Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA TERESA F. MASCARENHAS GARCIA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE MÉDICA DENTISTA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL SEGURO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/24/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCILAMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. As nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa. II. A nulidade de uma sentença por falta de especificação da fundamentação de facto e de direito não se basta (para a sua verificação) com justificação da decisão deficiente, incompleta e/ou não convincente, sendo necessário que – por reporte só aos fundamentos de facto, só aos fundamentos de direito, ou a ambos - haja uma falta absoluta. III. Não existe omissão de pronúncia quando a apreciação de uma questão fica prejudicada pela solução dada a outra questão prévia, como acontece em relação à abrangência do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, quando se conclui pela ausência dessa responsabilidade. IV. De acordo com o princípio da limitação a que estão submetidos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação, sobre a decisão da matéria de facto da primeira instância, só se justifica se recaír sobre factos com indiscutível relevância jurídica para a decisão da causa. V. Para a definição do conteúdo da prestação a cargo do médico, na responsabilidade civil contratual decorrente do incumprimento de um contrato de prestação de serviços médico, há que recorrer ao que consta dos regulamentos deontológicos próprios. VI. Muito embora os deveres constantes dos Códigos deontológicos da prestação de serviços médicos sejam, acima de tudo, deveres definidos com vista à salvaguarda do paciente (destinatário imediato) e da sua saúde, os mesmos não deixam de revestir actualidade e pertinência na relação que se estabelece entre um médico e uma clínica (destinatário mediato) que o contrata por força das suas aptidões profissionais. VII. Tanto mais que a Clínica - para quem o dentista presta funções - pode ser responsabilizada pela prestação de actos médicos do seu auxiliar (art. 800.º do CC), pelo que é de todo o seu interesse que este cumpra todos os seus deveres /obrigações e praxis. VIII. Incumpre o contrato de prestação de serviços de médico dentista, na vertente de cumprimento defeituoso ilícito e culposo, o médico que se obrigou a prestá-los para uma clínica e o faz sem observar as leges artis, levando a que essa mesma clínica venha a ser condenada judicialmente numa acção intentada por um cliente seu, que fez um implante de todos os dentes e que teve de os retirar a todos por falta de densidade de camada óssea que permitisse a sua fixação, numa clara desadequação dos meios empregues face à situação da tratar, sem que nunca tivesse diligenciado pela inversão de tal resultado. IX. Julgada em termos definitivos certa matéria – no caso a responsabilidade médica pela intervenção ortodôntica levada a cabo pelo 1.º Réu - numa acção intentada pelo paciente em que a aqui Autora e Réus figuravam ali como Réus, a decisão sobre o objeto desta primeira causa impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes e cuja apreciação depende decisivamente do objecto previamente julgado. X. Tendo um médico dentista subscrito um seguro de responsabilidade civil profissional, tendo por objecto a responsabilidade civil extracontratual e contratual desde que expressamente prevista nas condições especiais, e dispondo o art. 1.º das condições especiais que o segurador garante a responsabilidade civil do Segurado inerente ao exercício da profissão especificada na proposta de contrato “b) por danos causados a clientes ou terceiros” - numa evidente alusão à dicotomia responsabilidade contratual (clientes) e extracontratual (terceiros) - é de considerar que o seguro abrange ambas as responsabilidades. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: Clínica X Lda. intentou acção declarativa comum contra J, Clínica Dr.J e A - Companhia de Seguros pedindo que os RR. sejam condenados a pagar à Autora o montante de € 56.516,60, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, contabilizando-se os vencidos na presente data em 3.375,51 Euros. Alegou em síntese que: - no ano de 2004 o 1.º Réu iniciou uma colaboração com a autora para a prestação de serviços de médico dentista em diferentes clínicas de que a autora é proprietária, relação que se mantem até hoje; - A Autora obrigou-se a disponibilizar ao 1.º Réu um espaço adequado e todas as condições logísticas (recursos materiais e humanos) necessárias ao exercício por este da actividade de médico dentista e este, por seu turno, obrigou-se perante a Autora a exercer a sua profissão de dentista em clientes desta, com total autonomia técnica mas no escrupuloso cumprimento de todas as boas práticas médicas ou leges artis. - A A. factura e recebe dos clientes finais o preço dos tratamentos e paga ao 1.º Réu uma comissão correspondente a 40% do valor de cada serviço prestado, - Em Junho de 2008, por razões contabilísticas e fiscais, o 1.º R. criou a 2.ª R. para, através desta, continuar a exercer a sua actividade de médico dentista e, por essa altura, o 1.º R. solicitou à A. que emitisse em nome da 2.ª R. algumas facturas referentes às suas “comissões” pelos serviços prestados, sendo que através de facturas ou de “recibos verdes” mantiveram-se inalteradas todas as condições acordadas entre A. e 1.º R.. - No ano de 2005, o 1.º R. celebrou com a A Companhia de Seguros um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional para a actividade de médico dentista, titulado pela apólice n.º ...952 que cobre a responsabilidade civil profissional do 1.º R. até ao montante de 600.000,00 Euros e a responsabilidade civil de exploração até ao montante de 300.000,00 Euros. - Em 16 de Janeiro de 2015 G intentou contra a autora e o 1º réu acção de processo comum que correu termos pela Instância Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte; - Por sentença proferida em 15 de Julho de 2016, no âmbito desses autos, foi a ora A. condenada a pagar a G: a) A quantia de € 31.325,00, a título de indemnização por danos patrimoniais; b) A quantia de € 15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) A quantia correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, contados a partir da data da citação, sendo a partir da data da sentença no que respeita ao montante relativo à indemnização. - Em sede de recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa veio reduzir a condenação no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais para o valor de 10.000 Euros, mantendo no restante a sentença proferida em 1.ª instância. - Em sede de recurso de revista excepcional, o Supremo Tribunal de Justiça manteve a anterior decisão. - A autora pagou ao lesado G a quantia de 45.516,70 euros, em que fora condenada. - Da matéria de facto que resultou provada no âmbito daquela acção resulta que o 1º réu não cumpriu com as suas obrigações na prestação dos serviços a um paciente da autora, tendo agido em desrespeito das boas práticas médicas, com culpa efectiva. - Tal consubstancia violação das obrigações assumidas perante a autora no âmbito do contrato de prestação de serviços entre ambos celebrado. - Este comportamento do 1º réu causou danos à autora cujo ressarcimento esta peticiona nestes autos. Terminou pedindo a procedência da acção e consequente condenação dos Réus no pedido. Os Réus foram citados, não tendo o 1.º Réu apresentado contestação. A Ré A Companhia de Seguros apresentou contestação a 08-03-2021 alegando matéria de excepção e de impugnação. Excepcionou a (i) existência de caso julgado, na medida em que, no processo n.º .../15.1T8LRS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Cível de Loures, Juiz 1, o Réu J foi demandado, tendo sido absolvido do pedido contra ele formulado, sendo que as partes nesta acção, o pedido e a causa de pedir são as mesmas que determinaram a absolvição do 1.º Réu do pedido naquela acção; (ii) a prescrição do direito que a Autora se pretende fazer valer, tendo em atenção que os tratamentos realizados pelo 1.º Réu ao lesado ocorreram entre 2009 e Janeiro de 2012. Alegou ainda a Ré A Companhia de Seguros que o contrato de seguro de responsabilidade civil, na modalidade «Ordens profissionais », actividade »dentistas», celebrado entre si e o 1.º Réu não garante danos decorrentes de responsabilidade contratual, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 2.º e 5.º, al. n) das Condições Gerais da Apólice. Impugnando a Ré A Companhia de Seguros alegou desconhecimento acerca dos pagamentos efectuados pela Autora na sequência da decisão proferida no processo supra identificado e ainda que entre a Autora e o lesado G foi celebrado um contrato de prestação de serviços médicos, em que aquela assumiu uma obrigação de resultado que consistia na recuperação da função mastigatória, através da colocação de implantes funcionais e prótese, através da técnica all on four, que a Clínica havia instituído como prática na qual se havia especializado, razão pela qual a clínica é a única devedora, na medida me que o 1.º Réu apenas interveio na qualidade de sujeito utilizado pela clínica para o cumprimento de uma obrigação exclusivamente sua. Alguma responsabilidade a assacar ao 1.º Réu seria no âmbito da responsabilidade aquiliana a qual, não só se encontra prescrita como, de todo o modo foi expressamente afastada na sentença proferida no processo n.º .../15.1T8LRS. Conclui assim a Ré A Companhia de Seguros pela procedência da excepção de caso julgado e prescrição e, ainda que assim não se entenda, pela improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido. A Ré Clínica Dentária Dr. J veio, igualmente, contestar, excepcionando a nulidade do processo por manifesta ausência da causa de pedir, conducente à absolvição da instância. Em sede de contestação impugnou ainda a Ré a existência de qualquer contrato celebrado entre si e a Autora. Termina assim requerente a absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da presente acção e consequente absolvição do pedido. A autora pronunciou-se sobre as invocadas excepções nos termos do requerimento de fls. 255 a 260, argumentando que as mesmas não se verificam. Realizou-se a audiência prévia tendo-se conhecido e julgado improcedentes as invocadas excepções. Fixou-se como objecto do litígio - Do contrato de prestação de serviços celebrado entre a autora, o 1º réu e a 2ª ré e seu incumprimento pelos réus. - Da indemnização devida pelos réus pelos prejuízos sofridos pela autora em consequência do incumprimento do contrato de prestação de serviços. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e em 25-03-2024 foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção improcedente, e, em consequência, absolver os réus do pedido. Inconformada com a sentença que absolveu os Réus do pedido veio a Autora apelar, tendo apresentado alegações, em que formulou as seguintes conclusões: a) Com todo e o devido respeito, a A. está em desacordo com a douta sentença sob recurso que julgou a acção improcedente, seja em matéria de facto, seja em matéria de direito. b) Na sua Petição Inicial, veio a A. alegar que o 1.º R. celebrou em 2005 com a 3.ª R. um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional para a actividade de médico dentista, titulado pela apólice n.º …952, que cobria a responsabilidade civil extracontratual e contratual que lhe fosse imputável no exercício da sua actividade profissional. c) Na sua Contestação, veio a 3.ª R. invocar que “(…) o contrato não garante “danos decorrentes de responsabilidade civil contratual”, pelo que, o facto de aquele contrato de seguro cobrir ou não a responsabilidade contratual passou a ser matéria controvertida entre as partes. d) Em sede de despacho saneador, considerou-se adquirido por acordo que o referido seguro cobria a responsabilidade civil extracontratual que fosse imputável ao 1.º R. no exercício da sua actividade profissional de médico dentista”, mas, naturalmente, não se considerou adquirido por acordo que este cobrisse (também) a responsabilidade civil contratual. e) Essa questão controvertida entre as partes (saber se o contrato de seguro abrange também a responsabilidade contratual) integrou genericamente o objecto do litígio quando se questiona a indemnização devida pelos RR. Pêlos prejuízos sofridos pela A. em consequência do incumprimento do contrato de prestação de serviços. f) Estava em causa um facto essencial para a descoberta da verdade e, mais, para fundamentação factual da solução de direito preconizada pela A.. g) A douta sentença não se pronunciou sobre tal facto, nem considerando-o provado, nem considerando-o não provado, não especificando sequer os fundamentos de facto ou de direito para uma tal omissão, o que constitui uma nulidade da sentença nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. h) Não obstante ser facto controvertido, a prova documental junta aos autos pela própria 3.ª R. permitiria ao douto tribunal, sem necessidade de qualquer outra prova adicional, considerar provado o facto alegado no artigo 12.º da PI. i) A própria 3.ª R., a única Ré que impugnou o facto, juntou aos autos as Condições Particulares, as Condições Gerais e a Condição especial 21 da apólice de seguro …952, sendo que o artigo preliminar da Condição Especial 21 “Responsabilidade Civil Profissões de Saúde” vem dizer expressamente que esta condição especial complementa, altera ou derroga as Condições Gerais do Seguro de Responsabilidade Civil Geral. j) Ora, o artigo 1.º da Condição especial 21 que define objecto, âmbito e garantia do contrato, é muito claro no seu n.º 1 quando vem dizer que: “1. Nos termos desta Condição Especial, o Segurador garante a responsabilidade civil do Segurado inerente ao exercício da profissão especificada na proposta de contrato nos seguintes termos: (…) b) por danos causados a clientes ou terceiros em consequência de actos ou omissões negligentes cometidos pelo Segurado no exercício da sua profissão; k) A responsabilidade civil inerente ao exercício da profissão de dentista abrange naturalmente ambos os tipos de responsabilidade, contratual e extracontratual ou, se assim não fosse, o seguro obrigatório de responsabilidade civil profissional de um médico dentista perderia praticamente toda a sua utilidade, em violação grosseira da letra e do espírito da lei que tem, naturalmente, como escopo primeiro, a protecção do utente dos serviços médios prestados pelo profissional. l) A referência expressa no artigo 1.º da Condição Especial 21 a danos causados a Clientes no exercício da sua profissão a implica necessariamente a abrangência de ambas as responsabilidades, contratual e extracontratual, porque a menção essa Cliente pressupõe sempre a aquisição de um bem ou de um serviço mediante o pagamento do respectivo preço, ou seja, a uma relação contratual. m) Tendo presente o conteúdo do documento que consubstancia a Condição Especial 21, junto pela 3.