Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
807/22.8PFLRS.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
DOLO EVENTUAL
CONCURSO
HOMICÍDIO
ROUBO
FURTO
REFORMATIO IN PEJUS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I–A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada.

II–Não decorre qualquer contradição quando se dá como provado que o arguido, agindo com intenção de cometer um crime de roubo – com dolo directo, prevendo e querendo o resultado – para cuja acção pretendeu colocar a vítima incapaz de reagir e/ou pedir ajuda – aplicou à vítima uma manobra que ele sabia que a podia matar, aceitando essa possibilidade e conformando-se com ela – dolo eventual.

III–O erro notório na apreciação da prova é pacificamente considerado, na doutrina e na jurisprudência, como aquele que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da decisão, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.

IV–Os factos respeitantes aos elementos volitivos e intelectuais são inferências que se retiram dos restantes factos provados, sabido que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum. Mesmo um jovem sabe quais os locais do corpo que, se atingidos, podem ter graves consequências para a vida. O arguido, ao posicionar-se atrás da vítima, colocando um o braço à volta do seu pescoço, entrelaçando-o no outro braço e, utilizando o vulgarmente denominado golpe “mata-leão”, começando a apertar o mesmo, e efectuando um movimento brusco, sabia que actuava de modo a poder provocar-lhe a morte, como qualquer pessoa sabe, prevendo, por isso, o resultado; e não se coibiu de assim agir, pelo que, além de prever o resultado, conformou-se com ele, agindo com dolo eventual.

V–Tem vindo a doutrina e a jurisprudência a entender, de forma unânime, que quando numa mesma ocasião ocorrem os crimes de roubo doloso e de homicídio doloso (mesmo que o dolo seja eventual) dá-se um concurso efectivo de crimes, não sendo caso de integrar a conduta na previsão do art. 210º, nº 3 do Cód. Penal - crime preterintencional, caracterizado pela conjunção de um crime fundamental doloso (roubo) com um resultado (morte) provocado pela conduta do agente, não compreendido no dolo, mas imputável a título de negligência, consciente ou inconsciente.

VI–Quando o homicídio se destina a facilitar a execução da apropriação dos bens da vítima o concurso estabelece-se entre o homicídio e o furto e não entre o homicídio e o roubo, pois a violência já é punida no âmbito do homicídio.

VII–Um erro de direito, como a incriminação decidida na 1ª instância, pode ser conhecido pelo Tribunal da Relação, mesmo que não alegado pelo recorrente, sem prejuízo, da proibição de reformar a decisão em sentido mais desfavorável ao condenado (“reformatio in pejus”), podendo ser alterada a qualificação jurídica imputada.

(Sumário da responsabilidade da relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório


No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 807/22.8PFLRS, que corre termos no Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Loures, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi o arguido,

AA, solteiro, nascido em ........2005 na freguesia de ..., concelho de ..., filho de BB e de CC, com domicílio na ..., atualmente recluso no Estabelecimento Prisional de ...
condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de:
- um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nº 2, alíneas c), e) e g), ambos do Cód. Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; e
- um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 204º, nº 1, alínea f), ambos do Cód. Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
Operado o cúmulo jurídico, ficou o arguido condenado na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão.
Mais foi o arguido condenado a pagar ao ofendido DD a quantia de 30.000 € (trinta mil euros), nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos arts. 16º, nº 1, da Lei 130/2015, de 4.09, 67º-A, nºs 1, alínea a), ii), e 2 e 82º-A, nº 1, estes do Cód. Proc. Penal;
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Sem se conformar com a condenação, o arguido interpôs o presente recurso onde formula as conclusões que se transcrevem:
1.Foi indevidamente dado como provado o ponto 23 da acusação, a que corresponde o ponto 23 do acórdão recorrido.
2.Isto porque apesar de o arguido ter confessado todos os factos constantes da acusação, não confessou, como não poderia ter confessado, que ao efectuar um golpe denominado “mata leão”, à ofendida e falecida EE, esse golpe foi precedido de um juízo de prognose em que o resultado morte se representava como possível, como também não confessou que se tenha conformado com tal resultado.
3.O que o tribunal se limitou a fazer foi aderir incondicionalmente às suposições do Ministério Público e da acusação dando-as como assentes em termos de matéria probatória.
4.Tais hipóteses e cometimentos intelectuais que o Ministério Público imputou ao arguido e pelos quais este veio a ser condenado não têm correspondência alguma com a realidade.
5.Com efeito, o arguido é de uma fragilidade confrangedora em termos intelectuais, que se consubstanciou no facto incontornável de precisar de oito anos de escolaridade para concluir o terceiro ano.
6.A argumentação do Ministério Público e bem assim o entendimento do tribunal de que o arguido previu como possível o resultado morte e que se conformou com esse resultado, seria compaginável com outro tipo de habilitações académicas e com outra maturidade.
7.Com efeito, um jovem que já visualizou a prática de vários golpes idênticos em variados contextos, e que tal como o signatário não tinha nem tem conhecimento de outro caso em que as vítimas destes golpes tenham falecido, não podia ter feito essa operação intelectual, que é prever o resultado morte como consequência da aplicação de um golpe do tipo referido.
8.Quanto mais conformar-se com esse resultado!
9.Parece-nos, salvo o devido respeito, que vigorou aqui a presunção do princípio da culpabilidade.
10.Do que fica dito impõe-se, como corolário do mesmo, concluir que a subsunção dos factos ao direito in casu, e removido o ponto 23 do acórdão, para o sector dos factos dados como não provados, passa pela subsunção dos factos praticados, confessados e atribuídos ao recorrente, ao disposto no art.º 210º n.º 3 do Cód. Penal.
11.O arguido foi um confesso autor material de um crime de roubo agravado pelo resultado morte, ou seja, pela prática de factos que se destinaram a consumar um crime de roubo mas que fruto das circunstâncias descambaram para um resultado verdadeiramente funesto.
12.Relativamente à não aplicação do disposto no nº 4 do decreto lei nº 401/82 a mesma é inadmissível porquanto da sua aplicação não pode depender quer de estados de espírito, e deve ser uma realidade sempre que advenham da aplicação deste regime especial para jovens para a reinserção do arguido.
13.O que é flagrantemente o caso.
14.Inexistem razões para a não aplicação deste regime e da consequente atenuação especial da pena nos termos dos art.º 72º e 73º do Cód. Penal, a menos que se considere que em nome das necessidades de prevenção geral se possa derrogar o texto legal do normativo, o espírito subjacente ao mesmo, quer no que tange ao corpo do decreto lei, como do seu preâmbulo.
15.Sem prescindir de todo o supra exposto, e na hipótese da nossa posição não ter acolhimento junto de V. Exc. sempre se dirá que as penas parcelares de 16 e 6 anos de prisão se revelam excessivas, principalmente a pena parcelar aplicada pela prática do crime de roubo.
16.Com efeito, atenta a idade do arguido, a ausência de antecedentes criminais, a postura confessória e de arrependimento patenteada em julgamento (ponto 27 do acórdão), aquelas penas poderiam situar-se mais próximo do seu limite mínimo legal, o que se deveria repercutir na pena única cominada, também ela, a aproximar-se do limite mínimo.
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O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
1.O arguido AA entende, com a interposição do presente recurso, que o tribunal errou em condená-lo pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas c), e) e g), ambos do Código Penal, e pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. f), ambos do Código Penal quando, em correcta interpretação dos factos produzidos na audiência de julgamento, o deveria ter condenado pela prática de um crime previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 3 do Código Penal, isto é, o de o crime de roubo agravado pelo resultado morte.
2.Argumenta que foi indevidamente dado como provado o ponto 23 da acusação, a que corresponde o ponto 23 do acórdão recorrido, existindo contradição entre os factos provados nos pontos 14 e 23.
3.Alega incorrecta subsunção dos factos dados como provados e que constituem os demais pontos do acórdão condenatório.
4.Alega inexistirem razões para a não aplicação do regime especial para jovens e a não aplicação do disposto no n.º 4 do Decreto – Lei n.º 401/82 e consequentemente atenuação especial da pena, nos termos dos artigos 72.º e 73.º, do Código Penal.
5.Que foram violadas as normas do artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, 131.º e 132.º, 72.º e 73.º do Código Penal e artigo 4.º do Dec. Lei n.º 401/82 de 23.09.
6.Da fundamentação do acórdão recorrido resulta que a convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada formou-se tendo em conta a confissão quase integral dos factos pelo arguido.
7.O Tribunal considerou as declarações do arguido credíveis, porque proferidas de forma sincera e espontânea, não tendo o arguido confirmado apenas aqueles factos descritos no ponto 23 da acusação, referindo não ter tido qualquer intenção de tirar a vida a EE e que, como consequência do golpe de “mata-leão” que infligiu na mesma, aquela ficou inconsciente, não tendo pensado que morresse.
8.O arguido referiu também que, quando bateu à porta, a sua intenção era apropriar-se de dinheiro e outros bens de valor e também admitiu não ter chamado qualquer ajuda para EE e que a deixou sozinha naquele estado, tendo fechado a porta ao sair da residência da mesma.
9.Ora, da simples leitura da decisão recorrida não se vislumbra a existência de qualquer vício. Analisando o texto do acórdão recorrido, entendemos que o mesmo se apresenta lógico e conforme às regras da experiência comum, não sendo detectável qualquer erro notório ou evidente.
10.O Tribunal atendeu e teve em conta toda a prova documental e pericial constante dos autos e, tal como consta da motivação da decisão de facto, nas conclusões jurídicas apresentadas, atendeu a todo o circunstancialismo fáctico anterior e posterior ao próprio momento em que os factos ocorreram, bem como teve em devida conta todos os factores inerentes à personalidade e condições de vida do arguido, enquanto jovem com 16 anos.
11.Estabelece o artigo 210.º n.º 1 do Código Penal que: “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos. Por sua vez, o n.º 3 da mencionada disposição legal dispõe que: “Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de oito a dezasseis anos”, sendo que o resultado - a morte de outra pessoa - tem de ser imputável ao agente, a título de negligência.
12.Nos presentes autos, de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, verificou-se que o arguido praticou factos que integram um crime de roubo qualificado contra EE, pessoa idosa com 86 anos de idade, actuando com dolo directo, conformando-se, depois, com o resultado da sua conduta – morte de EE – actuando com dolo eventual, quando deixa EE, inconsciente no chão, fechando a porta da casa e ausentando-se do local, sem procurar auxílio, nem socorro, desinteressando-se pela vida da mesma.
13.Como refere Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica editora, Lisboa 2008, pag. 91, na anotação ao artigo 14.º do Código Penal, sob a epigrafe “Dolo”: “A conformação não tem de ser produto de um acto de reflexão e ponderação para com a sorte do bem jurídico, mas pode consistir numa postura de indiferença do agente para com a sorte do bem jurídico, nela se revelando o desprezo do agente pela salvaguarda do interesse protegido pela norma jurídica. A distinção do dolo eventual e da negligência consciente só se consegue nestes casos pela invocação da atitude interna do agente perante a ordem jurídica, remetendo-se a questão para o plano da culpa (também assim, FIGUEIREDO DIAS, 1993: 464, E 2007:375)”.
14.A convicção do Tribunal baseou-se ainda na prova documental e pericial existente nos autos. Ao contrário do que alega o arguido e está patente no texto do douto acórdão recorrido, o Tribunal “a quo” realizou uma correcta análise da prova e valorou-a de harmonia com os ditames processuais, o que não pode ser posto em causa apenas pelas convicções pessoais do recorrente.
15. Entendemos que não se verifica contradição entre os factos julgados nos pontos 14 e 23, já que nenhum dos factos provados se contrariam entre si, nem se opõe ao que se fez constar da fundamentação.
16.Para efeitos do artigo 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal, constitui contradição insanável apenas e tão só aquela que não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo.
17.Verifica-se a existência de um erro notório na apreciação da prova quando “um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis” (Simas Santos e Leal-Henriques, Recurso em Processo penal, 5ª edição, 2002, Rei dos Livros, p. 65-66).
18.O erro notório na apreciação da prova é um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária.”
19.No caso, os factos que foram dados como provados no acórdão e que determinou a condenação do arguido pelos crimes em que o mesmo foi condenado, encontram-se devidamente fundamentados, não violando as regras da experiência comum e da adequação social, pelo contrário, estas regras são o seu suporte e, por outro lado, não estão em desarmonia com qualquer outro dado de facto.
20.Na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido, consta de forma clara a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e o respectivo processo lógico e racional que foi seguido na apreciação dessas provas, não se vislumbrando a existência de qualquer arbitrariedade nessa apreciação, nem contradição.
21.Encontra-se bem explicitado o processo de formação da convicção do Tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido, bem como a fixação da matéria de facto dada como provada, considerando que aquela se encontra devidamente fundamentada, tendo sido efectuado correcto enquadramento legal dos factos.
22.Assim, consideramos que o tribunal “a quo” fez uma correcta apreciação de toda a prova produzida em julgamento, a qual, nos termos do artigo 127.º do CPP, é feita segundo as regras da experiência e de livre convicção da entidade competente.
23.Nesta conformidade, desde já se dirá que, resulta da fundamentação suficientemente objectivada que os elementos referidos, conjugados com as regras da experiência comum, e em obediência aos princípios da livre apreciação da prova, da oralidade da audiência de julgamento, permitem ao tribunal recorrido concluir que o arguido cometeu os crimes por que veio a ser condenado.
24.Pelo exposto, nenhum reparo nos merece a matéria de facto dada como provada, assim como, a condenação imposta ao arguido.
25.Ao contrário do que alega o recorrente e está patente no texto do douto acórdão recorrido, o Tribunal “a quo” realizou uma correcta análise da prova e valorou-a de harmonia com os ditames processuais.
26.O Acórdão recorrido não merece reparo algum, nomeadamente quanto à tipificação dos factos no âmbito dos crimes de roubo agravado e de homicídio qualificado em que o arguido foi condenado.
27.Não colhe a argumentação do recorrente no que respeita a uma eventual aplicação do regime penal especial para jovens no que tange à pena de prisão em que foi condenado nos presentes autos.
28.Não colhe igualmente a argumentação do recorrente no que tange à desproporção e desadequação da medida concreta da pena de prisão em que foi condenado nestes autos.
29. Deve, assim, a condenação do arguido recorrente manter-se nos seus precisos termos.
30.Em nosso entendimento, o acórdão em crise não enferma de nenhuma omissão, nulidade ou vício que a possa inquinar.
Tudo ponderado, entende o Ministério Público que a pena em que o recorrente AA foi condenado se mostra adequada à sua culpa dentro da medida necessária à tutela dos bens jurídicos em causa. Por tudo o que se disse, parece-nos que o recurso deve improceder e, em consequência, manter-se o douto acórdão recorrido.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer no sentido da improcedência do recurso.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação

