n.º 1 do art. 195.º do CPC.
Em face do exposto, sendo manifestamente improcedente a verificação da nulidade processual arguida, fica prejudicada também a questão de saber se as nulidades processuais a que se reportam os arts. 195.º e ss. do CPC podem ser invocadas em sede de recurso, uma vez que o art. 615.º do CPC, aparentemente, não autoriza tal entendimento.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
3.4. O Apelante reclama o valor global de 5.964,33 € a título de subsídio de função devido e não pago pela 1.ª R. entre Janeiro de 2014 e Maio de 2021.
Ainda que os respectivos pressupostos de facto não estejam expressamente consignados, resulta da Cláusula 14.ª do contrato de trabalho outorgado entre o A. e a 1.ª R., junto com a contestação desta, bem como dos respectivos articulados, que à relação laboral entre ambos se aplicava o CCT celebrado entre a AES e a FETESE e o STAD, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 10, de 15/03/2006, com as alterações posteriores, designadamente: o CCT celebrado entre a AES e outra e a FETESE e outro, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 32, de 29/08/2014, e o CCT celebrado entre a AES e o STAD, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 38, de 15/10/2017, alvo da Portaria de Extensão n.º 356/2017, de 16/11, com última revisão global publicada no BTE, 1.ª série, n.º 22, de 15/06/2020.
A questão a decidir encontra-se metodicamente tratada na sentença.
O mesmo sucede no douto Parecer do Ministério Público, que se reproduz e acolhe pela sua clareza e precisão, nos seguintes termos:
«Alega o Recorrente que no exercício das suas funções de vigilante cumpria-lhe operar uma central de alarmes, razão porque tinha direito a auferir o correspondente subsídio de função de operador de central.
O CCT aplicável, invocado pelo Recorrente no artigo 5.º da sua petição inicial, não estabelece como categoria profissional a actividade de operador de central de alarmes, se bem que no Anexo IV estabeleça a existência de um subsídio de função para os trabalhadores que exerçam a referida actividade.
A noção de operador de central de alarmes terá de buscar-se na Lei 34/13, de 16/5, a qual estabelece o regime do exercício da actividade de segurança privada.
Estabelece o artigo 18.º, n.ºs 10 e 11 da mencionada Lei que:
10 - O operador de central de alarmes desempenha especificamente as funções de operação de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, efetuando o tratamento de alarmes, nomeadamente solicitando a intervenção das entidades adequadas em função do tipo de alarme.
11 - O vigilante está habilitado a exercer as funções correspondentes à especialidade de operador de central de alarmes.
Por seu turno, o artigo 2.º da mesma lei define o que se entende por “Central de controlo” e “Central de receção e monitorização de alarmes” nos seguintes termos:
“Central de controlo”: a instalação física que integra os equipamentos e sistemas necessários à monitorização de sinais de alarme e de videovigilância;
“Central de receção e monitorização de alarmes”: a instalação física que integra os equipamentos e sistemas necessários à monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, operada por pessoal de vigilância, vinculado a entidade de segurança privada, que integra os componentes e equipamentos associados à receção, gestão, validação e conservação de sinais de alarme.
Como decorre do artigo 8.º da Portaria 273/13, de 20/8, diploma que regula as condições específicas da prestação dos serviços de segurança privada, o modelo de cartão profissional e os procedimentos para a sua emissão e os requisitos técnicos dos equipamentos, funcionamento e modelo de comunicação de alarmes, uma central de receção e monitorização de alarmes tem de obedecer a requisitos especiais de segurança, por oposição a uma central de controlo para a qual não são especificadas quaisquer exigências a nível de instalações ou dos meios humanos e materiais aí envolvidos.
A central de recepção e monitorização de alarmes é o local onde são recebidos os diferentes sinais emitidos pelos diversos sistemas de alarmes conectados e distingue-se da central de controlo que poderá corresponder ao sistema de CCTV interno do cliente da empresa de segurança (neste caso o Grupo XX Saúde), como parece ser a situação dos autos.
Quanto às específicas funções desempenhadas pelo Recorrente, resulta da matéria fáctica considerada provada (e não impugnada) que:
6. O A. encontrava-se a trabalhar num local onde tem as câmaras de vigilância, os alarmes, e quando estes disparavam chamava o ronda móvel para verificar o sucedido, e sendo caso disso, após o reporte do ronda móvel, chamada as autoridades;
15. O A. visualiza as imagens das câmaras não podendo mexer nas câmaras nem no computador que a suporta;
16. Os vigilantes que efectuam as funções de Operador de Central de Segurança/Centralista, na 2.ª R., gerem e operacionalizam um Software próprio de recepção e gestão dos alarmes, altamente complexo, designado por “Mastermind”, em nada comparável às CCTV que se encontram colocadas nos clientes, como é o caso do posto em causa.