ª R. com a sua douta Contestação, documento que não foi impugnado pela A. ou pelos demais RR., mal andou a douta sentença quando não considerou provado na sua totalidade o facto alegado pela A. No artigo 12.º da sua PI. n) A douta decisão sobre a matéria de facto deverá ser substituída por uma outra que considere provado que: “O referido seguro cobre a responsabilidade civil extracontratual e contratual que seja imputável ao 1.º R. no exercício da sua actividade profissional de médico dentista”. o) De acordo com a douta sentença sob recurso, tanto na acção de processo comum com o n.º .../15.1T8LRS, como nos presentes autos, se concluiu que 1.º R. não praticou qualquer acto ilícito, tendo actuado no contexto da organização da prestação de serviços preconizados pela ora A., com as prescrições técnicas e procedimentos por ela preconizados. p) A mesma sentença considerou porém provado em T) que “No âmbito dessa colaboração, o 1.º R. obrigou-se perante a A. a exercer a sua profissão de dentista em clientes desta, com total autonomia técnica mas no escrupuloso cumprimento de todas as boas práticas médicas ou leges artis” e em U) que “A A. obrigou-se a disponibilizar ao 1.º R. um espaço adequado e todas as condições logísticas (recursos materiais e humanos) necessárias ao exercício por este da actividade de médico dentista”. q) Decorre da própria lei, ou seja, do disposto no n.º 2 do artigo 104.º do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas (Lei 124/2025, de 2 de Setembro)que “No exercício da sua profissão, o médico dentista é técnica e deontologicamente independente, e, como tal, responsável pelos seus atos”, que nos termos do n.º 4 do mesmo artigo “A multiplicidade de direitos e deveres do médico dentista e dos prestadores da medicina dentária inscritos na OMD, impõem-lhes uma independência absoluta, isenta de qualquer pressão, quer resultante de interesses próprios, quer resultante de influências exteriores” e ainda que, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo “O médico dentista tem o direito à liberdade de fazer juízos clínicos e éticos, e à liberdade de diagnóstico e terapêutica, agindo, sempre, de forma independente”. r) Decorre de imperativo legal, deontológico e contratual (Ponto T dos factos provados), que o 1.º R. se encontrava obrigado a prestar serviços de medicina dentária à A., com total independência técnica e deontológica. s) A conclusão da douta sentença, na sua fundamentação de direito, de que o 1.º R. ”Seguiu as prescrições técnicas e os procedimentos por aquela preconizados; seguiu as orientações daquela; cumpriu conforme o exigido pela autora”, está em clara contradição com o que considerou provado em T, o exercício da profissão com total autonomia técnica pelo 1.º R., o que sempre constituiria uma nulidade da sentença nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. t) Essa suposta interferência da A. nas decisões técnicas do 1.º R. que sempre seria uma violação grosseira das regras deontológicas, não foi alegada pelas partes nos seus articulados, nem resultou sequer da prova produzida nos autos. u) Essa hipotética interferência não resulta plasmada em qualquer dos pontos da matéria de facto considerada provada. v) A conclusão de que o 1.º R. ”Seguiu as prescrições técnicas e os procedimentos por aquela preconizados; seguiu as orientações daquela; cumpriu conforme o exigido pela autora”, não tem a menor fundamentação factual, o que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, constitui, também causa de nulidade da sentença. w) Na acção com o n.º .../15.1T8LRS esteve unicamente em causa a responsabilidade civil perante o paciente (o lesado G) e não a responsabilidade contratual do 1.º R. perante a A., mas resultaram nela provados um conjunto de factos relevantes para a discussão da questão do cumprimento das boas práticas médicas ou leges artis. por parte do 1.º R. x) Em face da matéria de facto provada na acção com o n.º .../15.1T8LRS (e nos presentes autos) é forçoso concluir que foi o 1.º R. quem observou a dentição do paciente G, quem elaborou e apresentou o Plano de Tratamento; que foi o 1.º R. quem realizou em 1/07/2009 a tomografia computorizada e quem concluiu que o osso dos maxilares do paciente G tinha espessura e altura suficientes para avançar com o tratamento sem necessidade de enxerto ósseo, que foi o 1.º R. quem não verificou ou não valorou o facto do paciente G ter prognatismo, ou mordida cruzada, e quem não o corrigiu aquando das suas intervenções no paciente; e que foi o 1.º R. quem, aquando da realização da cirurgia, constatou que o paciente G tinha um “osso mole no maxilar superior” e ainda assim não corrigiu o tratamento. y) Em ponto algum da matéria de facto considerada provada na acção com o n.º .../15.1T8LRS (e nos presentes autos) é possível verificar a existência de uma qualquer prescrição técnica, procedimento ou orientação a que o 1.º R. tenha sido sujeito pela A.. z) O 1.º R. praticou todos os actos médicos (diagnóstico, plano de tratamento, cirurgia, etc.) com total autonomia técnica, e foi ele, e unicamente ele, quem não utilizou “os meios mais adequados às específicas necessidades de G, de acordo com as boas práticas médicas”. aa) O facto do 1.º R. ter actuado no contexto da organização da prestação de serviços preconizados pela A. foi relevante no âmbito da acção com o n.º .../15.1T8LRS, em que esteve em causa a relação a responsabilidade contratual desta perante o seu paciente lesado, mas já não poderá ter a mesma relevância numa acção em que está unicamente em causa a responsabilidade contratual do 1.º R. perante a A., precisamente pelo incumprimento das obrigações emergentes da prestação de serviços e, desde logo, a obrigação contratual de escrupuloso cumprimento de todas as boas práticas médicas ou leges artis. bb) O incumprimento das boas práticas médicas ou leges artis por parte do 1.º R. resulta evidente em face da factualidade considerada provada em M), sendo que a mesma implica, consequentemente, a falta de cumprimento, com culpa efectiva, de obrigações emergentes do contrato de prestação de serviços em vigor com a A.. cc) Nos termos do artigo 798.º do C.C. “o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor”. dd) O incumprimento do 1.º R. foi apto a causar na A. os prejuízos considerados provados em CC), DD), EE), FF), GG) e HH). ee) O 1.º R. transferiu para a 3.ª R. a sua responsabilidade civil extracontratual e contratual no exercício da actividade profissional de médico dentista. ff) Mal andou assim a douta sentença sob recurso quando, não julgando verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual, fez uma incorrecta aplicação do direito e absolveu os RR. do pedido. gg) A douta sentença deverá ser substituída por uma outra que, fazendo uma correcta aplicação do artigo 798.º do C.C., julgue a acção procedente. A apelante terminou pedindo que a sentença fosse revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente. A Ré A Companhia de Seguros contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: A. Constatando o tribunal a quo a inexistência de incumprimento contratual do 1ºR., é inútil e, por conseguinte, contrário aos princípios da celeridade e economia processual o recurso desta decisão da matéria de facto, porquanto, esta não é susceptível de alterar os efeitos da sentença recorrida, Mais, B. Peticiona a recorrente a nulidade da sentença por entender que foi omissa no que diz respeito á cobertura da Responsabilidade Civil Contratual no âmbito do contrato de seguro, C. Não obstante, o tribunal não tem a obrigatoriedade de se pronunciar sobre uma questões inúteis que não contribui para a decisão do pedido, pelo que, quanto a esta questão o recurso sempre improcedia. À cautela sempre se dirá, D. Quanto á apreciação da Condição Especial 21 tem a recorrida a dizer que o contrato de seguro enquadra apenas as condições expressamente contratadas, E. Assim, como bem se sabe a linguagem utilizada na elaboração dos contratos tem que ser enquadrável com variáveis situações e condições contratadas, F. Nos presentes autos atendendo ao teor das Condições Gerais o seguro só enquadra a Responsabilidade Civil Contratual quando esteja expressamente previsto nas Condições Especiais contratadas, o que não se verifica. G. Neste sentido, a palavra “clientes” não poderá ser interpretada de uma forma extensiva mas antes, deve ser observada segundo os elementos sistemáticos do contrato. Sem conceder, H. O exercício da medicina não é uma ciência exata, porquanto é inócuo concluir que um mau resultado seja decorrente da violação da legis artis, tanto mais quanto é errado pensar que as legis artis só está cumprida quando a execução de um procedimento é de êxito. I. A obrigação a que o médico se vincula é uma obrigação de meios e não de resultados, J. Assim, não se evidenciando a prática de um erro que respeite aos meios adotados e tendo em conta que o 1º R. atuou no contexto da organização da prestação de serviços preconizados pela recorrente, á luz do art. 800º n.º1 do Código Civil sempre seria a recorrente responsabilizada civilmente perante o paciente. Termina assim, concluindo pelo não provimento do recurso e confirmação da decisão recorrida. * Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. * Questão a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões da recorrente (arts. 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Importa assim, saber se, no caso concreto: - se verifica a nulidade da sentença proferida; - apreciar a impugnação da matéria de facto; - aferir sobre a responsabilidade contratual do 1.º Réu. - na afirmativa, determinar o(s) sujeitos da obrigação de indemnizar e relevância do contrato de seguro celebrado. * II. Fundamentação: Na primeira instância foram considerados provados os seguintes: II. a) Factos adquiridos por acordo nos termos do art. 574º nº 2 do CPC e provados por documento (fixados em sede de audiência prévia) A) A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto social o exercício da actividade de exploração de clínicas de medicina dentária. B) O 1.º R. exerce a actividade de médico dentista. C) A 3.ª R. é uma sociedade comercial que exerce a actividade seguradora. D) No ano de 2005, o 1.º R. celebrou com a A Companhia de Seguros um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional para a actividade de médico dentista, titulado pela apólice n.º …952. E) O referido seguro cobre a responsabilidade civil profissional do 1.º R. até ao montante de 600.000,00 Euros e a responsabilidade civil de exploração até ao montante de 300.000,00 Euros. F) O referido seguro cobre a responsabilidade civil extracontratual que seja imputável ao 1.º R. no exercício da sua actividade profissional de médico dentista. G) Em 16 de Janeiro de 2015, G intentou contra a A. e 1.º R. a acção de processo comum com o n.º .../15.1T8LRS, que correu termos na Comarca de Lisboa Norte – Loures - Instância Central – Secção Cível – J1. H) No âmbito desse processo, foi requerida e admitida a intervenção acessória da 3.ª R. I) Por douta sentença proferida em 15 de Julho de 2016, foi a ora A. condenada a pagar a G: a) A quantia de € 31.325,00, a título de indemnização por danos patrimoniais; b) A quantia de € 15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) A quantia correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, contados a partir da data da citação, sendo a partir da data da sentença no que respeita ao montante relativo à indemnização. J) Em sede de recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa veio reduzir a condenação no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais para o valor de 10.000 Euros, mantendo no restante a sentença proferida em 1.ª instância. L) Em sede de recurso de revista excepcional, o Supremo Tribunal de Justiça manteve a anterior decisão. M) No processo .../15.1T8LSB resultou provado que: - Em 2009, o A. (G) tinha os dentes apodrecidos e amarelados, ao nível do maxilar superior e inferior; - O que lhe causava dores aquando da mastigação; -Dores ocasionais motivadas por cáries diversas; - O A. (G) sentia-se diminuído na sua auto-estima dado o estado visual dos seus dentes; - No mesmo ano, o A. (G) dirigiu-se à Clínica R. (ora A.), onde o médico H, que aí prestava serviços, lhe fez alguns tratamentos; - Aí foi diagnosticado ao A. (G) cáries extensas em todas as peças dentárias; - Bem como perda de suporte ósseo na maioria das peças dentárias; - E ainda mordida cruzada sem contactos dentários, alguns entre ambas as arcadas; - E ainda função mastigatória inexistente, com compromisso da função estética e fonética; - Após os tratamentos referidos em 28.º), foi sugerido ao A. (G) que a melhor solução seria arrancar toda a dentição do maxilar superior e inferior; - E colocar implantes e prótese fixa sobre os mesmos; - O mesmo médico alegou que os seus dentes abanavam e que tal se revelava o melhor tratamento; - Sugeriu então ao A. (G) o especialista seu Colega, J, ora 1.º R.; que prestava serviços de estomatologia na Clínica R. (ora A.); - O R. J, a 19 de Maio de 2009, após ter observado a dentição do A. (G), propôs-lhe um plano de tratamento faseado por dois momentos: 1º - Colocação de implantes nos maxilares inferior e superior; 2º - Colocação de prótese fixa sobre os implantes; - O plano de tratamento e orçamento estimativo foi apresentado ao A.(G) em 23/05/2009, tendo o A. (G) declarado aceitá-lo; - Foi-lhe reiterado pelo 1.º R. que seria a única solução para o seu caso, dado o estado de degradação e a qualidade da dentição; - O 1.º R., como médico responsável da R. Clínica Médica (ora A.) e o A. (G) declararam acordar que pela primeira fase de colocação dos implantes nos maxilares superior e inferior pagaria o A. (G) a quantia global de € 12.000,00 (€ 6.000,00 por cada maxilar); - E que pela segunda fase de colocação da prótese fixa definitiva superior e inferior pagaria a quantia global de € 8.000,00 (€ 4.000,00 por cada maxilar); - Na Clínica R. (ora A.) o A. (G) já havia feito tratamentos dentários, a 03/02/2009, mais precisamente uma endodontia unirradicular (23) e uma restauração provisória (23); - O insucesso dos tratamentos referidos em 42.º) fez com que o A. (G) declarasse aceitar os tratamentos referidos em 37.