No acórdão recorrido deram-se como provados os seguintes factos:
1.Em data não concretamente apurada, mas anterior …2022, o arguido AA delineou um plano para se apoderar de quantias monetárias de terceiros contra a sua vontade, utilizando para o efeito a superioridade e violência físicas;
2.O plano passava por frequentar agências bancárias, nomeadamente, em ..., a fim de escolher pessoas de idade mais avançada e/ou com dificuldades de locomoção e, consequentemente, com menor capacidade de resistência, que procedessem ao levantamento de substanciais quantias monetárias para destas o arguido se locupletar;
3.Assim, na execução desse plano:
4.No dia …2022, o arguido AA dirigiu-se para a agência da ..., sita na ..., sentando-se num sofá ali localizado, com vista para o balcão;
5.Nessas circunstâncias de modo, tempo e lugar, ao aperceber-se que EE, idosa de 86 anos de idade, tinha procedido ao levantamento de 500 € que guardou na sua carteira, logo formulou o propósito de fazer sua essa quantia monetária, se necessário mediante intimidação e recurso a força física;
6.Assim, na prossecução dessa intenção, o arguido saiu da aludida agência e virou à direita, ficando a aguardar pela saída de EE junto da porta, a fim de seguir no seu encalço;
7.Quando EE saiu da agência bancária virou à esquerda, momento em que o arguido iniciou o seu seguimento;
8.O arguido foi seguindo EE ao longo das artérias de ..., guardando uma distância de segurança para evitar ser detetado, seguimento esse que durou uma hora e trinta minutos;
9. Desse modo, acompanhou EE até esta entrar na loja “...”, sita na ..., onde esta permaneceu cerca de uma hora, entre as 12 horas e 28 minutos e as 13 horas e 37 minutos, ficando a aguardar pela sua saída;
10. Instantes depois, EE saiu da referida loja acompanhada da respetiva proprietária, FF, que, atenta a idade avançada e dificuldades de locomoção da primeira, resolveu ajudá-la, assim a acompanhando até à entrada do prédio da sua residência, sita na ..., em ..., sendo ambas sempre seguidas pelo arguido;
11. Chegadas à entrada do referido prédio pelas 13 horas e 45 minutos, EE entrou no mesmo e FF regressou à sua loja, ali permanecendo o arguido no exterior;
12.Instantes depois, de forma não apurada, o arguido logrou entrar no prédio e, a fim de descobrir qual era o apartamento de EE, tocou à campainha de diversas frações até que, quando tocou à campainha da fração r/c dt.º, EE abriu a porta;
13.De imediato e sem que nada o fizesse prever, o arguido forçou a entrada no imóvel empurrando EE, tendo esta reagido procurando evitar que este se apoderasse dos seus bens;
14. Nessa sequência, o arguido entrou em confronto físico com EE e, posicionando-se por trás de si, colocou o braço à volta do seu pescoço, entrelaçando-o no outro braço e, utilizando o vulgarmente denominado golpe “mata-leão”, começou a apertar o mesmo e efetuou um movimento brusco, com o objetivo de cercear a sua capacidade de resistência e/ou evitar que pedisse ajuda e permitir àquele, desse modo, apoderar-se das quantias monetárias e objetos que lhe interessassem;
15.EE ainda procurou resistir, mas devido à grande diferença de idades e consequente força física, não o conseguiu, tendo com tal força física o arguido tirado a sua vida;
16.De seguida, o arguido fez uma busca pela casa, passando por todas as divisões, abrindo os armários e gavetas, nomeadamente, do móvel da sala, apoderando-se de diversos objetos em ouro de características não apuradas e de valor não concretamente determinado, mas superior a 102 €, bem como da quantia monetária de 500 € que se encontrava no interior da carteira localizada na cozinha e que EE havia levantado momentos antes;
17.Depois, na posse dos bens e de, pelo menos, da quantia monetária de 500 € abandonou a habitação, em passo normal, a fim de evitar levantar suspeitas, saindo pela porta do prédio e virando à esquerda;
18.Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, EE sofreu fatura bilateral dos cornos superiores da cartilagem tiroide e lesões traumáticas nos tecidos moles do pescoço, bem como fratura da 2.ª vértebra cervical, com laceração completa da medula subjacente, lesão esta que determinou, direta e necessariamente, a sua morte;
19.Sabia o arguido que aquele imóvel era uma residência e se introduzia na mesma sem autorização e contra a vontade da legítima proprietária, EE;
20.Também sabia o arguido que os objetos e as quantias monetárias que se encontravam no interior da habitação e, mais concretamente, na carteira de EE, não lhe pertenciam e que atuava sem autorização e contra a vontade daquela, sua respetiva proprietária;
21.Não obstante, agiu o arguido com o propósito de se introduzir no aludido imóvel e de, com recurso a força física, fazer seus os objetos e as quantias monetárias que ali encontrasse e lhe pudessem interessar, o que logrou concretizar;
22.O arguido, com o objetivo de cercear a capacidade de resistência de EE não se coibiu, ainda, de utilizar a violência física descrita para concretizar os seus intentos, bem sabendo que molestava o seu corpo, o que representou, quis e logrou concretizar;
23.Ao atuar do modo acima descrito, sabia o arguido que ao acercar-se de EE pelas costas, entrelaçar os seus braços e apertando o pescoço da mesma, zona do corpo mais frágil onde passa a espinal medula e com pouca massa muscular devido à sua idade avançada, atuava de modo a provocar-lhe a morte, resultado esse que previu e com o qual se conformou;
24.Agiu o arguido motivado para suster a oposição de EE e evitar que esta pedisse ajuda e, desse modo, lograr apoderar-se, sem qualquer resistência ou incómodo, de todas as quantias monetárias e bens que encontrasse no interior da residência e lhe pudessem interessar;
25.Agiu ainda o arguido da forma supra descrita, bem sabendo que o fazia contra uma pessoa de idade avançada, debilitada fisicamente e que, por isso, tinha menor capacidade de resistência;
26.O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, como crime;