Decorre dos factos acima transcritos não só que a central de visionamento correspondente ao local de trabalho do Recorrente não corresponde a uma central de recepção e monitorização de alarmes, como também que o mesmo não exerceu ou exerce as funções de operador de central de alarmes.
Inexistindo prova que o Recorrente exercesse funções de operador de central de alarmes, não poderá reclamar o pagamento do subsídio da correspondente função constante do Anexo IV do CCT aplicável.»
Em suma: o Anexo IV do CCT aplicável prevê um subsídio de função para os trabalhadores que exerçam a actividade de operador de central mas esta não corresponde à de uma categoria profissional ali descrita mas sim a uma função exercida a título eventual por um trabalhador com a categoria de vigilante, correspondente à operação duma central de recepção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, nos termos previstos nos arts. 17.º, n.º 3, al. i) e 18.º, n.ºs 10 e 11 da Lei n.º 34/2013, de 16/05.
Ora, para tal efeito, nos termos do art. 2.º do mesmo diploma legal, uma central de recepção e monitorização de alarmes é uma instalação física que integre os equipamentos e sistemas necessários à monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, operada por pessoal de vigilância, vinculado a entidade de segurança privada, que integre os componentes e equipamentos associados à recepção, gestão, validação e conservação de sinais de alarme, com os demais requisitos a nível de instalações e de meios materiais e humanos previstos nos arts. 8.º, 10.º, n.º 2 e 11.º, n.º 1, al. c) da Portaria n.º 273/2013, de 20/08; já uma central de controlo, de acordo com o mesmo normativo legal, é uma mera instalação física que integra os equipamentos e sistemas necessários à monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, sem outros requisitos a nível de instalações e nenhuns a nível de meios humanos e materiais (cfr. art. 7.º ex vi art. 57.º, n.ºs 1, 2, 5 e 6 da Portaria n.º 273/2013).
Assim, embora, nos termos do art. 3.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 34/2013, de 16/05, os serviços de segurança privada compreendam a monitorização de sinais de alarme através da gestão de centrais de recepção e monitorização de alarmes, através da prestação de serviços de monitorização em centrais de controlo e através da prestação de serviços de resposta a alarmes cuja realização não seja da competência das forças e serviços de segurança, é de entender que o operador de central de alarmes a que se referem os arts. 17.º, n.º 3, al. i) e 18.º, n.ºs 10 e 11 do mesmo diploma legal é apenas o que exerça as suas funções em central de recepção e monitorização de alarmes, atento o que resulta conjugadamente do art. 2.º da mesma Lei e dos arts. 7.º, 8.º, 10.º, n.º 2, 11.º, n.º 1, al. c) e 57.º, n.ºs 1, 2, 5 e 6 da Portaria n.º 273/2013, de 20/08, nos sobreditos termos.
Justifica-se, pois, plenamente, que os trabalhadores com a categoria de vigilante e que operem uma central de recepção e monitorização de alarmes aufiram um subsídio de função pela actividade especializada de recepção, gestão, validação e conservação de sinais de alarme que aí desenvolvem e que é exclusiva de pessoal de vigilância, vinculado a entidade de segurança privada, diferentemente de outros trabalhadores com a categoria de vigilante que, sem que a lei o exija, porventura prestem tarefas de recebimento de alarmes e visionamento de imagens de videovigilância numa central de controlo (situada nas instalações do cliente).
Em contrapartida, não se vislumbra justificação para que o mero recebimento de alarmes e visionamento de imagens de videovigilância nas instalações do cliente, em alternativa ao activamento remoto ou pelo próprio cliente, constituam tarefas suficientes para distinguir os vigilantes a quem eventualmente sejam atribuídas com o direito a auferir um subsídio de função, diferentemente dos restantes vigilantes incumbidos de aí efectuar as rondas, controlar as entradas e saídas ou realizar outras tarefas.
Retornando ao caso em apreço, constata-se que resulta da factualidade provada sob os pontos 10 e 16 que a 2.ª R. – 2045 – tinha a sua Central de Contacto/Receptora de Alarmes 24H/dia a funcionar na sua sede, na ..., que também serve em simultâneo muitos outros postos onde a R. 2045 presta serviço a este e outros clientes, e que os vigilantes que efectuam as funções de Operador de Central de Segurança/Centralista, na 2.ª R., gerem e operacionalizam um Software próprio de recepção e gestão dos alarmes, altamente complexo, designado por “Mastermind”, em nada comparável às CCTV que se encontram colocadas nos clientes, como é o caso do posto em causa.