º); - O A. (G) iniciou os tratamentos no dia 29/07/2009 e 30/07/2009 com implante com função imediata (32, 34, 36, 42, 44 e 46); - Com base na tomografia computorizada foi planeada cirurgia de colocação de seis implantes na arcada inferior para reabilitação com prótese imediata fixa, tendo a respetiva cirurgia sido realizada a 29/07/2009; - Em tal cirurgia foi adotado o seguinte protocolo cirúrgico: 1 – Medicação pré-operatória: uma hora antes da cirurgia 1g de amoxicilina; 30mg de deflazacorte; 10mg de midazolan; 2 – Anestesia local com articaína 2% epinefrina 1:100000; 3 –Exodontia de todas as peças dentárias remanescentes; 4 –Regularização do rebordo alveolar com alveolótomo e broca multilaminada; 5 – Colocação de 6 implantes, 4 deles intermentonianos e 2 na região do 36 e 46; 6 –Todos os implantes foram instalados com estabilidade primária com torque superior a 40N/cm2 (40 Newton por centímetro quadrado); 7 – Realização de provisionalização fixa imediata; 8 – Não existiram intercorrências trans-cirúrgicas ou pós-cirúrgicas; 9 –Foram dadas as indicações pós-operatórias e de manutenção da prótese fixa; 10 –Fez-se ortopantomografia final para comprovar todos estes factos bem como o nível ósseo correto. - Com base na TAC superior foi planeada a instalação de 4 implantes superiores (pela técnica all-on-four), tendo a respetiva cirurgia sido realizada em 11/11/2009, com implante com função imediata (12, 15, 23 e 25); - Quanto a esta última cirurgia, foi adotado o seguinte protocolo cirúrgico: 1. Medicação pré-operatória: 1 hora antes da cirurgia 1g de amoxicilina; 30g de deflazacorte; 10mg de midazolan; 2. Anestesia local com articaína 2% epinefrina 1:100000; 3. Exodontia de todas as peças dentárias remanescentes; Regularização do rebordo alveolar com alveolótomo e broca multilaminada; 4. Colocação de 4 implantes; 5. Os implantes foram instalados com estabilidade primária inferior a 30N/cm2; 6. Realização de provisionalização removível imediata; 7. Não existiram intercorrências trans-cirúrgicas ou pós-cirúrgicas; 8. Foram dadas as indicações pós-operatórias; 9. Realização de ortopantomografia final para comprovar todos estes factos bem como o nível ósseo correto; - As cirurgias referidas em 45.º) e 47.º) tiveram manutenção após oito dias para a remoção de sutura e vigilância da cicatrização, em consulta realizada para o efeito; - Em ambas as cirurgias os pós-operatórios ocorreram sem problemas; - Continuou os tratamentos no dia 08/09/2010 com colocação de prótese híbrida APS74 Implantes Barra Titânio (35); - Na consulta então realizada foi diagnosticada perda de osteointegração dos implantes na posição 36 e 46; - E realizada ortopantomografia e raio X apical de todos os implantes e confirmada a osteointegração dos implantes superiores; - Tendo sido colocados pilares multiunits nos implantes superiores; - Foi planeada a explantação dos implantes 36 e 46, tendo sido instalados novos implantes em posições adjacentes no dia 21 de janeiro de 2011; - Foi planeada prótese provisória fixa superior; - O A. (G) continuou os tratamentos ainda no dia 15/09/2010 com colocação de prótese híbrida AP S/4 Implantes Barra Titânio (25); - No dia 20/07/2011, foi terminado o tratamento, data em que foi colocada a última barra de implantes; - No dia 18 de novembro de 2011, o A. (G) compareceu na clínica da R. (ora A.) com a prótese desapertada; - Foi feita nova limpeza da prótese; - O A. (G) pagou à Clínica R. (ora A.) a quantia total de € 20.000,00; - No intervalo entre os tratamentos o A. (G) foi a consultas de acompanhamento, em datas concretamente não apuradas; - O A. (G) não compareceu a algumas consultas, em data concretamente não apurada, por motivos profissionais, tendo a irmã daquele, a seu pedido, procedido a novo reagendamento junto da R. (ora A.); - Cerca de um mês após a colocação da última barra de implantes, o A. (G) tinha a sensação de que os dentes estavam a cair; - Queixou-se ao médico, que apertou os mesmos; - Semanas depois, em data concretamente não apurada, os dentes do A. (G) foram novamente apertados; - O A. (G) não conseguia mastigar e trincar, apenas conseguia comer alimentos triturados; - E queixou-se desse facto ao médico; - Este foi-lhe sempre dizendo que isso era normal e que era o resultado de ter umas gengivas muito sensíveis, “uns ossos muito moles”, mas logo que os maxilares se adaptassem a situação melhoraria; - O A. (G) continuava sem conseguir comer sólidos pois tinha a sensação de que se o fizesse os dentes lhe caiam; - O A. (G) estava permanentemente enervado, triste e desorientado quanto ao seu estado físico e anímico; - No exercício da sua atividade profissional de transportes internacionais, o A. (G) conduz veículo pesados; - Durante cerca de 4 anos, o A. (G) não conseguiu comer um bife, uma sandes ou trincar uma peça de fruta; - Facto que associado à sua atividade de condução de veículos pesados foi doloroso para o A. (G); - Tinha dias de chorar a conduzir, tendo muita dificuldade em arranjar pratos alternativos durante as viagens; - E para além das dores chegou a passar fome; - No final de 2011, numa das suas viagens de trabalho ao estrangeiro, o A. (G) constatou que a maior parte dos implantes estavam soltos; - Mal regressou da viagem dirigiu-se à Clínica R. (ora A.), onde foi observado pelo segundo R. (ora 1.º R.), que os voltou a apertar, na data referida em 59.º); - Dizendo ao A. (G) que tudo iria ficar bem com o decorrer do tempo, - No dia 27 de janeiro de 2012, o A. (G) compareceu na Clínica R. (ora A.), reiterando as queixas anteriormente apresentadas, nomeadamente ter dor e mobilidade da prótese superior; - Foi então diagnosticada perda da osteointegração de todos os implantes superiores; - E o A. (G) foi indicado para a remoção da prótese superior e dos implantes; - O R. J disse ao A. (G) que não havia mais nada a fazer; - Que não era possível continuar a apertar os implantes e que a única alternativa seria agora retirá-los todos e colocar próteses amovíveis, na medida em que as gengivas e os seus ossos eram muito frágeis; - Propondo ao A. (G) datas para a retirada dos implantes com vista à colocação de uma prótese amovível; - O A. (G) foi ouvir outras opiniões médicas, designadamente na Alemanha, aquando de uma das suas viagens de trabalho; - Foi dito ao A. (G) que a situação em que se encontravam os seus dentes se devia a um trabalho mal executado, tendo-lhe sido explicado que as arcadas dentárias funcionavam como uma casa e se não tinham caboucos para suportar os pilares (implantes) que ali foram implantados estes acabariam por ruir; - O tempo foi passando e o mau estar do A. (G) foi-se agravando, continuando a não conseguir mastigar sólidos e tendo frequentes crises de dores; - Em março de 2013, o A. (G) foi a uma consulta médica na qual lhe foi dito, relativamente à arcada superior que ao ter sido implantada uma prótese fixa híbrida sobre quatro implantes orais não se teve em conta que o maxilar do A. (G) não tinha camada óssea suficiente para o tratamento escolhido, razão pela qual tinha a sensação de que os dentes caiam se trincasse ou mastigasse alimentos sólidos; - Com a colocação dos implantes e da placa híbrida os ossos foram ficando mais frágeis; - O que veio a acontecer em relação a ambos os maxilares; - O facto de o A. (G) ter prognatismo, ou mordida cruzada, e não ter sido o mesmo corrigido aquando das intervenções efetuadas pelo R., associada ao facto de a camada óssea do maxilar superior não ser suficientemente densa, fez com que os implantes e as próteses, nos termos em que as mesmas foram realizadas pelo R., não se fixassem ao osso; - E ainda que a deficiente fixação inicial se fosse agravando com o passar do tempo; - A 18 de setembro de 2013, o A. (G) submeteu-se a novo tratamento na Clinica CDO, Lda.; - Ao ser realizado o tratamento foi dado verificar que a arcada superior apresentava extensa reabsorção óssea horizontal, presença de lesões crónicas compatíveis com quadro de severa perda óssea e extensa pneumatização de ambos os seios maxilares; - Na mesma data, a arcada inferior apresentava falha de estabilidade dos implantes, sendo os mesmos removidos com toque inferior a 20N; - O rebordo ósseo encontrava-se com espessura reduzida e osso de baixa densidade para mandíbula, tipo III; - No tratamento efetuado, na arcada superior, foi removida a prótese fixa híbrida sobre 4 implantes orais que apresentavam falha de osteointegração e após a remoção procedeu-se à elevação de retalho total na extensão completa do rebordo superior; - Procedeu-se à remoção das lesões resultantes da perda óssea e à regularização do tecido ósseo remanescente, apresentando baixa densidade (tipo IV), e elevação bilateral dos seios maxilares e instalação imediata de implantes orais, sendo em número de dois para cada um dos seios maxilares, bem como à instalação de mais quatro implantes compreendidos entre as áreas dos pilares caninos; - Os oito implantes instalados foram mantidos com parafusos de cobertura a fim de serem mantidos subgengivais e foi efetuado aloenxerto ósseo em um mix com osso autógeno, totalizando 4g de ambos, aproximadamente; - Na arcada inferior, procedeu-se à remoção convencional da prótese fixa híbrida instalada sobre 6 implantes e iniciou-se o procedimento sob anestesia local; - Elevou-se o retalho total na extensão do rebordo inferior e efetuou-se a remoção das lesões associadas e regularização do rebordo ósseo; - Procedeu-se à instalação de seis implantes orais, sendo quatro entre mentonianos e um posterior de cada lado; - Foi associado aloenxerto ósseo nas lesões aproximadamente 1,5g, e procedeu-se à sutura com fios reabsorvíveis; - Pelo tratamento referido em 94.º) pagou o A. (G)) a quantia de € 31.325,00; - Atualmente o A. (G) consegue mastigar, trincar e até comer um bife; - Os procedimentos de enxerto ósseo não são para fortalecimento do osso, mas para aumento do seu volume; - O procedimento de enxerto ósseo realizado em setembro de 2013 deveu-se, não à falta de osso inicial, mas à reabsorção óssea que foi ocorrendo posteriormente; - Com base na tomografia computorizada realizada a 01/07/2009, o R. J concluiu que o osso dos maxilares do A. (G) tinha espessura e altura suficiente para avançar com o tratamento sem necessidade de enxerto ósseo; - Mas aquando da realização da cirurgia o R. constatou e comunicou ao A. (G) que tinha um “osso mole” no maxilar superior”. N) Com base nestes factos provados entendeu o douto tribunal que a ora A., através do 1.º R., se obrigou perante G a realizar o tratamento de que este necessitava, visando a recuperação da sua função mastigatória, através da extracção dos dentes do maxilar superior e da mandíbula, bem como a colocação de implantes e de uma prótese fixa, mediante uma retribuição. O) Mais entendeu o douto tribunal que os meios utilizados não tinham sido os mais adequados às específicas necessidades de G, de acordo com as boas práticas médicas, P) E que o facto de G ter prognatismo, ou mordida cruzada, e não ter sido o mesmo corrigido aquando das intervenções efectuadas, associada ao facto de a camada óssea do maxilar superior não ser suficientemente densa, fez com que os implantes e as próteses, nos termos em que as mesmas foram realizadas, não se fixassem ao osso, resultando daí o insucesso do tratamento realizado e do resultado que se pretendia alcançar. Q) Conclui assim o venerando tribunal que a ora A., através do 1.º R., para além de ter incumprido a obrigação a que se encontrava vinculada perante G, a terá incumprido em desrespeito das boas práticas médicas ou leges artis, face às especificidades do caso concreto a tratar, tendo ficado demonstrada uma culpa efectiva. R) Demonstrados que ficaram o incumprimento, a culpa, os danos e o nexo de causalidade, foi a ora A. condenada a indemnizar G pelos seus danos patrimoniais e não patrimoniais. II. b) Factos resultantes da prova produzida em audiência de julgamento S) Em Agosto do ano de 2004, o 1.º R. iniciou uma colaboração com a A. para a prestação de serviços de médico dentista em diferentes clínicas de que esta é proprietária, relação essa que se mantém até aos dias de hoje. T) No âmbito dessa colaboração, o 1.º R. obrigou-se perante a A. a exercer a sua profissão de dentista em clientes desta, com total autonomia técnica mas no escrupuloso cumprimento de todas as boas práticas médicas ou leges artis. U) A A. obrigou-se a disponibilizar ao 1.º R. um espaço adequado e todas as condições logísticas (recursos materiais e humanos) necessárias ao exercício por este da actividade de médico dentista. V) A A. factura e recebe dos clientes finais o preço dos tratamentos e paga ao 1.º R. uma comissão correspondente a 40% do valor de cada serviço prestado, X) Em Junho de 2008, por razões contabilísticas e fiscais, o 1.º R. criou a 2.ª R. para, através desta, continuar a exercer a sua actividade de médico dentista. Z) Por esta altura, o 1.º R. solicitou à A. que emitisse em nome da 2.ª R. algumas facturas referentes às suas “comissões” pelos serviços prestados; AA) Através de facturas ou de “recibos verdes” mantiveram-se inalteradas todas as condições acordadas entre A. e 1.º R.. BB) O 1.º R. continuou a trabalhar nas mesmas clínicas da A., com os mesmos pacientes, com as mesmas condições logísticas e com a mesma compensação (percentagem) pelos serviços prestados. CC) A autora procedeu ao pagamento da indemnização no montante de 45.516,70 euros ao lesado. DD) Após a realização e conclusão dos seus tratamentos, em Julho de 2011, G compareceu várias vezes na Clínica da A., onde se queixou do insucesso da intervenção e da qualidade dos serviços que lhe tinham sido prestados. EE) Os funcionários da Clínica, mas também outros clientes que aguardavam a sua consulta, aperceberam-se das queixas apresentadas por G. FF) Nessas deslocações à clínica, G foi atendido sem custos adicionais para si, mas com a afectação de recursos humanos e materiais da A. GG) Realizaram-se reuniões para reunir papéis e falar com o advogado. HH) As queixas apresentadas por G na Clínica, a reclamação e a instauração por este de uma acção judicial com fundamento no insucesso de um tratamento efectuado foram tornadas públicas, chegando ao conhecimento de trabalhadores, clientes e fornecedores da A.. II. c) A primeira instância considerou não provados os seguintes factos: - Nos atendimentos feitos a G e no acompanhamento da fase extrajudicial e judicial da reclamação, os funcionários da A. terão despendido não menos do que 20 horas do seu tempo de trabalho, implicando um custo para esta não inferior a 1.000 Euros. - O conhecimento desse insucesso foi apto a criar no espírito de alguns clientes da A. dúvidas sobre a qualidade dos serviços prestados nas clínicas. - O insucesso do tratamento efectuado pelo 1.º R. ao G denegriu a imagem, a credibilidade e o prestígio da A.. - A A. interpelou o 1.º R. em Setembro de 2018 para que procedesse ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que este lhe tinha causado; - Em resposta, o 1.º R., reconhecendo os prejuízos causados e a sua responsabilidade perante a A., veio informar que, na data do sinistro, a sua responsabilidade civil profissional se encontrava validamente transferida para a X Companhia de Seguros (antecessora da 3.ª R.), através da apólice …952. - Informou ainda o 1.º R. que tinha feito a participação do sinistro à 3.ª R. em 21/09/2018. - Apenas em 23/05/2019 a 3.ª R. respondeu ao 1.º R., declinado o sinistro porquanto: (i) O tribunal tinha decido pela responsabilidade contratual da Clínica; (ii) O tribunal tinha aplicado o artigo 800.º do Código Civil na qualidade de trabalhador da Clínica; (iii) Isentando de qualquer culpa o seu segurado (1.º R.). - Em 24 de Junho de 2019, a A. fez directamente uma participação do sinistro à 3.ª R., aproveitando a ocasião para esclarecer que: (i) A sentença proferida no processo .../15.1T8LSB não decidiu sobre a responsabilidade extracontratual do 1.º R. perante o lesado; (ii) A sentença proferida no processo .../15.1T8LSB não se pronunciou sobre a responsabilidade contratual do 1.º R. perante a A. ou perante o lesado; (iii) O 1.