MAIS, PROVOU-SE QUE:

27.O arguido confessou parcialmente os factos e manifestou arrependimento pelos mesmos;
28.À data dos factos, AA vivia com a mãe, de 37 anos de idade, com a irmã GG, de 2 anos de idade e com a sua companheira HH, de 17 anos de idade, com quem casou de acordo com os costumes e tradições da cultura …, a que pertence;
29.A mãe do arguido referiu ter mantido, durante cerca de 5 anos, uma relação amorosa pautada por grande conflitualidade e agressividade ao qual atribui grande instabilidade no seio familiar, perturbando a sua dinâmica e a gestão do dia a dia da família, passando o arguido a manifestar instabilidade emocional e absentismo escolar, tornando-se muito difícil para a sua mãe supervisionar as suas rotinas e modo de vida;
30.O arguido entrou na escola em idade normativa, mas apresentou uma trajetória escolar caracterizada por falta de interesse pelos estudos, dificuldades na aquisição das matérias e absentismo, tendo reprovado várias vezes e abandonado a escola aos 14 anos de idade, apenas tendo completado o 3.º ano de escolaridade;
31.Antes de preso preventivamente, AA não apresentava qualquer ocupação formativa/lúdica estruturada, ocupando o seu tempo livre no convívio com a família ou com amigos;
32.Presentemente, AA reconhece a importância da formação escolar/ profissional para o seu futuro frequentando, no Estabelecimento Prisional, um curso para aquisição de competências básicas;
33.AA perceciona a situação económica da família como suficiente, sendo o seu sustento e o da companheira assumido pela mãe e pelos pais da companheira;
34.O agregado familiar apresentava uma situação económica sustentada nos apoios sociais, sendo a mãe beneficiária, à data dos factos, do Rendimento Social de Inserção, num valor mensal de 310 €, recebendo o abono de crianças e jovens atribuído à irmã do arguido de 2 anos de idade, num valor mensal de 150 €;
35.A situação económica do agregado familiar foi descrita pela mãe do arguido como escassa;
36.A zona de residência do arguido é conotada com problemas de exclusão social e marginalidade;
37.No Estabelecimento Prisional o arguido mantém acompanhamento psicológico;
38.Em meio livre o arguido tinha consumos pontuais de haxixe, encontrando-se atualmente abstinente em meio prisional;
39.No Estabelecimento Prisional o arguido tem visitas regulares do irmão e da companheira, contactando telefonicamente com a mãe, por esta se encontrar presa preventivamente;
40.A família demonstra total disponibilidade para apoiar o arguido no que se mostrar necessário;
41.O arguido não atesta qualquer condenação no seu registo criminal;
42.DD, nascido em ........1956, é filho de EE.

E considerou-se não existirem factos não provados a elencar.