Não se provou a factualidade equivalente atinente à 1.ª R., mas da correspondente à 2.ª R. já decorre que os equipamentos disponíveis no posto de trabalho do A., enquanto trabalhou para aquela, não correspondem aos de uma central de recepção e monitorização de alarmes, sendo certo que a ele competia prová-lo por força do disposto do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil.
Com efeito, apenas se provou que o A. se encontrava a trabalhar num local onde existem câmaras de vigilância e alarmes e que, quando estes disparavam, o A. chamava o ronda móvel para verificar o sucedido e, sendo caso disso, após o reporte do ronda móvel, chamava as autoridades. O A. visualizava as imagens das câmaras, não podendo mexer nas câmaras nem no computador que as suporta.
Isto é, provou-se que se trata duma instalação física que integra equipamentos e sistemas necessários ao recebimento de sinais de alarme e à visualização de imagens de videovigilância, permitindo-lhe reagir em conformidade, mas não se provou que lhe permitiam proceder à sua gestão, validação e conservação.
Em face do exposto, atento o acima explicitado, conclui-se que o Apelante não provou os pressupostos de facto do direito a auferir subsídio de função de operador de central de alarmes, nem, consequentemente, do direito a indemnização pela mora no seu pagamento.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
3.5. O Recorrente insiste no direito, a título de formação profissional que não lhe foi ministrada nos últimos 3 anos, ao recebimento da quantia de 530,15 € (115 horas x 4,61 €).
Ora, em 1.º lugar, o Apelante não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, nos termos da qual resultou provado que a 1.ª R. prestou 32 horas de formação profissional ao A. e resultou não provado que o A. não teve formação profissional.
Acresce que o A. não alegou a cessação do contrato de trabalho, antes pelo contrário, invocou a transmissão da posição contratual de empregador da 1.ª para a 2.ª R..
Sendo assim, não pode deixar de valer o que, acertadamente, se diz na sentença, nos seguintes termos:
«De acordo com o disposto no art. 131.º. n.º 2 do Código do Trabalho, o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.
No entanto, como prescreve o art. 132.º, n.º 6 do Código do Trabalho, o crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição.
O crédito de horas em falta pela formação não prestada apenas confere direito a retribuição nos termos do art. 134.º do Código de Trabalho. Refere o preceito que, cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação (art. 134.º do Código do Trabalho).
Ora, este direito não existe durante a pendência do contrato, pois apenas se vence com a cessação. Durante a pendência do contrato rege o art. 132.º do mesmo diploma legal, que refere que caso tais 35 horas não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo de dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em créditos de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador.
Na medida em que o contrato do A. não cessou, o direito que o mesmo tem não consiste na possibilidade de ser pago por essas horas, o que só se verifica aquando da cessação do contrato de trabalho, mas apenas o de por sua iniciativa obter uma formação, sem qualquer possibilidade de substituir tal direito por um crédito.»
No seu Parecer, o Ministério Público também enuncia, em termos similares, como não podia deixar de ser, o que de modo claro e inequívoco resulta da lei.
Não obstante, o Apelante limita-se a repetir que não lhe foi prestada formação profissional pela 1.ª R. nos termos do Código do Trabalho, ignorando ostensivamente a fundamentação em referência, em face da qual aquela argumentação é de todo irrelevante.
E, assim sendo, nada mais se nos oferece acrescentar, improcedendo o recurso também na parte em apreço.
3.6. Finalmente, coloca-se a questão da condenação do Apelante como litigante de má fé.
Estabelece o art. 542.º do CPC:
Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
O tribunal a quo apreciou a questão nos termos do seguinte despacho, na parte que interessa:
«Invocou o A. como fundamento de superveniência da apresentação de um documento o facto de ter sido fornecido na data em que apresenta o seu requerimento por um seu colega BB, não tendo sido possível apresentá-lo antes.
O tribunal indeferiu tal apresentação tardia, mas por força de recurso foi anulado o processado para produção de prova sobre a superveniência.
Em sede de audiência de julgamento, o tribunal indeferiu a superveniência já que o depoimento de BB deixou claro que o documento esteve ao alcance do A. durante todo o tempo em que trabalhou para a R., e que não foi ele quem deu esse documento ao A..
O tribunal convidou assim o A. para, querendo, se pronunciar quanto a uma eventual litigância de má fé.
O mesmo silenciou.
Cumpre decidir.
Dispõe o legislador, no seu art. 542º, nº 2, alínea a) do CPC que litiga de má fé quem, dolosamente ou com negligência grave, deduz oposição cuja falta de fundamento não possa desconhecer.