º R. não é, nem nunca foi (contrariamente ao afirmado) trabalhador da A.; (iv) A aplicação do artigo 800.º do Código Civil na sentença não pressupõe o reconhecimento de qualquer relação laboral (aliás, os factos provados expressamente reconhecem a prestação de serviços); (v) A responsabilidade contratual da A. perante o lesado não afasta a responsabilidade contratual por prestação de serviços do médico perante a Clínica. - A 3.ª R. não respondeu à A. * III. O Direito: a) Nulidade da Sentença – art. 615.º, n.º 1, al.s b) e d) do CPC Em sede de recurso veio a recorrente invocar a nulidade da sentença recorrida na medida em que a mesma não se pronunciou sobre a circunstância do contrato de seguro abarcar, ou não, responsabilidade contratual do Réu, não o considerando provado ou não provado, nem especificando os fundamentos de facto ou de direito para uma tal omissão. No entender da recorrente tal constitui uma nulidade da sentença nos termos consignados nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Cumpre apreciar: A nulidade da sentença, tendo por fundamentos os taxativamente elencados pelo legislador no art. 615.º do CPC, reporta-se a actos ou omissões praticadas pelo tribunal a jusante, no âmbito do processo decisório, referindo-se, por natureza, à própria decisão. Na verdade, como se sabe, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Tribunal da Relação e Supremo Tribunal têm reiteradamente declarado (entre muitos outros que se poderiam citar Ac. do STJ de 24-01-2024). Assim a questão a analisar primeiramente é a de indagar se, in casu, (i) as causas de nulidade da decisão invocadas pelo recorrente integram alguma das previsões do art. 615.º do CPC e, em caso afirmativo, (ii) se as mesmas se verificam em concreto. No que a este aspecto diz respeito refere a Autora / Recorrente, nas suas conclusões que: “e) Essa questão controvertida entre as partes (saber se o contrato de seguro abrange também a responsabilidade contratual) integrou genericamente o objecto do litígio quando se questiona a indemnização devida pelos RR. Pêlos prejuízos sofridos pela A. em consequência do incumprimento do contrato de prestação de serviços. f) Estava em causa um facto essencial para a descoberta da verdade e, mais, para fundamentação factual da solução de direito preconizada pela A.. g) A douta sentença não se pronunciou sobre tal facto, nem considerando-o provado, nem considerando-o não provado, não especificando sequer os fundamentos de facto ou de direito para uma tal omissão, o que constitui uma nulidade da sentença nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.” a.1) Não especificação dos fundamento de facto e de direito A nulidade da sentença por falta de fundamentação prevista na alínea b) do nº. 1 do art.º 615º do Cód. Proc. Civil verifica-se apenas no caso de ausência total de enumeração dos fundamentos de facto ou de indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação. Resulta do disposto no art. 607º, n.º 3, do C. P. Civil que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.” Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1, al. b), do C. P. Civil que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Na realidade, não basta que o juiz decida a questão posta: é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz. Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é unânime quer na doutrina quer na jurisprudência, esta nulidade não se basta (para a sua verificação) com justificação da decisão deficiente, incompleta e/ou não convincente. É necessário mais. É preciso que haja falta absoluta, embora esta falta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. [1] Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis[2], a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”[3] . De todo o modo, feitas estas considerações, é nosso entendimento que, no caso em apreço, não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito. Com efeito, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual – com elenco dos factos provados admitidos por acordo, adquiridos em sede de julgamento e dos factos não provados -, bem como o quadro mental – na formação da convicção dos factos - e quadro jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão – responsabilidade contratual, concluindo pela não verificação dos respectivos pressupostos. Assim neste particular, entende este Tribunal não se verificar qualquer nulidade da sentença objecto do recurso, a qual, como se referiu, só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões. a.2) omissão de pronúncia Num segundo momento alega o recorrente que a “decisão ora recorrida omite pronúncia, sobre questões que devia apreciar, muito concretamente a cobertura da responsabilidade contratual do 1.º Réu, no âmbito do contrato de seguro profissional por si celebrado com a 3.ª Ré. A omissão e excesso de pronuncia e a ambiguidade e obscuridade da decisão, que a tornam ininteligível são, em abstracto, fundamento de nulidade da sentença, razão pela qual se conhecerá da verificação, em concreto, desta causa de nulidade na sentença recorrida. A nulidade por omissão de pronúncia só se compreende com referência às questões objecto do processo, mas não com respeito a todo e qualquer argumento que tenha sido deduzido. A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o Juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar – cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. Não menos relevante é o facto de não ser qualquer omissão de pronúncia que conduz à nulidade da sentença. Essa omissão só é, relevante, para estes efeitos, quando se verifique a ausência de posição ou de decisão do Tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o Juiz deva tomar posição expressa. Este preceito deve ser articulado com o n.º 2 do art. 608.º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” – neste sentido Ac. R.L. de 02-04-2024, Ac. STJ de 11-10-2022, Ac. STJ de 08-03-2023 . Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, o primeiro (e que é o que está aqui em causa) traduzido no dever de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras), e o segundo (que aqui não está em causa) traduzido no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso). Ora, é exactamente essa a situação dos presentes autos: saber se o concreto contrato de seguro integrava, na sua cobertura, a responsabilidade contratual do 1.º ou 2.º Réu, era questão que estava dependente de um primeiro pressuposto: a verificação dos pressupostos da responsabilidade contratual do 1.º Réu. Apenas se se concluísse pelo incumprimento contratual do 1.º Réu, gerador de responsabilidade contratual, é que caberia indagar da transferência dessa responsabilidade para a 3.ª Ré e se essa mesma responsabilidade fazia, ou não, parte do risco transferido. O Tribunal a quo, mal ou bem (é questão de que nos ocuparemos infra), entendeu não se verificarem os pressupostos da responsabilidade contratual. Concluindo por esta ausência de responsabilidade contratual, prejudicada ficou a questão da abrangência do contrato de seguro, na medida em que esta transferência de responsabilidade apenas seria chamada à colação se, e quando, se concluísse pela responsabilidade contratual do 1.º Réu, na medida em que apenas é passível de se transferir uma responsabilidade que se tenha. Pelo que o conhecimento da questão da abrangência do seguro ficou, desse modo, e tal como ainda decorre do citado art. 608.º, nº. 2, do CPC, prejudicado pela solução, entretanto encontrada no que tange à responsabilidade contratual do 1.º Réu. Em suma, não enferma o acórdão recorrido do vício de nulidade que lhe é apontado pela recorrente, pelo que, nessa parte, improcede o recurso. b) Alteração da matéria de facto – Entende a Autora /Apelante que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte facto (correspondente ao art. 12. da petição inicial): “O referido seguro cobre a responsabilidade civil extracontratual e contratual que seja imputável ao 1.º R. no exercício da sua actividade profissional de médico dentista”. A este respeito refere a Autora recorrente nas conclusões das suas alegações que: “h) Não obstante ser facto controvertido, a prova documental junta aos autos pela própria 3.ª R. permitiria ao douto tribunal, sem necessidade de qualquer outra prova adicional, considerar provado o facto alegado no artigo 12.º da PI. i) A própria 3.ª R., a única Ré que impugnou o facto, juntou aos autos as Condições Particulares, as Condições Gerais e a Condição especial 21 da apólice de seguro …952, sendo que o artigo preliminar da Condição Especial 21 “Responsabilidade Civil Profissões de Saúde” vem dizer expressamente que esta condição especial complementa, altera ou derroga as Condições Gerais do Seguro de Responsabilidade Civil Geral. j) Ora, o artigo 1.º da Condição especial 21 que define objecto, âmbito e garantia do contrato, é muito claro no seu n.º 1 quando vem dizer que: “1. Nos termos desta Condição Especial, o Segurador garante a responsabilidade civil do Segurado inerente ao exercício da profissão especificada na proposta de contrato nos seguintes termos: (…) b) por danos causados a clientes ou terceiros em consequência de actos ou omissões negligentes cometidos pelo Segurado no exercício da sua profissão; k) A responsabilidade civil inerente ao exercício da profissão de dentista abrange naturalmente ambos os tipos de responsabilidade, contratual e extracontratual ou, se assim não fosse, o seguro obrigatório de responsabilidade civil profissional de um médico dentista perderia praticamente toda a sua utilidade, em violação grosseira da letra e do espírito da lei que tem, naturalmente, como escopo primeiro, a protecção do utente dos serviços médios prestados pelo profissional. l) A referência expressa no artigo 1.º da Condição Especial 21 a danos causados a Clientes no exercício da sua profissão a implica necessariamente a abrangência de ambas as responsabilidades, contratual e extracontratual, porque a menção essa Cliente pressupõe sempre a aquisição de um bem ou de um serviço mediante o pagamento do respectivo preço, ou seja, a uma relação contratual. m) Tendo presente o conteúdo do documento que consubstancia a Condição Especial 21, junto pela 3.ª R. com a sua douta Contestação, documento que não foi impugnado pela A. ou pelos demais RR., mal andou a douta sentença quando não considerou provado na sua totalidade o facto alegado pela A. No artigo 12.º da sua PI. n) A douta decisão sobre a matéria de facto deverá ser substituída por uma outra que considere provado que: “O referido seguro cobre a responsabilidade civil extracontratual e contratual que seja imputável ao 1.º R. no exercício da sua actividade profissional de médico dentista”. Cumpre decidir da inclusão do teor do art. 12.º da petição inicial nos factos provados, conforme defende a Autora-Recorrente. Quando impugna a matéria de facto, o recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso (art.º 640.º, n.º 1, als. a) a c), e n.º 2, al. a), do CPC), ou seja, cabe ao recorrente especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas quanto aos indicados pontos da matéria de facto; d) com exactidão, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. O cumprimento do ónus a cargo do recorrente previsto no n.º 2, al. d) do art.º 640.º do CPC tem sido objecto de inúmeros arestos do STJ, que tem entendido ser tal ónus “um ónus secundário”, que deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável. Assim, quanto às alegações da Recorrente estas cumpre os ónus supra referidos na medida em que: - identifica o “facto” omitido do elenco dos factos provados e/ou não provados; - identifica o concreto meio probatório constante do processo que impunha decisão diversa (concretamente o contrato de seguro junto aos autos); - bem como elenca a afirmação que no caso o Tribunal deverá proferir acerca de tal matéria. Conforme se refere no Ac. do STJ de 07-09-2017, “O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspectiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.(…)”. Em primeiro lugar, e por um lado, cumpre referir que não assiste razão à apelante quando refere que a responsabilidade contratual abarcada pelo seguro integrou genericamente o objecto do litígio quando se questiona a indemnização devida pelos RR. pelos prejuízos sofridos pela A. em consequência do incumprimento do contrato de prestação de serviços. A cobertura de responsabilidade contratual no concreto contrato de seguro de responsabilidade profissional não integra este objecto do litigio: com este objecto do litigio pretendia-se definir que a resolução da questão passaria pela apreciação do incumprimento do contrato de prestação de serviços por parte do 1.º Réu, consequente obrigação de indemnizar e, na afirmativa, o seu quantum. Caso se entendesse que se verificava obrigação de indemnizar por parte do 1.º Réu então, e só então, se analisariam as consequências: a obrigação de indemnizar, o seu quantum e quem responderia por essa indemnização. Por outro lado, o facto que a Autora-Recorrente pretende ver inserido na matéria de facto decorre já das alíneas E) e F) dos Factos Assentes que dão por reproduzido o contrato, sendo que saber se abrange ou não a responsabilidade contratual, depende da interpretação que se dá ao contrato. Assim, em face dos factos já dados por provados nas als. E) e F) é completamente irrelevante a inserção da afirmação de que o referido contrato abrange igualmente a responsabilidade contratual. E isto porquê? Porque se, em face dos factos provados, o Tribunal ad quem fizer uma interpretação diversa dos pressupostos da responsabilidade contratual, concluindo pela sua verificação, já dispõe de matéria de facto suficiente para dela extrair consequências e conclusões jurídicas da existência de um seguro de responsabilidade civil profissional. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – neste sentido ver Ac. STJ de 09-02-2021 - tem considerado que nada impede o Tribunal da Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de acto inútil. De harmonia com o princípio da limitação a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com indiscutível relevância para a decisão da causa, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (cf. art. 130º, do CPC). Por conseguinte, se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1ª instância, no plano dos factos – neste sentido ver Ac. STJ de 14-03-2019 e ainda Ac. STJ de 13-07-2017. Vide ainda, a este propósito, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de fevereiro de 2020 (Nuno Pinto Oliveira), proc. n.º 4821/16.4T8LSB.L1.S2 Assim, e por tudo o supra exposto, julga-se improcedente o recurso no que respeita à pretensão da apelante de aditar ao factualismo provado que “O referido seguro cobre a responsabilidade civil extracontratual e contratual que seja imputável ao 1.º R. no exercício da sua actividade profissional de médico dentista”. c) Do Incumprimento contratual por parte do 1.º Réu A este respeito refere o Apelante nas conclusões das suas alegações que: cc) Nos termos do artigo 798.º do C.C. “o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor”. bb) O incumprimento das boas práticas médicas ou leges artis por parte do 1.