O Tribunal recorrido motivou a decisão sobre a matéria de facto como segue:
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos acima discriminados como provados através da confissão quase integral dos mesmos pelo arguido.
Com efeito, em declarações prestadas na audiência de julgamento, o arguido, de forma sincera e espontânea referiu serem verdadeiros todos os factos descritos na acusação, não confirmando apenas aqueles factos descritos no ponto 23. da mesma. No que aos referidos factos descritos em 23. da acusação respeita, afirmou o arguido não ter qualquer intenção de tirar a vida a EE e que, como consequência do golpe de “mata-leão” que infligiu na mesma, aquela ficou inconsciente, não tendo pensado que morresse. Mais disse que, quando bateu à porta, a sua intenção era apropriar-se de dinheiro e outros bens com valor. Admitiu não ter chamado qualquer ajuda para EE e que a deixou sozinha naquele estado, tendo fechado a porta ao sair da residência da mesma. Questionado, explicou que quando tocou à campainha, EE abriu logo a porta e que, enquanto aquela estava atrás da porta e tendo tido a reação imediata de fechar a porta, o arguido empurrou a porta e entrou de rompante na casa daquela. Disse que EE reagiu logo e começou a empurrá-lo e a arranhá-lo, não tendo gritado, tendo sido nessa sequência que efetuou o golpe referido nos factos provados. Referiu não saber bem porque é que agiu como agiu, afirmando que atuou da forma já descrita para estabilizar EE que tentava impedi-lo de se apropriar dos bens existentes no interior da sua casa. Afirmou que não pensou que EE pudesse ter ficado sem respirar após o golpe que infligiu sobre a mesma.
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Ora, a este respeito importa referir desde logo que, não obstante apenas ter 16 anos de idade, o arguido apresentava uma manifesta superioridade física em relação a EE, com 86 anos de idade e dificuldades de locomoção, as quais contrastam com a compleição física do arguido. Por outro lado, importa salientar que não está nos autos em causa a intenção de matar EE por parte do arguido, mas sim o conhecimento por parte do mesmo de que ao atuar conforme descrito em 14., 15. e, consequentemente, primeira parte de 23. dos factos provados, atuava de modo a provocar a morte daquela e que, com tal conhecimento, aceitou o referido resultado. O golpe vulgarmente conhecido por “mata-leão” é um golpe utilizado para subjugar adversários em lutas de artes marciais ou para se defender de tentativas de agressão que leva a vítima a desmaiar porque reduz a circulação de sangue até ao cérebro sendo, por isso, extremamente perigoso, porque pode causar lesões sérias e até levar à morte. De tal forma que, se a vítima não recuperar a consciência de seguida, deve ser chamada uma ambulância (in https://pt.wikihow.com/). Atento, porém, o que resultou da autópsia realizada ao corpo de EE, nomeadamente, que a mesma apresentava fratura bilateral dos cornos superiores da cartilagem tiroide e lesões traumáticas nos tecidos moles do pescoço, bem como fratura da 2.ª vértebra cervical, com laceração completa da medula subjacente sendo que esta última lesão determinou direta e necessariamente a sua morte, impõe-se constatar que o arguido teve de utilizar grande força física para lograr causar tal lesão em EE, sendo que, para além do mais, terá de ter ouvido a fratura da 2.ª vértebra cervical. Para tal convicção contribuiu, ainda, o facto verificável pelas fotografias constantes do auto de inspeção judiciária de fls. 79 a 94 dos autos de que EE, apesar da sua idade e dificuldades de locomoção, era uma pessoa algo corpulenta, implicando, assim a concretização da fratura referida a aplicação de considerável força por parte do arguido. Por outro lado, o golpe infligido pelo arguido é um golpe de difícil execução que, claramente, o arguido sabia executar não sendo, também por este motivo, credível que o mesmo não soubesse as consequências que do mesmo poderiam advir. Acresce que o arguido teria também de ter equacionado a possibilidade de causar a morte a EE perante o facto de aquela ter caído no chão inanimada em consequência do golpe que infligiu sobre a mesma e, após ter o arguido percorrido durante algum tempo todas as divisões da casa daquela em busca de bens e valores de que pudesse apropriar-se, a mesma permanecer inanimada aquando da sua saída da residência, sem que tivesse tido o cuidado de verificar se a mesma respirava ou de, pelo menos, deixar a porta de casa daquela aberta para que alguém pudesse socorrê-la.
Com efeito, com 16 anos de idade à data dos factos, era o arguido imputável (cfr. artigo 19.º, a contrario sensu, do Código Penal), radicando a definição da idade de 16 anos e não antes para a consideração da imputabilidade na falta de maturidade emocional e incapacidade de controlar impulsos de acordo com os valores adequados dos menores de 16 anos de idade. Considera-se, assim, que o menor de 16 anos não tem a sua personalidade completamente formada e visto que a culpa jurídico-penal consiste num juízo de censura ético-social à personalidade do agente, conclui-se que o menor de idade inferior a 16 anos não tem capacidade de culpa. Pelo que se deixa exposto, fixada pelo legislador penal a idade de 16 anos como idade a partir da qual alguém é considerado imputável, assumiu o legislador que, a partir da referida idade, o menor reúne já todas as características necessárias a que possa falar-se de uma atuação culposa quando age de molde a preencher ilícitos penalmente puníveis, nomeadamente por se encontrar formada a sua personalidade (a este respeito pode ler-se, O Problema da Idade da Imputabilidade Penal, Ana Carolina Bucete Oliveira, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016, pág. XIV).
Finalmente, analisando uma situação em tudo semelhante à dos autos, pode ler-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2022, relator Cid Geraldo, disponível em www.dgsi.pt, onde se deixou escrito que: “…até ao momento em que o arguido desferiu o golpe «mata leão» e este provocou o estrangulamento e a quebra da cartilagem da tiróide da vítima – apesar do uso excessivo de violência e da sua desproporção e inadequação para manifestar uma simples recusa em aceder ao assédio sexual da vítima – o que se poderia concluir seria apenas uma reacção completamente desajustada ao contexto do momento e ao comportamento da vítima. Porém, o que revela uma especial força de vontade de matar e desrespeito profundo pela vida humana, foi todo o comportamento seguinte adoptado pelo arguido que revela a sua total falta de emotividade, de compaixão perante o sofrimento da vítima, muito para além do que seria necessário para lhe tirar a vida, pois que, depois do golpe «mata leão», ficando a vítima incapaz de qualquer reacção ou de defesa, estrangulada e inanimada, no chão, tendo o arguido a oportunidade de socorrer a vítima...”. Por tudo o exposto, ficou o Tribunal convencido de que o arguido efetivamente anteviu, como não podia deixar de antever, a possibilidade de causar a morte a EE e aceitou essa possibilidade, motivo pelo qual se julgaram provados os factos constantes do ponto 23. da acusação, nos termos acima discriminados.
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O Tribunal considerou, ainda, o teor de fls. 5 (verificação do óbito, 54 (documentos de identificação), 79 a 94 (auto de inspeção judiciária), 105, 137, 138, 273, 291, 294, 300, 397 e 749 (autos de apreensão), 106-107 e 287 (folhas de suporte), 146 a 153 (relatório preliminar de autópsia médicolegal), 302 a 320 (relatório de exame pericial), 324 a 342 (relatório de exame pericial), 344 a 349 (relatório de exame pericial), 375 a 391 (auto de informação), 491 a 445 (relatório de exame pericial), 482 a 484 (relatório de exame pericial), 486-487 (relatório de exame pericial), 544 a 554 (informação da polícia judiciária), 568 a 572 (relatório de autópsia médico-legal), 573 a 575 (relatório pericial de criminalística biológica), 766 a 770 (relatório pericial de criminalística biológica), 782-783 (assento de nascimento), 915 a 917 (auto de diligência externa), 922-923 (auto de busca e apreensão), 924 a 927 (auto de diligência externa), 932-933 (auto de busca e apreensão), 953-954 (aditamento a relatório de exame pericial), 1027 a 1035 (relatório de exame pericial), fls. 5 a 21, 26 a 35, 37 a 47 do apenso A aos presentes autos.
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Quanto às suas condições pessoais o Tribunal considerou as declarações do arguido, bem como o relatório social de fls. 1251 a 1253 e, quando à ausência de antecedentes criminais por parte do mesmo, o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 1255.
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Apreciando…

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, o recorrente:
- impugna o facto dado como provado em 23) do acórdão recorrido, alegando também contradição entre este facto e o dado como provado em 14);
- invoca incorrecta integração jurídica; e
- impugna a medida das penas parcelares – e a não aplicação do regime especial previsto no D.L. 401/82 de 23 de Setembro – e da pena única.
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Da impugnação da matéria de facto

Alega o recorrente que o facto dado como provado em 23 é uma conclusão de uma presunção de culpabilidade, mas que se atentarmos nos demais factos provados vemos que o que sucedeu foi que um rapaz de 16 anos, para consumar um roubo, tendo como alvo uma cidadã idosa, recorreu a um golpe vulgarmente conhecido como “mata leão” e a cidadã acabou por falecer, sendo inteiramente falso que tenha previsto que da sua conduta resultaria a morte da vítima e que se conformou com tal resultado.
Realça que, como resulta do ponto 30 do acórdão, tinha 16 anos de idade à data da prática dos factos, tendo abandonado a escola aos 14 anos de idade e completado apenas o 3º ano de escolaridade, sendo-lhe estranhos conhecimentos relacionados com medicina/ anatomia, não conhecendo outro caso de alguém que tenha sucumbido à aplicação de um golpe desta natureza e que pretendeu tão só imobilizar a vítima para poder consumar o roubo a que se propunha.
Pretende, assim, que o ponto 23 da matéria de facto dada como provada passe a constar dos factos julgados não provados.
Diz ainda o recorrente que existe uma clara contradição entre os factos provados nos pontos 23 e 14, pois que deste último resulta que o Tribunal considerou que a sua actuação foi de molde a imobilizar a vítima, de modo a que esta não o impedisse de prosseguir o seu plano de efectuar o roubo.
A impugnação da decisão sobre matéria de facto pode fazer-se por duas vias: mediante a invocação de vícios da sentença enunciados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal (dita impugnação de âmbito restrito), ou mediante a invocação de erro de julgamento, detectável pela análise da prova produzida e valorada pelo Tribunal recorrido (impugnação ampla).
Quanto à eventual existência de erro de julgamento, temos que os n.ºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. Proc. Penal contêm directrizes muito precisas e exigentes. Com efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de especificar (em conformidade com o nº 3 do citado art. 412º), além dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo Tribunal recorrido (obrigação só satisfeita com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida), também as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ónus que só fica satisfeito com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida). Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, essas provas impõem decisão diversa da recorrida.
No caso concreto o recorrente não cumpre nenhum dos requisitos exigidos pelo art. 412º citado, não parecendo pretender recorrer à impugnação ampla. Efectivamente, ainda que o recorrente não o refira expressamente, é cristalino que o que está agora em causa é somente uma impugnação de âmbito restrito, concretamente para apreciação da existência dos vícios previstos nas alíneas b) e c) do art. 410º 2 do Código citado.
Alega o recorrente a existência de contradição entre os factos provados nos pontos 23 e 14.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício previsto na alínea b) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada contrária àquela que foi tomada.

O recorrente alega a existência de factos provados incompatíveis entre si:
14.Nessa sequência, o arguido entrou em confronto físico com EE e, posicionando-se por trás de si, colocou o braço à volta do seu pescoço, entrelaçando-o no outro braço e, utilizando o vulgarmente denominado golpe “mata-leão”, começou a apertar o mesmo e efetuou um movimento brusco, com o objetivo de cercear a sua capacidade de resistência e/ou evitar que pedisse ajuda e permitir àquele, desse modo, apoderar-se das quantias monetárias e objetos que lhe interessassem;” e
23.Ao atuar do modo acima descrito, sabia o arguido que ao acercar-se de EE pelas costas, entrelaçar os seus braços e apertando o pescoço da mesma, zona do corpo mais frágil onde passa a espinal medula e com pouca massa muscular devido à sua idade avançada, atuava de modo a provocar-lhe a morte, resultado esse que previu e com o qual se conformou;”