(…)
É o caso manifesto do A. Sabia – porque não pode desconhecer um facto que lhe é próprio e pessoal – que o documento podia ter sido obtido por si em momento anterior ao da apresentação da pi., sabia que não tinha sido o colega BB quem lhe deu o documento em momento posterior ao da apresentação da sua peça processual, mas não se inibiu de usar tal facto falso como fundamento de apresentação superveniente do mesmo.
E com tal obrigou à deslocação de uma testemunha, um advogado e à reunião do tribunal, inviabilizando a realização de outra diligencia nessa tarde. Com tal alegação falsa obteve a anulação da sentença com vista à potencial admissão do documento. O A. “inventou” um fundamento de superveniência, sem qualquer verdade, sabia que era falso e tal não obstou a que tenha litigado invocando o oposto. E fá-lo, maliciosamente, dolosamente, com pleno conhecimento e vontade de afirmar uma realidade que sabe ser falsa, e conscientemente afirmando um direito que sabe inexistir por não ter fundamento.
Numa palavra, e para que dúvidas não subsistam, o que é condenável é, precisamente, e tal como afirmado por FF e já referido, o R. litigar afirmando factos que mais do que ninguém sabe serem falsos, contestar do modo como o faz sabendo não lhe assistir razão. Não é o simples facto de não se terem provado os factos que alega, que conduz a uma condenação como litigante de má fé, mas sim e como se referiu, é precisamente esta situação de se ter consciência que não lhe assiste razão e ainda assim alegar o que sabe ser falso, e de se ter provado que tudo quanto alega era falso. E é precisamente isso que é reprovável e não as situações de simples dedução de uma pretensão cujos fundamentos improcedem ou não se demonstram por não lhes assistir razão, ou não se lograrem demonstrar.
Pelos motivos expostos, considerando a natureza e gravidade dos factos e a situação patrimonial do A., o Tribunal condena, nos termos do art. 542º, nº 2, alínea a) do CPC, e 27º nº 3 do RCP, o A , como litigante de má fé, condenando-o no pagamento de uma multa de 4 UC.»
Sustenta o Apelante que a testemunha BB confirmou a justificação dada pelo A. para a apresentação superveniente de documento, designadamente que este, até Maio de 2021, e enquanto o A. se encontrava ao serviço da 1.ª R., estava afixado no seu posto de trabalho, e que a testemunha remeteu à sua Associação Sindical (Associação Sindical da Segurança Privada), no início do ano de 2022, entre outros, o referido documento, o que permitiu ao A. aceder a cópia do mesmo.
Vejamos.
Não está em causa que o A. não logrou demonstrar, como lhe competia, os pressupostos da superveniência da apresentação do documento em referência, posto que transitou em julgado o despacho que entendeu que não e, em consequência, não admitiu a sua junção aos autos.
Do que se trata é de saber se o A., com dolo ou negligência grave, sabia que tais pressupostos não se verificavam e, ainda assim, formulou tal requerimento de junção.
Ora, para o efeito, é irrelevante o facto consensualmente decorrente do depoimento da testemunha BB no sentido de que o documento esteve ao alcance do A. enquanto trabalhou para a 1.ª R., ou seja, até Maio de 2021, uma vez que deixou de o estar posteriormente e a acção apenas foi instaurada em 7/09/2021.
Por outro lado, embora seja certo que o depoente afirmou que não foi ele quem deu o documento ao A., acrescentou que o entregou à associação sindical que representa ambos em momento aproximado ao da apresentação do requerimento de junção do mesmo aos autos.
Deste modo, ainda que o depoimento em apreço não fosse bastante para dar como assentes os pressupostos da superveniência da apresentação do documento, e nem sequer para ter como seguro que a testemunha, efectivamente, o entregou à associação sindical que o representa e ao A. em momento aproximado ao da apresentação do requerimento de junção, julgamos que, pelo menos, lança dúvida séria sobre a existência de dolo ou negligência grave do A. na formulação daquela pretensão.
O depoimento em apreço – única prova produzida sobre a questão – admite sem inverosimilhança ou absurdo a hipótese de o A. ter acedido ao documento em apreço através da sua entrega pela testemunha BB à associação sindical de ambos, em momento aproximado ao da apresentação do requerimento de junção, e, assim sendo, julgamos que a conduta processual do A. não é de tal modo temerária, afrontosa e censurável que deva ser qualificada de litigância de má fé.
Procede, pois, o recurso nesta parte.

4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se o despacho que condenou o A. como litigante de má fé e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante no que respeita à impugnação da sentença.
Sem custas no que concerne ao despacho de condenação do A. como litigante de má fé.

Lisboa, 22 de Maio de 2024
Alda Martins
Alves Duarte
Maria Luzia Carvalho