º R. resulta evidente em face da factualidade considerada provada em M), sendo que a mesma implica, consequentemente, a falta de cumprimento, com culpa efectiva, de obrigações emergentes do contrato de prestação de serviços em vigor com a A.. dd) O incumprimento do 1.º R. foi apto a causar na A. os prejuízos considerados provados em CC), DD), EE), FF), GG) e HH). É entendimento da Autora-Apelante que se encontram provados factos susceptíveis de integrarem todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual do 1.º Réu para com a Autora. Foi diverso o entendimento do Tribunal a quo. Foi a seguinte a fundamentação da decisão recorrida: “No caso dos autos, o 1º réu obrigou-se perante a autora a prestar-lhe os erviços de dentista. A autora obrigou-se a remunerar tais serviços. Na prestação de serviço não existe subordinação, tendo o trabalhador autonomia relativamente aos termos da execução do trabalho, ficando, contudo, vinculado ao resultado da atividade prosseguida. Porém, como se refere no Ac. do STJ de 10/12/2015 «[n]a prestação de serviços quem contrata pode também organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação com vista ao controlo do resultado, e o beneficiário da atividade não está inibido de dar orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador», referindo-se mais à frente que «(…) a existência de reuniões e orientações ou instruções a seguir não é incompatível com o contrato de prestação de serviço pois o credor sempre tem uma palavra a dizer no modo como o serviço contratado deve ser executado e pode exercer alguma fiscalização sobre o desempenho do devedor… “. No caso dos autos, o que se apurou, em razão da anterior acção foi que a ora autora, e aí ré, se comprometeu perante o aí autor/lesado a obter um determinado resultado e que o mesmo não se concretizou porque a ora autora incumpriu a obrigação a que se mostrava vinculada em desrespeito das boas práticas médicas ou legis artis face às especificidades do caso concreto. Nessa acção também se concluiu que o ora 1º réu não praticou qualquer acto ilícito, pois actuou no contexto da organização da prestação de serviços preconizados pela ora autora, com as prescrições técnicas e procedimentos por ela preconizados. O ora 1º réu actuou como representante e auxiliar da autora. Na presente acção nada mais se apurou quanto à actuação do 1º réu no caso anterior. Nada mais se tendo apurado, não se pode concluir que aquele incumpriu o contrato de prestação de serviços celebrado com a autora. Por via deste contrato o 1º réu obrigou-se a prestar serviços de dentista, o que fez. A autora aplicava uma determinada técnica que o 1º réu utilizou no tratamento do paciente que lhe foi confiado. Seguiu as prescrições técnicas e os procedimentos por aquela preconizados; seguiu as orientações daquela; cumpriu conforme o exigido pela autora. O tratamento não foi bem sucedido, mas o contrato celebrado entre a autora e o 1º réu não se mostra incumprido por este. Como resulta da matéria de facto supra extractada, por reporte à decisão proferida na anterior acção e considerando o aí decidido, que não se mostra alterado por novos factos apurados, quem praticou o facto ilícito, com culpa efectiva foi a autora não o ora 1º réu que se limitou a actuar no contexto da organização da prestação de serviços preconizada pela ré. Não sendo possível imputar ao réu, por si, ou através da 2ª ré, qualquer actuação ilícita e culposa violadora das obrigações contratualmente assumidas perante a autora, nada pode ser exigido à 3ª ré. Assim, e por isso, a acção tem que ser julgada improcedente.” Com efeito, a este respeito entendeu a 1.ª instância que ( a ordem dos factos provados é nossa e não a do tribunal a quo): A) A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto social o exercício da actividade de exploração de clínicas de medicina dentária. B) O 1.º R. exerce a actividade de médico dentista. S) Em Agosto do ano de 2004, o 1.º R. iniciou uma colaboração com a A. para a prestação de serviços de médico dentista em diferentes clínicas de que esta é proprietária, relação essa que se mantém até aos dias de hoje. T) No âmbito dessa colaboração, o 1.º R. obrigou-se perante a A. a exercer a sua profissão de dentista em clientes desta, com total autonomia técnica mas no escrupuloso cumprimento de todas as boas práticas médicas ou leges artis. U) A A. obrigou-se a disponibilizar ao 1.º R. um espaço adequado e todas as condições logísticas (recursos materiais e humanos) necessárias ao exercício por este da actividade de médico dentista. V) A A. factura e recebe dos clientes finais o preço dos tratamentos e paga ao 1.º R. uma comissão correspondente a 40% do valor de cada serviço prestado, X) Em Junho de 2008, por razões contabilísticas e fiscais, o 1.º R. criou a 2.ª R. para, através desta, continuar a exercer a sua actividade de médico dentista. Z) Por esta altura, o 1.º R. solicitou à A. que emitisse em nome da 2.ª R. algumas facturas referentes às suas “comissões” pelos serviços prestados; AA) Através de facturas ou de “recibos verdes” mantiveram-se inalteradas todas as condições acordadas entre A. e 1.º R.. BB) O 1.º R. continuou a trabalhar nas mesmas clínicas da A., com os mesmos pacientes, com as mesmas condições logísticas e com a mesma compensação (percentagem) pelos serviços prestados. M) No processo .../15.1T8LSB resultou provado que: - Em 2009, o A. (G) tinha os dentes apodrecidos e amarelados, ao nível do maxilar superior e inferior; (…) - No mesmo ano, o A. (G) dirigiu-se à Clínica Médica. (ora A.), onde o médico H, que aí prestava serviços, lhe fez alguns tratamentos; (…) - Após os tratamentos referidos em 28.º), foi sugerido ao A. (G) que a melhor solução seria arrancar toda a dentição do maxilar superior e inferior; - E colocar implantes e prótese fixa sobre os mesmos; (…) - Sugeriu então ao A. (G) o especialista seu Colega, J, ora 1.º R.; que prestava serviços de estomatologia na Clínica Médica (ora A.); (…) - O 1.º R., como médico responsável da R. Clínica Médica (ora A.) e o A. (G declararam acordar que pela primeira fase de colocação dos implantes nos maxilares superior e inferior pagaria o A. (G) a quantia global de € 12.000,00 (€ 6.000,00 por cada maxilar); Q) Conclui assim o venerando tribunal (na acção referida em M)) que a ora A., através do 1.º R., para além de ter incumprido a obrigação a que se encontrava vinculada perante G, a terá incumprido em desrespeito das boas práticas médicas ou leges artis, face às especificidades do caso concreto a tratar, tendo ficado demonstrada uma culpa efectiva. R) Demonstrados que ficaram o incumprimento, a culpa, os danos e o nexo de causalidade, foi a ora A. condenada a indemnizar G pelos seus danos patrimoniais e não patrimoniais. É inquestionável a celebração, em inícios de 2004, de um contrato de prestação de serviços, sob a forma consensual, entre Autora e 1.º Réu, em que este se obrigou, perante a A., a exercer a sua profissão de dentista em clientes desta (com total autonomia técnica mas no escrupuloso cumprimento de todas as boas práticas médicas ou leges artis) e aquela se obrigou a disponibilizar ao 1.º R. um espaço adequado e todas as condições logísticas (recursos materiais e humanos) necessárias ao exercício por este da actividade de médico dentista e remunerar o 1.º Réu em conformidade com os serviços prestados. A Autora intenta a presente acção na sequência da instauração por G, em 16 de Janeiro de 2015, de uma acção contra si e contra os aqui 1.º e 3.º Réus, que correu termos com o n.º .../15.1T8LRS, na Comarca de Lisboa Norte – Loures - Instância Central – Secção Cível – J1. Por sentença proferida em 15 de Julho de 2016, foi a ora A. condenada a pagar a G: a) A quantia de € 31.325,00, a título de indemnização por danos patrimoniais; b) A quantia de € 15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) A quantia correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, contados a partir da data da citação, sendo a partir da data da sentença no que respeita ao montante relativo à indemnização. Em sede de recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa veio reduzir a condenação no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais para o valor de 10.000 Euros, mantendo no restante a sentença proferida em 1.ª instância, decisão essa que veio a ser confirmada pelo STJ. Nessa decorrência, a autora procedeu ao pagamento da indemnização no montante de 45.516,70 euros ao lesado. Ou seja, entendeu-se na primitiva acção que houve: - a celebração de um contrato de prestação de serviços médicos entre o ali Autor G e a aqui Autora Clínica Médica; - que estava em causa uma obrigação de resultado, e não uma obrigação de meios como normalmente sucede na responsabilidade médica em geral, mas já não no âmbito da responsabilidade médica por tratamentos odontológicos, como era o caso dos autos; - que a Clínica Ré se comprometeu perante o autor a desenvolver certa actividade de modo prudente e diligente, em harmonia com as boas práticas médicas e clínicas, tendo em vista um certo resultado; - e que se comprometeu ainda, como normalmente acontece no domínio da medicina dentária, com o resultado dessa mesma actividade, em benefício do ali Autor G; - que foi a Ré quem assumiu a responsabilidade pelo cumprimento ou incumprimento do contrato, tendo utilizado para a sua execução e cumprimento dessa sua obrigação o aqui 1.º Réu; - pelo que a Clínica tornou-se responsável pêlos actos praticados por esse seu auxiliar (o aqui primeiro Réu) como se por si tivessem sido praticados, de harmonia com o art. 800.º do CC. Isto no que respeita à Clínica Médica, ali Ré e aqui Autora. E no que respeita ao ali e aqui Réu J? No que respeita a este Réu as decisões proferidas naquele processo entenderam que, não tendo sido celebrado nenhum contrato entre G e aquele não poderíamos em rigor falar de responsabilidade contratual, sendo apenas equacionável a sua responsabilidade extracontratual. E quanto a esta entendeu-se que “… não se vislumbrando da factualidade dada como provada, da parte do réu, J qualquer comportamento que se possa considerar ilícito do ponto de vista da responsabilidade civil aquiliana ou por factos ilícitos, a que alude o art. 483.“ do CC, deverá a acção contra si ser julgada improcedente, absolvendo-se o mesmo do pedido, e já que o réu actuou no contexto da organização de prestação de serviços preconizada pela ré, com as prescrições técnicas e procedimentos por ela delineados, como aliás ficou bem patente na audiência de julgamento no depoimento prestado pela testemunha E, nos termos supra referidos, testemunha que trabalha para o mesmo grupo de clínicas em que se integra a ré, sendo forte defensora da aplicação da técnica ali utilizada (all on four), a qual, face às circunstâncias em que o autor se apresentava quando foi celebrado o contrato (com a função de mastigação afectada, não só pelas cáries de que era portador, mas também pelo prognatismo ou mordedura cruzada de que padecia, apurando—se também, logo na cirurgia efectuada uma menor densidade óssea do maxilar superior) se veio a revelar inadequada, como resultou provado nos autos e como também ficou demonstrado mais tarde no tratamento efectuado na Clinica COD Lda, onde em 2013 foi aplicada a prótese superior, não sobre quatro implantes, como havia feito a ré, mas sobre oito implantes, além de aí se ter procedido à correcção da mordida cruzada, estando o autor actualmente bem, desenvolvendo uma mastigação que lhe permite comer normalmente, ao contrário do que sucedeu com o tratamento efectuado na Clínica ré”. Acrescentando ainda que “os meios utilizados não foram os mais adequados às específicas necessidades do autor, de acordo com as boas práticas médicas, facto que era do conhecimento da ré, como resultou provado no processo, sendo certo que o facto de o autor ter prognatismo, ou mordida cruzada, e não ter sido o mesmo corrigido aquando das intervenções efectuadas pelo réu, associada ao facto de a camada óssea do maxilar superior não ser suficientemente densa, fez com que os implantes e as próteses, nos termos em que as mesmas foram realizadas pelo réu, não se fíxassem ao osso, resultando daí o insucesso do tratamento realizado e do resultado que se pretendia alcançar. Facto que, tendo sido diagnosticado durante o tratamento efectuado, poderia a qualquer momento ter sido corrigido pela ré, com o prévio e necessário enxerto ósseo, como aliás veio a acontecer depois, na Clínica a que o autor teve de recorrer, face à recusa da ré em colocar novos implantes e prótese fixa. Ou seja, além da ré, pelas razões supra aduzidas, ter incumprido a obrigação a que se encontrava vinculada, incumpriu- a em desrespeito das boas práticas médicas ou leges artis, face às especificidades do caso concreto a tratar, o que além de nos revelar o incumprimento registado, bem como o nexo de causalidade adequada (art. 563. do CC) entre o deficiente tratamento realizado e o insucesso do resultado obtido, também a censurabilidade ético jurídica de tal comportamento contratual, não só pela desadequação dos meios empregues face à situação a tratar, como inclusivamente a não inversão do resultado alcançado, através de solução que passasse pela correcção do tratamento realizado, não só ao nível da mordedura cruzada de que padecia o autor mas também à realização do necessário enxerto ósseo, que permitisse a realização de novos implantes e a colocação de uma prótese fixa como havia sido acordado “. Mais referindo “… além da culpa da ré se presumir, como consequência do disposto no art. 799.“ n.º1 do CC, a verdade é que dos factos dados como provados resultou ainda demonstrada a sua culpa efectiva. Sendo certo ademais que o art. 104.” n.” 3 do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas, aprovado pela Lei n.“ 124/2015, de 02.09, estabelece que "na actuação da profissão devem ser atendidos prioritariamente os interesses e direitos do doente no respectivo tratamento, assegurando-lhe sempre a prestação dos melhores cuidados de saúde oral ao alcance do prestador, agindo com correcção e delicadeza, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos resultantes das relações profissionais com colegas, organizações ou empresas", acrescentando-se no n.º5 do mesmo artigo que "o médico dentista deve assegurar as melhores condições possíveis para a prestação dos actos médico-dentários, de molde a melhor satisfazer todos as necessidades clínicas do doente". Concluímos, portanto, que houve incumprimento contratual por parte da ré, através do seu representante e auxiliar, ora réu." (transcrições do Acórdão do STJ proferido no âmbito da acção .../15.1T8LRS, junto aos autos, com sublinhados e realces nossos). Isto é, o acórdão que condenou entendeu que a prestação tinha sido culposamente incumprida, em desrespeito das boas práticas médicas ou leges artis, face às especificidades do caso concreto a tratar. Imputou esse incumprimento ao aqui 1.