Analisando estes dois factos, verificamos que dos mesmo decorre que o recorrente, agindo com intenção de retirar à vítima capacidade de resistência e/ou evitar que pedisse ajuda, de modo a que ele pudesse apoderar-se das quantias monetárias e objetos que lhe interessassem, aplicou à vítima a manobra descrita e que lhe provocou directa e necessariamente a morte, bem sabendo o recorrente que essa manobra era adequada a provocar tal resultado, o qual previu e com que se conformou.
Ou seja, o que resulta dos factos indicados é que o recorrente, agindo com intenção de cometer um crime de roubo – com dolo directo, prevendo e querendo o resultado – para cuja acção pretendeu colocar a vítima incapaz de reagir e/ou pedir ajuda – aplicou à vítima uma manobra que ele sabia que a podia matar, aceitando essa possibilidade e conformando-se com ela – dolo eventual.
Não existe, assim, qualquer contradição entre estes factos, muito menos insanável.
Mas alega ainda o recorrente que o facto dado como provado em 23) devia antes ter sido considerado como não provado, já que é uma conclusão de uma presunção de culpabilidade, a retirar dos restantes factos provados, os quais se analisados não permitem tal conclusão.
Desta forma, o recorrente invoca a existência do vício de erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal é pacificamente considerado, na doutrina e na jurisprudência, como aquele que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da decisão, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Neste sentido veja-se o Acórdão do STJ de 9.12.1998 (BMJ 482, p. 68) onde se conclui que erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta e o Acórdão do STJ de 12.11.1998 (BMJ 481, p. 325) onde se refere que o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.
O facto provado em 23) tem a seguinte redacção: 23. Ao atuar do modo acima descrito, sabia o arguido que ao acercar-se de EE pelas costas, entrelaçar os seus braços e apertando o pescoço da mesma, zona do corpo mais frágil onde passa a espinal medula e com pouca massa muscular devido à sua idade avançada, atuava de modo a provocar-lhe a morte, resultado esse que previu e com o qual se conformou;”

Ou seja, o que cumpre verificar é se estão provados os factos respeitantes ao elementos volitivos e intelectuais do crime de homicídio por que o recorrente foi condenado.
Os factos respeitantes aos elementos volitivos e intelectuais são inferências que se retiram dos restantes factos provados, sabido que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum [ensina Cavaleiro Ferreira – in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, 1981, pág. 292 – que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta, como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa; também Malatesta – in “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, págs. 172 e 173 – defende que, exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas (“percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência”)].
Afirma o recorrente de que dos restantes factos provados não se pode retirar a inferência dada como provada em 23, a qual deveria ter sido julgada não provada.
Afirma que o que sucedeu foi que um rapaz de 16 anos, para consumar um roubo, tendo como alvo uma cidadã idosa, recorreu a um golpe vulgarmente conhecido como “mata leão” e a cidadã acabou por falecer, sendo inteiramente falso que tenha previsto que da sua conduta resultaria a morte da vítima e que se conformou com tal resultado.
Realça que, como resulta do ponto 30 provado, tinha 16 anos de idade à data da prática dos factos, tendo abandonado a escola aos 14 anos de idade e completado apenas o 3º ano de escolaridade, sendo-lhe estranhos conhecimentos relacionados com medicina/ anatomia, não conhecendo outro caso de alguém que tenha sucumbido à aplicação de um golpe desta natureza e que pretendeu tão só imobilizar a vítima para poder consumar o roubo a que se propunha.
Efectivamente, resulta do acórdão recorrido que o recorrente tinha 16 anos de idade à data da prática dos factos e que abandonou a escola aos 14 anos de idade, tendo completado apenas o 3º ano de escolaridade. Todavia, admitindo como certo que não tenha conhecimentos de medicina, já não pode admitir-se que não tenha os gerais conhecimentos de anatomia que toda a gente tem – independentemente da idade ou do grau académico – e que permitem discernir os locais do corpo que, se atingidos, podem ter graves consequências para a vida. Assim é quando há agressões fortes (murros ou pontapés) na cabeça, ou quando se aperta o pescoço de alguém, seja estrangulamento ou golpe mata-leão, ou quando se aperta o pescoço de alguém com o braço, por trás, fazendo depois um movimento brusco por forma a partir o pescoço de quem está imobilizado.
Repare-se que o recorrente não se limitou a aplicar o golpe “mata-leão” – que, se aplicado durante tempo prolongado seria suficiente para tirar a vida à vítima, na medida em que a impedia de respirar – ainda efectuou um movimento brusco que lhe fracturou a coluna. Com efeito, tal como resultou provado no facto 18), a vítima não sofreu apenas lesões traumáticas nos tecidos moles do pescoço, sofreu também fractura bilateral dos cornos superiores da cartilagem tiroide e fractura da 2.ª vértebra cervical, com laceração completa da medula subjacente, lesão esta que determinou, direta e necessariamente, a sua morte.
O recorrente, ao posicionar-se atrás de EE, colocando um o braço à volta do seu pescoço, entrelaçando-o no outro braço e, utilizando o vulgarmente denominado golpe “mata-leão”, começando a apertar o mesmo, e efectuando um movimento brusco (facto provado 14), sabia que actuava de modo a poder provocar-lhe a morte, como qualquer pessoa sabe, prevendo, por isso, o resultado.
E não se coibiu de assim agir, pelo que, além de prever o resultado, conformou-se com ele [facto provado 23) in fine]. Agiu com dolo eventual.
Por isso, não se pode concluir pela existência de erro notório na apreciação da prova.
Da integração jurídica…
Alega o recorrente que a única solução jurídica idónea para a subsunção dos factos praticados pelo arguido é integrá-la no disposto no nº 3 do art. 210º do Cód. Penal, como autor material de um crime de roubo agravado pelo resultado morte.

Dispõe o art. 210º do Cód. Penal que:
«1- Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2- A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
a)-Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou
b)-Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
3- Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.»

No caso em análise, resultou provado que o recorrente, apercebendo-se que EE, idosa de 86 anos de idade, tinha procedido ao levantamento de 500 € que guardou na sua carteira, seguiu-a até à entrada do prédio da sua residência, entrou no prédio, tocou à campainha da fração onde EE residia e, quando esta abriu a porta, forçou a entrada no imóvel, empurrando-a, e como esta reagiu, o recorrente, utilizando o vulgarmente denominado golpe “mata-leão”, apertou-lhe o pescoço e efetuou um movimento brusco, com o objetivo de cercear a sua capacidade de resistência e/ou evitar que pedisse ajuda, permitindo-lhe apoderar-se das quantias monetárias e objetos que lhe interessassem. Por força da descrita conduta o recorrente tirou a vida a EE, após o que fez uma busca pela casa, apoderando-se de diversos objetos em ouro de características não apuradas e de valor não concretamente determinado, mas superior a 102 €, bem como da quantia monetária de 500 € que EE havia levantado momentos antes.

Mais resultou provado que o recorrente sabia que aquele imóvel era uma residência e se introduzia na mesma sem autorização e contra a vontade da legítima proprietária, EE, bem como que os objetos e as quantias monetárias de que se apropriou não lhe pertenciam e que atuava sem autorização e contra a vontade da respetiva proprietária; não obstante, agiu com o propósito de se introduzir no aludido imóvel e de, com recurso a força física, fazer seus os objetos e as quantias monetárias que ali encontrasse e lhe pudessem interessar, o que logrou concretizar. E resultou provado que o recorrente, ao utilizar a violência física descrita, sabia que o fazia contra uma pessoa de idade avançada, debilitada fisicamente e que, por isso, tinha menor capacidade de resistência, sabendo também que actuava de modo a provocar a morte de EE, resultado que previu e com o qual se conformou, agindo sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Resultou também provado que o recorrente agiu com o objectivo de suster a oposição de EE e evitar que esta pedisse ajuda e, desse modo, lograr apoderar-se, sem qualquer resistência ou incómodo, de todas as quantias monetárias e bens que encontrasse no interior da residência e lhe pudessem interessar.
O que cabe decidir é se a conduta do recorrente integra a prática dos crimes de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nº 2, alíneas c), e) e g), ambos do Cód. Penal; e de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 204º, nº 1, alínea f), ambos do Cód. Penal – por que foi condenado – ou apenas de roubo agravado p. e p. pelo art. 210º, nº 3 do Cód. Penal, tal como defende o recorrente.
Tem vindo a doutrina e a jurisprudência a entender, de forma unânime, que quando numa mesma ocasião ocorrem os crimes de roubo doloso e de homicídio doloso dá-se um concurso efectivo de crimes.
Poderia perguntar-se se, constituindo a previsão do nº 3 do art. 210º do Cód. Penal, um crime preterintencional, não poderia abranger também o homicídio com dolo eventual, atenta a definição do art. 18º do Cód. Penal de que quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.
De facto, a referência a “pelo menos a título de negligência”, poderia inculcar a ideia de abranger uma possível imputação de resultado dolosa.
Todavia esta questão é respondida pelo Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2ª edição, p. 320) da seguinte forma:problema interessante que pode suscitar-se é o de saber se, ao afirmar a lei que o resultado agravante deve ser imputável ao agente “pelo menos a título de negligência”, ela quer admitir que, em certos casos, aquele possa ser dolosamente produzido (o que seria de todo impossível nos quadros do crime preterintencional). (…) Todavia uma resposta afirmativa à questão posta justifica-se do duplo ponto de vista acima expendido: porque o resultado agravante pode não constituir, tomado autonomamente, um crime – caso em que a agravação resultante do concurso de crimes estaria automaticamente afastada; e depois porque, mesmo que constitua um crime, pode a sua punibilidade autónoma ser restrita às hipóteses de dolo directo, e todavia o resultado agravante ter sido produzido apenas com dolo eventual. E talvez ainda (e sobretudo) porque quando a produção dolosa do resultado mais grave constituísse o fim da conduta, um concurso efectivo deste crime com o crime doloso antecedente (assim e agora transformado em crime-meio) poderia não dever ser aceite”.

Assim, nada obsta a que se afirme que o concurso entre o tipo legal do crime de roubo e o de homicídio doloso (mesmo que o dolo seja eventual) é um concurso efectivo.
Pode ler-se no Comentário Conimbricense do Código Penal (tomo II, vol. I, p. 212) queEntre o tipo legal de roubo e o de homicídio doloso (…) haverá concurso efectivo de crimes – o nosso CP não conhece a figura do latrocínio (…) já entre o roubo e o homicídio negligente (…) poderá haver concurso aparente, aplicando-se o tipo legal de roubo agravado (art. 210.º-3)” e continua na p. 228 “Não cabe neste preceito o latrocínio – roubo doloso com homicídio doloso (figura prevista no CP de 1886, art. 433º) para caber tal situação o legislador teria de se referir expressamente ao homicídio doloso (cf. DAMIÃO DA CUNHA, RPCC 1992 576 ss.). Assim uma situação em que ocorra um roubo doloso e um homicídio doloso originará um concurso de crimes (neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 02-11-2010).
Se o homicídio for cometido para preparar, facilitar ou encobrir o roubo (ou o furto) não estaremos perante este preceito, mas sim perante um concurso de crimes (roubo ou furto consoante a situação, em concurso com homicídio qualificado – art. 132.º f)), desde logo porque se trata de um homicídio doloso (…)”.

Na jurisprudência pode ver-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 25.05.2000 (Proc. 0082289) com o seguinte sumário:I- com o CP/82 desapareceu a figura criminal complexa do latrocínio, pelo que as situações de roubo acompanhado de homicídio da vítima passaram a constituir concurso criminoso de roubo e de homicídio. II- O artigo 210º3 do CP (roubo agravado pela morte da vítima) implica que a morte da vítima de crime de roubo se fique a dever a negligência, simples ou grave, do agente” – no mesmo sentido cfr. os Acórdãos do STJ de 11.06.1997 (Proc. 96P1451); de 18.03.1999 (P. 98P1116); e de 15.10.2014 (Proc. 107/13.4JACBR.C1.S1).

No último acórdão referido pode ler-se que o crimeprevisto no nº 3 do art. 210º do CP (…) é um crime preterintencional, caracterizado pela conjunção de um crime fundamental doloso (roubo) com um resultado (morte) provocado pela conduta do agente, não compreendido no dolo, mas imputável a título de negligência, consciente ou inconsciente (art. 18º do CP).
Se o resultado morte for imputável a título doloso (em qualquer das suas modalidades), a conduta já não é subsumível ao art. 210º, nº 3. Nesse caso, constituirá um concurso efetivo de crimes: roubo e homicídio. Na verdade, não é possível configurar um concurso aparente entre esses crimes, ao contrário do que sucederá no concurso do roubo com o sequestro, a ofensa à integridade física ou a ameaça”.

Pelo que, em casos como o dos autos, não há dúvida que estamos perante um concurso efectivo de crimes.
Contudo, no concurso que se verifica, a conduta que integrava o crime de roubo deixa de manter a tipicidade como tal.
Assim se decidiu no recente Acórdão do STJ de 23.06.2021 (proc. 42/20.0JSGRD.C1.S1), bem como no Acórdão do STJ de 29.10.2009 (proc. 508/05.1GLLE.S1) em cujo sumário consta: I - Nas situações em que ocorre um roubo doloso e um homicídio doloso origina-se um concurso de crimes. O crime de roubo consome as ofensas corporais ínsitas na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente, mas não o homicídio doloso. II- No caso em que o homicídio se destina a facilitar a execução da apropriação dos bens da vítima o concurso estabelece-se entre o homicídio e o furto e não entre o homicídio e o roubo, pois a violência já é punida no âmbito do homicídio.

Este acórdão é também citado no Comentário Conimbricense do Código Penal ((tomo II, vol. I, p. 228), onde se refere que «A única dúvida seria a de saber se o concurso se estabelece com o roubo se com o furto; o citado acórdão considera que “No caso em que o homicídio se destina a facilitar a execução da apropriação dos bens da vítima o concurso estabelece-se entre o homicídio e o furto e não entre o homicídio e o roubo, pois a violência já é punida no âmbito do homicídio”. Porém, cremos que o concurso será com o roubo, se a violência exercida para subtrair o bem se puder distinguir da usada para matar – p. ex., se o agente usa de violência para subtrair o bem e depois mata para encobrir o roubo

No caso que agora analisamos, tendo o recorrente matado a vítima logo que entrou na residência desta, após o que fez uma busca pela casa, apoderando-se de diversos objetos em ouro de características não apuradas e de valor não concretamente determinado, mas superior a 102 €, bem como da quantia monetária de 500 €, podemos concluir que a violência exercida sobre a vítima é punida no âmbito do crime de homicídio e a subsequente apropriação de bens integra a tipicidade objectiva e subjectiva do crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, alínea f), do Cód. Penal.
Estamos, portanto, perante um erro de direito não alegado pelo recorrente.

De acordo com o Acórdão da Relação do Porto de 10.09.2008 (Proc. nº 0841369)Ainda que não incluído (directamente) no objecto do recurso, afigura-se-nos estar ínsito na natureza e finalidades dos Recursos a correcção, pelo Tribunal Superior, de eventuais erros de Direito que, pela sua relevância, entenda ser de suprimir; sem prejuízo, é evidente, da proibição de reformar a decisão em sentido mais desfavorável ao condenado (“reformatio in pejus”).

Nesse sentido se pronunciam Simas Santos e Leal-Henriques (Recursos em Processo Penal, Editora Rei dos Livros, 6º Ed. 2007, pp. 86-87), qualificando tal entendimento como “tributário da concepção dos poderes de cognição do Tribunal Superior em matéria de indagação e aplicação do Direito (v.g. da qualificação jurídica), poderes só limitados pela proibição da reformatio in pejus.”

Na referida obra é, mesmo, citado o Ac. do STJ, de 15/09/1993 (in BMJ, p. 429-501): “Decidiu o STJ no Ac. 19/10/2000, Proc. nº 2803/00-5: «ainda que o recorrente não ponha concretamente em causa a incriminação definida pelo Colectivo (no caso, o objecto do recurso circunscreve-se à questão da medida da pena aplicada), não pode nem deve o STJ – enquanto Tribunal de Revista e órgão, por excelência e natureza, mentor de Direito – dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções.”

Este entendimento será extensível aos Tribunais de Relação, com equivalente poder decisório – embora em escala hierárquica diferente –, ao nível do reexame da matéria de Direito”.

Também no Acórdão do STJ de 2.04.2008 (Proc. nº 07P4197) se decidiu queAquele objectivo único assim expresso pelo recorrente não impede, porém, este Supremo Tribunal de indagar, por iniciativa própria, da correcção da subsunção jurídica feita no acórdão recorrido, ou averiguar se efectivamente se está perante caso de concurso real de infracções, como tem sido entendido por este Tribunal em vários arestos, invocando-se o Acórdão 4/95, de 07-06-1995, in DR, I Série, de 06-07-1995, e BMJ 448, 107, que então decidiu: “O Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”.
Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode nem deve o STJ - enquanto tribunal de revista e órgão por excelência e natureza, mentor de direito - dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções”.

O que significa que a punição pelo crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 204º, nº 1, alínea f), ambos do Cód. Penal, não pode subsistir e, nestes termos, altera-se a qualificação jurídica imputada ao recorrente, que se queda pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, alínea f), do Cód. Penal (sem necessidade de se proceder à comunicação a que alude o nº 3 do art. 358º do Cód. Proc. Penal porque a alteração determina a convolação para crime menos grave).

Das penas

Para além da necessidade de proceder à alteração da pena parcelar, decorrente da convolação jurídica acabada de operar, há que atentar ainda que o recorrente, nas suas alegações de recurso, insurgiu-se contra a circunstância de não ter beneficiado da atenuação especial do Regime Penal Especial para Jovens e afirmou ainda que as penas parcelares de 16 e 6 anos de prisão se revelam excessivas e deveriam situar-se mais próximo do limite mínimo legal, o que se deveria repercutir na pena única, também ela, a aproximar-se do limite mínimo.
Invocou a seu favor a idade, a ausência de antecedentes criminais e a postura confessória e de arrependimento patenteada em julgamento.