º Réu enquanto profissional que executou o tratamento no referido G. E apenas não o condenou e não extraiu consequências dessa sua conduta pela circunstância de o mesmo a ter levado a cabo enquanto auxiliar da Clínica, entidade com quem G havia celebrado o contrato de prestação de serviços. Nesta acção, que aqui e agora nos ocupa, o que está em causa é diverso. E resume-se a saber se, na economia do contrato de prestação de serviços celebrado, de forma consensual, entre a Autora/apelante e o 1.º Réu, esta concreta execução de tratamento odontológico levada a cabo pelo 1.º Réu, consubstancia um incumprimento daquele mesmo contrato, dando origem a uma obrigação de indemnizar. A regra base é a de que «o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor» (artigo 798.º do Código Civil), pelo que importa verificar a que é que corresponde o não cumprimento de uma obrigação assumida. Em primeiro lugar, e antes de se entrar na análise do incumprimento contratual por parte do 1.º Réu, cumpre referir que não se acompanha a fundamentação da sentença recorrida quando a mesma afirma ( a fls. 16 e 17) que o 1.º Réu “Seguiu as prescrições técnicas e os procedimentos por aquela preconizados; seguiu as orientações daquela; cumpriu conforme o exigido pela autora.” E 1º réu que se limitou a actuar no contexto da organização da prestação de serviços preconizada pela ré”. Em primeiro lugar, e desde logo, porque tal não resulta dos factos dados por provados nos presentes autos. E não só não resulta dos factos provados, como está, ainda, em contradição com o facto constante da al. T) dos factos provados, com o seguinte teor T) “No âmbito dessa colaboração, o 1.º R. obrigou-se perante a A. a exercer a sua profissão de dentista em clientes desta, com total autonomia técnica mas no escrupuloso cumprimento de todas as boas práticas médicas ou leges artis.” Não obstante poder-se dar o caso de a Autora preconizar certos procedimentos – a que aliás se faz alusão nas decisões proferidas na acção .../15.1T8LRS, como sendo a técnica do técnica do “all on four” – a autonomia técnica do 1.º Réu no exercício da sua profissão de dentista e o cumprimento das boas práticas médicas ou leges artis, sempre seriam motivo fundamentado e razão suficiente para que o 1.º Réu não avançasse cegamente para uma intervenção que, conforme resultou provado, era altamente desaconselhada, atentas as particulares características do Autor - prognatismo ou mordedura cruzada de que padecia e menor densidade óssea do maxilar superior que se apurou aquando da cirurgia. Ainda que existissem instruções ou indicações da Clínica Autora – o que, sublinhe-se mais uma vez, não resulta dos factos provados – o estatuto profissional a que o 1.º Réu se encontrava vinculado no exercício da sua profissão determinava que "na actuação da profissão devem ser atendidos prioritariamente os interesses e direitos do doente no respectivo tratamento, assegurando-lhe sempre a prestação dos melhores cuidados de saúde oral ao alcance do prestador, agindo com correcção e delicadeza, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos resultantes das relações profissionais com colegas, organizações ou empresas", e ainda que "o médico dentista deve assegurar as melhores condições possíveis para a prestação dos actos médico-dentários, de molde a melhor satisfazer todos as necessidades clínicas do doente" – art. 104.º n.ºs 3 e 5 do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas, aprovado pela Lei n.“ 124/2015, de 02.09. Para a definição do conteúdo da prestação a cargo do médico, na responsabilidade civil contratual decorrente do incumprimento de um contrato de prestação de serviços médicos (sem regulamentação legal típica, incluído na categoria genérica dos contratos de prestação de serviços - artigo 1154.º do Código Civil - e subordinado às regras supletivas do contrato de mandato, com as devidas adaptações – artigo 1156.º do Código Civil), para além do que conste de concretas cláusulas contratuais acordadas – e que no caso concreto não resultam se as houve e quais –, há que recorrer ao que consta dos regulamentos deontológicos próprios. O Código Deontológico da Ordem dos Médicos Dentistas (Diário da República, 2.ª série, n.º 143, de 22/06/1999, alterado pelo Regulamento Interno n.º 4/2006, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 103, de 29/05/2006[11], cujo artigo 8.º (sob a epígrafe “Dever Fundamental”) dispõe: “1. Todo o médico dentista tem o dever de assegurar ao seu paciente a prestação dos melhores cuidados de saúde oral ao seu alcance, agindo com correcção e delicadeza. 2. O médico dentista poderá ser responsabilizado pela prestação de actos médico-dentários manifestamente desadequados, bem como pela prestação manifestamente desadequada de actos médico-dentários, quando, dadas as circunstâncias concretas do caso, lhe era objectivamente exigível a actuação de forma distinta”. Muito embora estes deveres sejam, acima de tudo, deveres definidos com vista à salvaguarda do paciente (destinatário imediato) e da sua saúde, os mesmos não deixam de manter actualidade e pertinência na relação que se estabelece entre um médico e uma clínica (destinatário mediato) que o contrata por força das suas aptidões profissionais. Parece-nos evidente esta afirmação, na medida em que a clínica - para quem o dentista presta funções - pode ser responsabilizada pela prestação de actos médicos do seu auxiliar (art. 800.º do CC) é de todo o seu interesse que este cumpra todos os seus deveres /obrigações e praxis, cujo incumprimento pode, no limite, levar à sua responsabilização. O 1.º Réu foi contratado pela Autora, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, como médico dentista e, no desempenho dessa sua actividade incumpriu as obrigações que enquanto profissional lhe eram exigidas. A actividade de um odontólogo não se limita a, de forma autómata, realizar procedimentos, implicando ainda a avaliação de factores que se relacionam com o próprio doente e que podem condicionar esses procedimentos, tornando-os inadequados sem outros tratamentos prévios, destinados a torná-los eficientes e eficazes. Os seja, não basta – para efeitos de cumprimento do contrato de prestação de serviços - o primeiro Réu ter efectuado a colocação dos implantes ou realizar todos os demais procedimentos inerentes ao desempenho do seu múnus. Exige-se e exigia-se mais. Exige-se ainda ao 1.º Réu, no âmbito do desempenho das suas funções, aferir de um eventual quadro adverso, relacionado com o doente, que o aconselhe, entre outros, a postergar para um momento ulterior a realização de implantes. À luz do princípio da boa fé (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil) e das obrigações deontológicas, provindas do seu Estatuto, era exigível ao 1.º Réu a adopção de um comportamento prudente e diligente, avaliando eventuais adversidades e as cautelas que as mesmas, a existir, reclamem. A ilicitude necessária para considerar preenchido esse requisito/pressuposto da responsabilidade contratual do médico – seja para com o paciente seja para a clinica que presta os seus serviços ao paciente - passa por considerar estarmos diante de uma acção ou uma omissão de um médico, que viole os seus deveres. De outro modo dito, considerando estarmos diante de uma violação das leges artis, entendidas como uma desconformidade objectiva entre os actos realizado e os que seriam devidos de acordo com os conhecimentos técnicos da ciência médica à data[4], poderá dar-se como presente a ilicitude. Assim, o devedor terá de ter prestado os seus serviços com uma conduta profissional inadequada resultante da utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida do doente, seja por imperícia, imprudência, desatenção, negligência ou inobservância dos regulamentos, ou, muitas vezes, com estes factores misturados. Na análise da prestação de serviços médicos de dentista prestados pelo 1.º Réu temos de levar em consideração os seguintes factos: M) No processo .../15.1T8LSB resultou provado que: - Em 2009, o A. (G) tinha os dentes apodrecidos e amarelados, ao nível do maxilar superior e inferior; - O que lhe causava dores aquando da mastigação; -Dores ocasionais motivadas por cáries diversas; - O A. (G) sentia-se diminuído na sua auto-estima dado o estado visual dos seus dentes; - No mesmo ano, o A. (G) dirigiu-se à Clínica Ré (ora A.), onde o médico H, que aí prestava serviços, lhe fez alguns tratamentos; - Aí foi diagnosticado ao A. (G) cáries extensas em todas as peças dentárias; - Bem como perda de suporte ósseo na maioria das peças dentárias; - E ainda mordida cruzada sem contactos dentários, alguns entre ambas as arcadas; - E ainda função mastigatória inexistente, com compromisso da função estética e fonética; - Após os tratamentos referidos em 28.º), foi sugerido ao A. (G) que a melhor solução seria arrancar toda a dentição do maxilar superior e inferior; - E colocar implantes e prótese fixa sobre os mesmos; - O mesmo médico alegou que os seus dentes abanavam e que tal se revelava o melhor tratamento; - Sugeriu então ao A. (G) o especialista seu Colega, J, ora 1.º R.; que prestava serviços de estomatologia na Clínica R. (ora A.); - O R. J, a 19 de Maio de 2009, após ter observado a dentição do A. (G), propôs-lhe um plano de tratamento faseado por dois momentos: 1º - Colocação de implantes nos maxilares inferior e superior; 2º - Colocação de prótese fixa sobre os implantes; - O plano de tratamento e orçamento estimativo foi apresentado ao A.(G) em 23/05/2009, tendo o A. (G declarado aceitá-lo; - Foi-lhe reiterado pelo 1.º R. que seria a única solução para o seu caso, dado o estado de degradação e a qualidade da dentição; - O 1.º R., como médico responsável da R. Clínica Médica (ora A.) e o A. (G) declararam acordar que pela primeira fase de colocação dos implantes nos maxilares superior e inferior pagaria o A. (G a quantia global de € 12.000,00 (€ 6.000,00 por cada maxilar); - E que pela segunda fase de colocação da prótese fixa definitiva superior e inferior pagaria a quantia global de € 8.000,00 (€ 4.000,00 por cada maxilar); - Na Clínica R. (ora A.) o A. (G) já havia feito tratamentos dentários, a 03/02/2009, mais precisamente uma endodontia unirradicular (23) e uma restauração provisória (23); - O insucesso dos tratamentos referidos em 42.º) fez com que o A. (G) declarasse aceitar os tratamentos referidos em 37.º); - O A. (G) iniciou os tratamentos no dia 29/07/2009 e 30/07/2009 com implante com função imediata (32, 34, 36, 42, 44 e 46); - Com base na tomografia computorizada foi planeada cirurgia de colocação de seis implantes na arcada inferior para reabilitação com prótese imediata fixa, tendo a respetiva cirurgia sido realizada a 29/07/2009; - Em tal cirurgia foi adotado o seguinte protocolo cirúrgico: 1 – Medicação pré-operatória: uma hora antes da cirurgia 1g de amoxicilina; 30mg de deflazacorte; 10mg de midazolan; 2 – Anestesia local com articaína 2% epinefrina 1:100000; 3 –Exodontia de todas as peças dentárias remanescentes; 4 –Regularização do rebordo alveolar com alveolótomo e broca multilaminada; 5 – Colocação de 6 implantes, 4 deles intermentonianos e 2 na região do 36 e 46; 6 –Todos os implantes foram instalados com estabilidade primária com torque superior a 40N/cm2 (40 Newton por centímetro quadrado); 7 – Realização de provisionalização fixa imediata; 8 – Não existiram intercorrências trans-cirúrgicas ou pós-cirúrgicas; 9 –Foram dadas as indicações pós-operatórias e de manutenção da prótese fixa; 10 –Fez-se ortopantomografia final para comprovar todos estes factos bem como o nível ósseo correto. - Com base na TAC superior foi planeada a instalação de 4 implantes superiores (pela técnica all-on-four), tendo a respetiva cirurgia sido realizada em 11/11/2009, com implante com função imediata (12, 15, 23 e 25); - Quanto a esta última cirurgia, foi adotado o seguinte protocolo cirúrgico: 1. Medicação pré-operatória: 1 hora antes da cirurgia 1g de amoxicilina; 30g de deflazacorte; 10mg de midazolan; 2. Anestesia local com articaína 2% epinefrina 1:100000; 3. Exodontia de todas as peças dentárias remanescentes; Regularização do rebordo alveolar com alveolótomo e broca multilaminada; 4. Colocação de 4 implantes; 5. Os implantes foram instalados com estabilidade primária inferior a 30N/cm2; 6. Realização de provisionalização removível imediata; 7. Não existiram intercorrências trans-cirúrgicas ou pós-cirúrgicas; 8. Foram dadas as indicações pós-operatórias; 9. Realização de ortopantomografia final para comprovar todos estes factos bem como o nível ósseo correto; - As cirurgias referidas em 45.º) e 47.º) tiveram manutenção após oito dias para a remoção de sutura e vigilância da cicatrização, em consulta realizada para o efeito; - Em ambas as cirurgias os pós-operatórios ocorreram sem problemas; - Continuou os tratamentos no dia 08/09/2010 com colocação de prótese híbrida APS74 Implantes Barra Titânio (35); - Na consulta então realizada foi diagnosticada perda de osteointegração dos implantes na posição 36 e 46; - E realizada ortopantomografia e raio X apical de todos os implantes e confirmada a osteointegração dos implantes superiores; - Tendo sido colocados pilares multiunits nos implantes superiores; - Foi planeada a explantação dos implantes 36 e 46, tendo sido instalados novos implantes em posições adjacentes no dia 21 de janeiro de 2011; - Foi planeada prótese provisória fixa superior; - O A. (G) continuou os tratamentos ainda no dia 15/09/2010 com colocação de prótese híbrida AP S/4 Implantes Barra Titânio (25); - No dia 20/07/2011, foi terminado o tratamento, data em que foi colocada a última barra de implantes; - No dia 18 de novembro de 2011, o A. (G) compareceu na clínica da R. (ora A.) com a prótese desapertada; - Foi feita nova limpeza da prótese; - O A. (G) pagou à Clínica R. (ora A.) a quantia total de € 20.000,00; - No intervalo entre os tratamentos o A. (G) foi a consultas de acompanhamento, em datas concretamente não apuradas; - O A. (G) não compareceu a algumas consultas, em data concretamente não apurada, por motivos profissionais, tendo a irmã daquele, a seu pedido, procedido a novo reagendamento junto da R. (ora A.); - Cerca de um mês após a colocação da última barra de implantes, o A. (G tinha a sensação de que os dentes estavam a cair; - Queixou-se ao médico, que apertou os mesmos; - Semanas depois, em data concretamente não apurada, os dentes do A. (G) foram novamente apertados; - O A. (G) não conseguia mastigar e trincar, apenas conseguia comer alimentos triturados; - E queixou-se desse facto ao médico; - Este foi-lhe sempre dizendo que isso era normal e que era o resultado de ter umas gengivas muito sensíveis, “uns ossos muito moles”, mas logo que os maxilares se adaptassem a situação melhoraria; - O A. (G) continuava sem conseguir comer sólidos pois tinha a sensação de que se o fizesse os dentes lhe caiam; - O A. (G) estava permanentemente enervado, triste e desorientado quanto ao seu estado físico e anímico; - No exercício da sua atividade profissional de transportes internacionais, o A. (G) conduz veículo pesados; - Durante cerca de 4 anos, o A. (G) não conseguiu comer um bife, uma sandes ou trincar uma peça de fruta; - Facto que associado à sua atividade de condução de veículos pesados foi doloroso para o A. (G); - Tinha dias de chorar a conduzir, tendo muita dificuldade em arranjar pratos alternativos durante as viagens; - E para além das dores chegou a passar fome; - No final de 2011, numa das suas viagens de trabalho ao estrangeiro, o A. (G) constatou que a maior parte dos implantes estavam soltos; - Mal regressou da viagem dirigiu-se à Clínica R. (ora A.), onde foi observado pelo segundo R. (ora 1.