Relativamente à não aplicação do Regime Penal Especial para Jovens, o Tribunal recorrido fundamentou como segue a sua opção:
À data da prática dos factos, o arguido tinha 16 anos de idade, o que nos impõe a ponderação da possibilidade de, verificados os respetivos pressupostos, proceder à aplicação nos presentes autos, do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro. Com efeito, tal regime é aplicável a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime e que, à data da prática do mesmo, tenham idade superior a 16 anos e inferior a 21 anos (cfr. artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, do aludido diploma legal).
De acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, no caso de ser aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Trata-se de um poder dever vinculado que o juiz deve e tem de usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos. Porém, o aludido artigo 4.º não opera de forma automática, exigindo-se antes um prognóstico favorável acerca do seu comportamento, do seu caráter evolutivo e da sua capacidade de ressocialização. Tem sido entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que a aplicabilidade do referido regime deve ser sempre ponderada, só podendo ocorrer se se tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, sem prejuízo da necessidade de prevenção geral, ou seja, que sem prejuízo das necessidades de prevenção geral se possa concluir por um juízo de prognose positiva quanto ao efeito que a atenuação especial da pena pode ter para a reinserção social do arguido (cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de abril de 2004, in CJ, ano XII, tomo II, Coimbra, 2004, pág. 181).
Ao fazer o juízo sobre a aplicabilidade do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, o julgador não pode, assim, atender exclusivamente à gravidade da ilicitude ou da culpa do agente, devendo considerar a globalidade da atuação e da situação do jovem e para isso o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime. Tal será indispensável para que aquele possa avaliar a existência ou não de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Ora, analisando o caso dos autos, verifica-se desde logo, que a ilicitude dos factos praticados pelo arguido é elevada, sendo certo que a sua culpa é grave, tendo agido com dolo eventual no que se refere ao crime de homicídio qualificado que cometeu e com dolo direto no que se refere ao crime de roubo agravado por que vai condenado nos autos.
No que respeita à sua personalidade, verifica-se que o arguido confessou parcialmente os factos e manifestou arrependimento, sendo ainda muito jovem (17 anos). Por outro lado, o arguido não tem averbadas no seu registo criminal quaisquer condenações.
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 17.04.2013, disponível em www.dgsi.pt, referindo-se ao acórdão ali recorrido, citou o seguinte trecho a propósito da análise a fazer com vista a aquilatar da aplicação ou não do regime penal especial para jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos: “…para além da idade, impõe-se também que a atenuação especial facilite a reinserção, juízo que, porém, não radica em mero subjectivismo, antes devendo assentar em elementos factuais provados que conduzam à conclusão de que a moldura penal comum não cumpre, por excessiva, os fins da socialização do jovem condenado.
Para o juízo sobre a situação concorre o próprio facto criminoso, na medida em que é a revelação do maior ou menor desajustamento do jovem ao acatamento dos valores jurídicos, não devendo esquecer-se que as penas cumprem também finalidades de prevenção geral. Daí que a atenuação especial em referência se justifique quando, no juízo global sobre os factos, se puder concluir que é vantajosa para o jovem, sem constituir desvantagem para a defesa do ordenamento jurídico…” A atenuação tem de emergir de um julgamento do caso concreto que incuta na convicção do juiz a crença em sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reinserção.
Como referido foi no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2008, disponível em www.dgsi.pt, a aplicação do regime especial para jovens não depende de se terem provado circunstâncias suscetíveis de demonstrar que da sua aplicação resultam vantagens para a reinserção social do condenado, mas de o tribunal ter sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção do condenado. Ora, na análise a realizar há, ainda, que considerar o quadro de vida do arguido, a sua vivência pessoal e familiar, nos termos que constam da factualidade provada.
No caso dos autos, importa atender ao elevado grau da ilicitude e da culpa, ao modo de execução dos crimes cometidos pelo arguido, aproveitando a sua superioridade física em relação a EE, impedindo-a de se defender, a sua personalidade espelhada no facto de, após ter provocado a morte a EE, ter percorrido toda a casa daquela em busca de bens e quantias monetárias de que pudesse apoderar-se, após o que, numa atitude de completa indiferença por EE, abandonou a residência daquela na posse de diversos objetos e da quantia monetária de 500 €, tendo fechado a porta atrás de si. Considerada globalmente a situação concreta do arguido, importa constatar que o arguido não é merecedor de tratamento penal especializado.
Tudo visto, importa concluir que a confissão parcial e o arrependimento manifestado pelo arguido, podendo funcionar como atenuantes, são de baixo relevo no contexto, restando o fator essencial da idade, pressuposto formal da aplicabilidade do regime especial, mas que não é suficiente para que daí decorra automaticamente a aplicação da atenuação especial prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, não constituindo isoladamente uma séria razão para aplicar a medida com o alcance de que a redução da gravidade da reação punitiva favorecerá a ressocialização do arguido. Assim, a idade deverá ser considerada em sede de determinação concreta da pena, como atenuante geral.
Termos em que, sopesados todos os elementos acima referidos, conclui este Tribunal pela não aplicação no caso dos autos da atenuação especial da pena prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.

O regime consagrado no D.L. 401/82, de 23.09 tem por base a concepção de que o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado e a crença na capacidade de ressocialização do homem, sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade”, entendendo que nestas idades se deve dar clara preferência à aplicação de medidas correctivas, mais reeducadoras do que sancionadoras, sem que com isso exclua a imposição da pena de prisão, que deve, no entanto, poder ser especialmente atenuada se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”, sendo que a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos” terá lugar “quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade”, o que também não obsta à aplicação de penas de substituição, uma vez que de acordo com o art. 2º do D.L. 401/82, de 23.09, a lei geral aplicar-se-á em tudo que não for contrariado pelo presente diploma – assim, o Preâmbulo do citado D.L. 401/82 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.11.2008, pesquisado em www.dgsi.pt.

Pelo que são critérios de prevenção especial de socialização os que devem presidir à decisão de aplicação da atenuação especial da pena de prisão prevista no art. 4º do D.L. 401/82, a qual deverá ser aplicada sempre que o Tribunal conclua (por sérias razões) que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem – mas só nesses casos. Com efeito, a existência no nosso ordenamento jurídico de um regime penal especial para jovens não significa que estes tenham necessariamente de dele beneficiar, devendo a aplicabilidade do mesmo ser sempre ponderada, e só sendo aplicado nos casos em que se mostrem satisfeitos os respectivos requisitos.

No juízo de prognose a formular sobre a existência de vantagens para a reintegração na sociedade do jovem condenado devem ser tidas em conta todas a circunstâncias atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades de pena, tendo presentes a personalidade do jovem delinquente e suas condições pessoais, com destaque para o comportamento anterior e posterior aos factos, mas tendo ainda em atenção a sua inserção social.

No caso dos autos, o recorrente tem baixa escolaridade (concluiu o 3º ano de escolaridade). Não está integrado socialmente. A condição socioeconómica do agregado familiar revela-se precária e dependente de apoios sociais. Em liberdade era consumidor pontual de “haxixe”.
Não tem antecedentes criminais, mas tinha atingido a imputabilidade há 6 meses, pelo que tal não se afigura de relevo. A sua confissão foi parcial. Manifestou arrependimento.
Por outro lado, a ilicitude dos factos cometidos (e descritos no acórdão) é extremamente grave, tal como elevada é a culpa. Repare-se que o recorrente planeou cuidadosamente os factos, escolhendo a vítima, seguindo-a e matando-a na residência desta para se apropriar dos valores que ela possuía.
Em face deste quadro, podemos afirmar que não há sérias razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem. Pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao não aplicar o Regime Penal Especial para Jovens ao recorrente.

Com respeito às penas parcelares e única aplicadas, disse o Tribunal recorrido:

Nos termos do artigo 71.º, n. º 1, do Código Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, dentro dos limites definidos pela lei.
Tal artigo consagra assim o princípio que representa a pedra de toque do Direito Penal português, o princípio da culpa. Com efeito, segundo tal princípio, toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, princípio que encontra desde logo consagração no artigo 13.º do Código Penal, que apenas prevê a punibilidade do facto praticado a título de dolo, ou em casos especialmente previstos na lei, a título negligente. Na verdade, não só não há pena sem culpa, como é também a culpa que decide a medida da pena (artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do Código Penal).
Quanto à prevenção, a pena tem dois tipos de finalidades: por um lado, uma finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, visando a defesa da ordem jurídico-penal tal como é interiorizada pela consciência coletiva (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8/10/1997, cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt) e, por outro lado, a prevenção especial positiva ou de socialização, a qual pressupõe que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá, no futuro, outro crime (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1/07/1998, cujo sumário se encontra disponível em www.dgsi.pt). Culpa e prevenção ocupam assim papéis primordiais na determinação da medida da pena. A propósito do papel de ambas, diz o acórdão da Relação de Coimbra de 17/01/1996, in CJ, 1996, tomo I, pág. 38 “...IIIQuanto à culpa, o facto ilícito é prevalentemente decisivo, devendo antes de tudo o mais, ser valorado em função do seu efeito externo (ataque ao objeto em particular, designadamente os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos). IV–Quanto à prevenção, constitui um fim, relevando para a determinação da pena necessária, em função da maior ou menor exigência do ponto de vista preventivo, acabando por fornecer, em último termo, a medida de pena...”.
Tendo em conta a frequência com que são cometidos crimes contra o património, bem como o grande alarme social causado pelo crime de homicídio qualificado, as necessidades de prevenção geral são elevadas quanto ao crime de furto e muito elevadas quanto ao crime de homicídio qualificado praticados pelo arguido.
Na determinação concreta da pena, tem o tribunal de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente os critérios referidos nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal. Assim, no caso dos autos, devem atender-se aos seguintes critérios, ao abrigo daquele artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal:
- Atendendo ao modo como o arguido atuou por forma a tirar a vida a EE, bem como ao seu comportamento posterior ao golpe de mata-leão que sobre a mesma infligiu e, ainda, atendendo à frieza e premeditação por si reveladas desde que encontrou aquela no balcão da ... e até a abordar no interior da sua residência, tirar-lhe a vida e, após, apoderar-se dos bens que encontrou, a ilicitude é muito elevada quanto a ambos os crimes por que o arguido vai condenado;
- O dolo do arguido é direto quanto ao roubo agravado e eventual quanto ao homicídio qualificado;
- O arguido confessou parcialmente os factos e manifestou arrependimento pelos mesmos;
- À data dos factos, AA vivia com a mãe CC, de 37 anos de idade, com a irmã uterina GG, de 2 anos de idade e com a sua companheira HH, de 17 anos de idade, com quem casou de acordo com os costumes e tradições da cultura …, a que pertence;
- A mãe do arguido referiu ter mantido, durante cerca de 5 anos, uma relação amorosa pautada por grande conflitualidade e agressividade ao qual atribui grande instabilidade no seio familiar, perturbando a sua dinâmica e a gestão do dia a dia da família, passando o arguido a manifestar instabilidade emocional e absentismo escolar, tornando-se muito difícil para a sua mãe supervisionar as suas rotinas e modo de vida;
- O arguido entrou na escola em idade normativa, mas apresentou uma trajetória escolar caracterizada por falta de interesse pelos estudos, dificuldades na aquisição das matérias e absentismo, tendo reprovado várias vezes e abandonado a escola aos 14 anos de idade, apenas tendo completado o 3.º ano de escolaridade;
- Antes de ser preso preventivamente, AA não apresentava qualquer ocupação formativa/lúdica estruturada, ocupando o seu tempo livre no convívio com a família ou com amigos;
- Presentemente, AA reconhece a importância da formação escolar/profissional para o seu futuro frequentando, no Estabelecimento Prisional um curso para aquisição de competências básicas;
- AA perceciona a situação económica da família como suficiente, sendo o seu sustento e o da companheira assumido pela mãe e pelos pais da companheira;
- O agregado familiar apresentava uma situação económica sustentada nos apoios sociais, sendo a mãe beneficiária, à data dos factos, do Rendimento Social de Inserção, num valor mensal de 310 €, recebendo o abono de crianças e jovens atribuído à irmã do arguido de 2 anos de idade, num valor mensal de 150 €;
- A situação económica do agregado familiar foi referida pela mãe do arguido como escassa;
- A zona de residência do arguido é conotada com problemas de exclusão social e marginalidade;
- No Estabelecimento Prisional o arguido mantém acompanhamento psicológico;
- Em meio livre o arguido tinha consumos pontuais de haxixe, encontrando-se atualmente abstinente em meio prisional;
- No Estabelecimento Prisional o arguido tem visitas regulares do irmão e da companheira, contactando telefonicamente com a mãe, por esta se encontrar presa preventivamente;
- A família demonstra total disponibilidade para apoiar o arguido no que se mostrar necessário;
- O arguido não atesta qualquer condenação no seu registo criminal.
*
Ponderando os vários elementos supra expostos, entende o Tribunal que relevam de forma superior à média as exigências de prevenção especial positiva no caso concreto, decidindo o Tribunal condenar o arguido na pena de 16 anos de prisão pela prática do crime de homicídio por que vai condenado e na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de roubo.
*
CUMPRE APURAR A PENA ÚNICA EM QUE O ARGUIDO SERÁ CONDENADO, EM FACE DOS CRITÉRIOS CONTIDOS NO N.º 2 DO ARTIGO 77.º DO CÓDIGO PENAL.
Somando as penas parcelares aplicáveis aos crimes que o arguido cometeu, obtém-se o limite superior da moldura penal aplicável: 22 anos de prisão. O limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja, 16 anos de prisão.
Encontrando-se apurada a moldura abstrata, a pena única é determinada de acordo com a parte final do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, ou seja, considerando em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo esta última determinante para a aferição da pena unitária.
Considerando o já referido em sede de apreciação dos critérios elencados no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, bem como a personalidade do arguido também já descrita acima e espelhada nos factos que cometeu e na forma como os cometeu, o tribunal decide condenar o arguido na pena única de 18 anos de prisão.

Quanto à medida das penas parcelares aplicadas…

De acordo com os nºs 1 e 2 do art. 40º do Cód. Penal, a aplicação de penas… visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Figueiredo Dias (Temas Básicos da Doutrina Penal, p. 65 a 111), diz que o legislador de 1995 assumiu no art. 40º do Cód. Penal, os princípios ínsitos no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa,(princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1)-Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2)-A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3)-Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4)-Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

Américo Taipa de Carvalho (Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, p. 322), interpreta o actual art. 40º do Cód. Penal concluindo que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Assim, está subjacente ao art. 40º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

A medida concreta da pena é determinada, nos termos definidos pelo art. 71º do Cód. Penal, dentro dos limites definidos na lei… em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”

No caso, damos aqui por reproduzida a ponderada análise feita pelo Tribunal recorrido relativamente à ilicitude (desvalor da acção e do resultado) revelada em cada uma das condutas delituosas e ao dolo manifestado.
Há ainda que considerar que são elevadas as necessidades de prevenção geral, atendendo a que se trata de um tipo de crimes que causa intensa repulsa na sociedade, exigindo resposta adequada.
O recorrente é jovem, não tem antecedentes criminais, confessou parcialmente e manifestou arrependimento. Não tem competências pessoais e não está socialmente integrado – vivia com a mãe e com a companheira, mas não estudava nem trabalhava, vivendo todos de apoios sociais.
Analisando as circunstâncias apuradas na sua globalidade, justifica-se plenamente a pena parcelar aplicada, de 16 anos de prisão – situada ligeiramente abaixo de 1/3 da moldura penal – a qual se mostra ajustada à culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à norma violada.
Quanto ao crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, alínea f), do Cód. Penal, a que cabe, em abstracto, pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias, antes de mais, e porque estamos perante um crime punido com pena de prisão ou com pena de multa, cumpre optar por uma ou por outra, sendo que, nos termos do art. 70º do Cód. Penal, deverá preferir-se a segunda sempre que se entenda que esta realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
O recorrente confessou a prática destes factos, mas sem esclarecer totalmente do que é que se apropriou e nada tendo devolvido. A ilicitude do facto é muito elevada, dada a frieza e preparação do crime, escolhendo a vítima numa dependência bancária, em função da idade e do dinheiro levantado, seguindo-a até casa e forçando a entrada na residência quando ela abriu a porta. O dolo é intenso porque directo.
E, como já se disse, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, na medida em que este tipo de crimes causa grande alarme social.
Em face deste quadro, entende-se que só uma pena detentiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Cabe agora fixar a medida concreta da pena de prisão (entre 1 mês e 5 anos).
No caso concreto, repristinando tudo o que já se disse, é de aplicar ao recorrente uma pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual se afigura ajustada à culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à norma violada.

Quanto à determinação do cúmulo jurídico…

Atento o disposto no art. 77º, nº 1, 1ª parte, do Cód. Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única.

Nos termos do art. 77º, nº 2 do mesmo Código, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, acrescentando o nº 3 que se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
Assim, a pena aplicável ao recorrente tem como limite mínimo 16 anos de prisão e como limite máximo 19 anos e 6 meses de prisão.
Na determinação da pena conjunta, deve atender-se a critérios gerais e a um critério especial, que entre si se conjugam e interagem. Com efeito, tal determinação obedece, em primeiro lugar, aos critérios gerais constantes do art. 71º, nº 1 do Cód. Penal, já supra referidos, e ainda ao critério especial a que alude o art. 77º, nº 1, in fine, do Cód. Penal, tendo que ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
De harmonia com este critério, a conjugar com os demais supra referidos, deve sopesar-se o conjunto dos factos para aquilatar da gravidade da sua ilicitude, sendo decisiva para esta avaliação o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira” criminosa), ou tão só uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade.
No caso concreto, a consideração unitária dos factos e da personalidade do agente, leva-nos a considerar adequada a pena única de 17 (dezassete) anos e 3 (três) meses de prisão – em face da ilicitude dos crimes (sobre cuja gravidade já discorremos supra) e da personalidade do recorrente revelada nos factos.
* * *

Decisão

Pelo exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, ainda que com outros fundamentos e decidem:
- proceder à convolação do crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art. 204º, nº 1, alínea f), ambos do Cód. Penal, que o Tribunal a quo tinha imputado ao arguido, para o crime de furto qualificado com previsão nos arts. 203º e 204º, nº 1, alínea f), ambos do Cód. Penal;
- aplicar ao arguido, pela prática deste crime, a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, em substituição da anterior pena de 6 anos de prisão;
- proceder à reformulação do cúmulo jurídico de penas ficando o arguido/ recorrente condenado na pena única de 17 (dezasssete) anos e 3 (três) meses de prisão.
No mais, confirmam o acórdão recorrido.
Sem custas.


Lisboa, 21.05.2024


(processado e revisto pela relatora)


(Alda Tomé Casimiro)
(Carla Francisco)
(Rui Coelho)