º R.), que os voltou a apertar, na data referida em 59.º); - Dizendo ao A. (G) que tudo iria ficar bem com o decorrer do tempo, - No dia 27 de janeiro de 2012, o A. (G) compareceu na Clínica R. (ora A.), reiterando as queixas anteriormente apresentadas, nomeadamente ter dor e mobilidade da prótese superior; - Foi então diagnosticada perda da osteointegração de todos os implantes superiores; - E o A. (G) foi indicado para a remoção da prótese superior e dos implantes; - O R. J disse ao A. (G) que não havia mais nada a fazer; - Que não era possível continuar a apertar os implantes e que a única alternativa seria agora retirá-los todos e colocar próteses amovíveis, na medida em que as gengivas e os seus ossos eram muito frágeis; - Propondo ao A. (G) datas para a retirada dos implantes com vista à colocação de uma prótese amovível; - O A. (G) foi ouvir outras opiniões médicas, designadamente na Alemanha, aquando de uma das suas viagens de trabalho; - Foi dito ao A. (G) que a situação em que se encontravam os seus dentes se devia a um trabalho mal executado, tendo-lhe sido explicado que as arcadas dentárias funcionavam como uma casa e se não tinham caboucos para suportar os pilares (implantes) que ali foram implantados estes acabariam por ruir; - O tempo foi passando e o mau estar do A. (G) foi-se agravando, continuando a não conseguir mastigar sólidos e tendo frequentes crises de dores; - Em março de 2013, o A. (G) foi a uma consulta médica na qual lhe foi dito, relativamente à arcada superior que ao ter sido implantada uma prótese fixa híbrida sobre quatro implantes orais não se teve em conta que o maxilar do A. (G) não tinha camada óssea suficiente para o tratamento escolhido, razão pela qual tinha a sensação de que os dentes caiam se trincasse ou mastigasse alimentos sólidos; - Com a colocação dos implantes e da placa híbrida os ossos foram ficando mais frágeis; - O que veio a acontecer em relação a ambos os maxilares; - O facto de o A. (G) ter prognatismo, ou mordida cruzada, e não ter sido o mesmo corrigido aquando das intervenções efetuadas pelo R., associada ao facto de a camada óssea do maxilar superior não ser suficientemente densa, fez com que os implantes e as próteses, nos termos em que as mesmas foram realizadas pelo R., não se fixassem ao osso; - E ainda que a deficiente fixação inicial se fosse agravando com o passar do tempo; - A 18 de setembro de 2013, o A. (G) submeteu-se a novo tratamento na Clina CDO, Lda.; - Ao ser realizado o tratamento foi dado verificar que a arcada superior apresentava extensa reabsorção óssea horizontal, presença de lesões crónicas compatíveis com quadro de severa perda óssea e extensa pneumatização de ambos os seios maxilares; - Na mesma data, a arcada inferior apresentava falha de estabilidade dos implantes, sendo os mesmos removidos com toque inferior a 20N; - O rebordo ósseo encontrava-se com espessura reduzida e osso de baixa densidade para mandíbula, tipo III; - No tratamento efetuado, na arcada superior, foi removida a prótese fixa híbrida sobre 4 implantes orais que apresentavam falha de osteointegração e após a remoção procedeu-se à elevação de retalho total na extensão completa do rebordo superior; - Procedeu-se à remoção das lesões resultantes da perda óssea e à regularização do tecido ósseo remanescente, apresentando baixa densidade (tipo IV), e elevação bilateral dos seios maxilares e instalação imediata de implantes orais, sendo em número de dois para cada um dos seios maxilares, bem como à instalação de mais quatro implantes compreendidos entre as áreas dos pilares caninos; - Os oito implantes instalados foram mantidos com parafusos de cobertura a fim de serem mantidos subgengivais e foi efetuado aloenxerto ósseo em um mix com osso autógeno, totalizando 4g de ambos, aproximadamente; - Na arcada inferior, procedeu-se à remoção convencional da prótese fixa híbrida instalada sobre 6 implantes e iniciou-se o procedimento sob anestesia local; - Elevou-se o retalho total na extensão do rebordo inferior e efetuou-se a remoção das lesões associadas e regularização do rebordo ósseo; - Procedeu-se à instalação de seis implantes orais, sendo quatro entre mentonianos e um posterior de cada lado; - Foi associado aloenxerto ósseo nas lesões aproximadamente 1,5g, e procedeu-se à sutura com fios reabsorvíveis; - Pelo tratamento referido em 94.º) pagou o A. (G) a quantia de € 31.325,00; - Atualmente o A. (G) consegue mastigar, trincar e até comer um bife; - Os procedimentos de enxerto ósseo não são para fortalecimento do osso, mas para aumento do seu volume; - O procedimento de enxerto ósseo realizado em setembro de 2013 deveu-se, não à falta de osso inicial, mas à reabsorção óssea que foi ocorrendo posteriormente; - Com base na tomografia computorizada realizada a 01/07/2009, o R. J concluiu que o osso dos maxilares do A. (G) tinha espessura e altura suficiente para avançar com o tratamento sem necessidade de enxerto ósseo; - Mas aquando da realização da cirurgia o R. constatou e comunicou ao A. (G) que tinha um “osso mole” no maxilar superior”. N) Com base nestes factos provados entendeu o douto tribunal que a ora A., através do 1.º R., se obrigou perante G a realizar o tratamento de que este necessitava, visando a recuperação da sua função mastigatória, através da extracção dos dentes do maxilar superior e da mandíbula, bem como a colocação de implantes e de uma prótese fixa, mediante uma retribuição. O) Mais entendeu o douto tribunal que os meios utilizados não tinham sido os mais adequados às específicas necessidades de G, de acordo com as boas práticas médicas, P) E que o facto de G ter prognatismo, ou mordida cruzada, e não ter sido o mesmo corrigido aquando das intervenções efectuadas, associada ao facto de a camada óssea do maxilar superior não ser suficientemente densa, fez com que os implantes e as próteses, nos termos em que as mesmas foram realizadas, não se fixassem ao osso, resultando daí o insucesso do tratamento realizado e do resultado que se pretendia alcançar. A matéria ínsita nos factos M), N), O) e P) resultou do julgamento de facto e de direito efectuado no âmbito do processo .../15,1T8LSB, em que foram Réus a aqui Autora, os aqui 1.º e 3.º Réus, e cuja decisão já transitou em julgado. Com o trânsito em julgado, «a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º» - artigo 619.º, n.º 1, do CPC. A força de caso julgado da sentença é um fenómeno essencial à garantia dos valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica, bem como à prossecução da finalidade da pacificação social. Dessa circunstância pode resultar a excepção do caso julgado, a qual reflecte a denominada função negativa do caso julgado (e que nos presentes autos foi julgada improcedente em sede de despacho saneador).[5] Mas pode também resultar a figura da autoridade do caso julgado não se afeiçoa à ideia de identidade jurídica, mas de prejudicialidade entre objectos processuais. Logo, julgada em termos definitivos certa matéria, numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação depende decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção (cf. acórdão do STJ de 24.4.2013 (Relator Conselheiro Lopes do Rego) e Ac. R.L de 27-05-2021 (Relatora Gabriela Cunha Rodrigues)). Nas palavras de Manuel de Andrade[6], o caso julgado material «consiste em a definição dada à relação jurídica controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão». A força obrigatória reconhecida ao caso julgado material, segundo o mesmo Autor (obra citada, p. 306), encontra arrimo na necessidade de garantir o prestígio dos tribunais, que ficaria seriamente comprometido «se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente». Impõe-se por razões de «certeza ou segurança jurídica», pois, sem a força do caso julgado, cairíamos «numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa - fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas» (ibidem). Na verdade, o desígnio do processo não é apenas a justiça, mas também a segurança e a paz social. Miguel Teixeira de Sousa[7] refere que «quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente». Utilizando a síntese de Rui Pinto[8]: O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da excepção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º.; O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior, correspondendo-lhe o brocardo res judicata pro veritate habetur. Assim, enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objecto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objectos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. A jurisprudência maioritária tem sufragado o entendimento de que não é apenas a conclusão ou o dispositivo da sentença que têm força de caso julgado, alcançando-se um critério mais ecléctico que, sem estender a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, atribua essa autoridade à decisão das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado - cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 27.4.2004 (p. 04A1060), de 20.5.2004 (p. 04B281), de 13.1.2005 (p. 05A008), de 22.2.2018 (p. 3747/13.8T2SNT.L1.S11) e de 8.9.2018 (p. 3316/11.7TBSTB-A.E1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt. Assim, os factos e considerandos constantes da sentença proferida no âmbito do processo .../15.1T8LSB, em que aqui Autora e 1.º e 3.º Réus foram partes, e que constituem o antecedente lógico da presente acção, não podem deixar de ser aqui considerados. Feito este à parte da autoridade do caso julgado, e em face dos factos supra expostos, não podemos deixar de considerar que estamos perante uma violação das leges artis (entendida esta como uma desconformidade objectiva entre os actos realizados e os que seriam devidos de acordo com o conhecimentos da ciência médica à data), na medida em que o 1.º Réu, dentista de profissão, prestou os seus serviços com uma conduta profissional inadequada, em face dos prognatismo ou mordedura cruzada e menor densidade óssea do maxilar superior de que G padecia, utilizando uma técnica incorrecta, lesiva para a vida, saúde e auto-estima deste, seja por imperícia, imprudência, desatenção, negligência ou inobservância dos regulamentos (ou até, muitas vezes, com estes factores misturados e diluídos). Houve assim incumprimento do 1.º Réu, na modalidade de prestação defeituosa, como foi amplamente fundamentado na decisão de 1.ª instancia e acórdãos proferidos no âmbito da acção que deu origem à condenação da Autora. E em face dos factos dados por provados nem sequer podemos afirmar que essa prestação defeituosa seja, na economia do contrato de prestação continuada, insignificante, irrisória ou de escassa importância. Como é evidente, quanto maior for o valor do bem que a conduta debitória visa produzir ou salvaguardar, maior o desvalor do incumprimento que afecta esse bem. E no que a este aspecto tange não podemos deixar de referir que não estávamos perante a colocação de um ou dois implantes. Estávamos perante uma substituição completa de toda da dentição de G! Olhando para o elenco dos factos provados, podemos afirmar que o erro, a incúria tiveram o seu inicio na data da cirurgia de implante e se repetiram por todas as vezes em que, em face do insucesso da intervenção, se persistiu no erro sem dar “ a mão à palmatória”, nem apresentar soluções para o problema criado. Na responsabilidade contratual, tal como na responsabilidade extracontratual, são quatro os pressupostos: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Sobre o facto ilícito e culposo já nos debruçamos. Assim, verifica-se a existência de incumprimento contratual, de um facto ilícito (constituído por procedimentos ortodônticos escolhidos para G), de culpa (que aqui se presume - artigo 799º, n.º 1 do Código Civil, mas que de todo o modo está demonstrada), resta agora aferir da existência de um dano na esfera jurídica do credor e do respectivo nexo de causalidade entre o facto e o dano. Quanto ao dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano, resultou provado que: G) Em 16 de Janeiro de 2015, G intentou contra a A. e 1.º R. a acção de processo comum com o n.º .../15.1T8LRS, que correu termos na Comarca de Lisboa Norte – Loures - Instância Central – Secção Cível – J1. H) No âmbito desse processo, foi requerida e admitida a intervenção acessória da 3.ª R. I) Por douta sentença proferida em 15 de Julho de 2016, foi a ora A. condenada a pagar a G: a) A quantia de € 31.325,00, a título de indemnização por danos patrimoniais; b) A quantia de € 15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) A quantia correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, contados a partir da data da citação, sendo a partir da data da sentença no que respeita ao montante relativo à indemnização. J) Em sede de recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa veio reduzir a condenação no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais para o valor de 10.000 Euros, mantendo no restante a sentença proferida em 1.ª instância. L) Em sede de recurso de revista excepcional, o Supremo Tribunal de Justiça manteve a anterior decisão. N) Com base nestes factos provados (reproduzidos em M) entendeu o douto tribunal que a ora A., através do 1.º R., se obrigou perante G a realizar o tratamento de que este necessitava, visando a recuperação da sua função mastigatória, através da extracção dos dentes do maxilar superior e da mandíbula, bem como a colocação de implantes e de uma prótese fixa, mediante uma retribuição. O) Mais entendeu o douto tribunal que os meios utilizados não tinham sido os mais adequados às específicas necessidades de G, de acordo com as boas práticas médicas, P) E que o facto de G ter prognatismo, ou mordida cruzada, e não ter sido o mesmo corrigido aquando das intervenções efectuadas, associada ao facto de a camada óssea do maxilar superior não ser suficientemente densa, fez com que os implantes e as próteses, nos termos em que as mesmas foram realizadas, não se fixassem ao osso, resultando daí o insucesso do tratamento realizado e do resultado que se pretendia alcançar. Q) Conclui assim o Venerando tribunal que a ora A., através do 1.º R., para além de ter incumprido a obrigação a que se encontrava vinculada perante G, a terá incumprido em desrespeito das boas práticas médicas ou leges artis, face às especificidades do caso concreto a tratar, tendo ficado demonstrada uma culpa efectiva. R) Demonstrados que ficaram o incumprimento, a culpa, os danos e o nexo de causalidade, foi a ora A. condenada a indemnizar G pelos seus danos patrimoniais e não patrimoniais. CC) A autora procedeu ao pagamento da indemnização no montante de 45.516,70 euros ao lesado. Em face da factualidade supra dúvidas não subsistem de que o incumprimento contratual do 1.º Réu importou para a Autora uma responsabilização – derivada da substituição executiva, resultante da aplicação do art. 800.º do CC - que se veio a traduzir na condenação no pagamento de uma indemnização no valor de a) € 31.325,00, a título de indemnização por danos patrimoniais; b) A quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, contados a partir da data da citação, sendo a partir da data da sentença no que respeita ao montante relativo à indemnização, que perfez um total de € 45.516,70. Estão assim por demais demonstrados a existência do dano e do nexo de causalidade entre esse dano e o incumprimento contratual do 1.º Réu. Para além do pagamento da quantia referida em CC) reclama ainda a Autora /Apelante o pagamento de indemnização correspondente aos danos que derivam dos factos DD), EE, FF), GG) e HH). Dizem-nos estes factos que: DD) Após a realização e conclusão dos seus tratamentos, em Julho de 2011, G compareceu várias vezes na Clínica da A., onde se queixou do insucesso da intervenção e da qualidade dos serviços que lhe tinham sido prestados. EE) Os funcionários da Clínica, mas também outros clientes que aguardavam a sua consulta, aperceberam-se das queixas apresentadas por G. FF) Nessas deslocações à clínica, G foi atendido sem custos adicionais para si, mas com a afectação de recursos humanos e materiais da A. GG) Realizaram-se reuniões para reunir papéis e falar com o advogado. HH) As queixas apresentadas por G na Clínica, a reclamação e a instauração por este de uma acção judicial com fundamento no insucesso de um tratamento efectuado foram tornadas públicas, chegando ao conhecimento de trabalhadores, clientes e fornecedores da A.. Estes factos provados têm, de todo o modo, de ter ainda em consideração que, em concreto, não resultaram provados os seguintes factos: - Nos atendimentos feitos a G e no acompanhamento da fase extrajudicial e judicial da reclamação, os funcionários da A. terão despendido não menos do que 20 horas do seu tempo de trabalho, implicando um custo para esta não inferior a 1.000 Euros. - O conhecimento desse insucesso foi apto a criar no espírito de alguns clientes da A. dúvidas sobre a qualidade dos serviços prestados nas clínicas. - O insucesso do tratamento efectuado pelo 1.º R. ao G denegriu a imagem, a credibilidade e o prestígio da A.. Ou seja, não obstante a objectividade das queixas de G se terem tornado conhecidas de funcionários e cliente, não resultou provado que dessa objectividade em si mesma adveio para a Autora o dano que se previa expectável: afectação da imagem, credibilidade, prestigio da Autora e nem gerou falta de confiança no espirito dos demais clientes. Da mesma forma, não obstante a constatação da afectação de recursos humanos da Autora à reclamação, seja acompanhamento judicial e/ou extrajudicial, não resultou que dessa afectação tivesse resultado um custo acrescido para a Autora/apelante. Assim sendo, o pedido referente aos demais danos reclamados pela Autora/Apelante terá de necessariamente improceder. d) Sujeitos da obrigação de indemnizar Aqui chegados cabe determinar sobre quem recai a obrigação de indemnização à Autora. Demandados nesta acção são: - o 1.º Réu que foi quem foi contratado pela Autora para prestar os serviços médicos de dentista e que foi quem incumpriu a obrigação resultante da execução conforme do contrato de prestação de serviços; - o 2.º Réu, sociedade constituída pelo 1.º Réu, para efeitos de facturação de algumas comissões pelos serviços prestados pelo 1.º Réu à Autora; - 3.ª Ré, seguradora para quem o 1.º Réu, transferiu, através de contrato de seguro, a responsabilidade civil profissional para a actividade de médico dentista, titulado pela apólice n.º ...952. Nos termos do art. 21.º do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas (Lei 124/2015 de 02-09): “ 1 - O exercício da profissão de médico dentista depende da subscrição de seguro de responsabilidade civil profissional. 2 - A subscrição da apólice é da responsabilidade do profissional, devendo o seguro ser adequado à natureza e à dimensão do risco, podendo ser complementado pelo interessado de forma a abranger riscos inicialmente não cobertos. 3 - O complemento previsto no número anterior é também aplicável quando o seguro ou instrumento equivalente subscrito pelo médico dentista estabelecido noutro Estado membro não cubra a respetiva prática em território português ou constitua cobertura apenas parcial. 4 - Para efeitos do número anterior, o deferimento da inscrição na OMD depende de título bastante apresentado pelo médico dentista, que comprove a cobertura da atividade em território nacional, através de apólice de seguro ou garantia equivalente, subscritas ou prestadas no Estado membro de estabelecimento, nos termos do n.º 3 do artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.” O contrato de seguro configura um contrato a favor de terceiro, entendendo-se este como aquele contrato “em que uma das partes (o promitente) se compromete perante outra (o promissário) a efectuar uma atribuição patrimonial em benefício de outrem, estranho ao negócio (o terceiro)”; partes no contrato são, exclusivamente, o promitente e o promissário, entidades que têm o poder de o conformar, regulando os termos respectivos, sem prejuízo do dever de salvaguarda de regime imperativo legalmente consagrado. Quanto à modalidade que ora nos interessa, estamos perante um típico seguro de responsabilidade civil obrigatório. Enquanto seguro de responsabilidade civil, a obrigação do segurador caracteriza-se por cobrir o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros (cfr. Art.º 137.ºdo RJCS). Esse seguro tem natureza obrigatória, porque corresponde ao legalmente exigido quanto à obrigação de segurar prevista no do art. 21.º do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas (Lei 124/2015 de 02-09). Dos factos provados, muito concretamente dos factos D) e E), resulta que no ano de 2005, o 1.º R. celebrou com a A Companhia de Seguros um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional para a actividade de médico dentista, titulado pela apólice n.º ...952., seguro esse que cobre a responsabilidade civil profissional do 1.º R. até ao montante de 600.000,00 Euros e a responsabilidade civil de exploração até ao montante de 300.000,00 Euros. Da apólice junta aos autos decorre que o contrato de seguro outorgado é o da “ Modalidade Ordens Profissionais, Actividade Dentistas OMD, sendo a cobertura contratada a da responsabilidade civil profissional. Conforme decorre da alínea E) o valor de cobertura contratado é de € 600 000. Tal cobertura, conforme resulta da apólice de seguro, está sujeita a uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 125. Em causa nos autos estamos perante danos patrimoniais (e não lesões materiais como as mesmas vêm definidas no art. 1.º das condições gerais), razão pela qual não se colocam questões atinentes à franquia. Quanto ao objecto do contrato, o art. 2.º é claro: O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade civil contratual, quando esta esteja expressamente prevista na Condição Especial contratada que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas respectivas Condições Especiais e Particulares. Caso não esteja prevista nas condições especiais, o art. 5.º das condições gerais[9], na suas exclusões relativas, contempla a responsabilidade civil contratual. Estes arts. 2.º e 5.º das condições remetem-nos para as condições especiais, as quais se encontram igualmente juntas aos autos, dispondo o art. 1.º das mesmas que: “Objecto, âmbito e garantia do contrato” 1. Nos termos desta Condição Especial, o Segurador garante a responsabilidade civil do Segurado inerente ao exercício da profissão especificada na proposta de contrato nos seguintes termos: a) na sua qualidade de proprietário, arrendatário, locatário ou usufrutuário do edifício, fracção de edifício ou local e das respectivas instalações onde o Segurado desenvolve a sua actividade profissional, bem como dos equipamentos, nomeadamente, mobiliário, objectos de decoração ou ornamentação, instalação eléctrica, expositores, reclamos e tabuletas; b) por danos causados a clientes ou terceiros em consequência de actos ou omissões negligentes cometidos pelo Segurado no exercício da sua profissão; (…)” Não se vê de onde resulta o entendimento da 3.ª Ré de que a responsabilidade contratual não se encontra coberta por este contrato de responsabilidade civil profissional! Bem pelo contrário! Não só a situação dos autos não se encontra excluída nas alíneas a) a k) do art. 2.º das condições especiais, como a própria alínea b) faz referencia a clientes e terceiros, numa evidente alusão à dicotomia entre responsabilidade contratual (clientes) e responsabilidade extracontratual (terceiros), sendo de concluir que abrange ambas. Em face do exposto, no pagamento da indemnização à Autora terá de ser responsabilizada a 3.ª Ré na medida em que aceitou a transferência da responsabilidade por actos e omissões cometidos pelo segurado no exercício da sua profissão de dentista. Não existe qualquer franquia a pagar pelo 1.º Réu na medida em que nos autos estão apenas em causa danos patrimoniais (e não lesões materiais, na definição dada pelo art. 1.º das Condições Gerais). Afigura-se-nos, portanto, que encontram-se verificados todos os pressupostos subjacentes ao instituto de responsabilidade contratual, impendendo sobre a 3.ª Ré Seguradora a obrigação de indemnizar a Autora /Apelante, relativamente aos danos sofridos em virtude do incumprimento contratual a que se reportam os autos. Em face do exposto, não poderá deixar de se concluir pelo incumprimento contratual do 1.º Réu no exercício da sua profissão de dentista e consequente obrigação de indemnizar a cargo da 3.ª Ré, em virtude da transferência da responsabilidade operada pelo contrato de seguro de responsabilidade civil profissional. Essa obrigação da 3.ª Ré incidirá sobre o mesmo montante que, não fora a existência do contrato de seguro, recairia sobre a responsabilidade do 1.º Réu, isto é € 45.516,70. Peticiona a Autora/apelante juros desde a interpelação até efectivo e integral pagamento. Não obstante, os factos em que a Apelante assentava esse seu pedido de juros vencidos não resultou provado. Com efeito, não resultou provado que: - A A. interpelou o 1.º R. em Setembro de 2018 para que procedesse ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que este lhe tinha causado; - Em resposta, o 1.º R., reconhecendo os prejuízos causados e a sua responsabilidade perante a A., veio informar que, na data do sinistro, a sua responsabilidade civil profissional se encontrava validamente transferida para a Companhia de Seguros (antecessora da 3.ª R.), através da apólice ...952. - Informou ainda o 1.º R. que tinha feito a participação do sinistro à 3.ª R. em 21/09/2018. - Apenas em 23/05/2019 a 3.ª R. respondeu ao 1.º R., declinado o sinistro porquanto: (i) O tribunal tinha decido pela responsabilidade contratual da Clínica; (ii) O tribunal tinha aplicado o artigo 800.º do Código Civil na qualidade de trabalhador da Clínica; (iii) Isentando de qualquer culpa o seu segurado (1.º R.). - Em 24 de Junho de 2019, a A. fez directamente uma participação do sinistro à 3.ª R., aproveitando a ocasião para esclarecer que: (i) A sentença proferida no processo .../15.1T8LSB não decidiu sobre a responsabilidade extracontratual do 1.º R. perante o lesado; (ii) A sentença proferida no processo .../15.1T8LSB não se pronunciou sobre a responsabilidade contratual do 1.º R. perante a A. ou perante o lesado; (iii) O 1.º R. não é, nem nunca foi (contrariamente ao afirmado) trabalhador da A.; (iv) A aplicação do artigo 800.º do Código Civil na sentença não pressupõe o reconhecimento de qualquer relação laboral (aliás, os factos provados expressamente reconhecem a prestação de serviços); (v) A responsabilidade contratual da A. perante o lesado não afasta a responsabilidade contratual por prestação de serviços do médico perante a Clínica. - A 3.ª R. não respondeu à A. Assim, reduzindo-se o pedido indemnizatório ao montante dos danos suportados pela Autora no ressarcimento de G, os juros, nos termos do art. 805.º, n.º 1, do CC, serão devidos desde a citação até efectivo e integral pagamento. * IV. Decisão: Por todo o exposto: Acordam os Juízes na 6.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso de apelação apresentado por Clínica Médica e, em consequência: a) Condenar a 3.º Ré A Companhia de Seguros a pagar à Autora Clínica Médica a título de indemnização por responsabilidade contratual a quantia de €45.516,70 (quarenta e cinco mil quinhentos e dezasseis euros e setenta cêntimos), a que acrescem juros, à taxa legal, desde a citação da 3.ª Ré até efectivo e integral pagamento; b) Manter no demais em sentença recorrida. Custas (nos termos dos arts. 527.º, n.ºs e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, do CPC) por Autora / Apelante e 3.ª Ré/ apelada na proporção do decaimento. Registe e notifique. * Lisboa, 24 de Outubro de 2024[10] Maria Teresa Mascarenhas Garcia António Santos Eduardo Petersen Silva _______________________________________________________ [1] Neste sentido A. Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687. [2] J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág. 140 [3] Neste mesmo sentido mesmo sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 2001, pág. 609; e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1999, pág. 221-222. [4] Lex artis ad hoc (leges artis) “é o critério valorativo da correcção de um concreto acto médico executado por um profissional da medicina(ciência ou arte médica) – que tem em conta as principais características do seu autor, da profissão, da complexidade e transcendência do próprio acto, do estado ou da intervenção do doente, dos seus familiares e da própria organização sanitária – destinado a qualificar o referido acto como conforme ou não com a técnica normal requerida” (Luis Martinez-Calcerrada Y Gomez, citados por Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, in Responsabilidade Médica em Direito Penal-Estudo dos pressupostos sistemáticos, Almedina, 2007, página 5 [5] Assim, segundo o disposto no artigo 580.º, n.º 1, do CPC, as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa. Repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – artigo 581.º, n.º 1, do mesmo Código (tríplice identidade). [6] in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora: Coimbra, 1979, p. 305. [7] in Objecto da Sentença e Caso Julgado Material, BMJ n.º 325, pp. 171 a 179. [8] «Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias», Julgar Online, novembro de 2018, pp. 6-7, disponível em https://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/ [9] Artigo 5.º — Exclusões relativas Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Especiais e/ou Particulares e sem prejuízo de outras exclusões nelas constantes, o presente contrato não garante a responsabilidade civil emergente de: (…) n) danos decorrentes de Responsabilidade Civil Contratual;(…)” [10] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página. |